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Cartografias dos estudos culturais uma versão latino-americana Ana Carolina D. Escosteguy O cenário contemporâneo, identificado como globalização, vem repor questões já clássicas nos estudos sociais, como a identi- dade cultural, ao mesmo tempo em que desafia os particularis- mos, a diversidade e a possibili- dade de convivência num mundo cada vezmais entrelaçado e, para- doxalmente, mais desigual. A am- bivalência que emerge dessa reali- dade exige dos estudiosos e pes- quisadores tanto a crítica dos tra- dicionais procedimentos de análi- se como a criação de novos instru- mentos de compreensão. É dentro desse pano de fundo que primei- ramente deve ser visto este livro de Ana Carolina D. Escosteguy. Dizendo de outro modo, ele é na- turalmente contemporâneo. Produto de uma tese de dou- torado realizada sobre fontes ori- ginais, esta obra traz uma discus- são teórica densa e esclarecedora sobre o encontro de duas tradi- ções intelectuais – a dos estudos culturais britânicos e a dos estu- dos culturais latino-americanos. A autora não só percorre a história dessas duas perspectivas, o que a faz deter nas suas especificidades e identidades, bem como se detém em seus vasos comunicantes. Mas, creio que a sua grande con- tribuição está no verdadeiro tra- balho de garimpagem bibliográfi- ca que possibilita uma síntese ex- plicativa raramente oferecida an- tes ao público brasileiro e que vai da origem do projeto dos estudos culturais britânicos ao seu proces- so de internacionalização. Essa é a cartografia que dá título ao livro www.autenticaeditora.com.br 0800 2831322 Estudos Culturais Este livro traça cartografias intelectu- ais significativas no desenvolvimento dos estudos culturais. Na Inglaterra, pólo de origem dessa perspectiva, a trajetória de Stuart Hall é explorada. Na América Lati- na, os itinerários de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini evidenciam a configuração dessa abordagem no espaço latino-americano. Esta leitura dos estudos culturais diz respeito a nós, latino-americanos, e a eterna discussão de nossas particularida- des em relação aos Outros. e por meio da qual são revelados traços inéditos da contribuição la- tino-americana aos estudos cultu- rais e de comunicação. Esta é a maneira encontrada pela autora para demonstrar que a atividade da ciência não é imune ao trabalho da história e, de forma original, nos traz o confronto entre o nós e o eles, o local e o internacional, marcas do cenário contemporâ- neo, para dentro dos atuais estu- dos da cultura e da comunicação. Maria Immacolata Vassallo de Lopes Ana Carolina D. Escosteguy é doutora em Ciências da Comunica- ção (USP, 2000), professora do Pro- grama de Pós-Graduação em Co- municação Social da Faculdade de Comunicação Social (FAMECOS) da Pontifícia Universidade Católi- ca do Rio Grande do Sul (PUCRS), além de pesquisadora do CNPq nas áreas de Estudos Culturais & Comunicação, Estudos de recepção e relações de gênero e Teorias da Comunicação. Cartografiasdosestudosculturais– u m a v e r s ª o l a t i n o - a m e r i c a n a - A na C arolina D .Escosteguy Cartografias dos estudos culturais Uma versão latino-americana Ana Carolina D. Escosteguy Cartografias dos estudos culturais Uma versão latino-americana Edição on-line, ampliada Copyright © 2001 Ana Carolina D. Escosteguy COORDENADOR DA COLEÇÃO “ESTUDOS CULTURAIS” Tomaz Tadeu da Silva CAPA Jairo Alvarenga Fonseca (Mandala – Massa corrida sobre madeira) EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Waldênia Alvarenga Santos Ataíde REVISÃO Erick Ramalho AUTÊNTICA EDITORA LTDA.AUTÊNTICA EDITORA LTDA.AUTÊNTICA EDITORA LTDA.AUTÊNTICA EDITORA LTDA.AUTÊNTICA EDITORA LTDA. Rua Aimorés, 981, 8º andar. Funcionários 30140-071. Belo Horizonte. MG Tel.: (55 31) 3222 6819 TELEVENDAS: 0800 283 13 22 www.autenticaeditora.com.br Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora. Escosteguy, Ana Carolina D. Cartografias dos estudos culturais – Uma versão latino- americana/ Ana Carolina D. Escosteguy – ed. on-line – Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 240p. (Coleção Estudos Culturais, 8) ISBN 85-86583-97-9 1. Estudos Culturais. 2. Antropologia. 3. Cultura-América Latina. I. Título. II Série. CDU 316.75 008(8=6) D256e À Elisa, minha filha, que aos três meses iniciou esta jornada comigo. Agradeço à Maria Immacolata Vassalo Lopes, Francisco R. Rüdiger, Nilda Jacks, Eliana Pibernat Antonini, Dóris Fagundes Haussen, Maria Amélia Mascena, Cláudia Peixoto de Moura e José Eduardo Utzig, pelas variadas formas de colaboração, estímulo e afeto. Gostaria ainda de mencionar as observações de Silvia Helena Simões Borelli, Mauro Wilton de Sousa, Antônio Flávio Pierucci e Octavio Ianni que constituíram a banca que aprovou esta pesquisa como tese de doutoramento na Universidade de São Paulo, uma fonte valiosa de incentivo para revisar o texto original e publicar este livro. A pesquisa que deu origem a este livro recebeu apoio da CAPES (Bolsa de Doutoramento e Doutorado-sanduíche) e PUCRS (horas-pesquisa e auxílio às viagens). Sumário Prefácio à edição on-line................................................ Introdução......................................................................................... Estudos culturais: uma perspectiva histórica........................ Uma narrativa possível ou a versão britânica...................................... A construção de uma narrativa ou uma versão latino-americana...... De ideologia para hegemonia...................................................... Ideologia como dominação................................................................ O aporte gramsciano............................................................................ O popular como opção política................................................... Formas de engajamento intelectual..................................................... Identidades culturais: uma discussão em andamento Identidade como diáspora................................................................... Identidade como descentramento....................................................... Identidade como hibridismo............................................................... A título de conclusão..................................................................... Notas.................................................................................................... Bibliografia........................................................................................ Apêndice Depoimento de David Morley.......................................................... Depoimento de James Curran.......................................................... Depoimento de Nick Couldry............................................. 17 27 27 45 65 65 97 113 130 145 148 160 177 193 211 229 11 249 269 283 10 11 Cartografias dos estudos culturais – uma versão latino-america- na, em edição esgotada já há algum tempo, passa a estar disponí- vel, em acesso aberto, no formato eletrônico. Embora não fosse o foco central da obra, ela revela, através da explanação dos seus eixos teóricos – a questão da ideologia, da hegemonia, da proble- mática do popular e das identidades, que o corpo teórico-meto- dológico associado aos estudos culturais1, configurado a partir do final dos anos 50, na Inglaterra, passou por alguns desdobra- mentos. Portanto, das reflexões embrionárias de sua formação, em especial sustentadas por Richard Hoggart, Raymond Willia- ms e E. P. Thompson, à prática contemporânea dos estudos cul- turais da virada do século XX para XXI, época do lançamento do livro, observam-se alterações em relação a posições teóricas, me- todológicas e até mesmo políticas. Passados 10 anos do primeiro lançamento dessa obra, pode-se dizer que tais transformações se exacerbaram. É claro que esta não é uma característica exclusiva dos estudosculturais, ao contrário, estes sofrem o que Ianni2 (2003, p.331) já problematizou, identi- ficando que “o processo de globalização envolve uma ruptura de amplas proporções, abalando mais ou menos profundamente os quadros sociais e mentais de referência (...) trata[ndo-se] de uma ruptura simultaneamente histórica e epistemológica”. No que diz respeito aos estudos culturais, apenas algumas dessas mudanças foram mapeadas e circulam no meio acadêmico através de textos que tomam a própria tradição como objeto de análise3. Logo, hoje, para fazer juz ao título de Cartografias dos estu- dos culturais, os capítulos deveriam ser reformulados, acrescen- tando-se informações novas e atualizando aquelas defasadas. A produção intelectual e as discussões sobre os estudos culturais, no meio acadêmico nacional, latino-americano e anglo-america- no, cresceram num ritmo galopante no último decênio4. Fenôme- no reconhecido, por exemplo, por Roberto Follari5 (2003, p. 4): PREFÁCIO À EDIÇÃO ON-LINE 12 “o peso dos estudos culturais é tal na América Latina que se faz indispensável tomar seu desenvolvimento como objeto. Isto é, chegou o momento da consciência teórica sobre o fenônemo dos estudos culturais, fruto precisamente de seu forte desenvolvimen- to”. Nas nossas fronteiras, isso foi reforçado sobretudo pela cir- culação mais ágil de bibliografia em língua inglesa, mas também pela tradução de obras importantes6 e, claro, pela formação de pesquisadores que se vincularam a esse programa de pesquisa. De imediato, essa expansão exponencial de produção intelec- tual demandaria o acréscimo de capítulos, a reestruturação e ampli- ação do livro. Por um lado, os eixos-teóricos se desdobrariam em objetos de estudo, tais como a