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aulas de direito penal

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15/05/2013
Nova defesa social
Desenvolvida no séc. XX na França. Uma escola que tem como central a ideia de que o sistema penal devesse exercer uma influencia não no sentido de eliminar/neutraliza perigosos, essa escola enfatiza que no positivismo criminológico a estrutura do sistema penal e a função do direito penal está voltada para a eliminação de indivíduos considerados perigosos (inadaptáveis), e assim tornar a sociedade mais civilizada. A escola da Nova Defesa Social acredita no sentido de resocialização. E acreditam que o sistema penal deve estar voltado para uma ideia de reeducação daqueles que venham a ser inclinados pelo Estado.
Um dos autores mais importantes dessa corrente é um Francês chamado Marc Ancel. Esse professor foi quem melhor estruturou essa proposta da pena sendo um instrumento de resocialização. Já no século XIX é possível encontrar a contribuição do filosofo Emile Durkheim, que numa obra chamada "A educação moral". Esse autor vai dizer que equivocadamente os criminólogos italianos tem interpretado um crime como algo ruim, como uma patologia, uma doença do organismo social, e a gente deveria desconsiderar essa abordagem por que se ela for abolutizada é equivocada. Então ele diz que o crime não é algo estranho à vida social e nem necessariamente representa um mal a sociedade, ao contrario, guardada às devidas proporções, o crime pode ser até um elemento de virtude de uma sociedade. Ele entende que o crime enquanto um fato social punido pela ordem jurídica, essa estrutura de ocorrência do crime e punição teria uma virtude importante no convívio em sociedade. Quando a sociedade presencia o Estado punindo um crime, seria como se a sociedade fosse eletrizada a confirmar suas convicções morais em relação aquele crime. Ao presenciar aquele crime e confirmá-lo do ponto de vista moral, quando a sociedade concorda com a punição, ela está reafirmando os seus valores.
Então se em uma sociedade não ocorresse o crime, seria uma sociedade que não teria a oportunidade de confirmar os seus valores, seria uma sociedade submetida a uma espécie de inércia axiológica. Então, quando o crime ocorre e prontamente a sua punição, essa sociedade confirma aqueles valores que ela acha importante de serem mantidos. Então a ocorrência social do crime e a repulsa ao crime é uma forma da sociedade confirmar seus valores e aprende que reprimir aquilo é um valor, então o Estado tem um caráter pedagógico já que é por sua estrutura organizada que um crime é considerado crime e por ele imposta uma punição. O Estado então concorreria como um instrumento de educação moral da sociedade. Então a ocorrência de crimes é algo normal.
Só que a criminalidade para o Durkheim é também positiva sobre outro aspecto, já que ela pode ser a via por intermédio da qual uma sociedade avança (não é qualquer crime). Por exemplo: o uso de drogas é crime, mesmo que não punível com pena de prisão, mas tem atribuído uma responsabilidade penal. No entanto nós vemos uma contestação veemente a criminalização dessa conduta e essa contestação traz consigo um valor que é próprio das sociedades modernas, no núcleo dessa contestação há o valor da liberdade individual. Obviamente essa contestação a criminalização do uso de drogas não esgota toda a questão da liberdade individual, mas quando alguém diz que deveria ter o direito de usar drogas porque tem maturidade para entender que mesmo que isso traga um resultado lesivo a minha saúde, quem deve decidir sobre isso sou eu e o Estado não deveria intervir paternalisticamente nessa relação. Então, há uma discussão política aqui, até onde o Estado pode regular a vida dos indivíduos. Então Durkheim está dizendo que a pratica de um crime pode sinalizar que uma sociedade evolui no sentido de confirmar aqueles valores que são fundacionais. Então a pratica do crime (uso de drogas) pode ocorrer em sociedade e isso pode ser feito como uma forma de reafirmação de liberdade individual mesmo sendo criminalizado pelo Estado.
Ou seja, no núcleo dessa prática, pode haver um valor muito importante para essa sociedade sem que ela perceba. E esse momento de tensão da descriminalização da conduta é o momento que registra uma evolução dessa sociedade. Outro exemplo: a determinadas sociedades que criminalizam o homossexualismo, e aí está o mesmo valor da liberdade individual. É isso que esse autor quer mostrar, ele sendo um autor muito progressista.