problemática da recepção, das cultu- ras juvenis, da cibercultura via contribuições do ciberfeminismo, da crítica feminista aos estudos de mídia, entre os mais prementes. De outro, as próprias trajetórias intelectuais exploradas – Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini – deveriam ser continuadas, dado que esses autores permanecem atuantes na cena intelectual. Também outros itinerários mereceriam ser incor- porados para dar conta de uma prática em circunstâncias distintas, como já mencionei, tanto no cenário latino-americano quanto an- glo-americano. Como resultado final teríamos uma nova obra. O que se pretende com esta edição não é isso. Creio que apesar do que foi dito, o conteúdo original do texto ainda tem uma função ao recapitular a matéria e preparar o leitor para acompanhar com alguma propriedade essa produção mais recente. Persistindo a finalidade didática de apresentar uma abordagem introdutória, publica-se novamente o texto sem mexer no seu conteúdo, alertando que este obrigatoriamente precisa ser lido no seu respectivo contexto, a entrada no século XXI. Nesse sentido, faz-se imprescindível um registro. Este diz respeito ao recorte temporal da produção bibliográfica que comparece nesse estudo. A tese que dá origem à Cartografias dos estudos culturais, foi concluída no segundo semestre de 1999, tendo sua defesa ocor- rido em março de 2000, portanto, o texto original alcança, por exemplo, apenas a publicação das reflexões de Hall até 1998. Contudo, com o objetivo de suprir essa lacuna em termos de atualização, à moda das suítes na música, o texto original é suce- 13 dido pelos depoimentos de três intelectuais – David Morley, Nick Couldry e James Curran – com expressiva importância no debate internacional sobre os estudos culturais. Tratando-se de um pro- grama de pesquisa, diverso e heterogêneo como inúmeras vezes já foi qualificado, é indispensável analisá-lo mediante a elucidação de trajetórias intelectuais e suas respectivas reflexões e pesquisas como sustentado na presente obra. Destaco que as características do atual contexto histórico, bem como da presente institucionali- zação dos estudos culturais – aqui refiro-me especialmente ao contexto anglo-americano – têm diferenças do período de sua for- mação e mesmo do que foi apresentado em 2000, momento de defesa da tese. Dado que essas transformações estão em anda- mento e, portanto, ainda não estão disponíveis em relatos mais sistemáticos ou mesmo em reflexões que tenham tal propósito, a exposição de testemunhos orais de atores envolvidos nesse pro- cesso contribui para dar visibilidade a distintas experiências, ofe- recendo uma oportunidade para refletir sobre a contribuição contemporânea dos estudos culturais. Com esse objetivo, as en- trevistas, realizadas por mim, em fevereiro de 2007, com o apoio do CNPq, versam sobre a história dos estudos culturais e o res- pectivo lugar ocupado nela pelo entrevistado, bem como de que forma sua produção intelectual contribui para a reconfiguração e atualização dos mesmos. Assim, abre-se uma possibilidade para que o leitor pense como um programa de pesquisa pode ser re- construído7, a fim de melhor atingir a meta que a própria teoria se fixou no momento de sua origem. Ressalto que David Morley e Nick Couldry se destacam na constituição atual desta área de estudos, atuando no Goldsmiths College da Universidade de Londres, tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação. No entanto, podem ser identificados como de gerações distintas na configuração dos estudos culturais. David Morley faz parte do que se convencionou chamar de segunda gera- ção de estudos culturais8. Participou do coletivo de pesquisadores do Centro, no início dos anos 70, momento em que a Escola de Birmingham se consolida. O encontro de Nick Couldry com os estudos culturais somente ocorreu no limiar dos 90 quando estes já tinham se internacionalizado e estavam institucionalizados, na 14 Grã-Bretanha. Esta diferença geracional abarca singularidades de- correntes das respectivas formações. O primeiro, no próprio CCCS e o outro, fora daí, no Goldsmiths College. Isto é, ambos vivenciam situações históricas bastante distintas – o momento de efervescên- cia do CCCS e a consolidação dos estudos culturais na academia. Decorre, também, daí a possibilidade de observar um forte reco- nhecimento, em nível internacional, do primeiro com os estudos culturais e um vínculo mais fraco, no caso do segundo. Em relação ao terceiro pesquisador que também está vinculado ao Goldsmiths College, trata-se de um dos porta-vozes, no contexto britânico, das críticas aos estudos culturais. Situando-se mais próximo dos estu- dos de economia política da comunicação, tradição extremamente forte naquele ambiente acadêmico, o propósito é que ele reavalie os embates gerados entre essas duas forças teórico-metodológicas, confronto que teve escasso realce entre nós. De resto, considero oportuno trazer à baila pelo menos duas das críticas que, embora não tenham sido lançadas em referência direta ao trabalho em questão, circulam no nosso contexto acadê- mico. Uma delas diz respeito às resistências vigentes em aderir ao uso do termo estudos culturais latino-americanos e a sua associação à intelectuais como Martín-Barbero e García Canclini. De um lado, nega-se a utilização da terminologia, dando-se preferência, por exem- plo, a estudos de cultura na América Latina ou estudos sobre co- municação e cultura9 ou ainda estudos de cultura e poder10. O que parece estar implicado é que tal enquadramento teó- rico não sofre influências de repertórios teóricos surgidos em outras latitudes. E que, no caso específico, não têm afinidades com a proposta dos estudos culturais. É claro que os estudos sobre cultu- ra são bem anteriores a essa proposição, mas também é verdadei- ro que os estudos culturais imprimiram uma determinada forma de estudá-la e construíram uma diferenciação11. De outro lado, evoca-se a própria resistência, por exemplo, dos autores citados, na sua auto-identificação com esse campo, omitindo-se que em determinados momentos tal associação é aceita, reconhecida e até mesmo bem-acolhida12. Tendo assumido como ponto de vista o que chamo de narra- tiva dominante sobre os estudos culturais, a partir desse marco, 15 considereique era possível esboçar um mapa mínimo sobre os estudos culturais onde se destacava, além do que já foi menciona- do, uma possível vinculação entre a vertente britânica de estudos culturais e a emergência de uma perspectiva latino-americana de análise cultural, associada fundamentalmente aos itinerários inte- lectuais de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini. Foi, sumária e pretenciosamente, isso que tentei cartografar, dado que uma cartografia dos estudos culturais era impossível, devido à amplitude do tema, e que meu interesse também era pensar: como algo denominado como um “marco teórico latino-americano” ti- nha sido configurado? Isso existia? Em que condições ele tinha sido constituído? Quem eram seus formuladores? O ponto de convergência entre esses autores e os estudos cultu- rais britânicos se deu através da discussão sobre o uso do aporte gramsciano em torno da hegemonia o que significa dizer que a cul- tura devia ser estudada mediante as relações de poder que constituía e expressava. E que, na comunicação, implicava em pensar, como diz Martín-Barbero13 (2002, p. 224), que “a inscrição da comunica- ção na cultura deixou de ser mero assunto cultural, pois é tanto a economia como a política as que estão comprometidas com o que aí se produz”. A partir dessa posição é que foram se alinhavando outros pontos de encontro que tanto podiam ser recuperados retrospectiva- mente como para além dessa convergência teórica. Essa aproximação revela a existência de uma espécie de vasos comunicantes entre uma produção latino-americana e outra, em especial a britânica. Contudo, a escolha da trajetória de Stuart Hall se deve não a interlocução propri- amente dita entre os autores em foco na pesquisa, mas pela expressão de Hall no direcionamento do Centro de Estudos Culturais Contem- porâneos para especificamente a centralidade do tema da mídia, objeto central na proposta de Cartografias dos estudos culturais. Uma outra crítica que circula, sobretudo, entre simpatizan- tes dos estudos culturais, trata do “eterno retorno” às contribui- ções de intelectuais que configuraram a formação dos estudos culturais como se somente esses fossem as vozes autorizadas a falar em nome dos estudos culturais. Em outros termos, é a acusa- ção da volta “patriarcal” à herança da Escola de Birmingham como se estivesse aí a essência dos estudos culturais14. 16 Como parto do pressuposto que, no nosso meio, muito se fala em estudos culturais, mas pouco se conhece sobre eles - não só sobre sua história, mas também sobre a reflexão que constituiu essa área de estudos, assim como ainda se confunde os estudos culturais britâni- cos com os norte-americanos, desconsiderando suas diferenças, con- sidero fundamental um retorno aos “clássicos” simplesmente para armar um ponto de vista mais historicizado. Isto não concede auto- ridade apenas aos autores consagrados ou à uma determinada narra- tiva sobre os estudos culturais, nem muito menos desmerece o trabalho de autores contemporâneos e de outras versões de estudos culturais. Reivindica, apenas, a formação de um ponto de vista histórico, vin- culada sim a uma determinada versão de estudos culturais. Esta contempla o entendimento de uma prática em estudos culturais que foca na tensão entre a capacidade criativa e produtiva do sujeito e o peso das determinações estruturais como