Ele diz também que se nós temos que entender que o crime tem uma dimensão pedagógica numa sociedade, também não poderia deixar de lembrar que a punição deve ter a capacidade de ser um instrumento de produção de solidariedade social. Ele diz que os criminólogos positivistas transformam a pena em destruição da integração da sociedade, a exclusão do individuo da sociedade por considerar uma doença e que isso é absolutamente equivocado. A punição não pode ser compreendida assim, mas pelo contrário, com sentido de readaptação. Para ele o criminoso em regra é alguém que contesta valores da sociedade, obviamente não está considerando que toda contestação seja legitima/boa. Às vezes a contestação pode se fazer com base nos princípios da própria cultura da sociedade (ex. principio moderno de liberdade individual). Ele diz que mesmo se o individuo realize uma pratica considerada criminosa e ela seja estranha aos valores culturais sobre os quais essa sociedade está arraigada, por exemplo, negar propriedade privada que é um valor das sociedades modernas e capitalistas. Mesmo que ele viole esse valor e não encontre na cultura respaldo para essa violação, mesmo assim a pena que deveria ser atribuída a ele deveria ter uma função social que não seria a de aparta-lo da sociedade, mas uma pena que tivesse caráter pedagógico e inserisse nesse indivíduo tais valores. (obs.: os positivistas consideravam abominações orgânicas principalmente os criminosos contra a propriedade privada). Durkheim vai dizer que todo criminoso é um produto da sociedade e ele não está perdido. Ele diz que existe raízes culturais e sociológica para a criminalidade. Se o sujeito realiza um crime mesmo contra os valores da cultura, significa que foi socializado indevidamente ou que a própria cultura cria uma espécie de curto circuito existencial no individuo e ele acaba praticando um crime contra os valores da cultura por conta da própria cultura.
Exemplo: uma antropóloga dos anos 50, Margareth Mid fez um estudo dos crimes sexuais dos Estados Unidos e ela ficou espantada com a quantidade de crimes não relatados. Então, para os positivistas o criminoso sexual é o atávico, o selvagem, alguém por conta de uma monstruosidade orgânica fundamentalmente realiza esse tipo de crime. A Margareth vai então à ilha de Samoa e observa a inexistência de crimes sexuais e chega a uma conclusão, o fato de os samoanos viverem a sua vida sexual sem o interdito do pecado, sem o interdito dos tabus que eram tão sólidos na sociedade americana. Então ela está dizendo que a cultura norte americana construiu uma repressão moral tamanha sobre a sociedade que uma das consequências dessa repressão são os crimes sexuais. Então o problema está na cultura. A culpa é da sociedade que não foi capaz de realizar devidamente a sua socialização. Ou a família falhou, ou a escola, ou a comunidade falhou em habilitar aquele individuo com os valores capazes de fazer com que ele pudesse conviver socialmente.
Então a punição deve ter caráter pedagógico. A brutalidade da punição, em si não diz nada. A pena tem que ser capaz de comunicar algo àquele individuo capaz de internaliza-lo a uma responsabilidade moral. Porque se não, cairemos num raciocínio falso de que o problema é quantidade da pena, e não é isso. Para os durkheinianos a pena é um instrumento de inserção de valores. Isso significa que a penitenciaria precisa se profissionalizar, ou seja, o agente penitenciário é o profissional de menos importância, porque seu papel é manter o individuo lá dentro preso. Para esses pensadores as penitenciarias deveriam ser compostas por outros profissionais, como psicólogos,antropólogos, criminólogos, pedagogos, assistentes sociais, terapeutas, etc. Pessoas com capacidade de diagnóstico e prognóstico, e com a função de inserir valores a esses indivíduos que para a nossa sociedade são socialmente integradores e construtivos. E isso seria uma forma de prevenção, pois nada adianta colocar um criminoso por dez anos numa cadeia isolado de tudo, pois quando solto, fará o mesmo.