dimensão substantiva na limitação de tal capacidade. Em outros termos, a questão é como falar das estruturas constituindo os sujeitos, sem perder de vista a experiência desses mesmos sujeitos; manter na análise tanto o peso objetivo das instituições, revelado nos seus produtos, quanto a capacidade subjetiva dos atores sociais. Dentro desse marco, tor- nam-se visíveis intersecções entre três temas-chave: o sujeito e sua ação num determinado marco histórico; o reconhecimento de pro- cessos de exclusão, diferenciação e dominação como historicamente construídos e não, naturais e/ou tanshistóricos; e a compreensão da esfera cultural e dentro dessa, a comunicação, através da relação entre produtores, produtos e receptores. modo, o objeto de análise dos estudos culturais, como nos diz Santiago Castro-Gómez15, é com- posto pelos “dispositivos a partir dos quais se produz, distribui e consome toda uma série de imaginários que motivam a ação (políti- ca, econômica, científica, social) do homem em tempos de globali- zação. Ao mesmo tempo, os estudos culturais privilegiam o modo em que os próprios atores sociais se apropriam desses imaginários e os integram a formas locais de conhecimento”. Enfim, cabe ao leitor julgar o mérito tanto das críticas quan- to da apresentação da matéria. Ana Carolina D. Escosteguy Verão de 2010 17 Não creio que seja possível elaborar, neste momento, um mapa exaustivo e detalhado do que poderia ser chamado aproxi- mativamente de uma cartografia dos estudos culturais.1 Vários motivos poderiam ser arrolados para mostrar as dificuldades de cobrir tal objeto. Porém, o primeiro obstáculo esbarra na própria amplitude teórica do fenômeno. Além disso, existem diversos mo- vimentos de apropriação da perspectiva dos estudos culturais, para não mencionar a anfibiedade das definições que circulam sobre os mesmos e, também, a existência de uma extensa bibliografia, sobretudo em língua inglesa, sobre o tema. Em contraposição, não se dispõe de trabalhos preliminares que recolham e organizem informações sobre a emergência dos estudos culturais no território latino-americano. Uma das exce- ções é o artigo de Fabio López de la Roche (1998) que analisa algumas contribuições, produzidas a partir do campo de estudo das relações entre comunicação e cultura, de autores latino-ameri- canos, sinalizando a existência de uma investigação cultural inter- disciplinar que poderia ser identificada com uma tradição latino-americana de estudos culturais. Acrescenta-se, ainda, outro problema: a pouca difusão na América Latina de bibliografia que trate dos estudos culturais, independentemente do contexto geográfico onde sejam pratica- dos. São escassas, para não dizer quase inexistentes, as traduções – tanto em português quanto em espanhol – de textos importantes sobre a configuração dos estudos culturais, seja do ponto de vista histórico, seja de sua composição contemporânea. Daí a opção de traçar cartografias intelectuais que possam ser vistas como significativas no desenvolvimento dos estudos culturais. Na Inglaterra, pólo de origem dessa perspectiva, a trajetória de Stuart Hall é explorada. Na América Latina, os itinerários de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini INTRODUÇÃO 18 servem para evidenciar a configuração dessa abordagem no es- paço latino-americano. Dessa forma, a leitura proposta sobre os estudos culturais e sua apropriação na América Latina é uma construção nossa, sen- do que o grifo no pronome implica um duplo registro. Em pri- meiro lugar, é uma arquitetura decorrente de um percurso e um posicionamento particular desta autora e, por isso, incompleto e parcial, como será adiante justificado. A outra via diz respeito a nós, latino-americanos, e a eterna discussão de nossas particulari- dades em relação aos Outros. Em relação ao último aspecto, parece oportuno formular algumas perguntas, mesmo sabendo de antemão que não serão totalmente respondidas: o que têm os nossos estudos culturais de singular em relação ao mais amplo movimento desse corpo teórico-político-acadêmico? Que desconstruções e reconstruções efetuamos sobre o empreendimento intelectual dos estudos cul- turais para iluminar nossa própria realidade? No presente traba- lho, essas questões sinalizam uma problemática, e não a exigência de uma solução. Neste momento, vale recordar, apenas, que a América Lati- na abarca heterogeneidades culturais, pluralidades étnicas, diver- sidades econômicas, experiências diferentes e desigualdades estruturais. Logo, falar de América Latina representa uma cons- trução incompleta que é um projeto a realizar, pois é uma tentati- va de uniformizar essas diversidades (ARICÓ, 1988).Portanto, a referência à América Latina e ao latino-americano, neste livro, não desconhece essa dimensão do problema e que “enquanto pro- jeto incompleto, ele está sempre na linha de nosso horizonte e nos incita a indagar sobre o nosso destino, sobre o que somos ou que queremos ser”(ARICÓ, 1988, p. 29). Mesmo assim, presume-se que se existe algo denominado estudos culturais latino-americanos, estes, ou melhor, seus prati- cantes, não parecem dispostos a submergir sua identidade nesse amplo movimento, essencialmente, anglo-americano. Daí a neces- sidade de compreender essa relação entre uns e outros como “de tradução”: ou seja, a análise latino-americana pode ser lida tanto como um exemplo da perspectiva dos estudos culturais quanto como 19 uma exemplificação que retém tudo que é distintivo a seu respeito. Adotando essa posição, ambas as perspectivas – o programa dos estudos culturais e a investigação cultural latino-americana –, em- bora partilhem um mesmo objeto, isto é, a relação comunicação e cultura, e uma certa afinidade teórica, preservam suas diferenças e originalidades.2 Portanto, a idéia de tradução, utilizada aqui, não endossa o princípio de existência de um original – no caso, a pro- posta dos estudos culturais britânicos – e sua tradução, entendida como mera aplicação de tal proposta em outros territórios. Os estudos culturais compõem, hoje, uma tendência impor- tante da crítica cultural que questiona o estabelecimento de hie- rarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de oposições como cultura “alta” ou “superior” e “baixa” ou “inferior”. Adotada essa premissa, a investigação da “cultura popular” que assu- me uma postura crítica em relação àquela definição hierárquica de cultura, na contemporaneidade, suscita o remapeamento glo- bal do campo cultural, das práticas da vida cotidiana aos produtos culturais, incluindo, é claro, os processos sociais de toda produ- ção cultural. Na América Latina, uma reflexão crítica começou a emer- gir, principalmente, na década de 80, tendo como eixo central as novas configurações da cultura popular a partir da emergência das indústrias culturais. Dentre as contribuições mais importantes e originais no repensar dessa problemática, revelando a existência de empréstimos e negociações entre a cultura considerada “legíti- ma” e aquelas formas culturais cotidianas tidas como “insignifican- tes”, dentro do âmbito latino-americano, estão as reflexões de Jesús Martín-Barbero e de Néstor García Canclini. Por essa razão, este trabalho se detém na análise da contribuição desses autores. Porém, tais formulações latino-americanas não podem ser encaradas como um movimento isolado do restante do pensamen- to social, ilhadas das idéias em circulação e dos debates atuais. Daí uma das razões para abordá-las em relação com aquela refle- xão que legitimou a “outra” cultura – a comum e ordinária, pois ambas as vertentes coincidem nesse pressuposto. Convergem, também, na afirmação de relações entre cultura e poder e seu caráter essencialmente conflitivo, assim como na atenção sobre 20 a cultura mediática e seu envolvimento em processos de resis- tência e reprodução social. De forma mais genérica, reconhe- cem o papel constitutivo da cultura e das representações nas relações sociais. A presença dessas articulações na análise cultural proposta pelos autores latino-americanos citados e pelos estudos culturais, e suas implicações em ver a esfera cultural como um terreno onde política, poder e dominação são mediados, propicia a este estudo estabelecer e explorar intersecções, assim como diversidades en- tre os estudos culturais e a reflexão latino-americana em foco. Entretanto, como os estudos culturais compõem um vasto, fragmentado e inter/trans ou antidisciplinar – conforme o ponto de vista que seja assumido – campo de estudo, o recorte, aborda- do pelo meu trabalho, trata especialmente das análises que abor- dam as relações entre comunicação e cultura. Na tentativa de construir uma abordagem que extrapolasse a reconstituição histórico-descritiva das trajetórias britânica e latino- americana, escolhi determinadas temáticas teóricas – eixos-nodais – que fazem a conexão entre os estudos culturais e o pensamento latino-americano em foco e que marcam o percurso teórico de ambas perspectivas. Ao mesmo tempo, constituem-se em ques- tões centrais que vão sinalizando rupturas e desdobrando-se em rotas abertas para a continuidade da reflexão. Esses eixos teóricos são: as relações entre cultura e ideolo- gia; a opção pela análise da cultura popular; e a construção de identidades culturais contemporâneas mediadas, intensamente, pelos meios de comunicação. Como eixos-nodais, permitem que outras questões a eles relacionados sejam também abordadas. Entre elas: o conceito de hegemonia, o papel do intelectual na esfera da cultura e a problemática da recepção. Reconheço, contudo, que ao destacar e recuperar apenas esses questionamentos, estou omi- tindo ou subvalorizando