 
 
 
Outro sociólogo, norte americano, Robert M. vai criar uma "teoria do desvio". Ele vai afastar aquelas teses do positivismo criminológico, e para ele, fundamentalmente o crime é resultado de uma contradição entre culturae estrutura social. Um dos elementos da cultura é que ela traça aqueles valores que são fundadores daquela civilização, já que as práticas comportam valores. Por traz da prática existe um valor (ex. utilitarismo = valor individual, catolicismo = sacrificar-se pelo outro). Então a cultura traça o pilar da civilização. O curioso é que uma mesma cultura pode informar sociedades completamente diferentes. Por exemplo, as sociedades: norte-americana, a canadense, a inglesa e a brasileira partilham o mesmo solo cultural. Essas estruturas sociais diferenciadas partilham o mesmo solo cultural. Por exemplo, em todas elas o crescimento econômico é um valor, enriquecer é um valor. Então temos cultura como algo mais básico e estrutura social como sendo sociedades diferentes, se organizam em regras diferenciadas. Então, uma pessoa no Brasil pode enriquecer pela prostituição de si mesma, mas em alguns Estados dos EUA não podem. Então o valor do enriquecimento é partilhado por ambas as sociedades, mas as estruturas sociais de cada uma impede ou concede certos meios para se atingir o objetivo.
O crime então acontece quando indivíduo tem como válidos os valores da cultura, mas pega um desvio quebrando as regras jurídicas da sociedade para alcançar o objetivo. Isso não significa que o sujeito não tenha valores, pelo contrario, mas entende que seguindo as regras não será possível alcançar o objetivo baseado em um valor colocado pela cultura. Então o autor diz que é o mesmo motivo que leva o pessoal da periferia a cometer um crime (patrimoniais). Então ele diz que estatisticamente a tendência é a dos mais pobres cometerem mais crimes, sobretudo patrimoniais, pois eles entendem que a situação deles para atingir o resultado do enriquecimento é muito mais difícil. Observação do professor: acho que ele está errado porque crime e pobreza não estão ligados, o crime não é uma prerrogativa das classes pobres, a única coisa que o faz raciocinar dessa forma é a visibilidade com a qual esses crimes são capturados pelo sistema penal, pois é mais fácil capturar tais crimes.
O autor diz que a criminalidade ocorre porque a sociedade é responsável por isso, porque ela distribui mal a renda. Por exemplo, a sociedade americana adquiriu esse valor do enriquecimento, mas ao mesmo tempo impediu que a maior parte da população alcançasse esse objetivo. Então a contradição entre estrutura social e cultura fez com que essa própria sociedade construísse os germes da própria criminalidade. Essa sociedade está perdida porque ela própria criou para ela uma contradição. Ele diz que a quando a sociedade transformou sua estrutura econômica completamente desigual, ela criou os germes da sua própria destruição. Então a criminalidade não pode ser interpretada a partir do individuo criminoso, mas a partir da estrutura social que constrói a criminalidade e colocar as pessoas na cadeia não irá resolver nada, a questão é mudar a estrutura social, a distribuição de renda. Mas ainda sim, quando ocorrer a incidência da penitenciaria sobre esses criminosos, não adianta neutraliza-los. É preciso dotar essas pessoas que virtudes e valores socialmente construtivos.
Eis então esse pensamento de Durkheim que vai contribuir decisivamente para uma mudança do olhar sobre a criminalidade e no tratamento dela. Não se trata apenas numa mudança de caráter discursivo, a necessidade de uma nova realidade de discussão de mudança do sistema penal com ênfase da resocialização foi acompanhada de uma mudança concreta, real, dentro da estrutura do sistema penal. Essas mudanças foram, primeiramente, a mudança da lógica da prisão, que deixa de ser uma jaula e passa a ser um local onde reúnem profissionais que graças a sua formação estariam habilitados a fazer da penitenciaria um local de realização de atividades e que um indivíduo uma vez submetido è elas, teria a capacidade de se resocializar. E as vias, os pilares para isso são: trabalho e educação. Então a penitenciaria passa a ser um instrumento de resocialização.
 
Haverá não só uma profissionalização da penitenciária, com o objetivo de submeter os internos a uma reeducação moral, mas a própria legislação penal deveria ser composta de tal forma a fazer com que o individuo que viesse a ser criminalizado passasse o mínimo de tempo possível na penitenciaria. Porque esses sociólogos dizem que a penitenciaria é um paradoxo, como eu resocializo desintegrando o indivíduo da sociedade? Então a legislação penal deveria ser construída de tal forma que o individuo saísse de La o mais rápido possível e por conta disso, institutos penais serão desenvolvidos. Então se o individuo comete um crime de baixo teor ofensivo é possível aplicar sobre ele uma suspensão condicional de processo, e na fase processual o juiz diria que suspenderia o processo desde que a pessoa se comportasse de tal forma, lembrando que a não continuidade do processo esta diretamente ligada ao comportamento do indivíduo. Outra medida possível é a suspensão condicional da pena, isso está na nossa legislação, mas já está sendo abandonado. Então o objetivo é fazer com que o individuo volte o mais rapidamente ao convívio social.Livramento condicional, o individuo fica preso, mas transcorrido certo período definido em lei, o juiz dizendo que ele tem um bom comportamento carcerário, esse individuo ganha a liberdade condicionalmente. Outro instituto seria a progressão de regime, um indivíduo é condenado a dez anos de reclusão e começa a cumprir em regime fechado, e cumprindo um sexto da pena, se o crime não for hediondo, passa a um regime semiaberto. Eles dizem que uma sociedade que pune com objetivo de vingança odiosa, é uma sociedade que vai muito mal, que não se civilizou. Outro instituto é a remissão de pena, o indivíduo quando realiza trabalho dentro da prisão, ou estuda, tem direito a suprimir 1 dia de prisão do tempo de pena, isso para fazer com que passe mais rápido e que ele se resocialize o mais rápido possível. Para esses autores não vale a crítica de que não funciona, pois afirmam que não é um erro de projeto, mas sim de funcionamento.
Podemos acrescentar a tese de um dos mais importantes criminólogos do séc. XX professor da universidade de Chicago, o Edwin Sutherland. Ele é o pai da expressão "crimes do colarinho branco". Quando se tem um sistema penal cujas penitenciárias são construídas para serem de segurança máxima, e quando a integralidade de seus funcionários é basicamente composta de agentes cuja especialidade é colocar e tira o sujeito de jaula, dá para entender a lógica de funcionamento desse modelo, que é a de neutralização, para os sujeitos padecerem lá o mais tempo possível. Se o novo código penal que se tem prometido sair, é um código penal odioso. O Sutherland tem uma teoria da "associação diferencial", então nesse cenário da pena enquanto resocialização, ele vai dizer que não concorda com a ideia de que a atividade criminosa seja produto de uma socialização deficiente, ele vai dizer que a atividade criminosa é resultado de uma socialização que foi muito bem feita. Ou seja, do mesmo jeito que a gente aprende a falar, regras de etiqueta, de respeito, a se vestir, a gente também aprende a cometer crimes. Nós todos somos criminosos, e ainda fazemos com uma justificativa, como por exemplo: tirar cópia de livros para estudar. E isso é visto como um valor. Do mesmo modo, outras praticas criminosas são aprendidas dentro de interações sociaise que o individuo vê a atividade criminosa inclusive como sendo valiosa. O menino da periferia, soldado do tráfico, segurando um fuzil, ele esta ali também porque ele aprendeu que existe amigos e inimigos, ele está defendendo seu território e disposto a morrer pelos amigos, logo não há como dizer que este indivíduo não tem valores, talvez ele não tenha os seus.
Então o autor vai dizer que as sociedades complexas não são blocos monolíticos de valores sociais. As sociedades são plurais. Ele diz então que o comportamento criminoso é comunicado dentro da interação social, é aprendido, só que esse aprendizado depende de muitas variáveis: ser aceito em um grupo, partilhar dos valores do grupo, estar de posse de elementos culturais que lhe permita a realizar certas atividades. Não basta apenas querer cometer crimes de lavagem de dinheiro, por exemplo, é preciso ter habilidades para isso. Esse espírito de corpo, fazer parte e valorizar o grupo, acaba sendo fundamental para o aprendizado do crime e o autor lança as bases fundacionais para o estudo do crime organizado.
Então, ele percebe com seu estudo que esses grupos não são formados apenas por pessoas de baixa renda, eles tem integrantes em todos os lugares: na política, nos ramos econômicos, etc. e o que leva essas pessoas a decidirem entrar para esse meio é a partir do momento em que é socializado a aprender que essa atitude é um valor. E por isso que diz também que se colocar um indivíduo desses numa instituição moralmente insalubre, o que ele vai aprender será mais técnicas de cometer crimes, aprenderá a ser um criminoso melhor e ainda por cima, aprenderá o valor de ser criminoso. A palavra valor não remete à palavra "valioso", é um valor para aquele grupo.