outros. Apesar de adotar esse procedi- mento de seleção de aspectos de uma obra, espero não trair o pensamento dos autores aqui em destaque. Seguindo as orientações recém delineadas, este trabalho consis- te, em primeiro lugar, em propor uma articulação entre os autores 21 latino-americanos citados e os estudos culturais, sobretudo na sua vertente britânica. Do ponto de vista dos estudos culturais britâ- nicos, o trabalho de Stuart Hall vai servir como fonte maior desta exploração na medida em que é, indubitavelmente, uma figura central no desenvolvimento da versão dominante dos mesmos. Isso não quer dizer que outros autores e trabalhos não sejam in- corporados nessa articulação entre os latino-americanos e o cam- po dos estudos culturais. Ao contrário, a tentativa é compor uma narrativa, na medida do possível – diante da vasta bibliografia existente em língua inglesa – mais plural, diversa e polifônica, não centrada exclusivamente na versão britânica.3 Ao construir o trajeto sobre o tratamento das temáticas ante- riormente citadas, observa-se como alguns dos praticantes, tanto da perspectiva latino-americana quanto da anglo-saxônica, com- preendem-nas e desenvolvem-nas. Porém, nunca com o propósi- to de aplicar os termos próprios, sobretudo da vertente britânica enquanto pólo gerador desse projeto, ao contexto latino-ameri- cano. Mesmo porque a prática dos estudos culturais alcança sua propriedade dentro de condições históricas específicas – entre elas a localização nacional e geográfica (GROSSBERG, NELSON E TREICHLER, 1992; MORRIS, 1992). Contudo, não conta apenas a diferença de contextos dentro dos quais os argumentos se engen- dram, mas existe, também, um grau de especificidade cultural na própria teoria (TURNER, 1993b). Outra consideração decorrente da escolha dos autores em foco neste livro diz respeito ao reconhecimento de que são vozes posicionadas geograficamente em lugares distintos. Ou seja, em termos talvez não muito apropriados para a época vigente, mas que ainda guardam uma certa potencialidade, são posições situa- das no “centro” e na “periferia”. Mesmo que esteja em curso o debilitamento de uma noção de centro que tem sua capacidade explicativa fragilizada e a concentração de poder um pouco mais dispersa, percebe-se ainda a exclusão de experiências e saberes “periféricos” daquele identificado como “centro”. De qualquer modo, o propósito não é reavivar esse confron- to esquemático, mas localizar-se num outro ponto fora dessa opo- sição binária. Nessa direção, os três autores estudados como eixo 22 central deste livro experimentam todos um deslocamento seme- lhante. Partindo cada um de posições particulares, encontram- se, como disse Martín-Barbero (1987a, p. 229) a respeito de sua busca pessoal por um novo mapa para explorar o campo cultural contemporâneo, assumindo “as margens não como tema, mas como enzima”. Apesar da discussão proposta concentrar-se nesta tríade de autores – Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e Néstor García Can- clini –, não é de forma algumaminha intenção localizar os estu- dos culturais em “textos canônicos” ou elevar a obra de cada um desses autores a um estatuto canônico. Sobretudo porque é justa- mente contra a oposição entre o cânone e seu outro, a cultura popular, que os estudos culturais vicejaram. Nesse contexto geral, embora reconheça uma singularidade na reflexão latino-americana, representada, aqui, por Martín-Bar- bero e García Canclini,4 isso não pode ser motivo para assumi-la sem questionamento, deixando de ser objeto de crítica. Logo, pretende-se tanto recuperar e reconstituir alguns procedimentos ao longo dessa trajetória quanto, também, discuti-los sistematica- mente, mediante uma leitura crítica e reflexiva, no sentido de ver para onde apontam, que via descortinam para prosseguir o estudo em torno das vinculações entre cultura e comunicação. Esse é, também, o norte da crítica ao atual desenvolvimento dos estudos culturais como um todo. Delimitados os contornos da temática deste trabalho, é im- perativo esclarecer a partir de que lugar esta análise de um deter- minado aporte teórico-metodológico se realiza, ou seja, explicitar o lugar de enunciação que o analista privilegia para operacionali- zar essa leitura. Proponho, então, situar-me genericamente den- tro dos estudos de comunicação e cultura, denominação corrente na América Latina. Porém, é mais preciso dizer que o ponto de partida se esta- belece mediante a vinculação dos estudos culturais e a comunica- ção5. Isso significa que a investigação da cultura mediática, incluindo tanto os meios, os produtos e as práticas culturais – ou seja, refere-se tanto à natureza e à forma dos produtos simbólicos quanto ao circuito de produção, distribuição e consumo – está 23 inserida numa concepção mais abrangente de