Criminologia crítica
A criminologia critica é uma análise sobre o fenômeno da criminalidade que se faz a partir de uma teoria sociológica específica, a marxista (fundamento teórico). Os marxistas colocaram como tarefa a realização de um trabalho negativo, basicamente um trabalho de critica, de desvendamento, de desocultação da ideologia do sistema jurídico penal nas sociedades capitalistas. Essa criminologia de caráter marxista não oferece propostas construtivas no sentido de substituir o sistema penal por alguma coisa, porque é uma teoria critica da sociedade capitalista em si. O problema de lidar com a teoria marxista é não entender muito bem seus pressupostos. Eles dizem que a sociedade capitalista é um problema em si mesmo, então não há uma solução dentro dela própria. Exemplo: a criação de empregos não é algo que interessa para todos na sociedade capitalista, já que é necessária a alta taxa de desemprego para manter a burguesia no controle da luta com o proletário para manter o nível salarial baixo, já que há trabalhadores de sobra no mercado. A sociedade capitalista, na visão dos marxistas, se estrutura de um modo em que ela divide a sociedade em interesses particulares. Essa teoria social com base marxista vai ser utilizada pela criminologia crítica como uma forma de desocultação das chamadas ideologias jurídico-penais com o objetivo de demonstrar que a pena privativa de liberdade não tem funcionado como um instrumento de controle da criminalidade, nem de neutralização de criminosos, nem de resocialização e nem de combate a impunidade, na verdade o sistema capitalista produz um sistema penal que funciona como uma instrumento político de controle da classe trabalhadora.
Os marxistas vão dizer que o surgimento da penitenciária é exatamente datado no momento em que capitalismo se consolida como modo de produção social na Europa. A penitenciária surge em 1552 numa cidade da Inglaterra, antes a punição era basicamente lesão corporal, punições corporais, como cortar a mão do individuo, normalmente se cortava o nariz, e assim seria uma forma de revelar socialmente que existe um criminoso. Só que a penitenciária surge para substituir isso. O marxismo vai dizer que esse surgimento vem com um discurso humanizador, dizendo que não se admite mais a punição corporal. É preciso privar o individuo da sua liberdade com a justificativa de que punir o corpo do individuo é sinal de barbárie, é algo desumano e de uma sociedade não civilizada. Outra justificativa é que punir os indivíduos desse modo é algo perigoso, pois seria o mesmo que embrutecer os costumes da sociedade, então seria perigoso quando essa sociedade se revoltasse politicamente, por exemplo. Então uma ordem social deveria ter caráter civilizatório no seu tipo de domesticação. Civilizar seria isso, uma sofisticação de hábitos.
O marxismo vai dizer que esses não são os reais motivos para o surgimento da penitenciária. Os motivos reais, de acordo com os marxistas, são as necessidades impostas por uma sociedade capitalista. Com o surgimento do capitalismo da Europa, temos transformações econômicas, sociais, políticas e urbanas muito profundas. A primeira delas é o que os marxistas chamam de proletarização passiva e ativa. Ou seja, havia a necessidade de se formar um mercado de trabalho. Essa formação significava quebrar um instituto da sociedade feudal, que era a posse direta da terra pelos trabalhadores.
 
Então para fazer com que esses trabalhadores venham para os teares mecânicos e saiam dos campos foi preciso quebrar a posse direta dos trabalhadores com a terra, e isso vai ser feito a partir de duas grandes estratégias. A primeira delas com a lei do cercamento, com a transformação das terras em propriedade privada e fundamentalmente para pastagem de ovelha para retirar a lã para a indústria têxtil. E a chamada lei dos pobres, um instituto legal jurídico, que dizia que era proibido aos pobres circular livremente pelos feudos, eles devem se manter distritos a sua paróquia, pois eles não encontrariam caridade em outro lugar. Só que quando o capitalismo surge ela passa a ser muito problemática, porque ela impede a livre circulação da mão de obra do leite. Então era preciso quebrar isso.
Nos centros urbanos a mão de obra ainda era muito rara, sendo que parte dela estaria disponível em alguns feudos, mas estes não podiam circular por conta da lei, então era preciso quebrá-la. Processo lento, mas concreto de deslocamento das massas ex-campesinas em direção aos centros urbanos com o propósito de vender a sua força de trabalho e trabalhar nos teares mecânicos. O marxismo vai dizer que existe uma relação entre estruturas das relações sociais de produção, o modo como a sociedade capitalista organiza a atividade produtiva, e os presídios. As penitenciárias vão exercer um papel decisivo da concretização do sistema capitalista.
Então quando esses camponeses chegam às cidades, há um problema. Primeiro o de caráter cultural, já que eles não sabem fazer mais nada alem de trabalhar na terra, são agricultores que trabalham da ordem de produção feudal, sem o compromisso com hiper-produtividade. Então surge um problema para a sociedade capitalista: como fazer esse pessoal trabalhar? Criando uma ética do trabalho. Para nós, um sujeito dizer que é trabalhador, é algo que soa bem, ele se coloca superior do ponto de vista moral. Nas sociedades antigas e na idade média, não era assim, trabalho denotava algo próprio dos animais irracionais e escravos. Só que agora o trabalho purifica e enobrece os homens. Essa inversão história é tida para os marxistas como um resultado superestrutural ideológico da própria sociedade capitalista. O trabalho mudou porque agora é uma fonte de produção de valor, de acumulação de capital. Então não está sendo valorizado em si como uma atividade humanificadora, está sendo valorizado enquanto em função do capital. O trabalho é valorizado na medida em que ele valoriza o capital. Então não é o trabalho em si. O nome disso é coisificação. Considera os homens como apêndice do capital e desvaloriza as qualidades humanas.
Não basta haver um discurso religioso de sacralização do trabalho, é Weber que vai estudar sobre ética protestante e espírito do capitalismo, então o que é bom, mal, mundano e sagrado no ponto de vista dos protestantes e de quemaneira essa consideração sobre a dimensão moral será fundamental para reproduzir o capitalismo. É isso que Weber está estudando, ele entende que o elemento central pra transformação do capitalismo foi perante o caráter cultural. Marx não recusa isso, mas diz que há coisas mais importantes, como por exemplo, a lei do cercamento, o deslocamento dos campesinos em direção as cidades, etc. Marx vai dizer que o elemento cultural é importante sim, mas a questão é que só o discurso religioso não leva as pessoas a trabalharem, é preciso mais, é preciso um elemento contundente de controle social que incentive isso e esse instrumento será também o sistema penal. Recusar-se a trabalhar é crime, mendigar é crime, vadiagem é crime, atuar contra a propriedade privada é crime, logo, aqueles que se recusassem a trabalhar estariam cometendo um crime e seriam capturados pela penitenciária. Então não é qualquer crime, não é qualquer conduta lesiva a sociedade, mas lesiva ao capital que implicará em uma repressão. Então tirar as pessoas dos campos não foi considerado lesivo a sociedade, logo não foi considerada crime, já que era a favor do "progresso". Então era preciso criminalizas essas condutas prejudiciais, não a sociedade, mas ao capitalismo. Como a mão de obra ainda era escassa, uma das penas para os criminosos era o trabalho forçado.
 
Então a penitenciária vai realizar funções que não são declaradamente oficiais, ao contrario, o sistema tem a todo tempo revelado funções que são ideológicas justamente para ocultar as reais funções, porque se você prestar atenção nas reais funções o sistema deslegitima. Então os marxistas estão dizendo para que deixe de olhar para a penitenciária a partir daquilo que ela promete, mas olhe para aquilo que ela efetivamente faz: quem ela criminaliza e porque o faz. Então, a pena privativa de liberdade na perspectiva marxista vai atender as funções internas a luta de classes. A primeira função é a criminalização das condutas ofensivas ao capital, como crimes contra a propriedade privada, furto, roubo, vadiagem, etc. outra função é a estigmatização do proletariado mais pobre como sendo criminoso, se criou uma identificação ideológica quanto a isso que crime é igual a pobreza. outra função seria a de controle do valor do salário dos trabalhadores em uma situação em que a mão de obra era rara, então a penitenciária era o local para poder capturar esse trabalho, pois se esse trabalho (quebrar pedras, etc.) fosse acessado por trabalhadores livres sairia muito caro. Outro princípio seria o do menor direito, com a ideia de que a vida na prisão seria tão ruim que o indivíduo mesmo vivendo muito mal, ainda preferisse não ser preso e se contentar com a vida de trabalhador pobre.
A criminologia crítica tem dito que o sistema penal é eletivo e desigual na sua essência. E quando ele funciona, ele criminaliza um certo grupo social, os trabalhadores mais pobres. Então de certa forma, isso seria de aviso para nós juristas, que estamos iniciando nossos estudos no direito penal, para levarmos em consideração que quando alguém fala para aumentar as penas, o sistema estará funcionando seletivamente. Então o sistema indica claramente que uma parcela da população não merece o direito a proteção a vida.

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