sociedade vista como o terreno contraditório de dominação e resistência onde a cultura tanto se engaja na reprodução das relações sociais quanto na aber- tura de possíveis espaços para a mudança. Sinteticamente, pode-se dizer, ainda, que essa investigação está integrada a um contexto maior demarcado por uma teoria social crítica que insere essas análises da cultura e comunicação no âmbito do estudo da sociedade capitalista. Conseqüentemente, tenta analisar tanto as formas pelas quais cultura e comunicação são produzidas dentro desse ordenamento quanto os papéis e fun- ções que exercem na sociedade, entendida enquanto um conjunto de relações sociais hierarquizadas e antagônicas. Vale a pena citar que, por exemplo, Douglas Kellner (1995a, 1995b, 1997a, 1997b) reivindica superar a bifurcação entre estu- dos culturais versus estudos de comunicação, propondo a denomi- nação “estudos culturais dos meios de comunicação”. Sua proposta implica uma prática crítica, multicultural e que abranja múltiplas perspectivas ou dimensões: a produção e a economia-política da cultura, análise textual e crítica e, por fim, o estudo de recepção de audiência e usos dos produtos dos meios de comunicação. Em contraste, o argumento de Grossberg (1994) trata esse tipo de perspectiva ou, segundo seus termos, os “estudos cultu- rais comunicacionais” como uma redução do projeto dos estudos culturais. Isso porque os “estudos culturais comunicacionais” en- campam uma aproximação tripartite – produção, texto e consumo – da comunicação, transformando-a num modelo geral de análise que reproduz o modelo linear de comunicação: emissor, mensa- gem, receptor. Na verdade, tais estudos não conseguem situar prá- ticas culturais específicas dentro de seus contextos, complexamente determinados e determinantes (GROSSBERG, 1994, p. 335). Daí minha preferência pelo termo estudos culturais ao invés de estudos de comunicação e cultura. Pois os últimos necessitam da moldura teórica recém descrita de inserção numa teoria social crítica. E os primeiros, no caso particular deste estudo, apenas uma ênfase num determinado objeto de estudo – a comunicação. Quando observado esse último aspecto, os estudos culturais podem ser incluídos nos estudos críticos de comunicação, inaugurados nos 24 anos 30 pela Escola de Frankfurt, embora entre ambas as aproxi- mações haja, também, profundas diferenças. Finalmente, gostaria de ressaltar que este livro, pauta-se por, mediante escrutínio de determinadas posições, apontar algumas críticas e pistas, contribuindo para o debate sobre os estudos cul- turais contemporâneos e sua divulgação no nosso meio acadêmi- co. O texto publicado, aqui, toma como ponto de partida a tese de doutoramento apresentada na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em março de 2000, mas é uma versão modificada e resumida daquela pesquisa. Assim, apresenta-se no primeiro capítulo um ponto de vista histórico sobre as origens e constituição dos estudos culturais, de- marcando o contexto britânico como a base dessa experiência. A reconstituição dessas origens é tratada como pano de fundo para situar a discussão central do livro. Diante das múltiplas versões hoje disponíveis sobre o início do projeto dos estudos culturais, que dão relevância ora para a constituição de um objeto de estudo próprio (JOHNSON, 1996), ora para uma situação histórica específica (SCHWARZ, 1994), aqui resgato aquela que trata da história das idéi- as, indicando o trio fundador – Hoggart, Williams e Thompson – e suas obras. Isso não significa desconsiderar nem desconhecer o aspecto problemático da indicação das origens dos estudos cultu- rais, mas reconhecer que o debate em torno de suas origens é de importância periférica no contexto maior da minha pesquisa. A partir deste momento é obrigatório um esclarecimento em relação ao próprio termo “estudos culturais”. Os textos anglo-ame- ricanos na sua grande maioria utilizam cultural studies, com minús- culas e sem nenhum grifo em especial, para referir-se a tal campo de estudos. Por essa razão, também conservo as minúsculas. No caso latino-americano, dada a ausência de relatos conso- lidados sobre a formação dos estudos culturais, opto por construir uma narrativa que privilegia a constituição dessa perspectiva nas intersecções com o campo da comunicação. Portanto, registro um cenário panorâmico e parcial, sobretudo pela seleção de um enfo- que específico e a brevidade de sua história. Contudo, esse mapa provisório foi construído com o objeti- vo de localizar a contribuição teórico-metodológica e, assim, ser 25 analisada num determinado ambiente. Deste modo, a obra indivi- dual estabelece vínculos com um contexto sócio-histórico e teóri- co-acadêmico, mas o autor e seu texto não são explicados pelos contextos que o envolvem. A partir do segundo capítulo é desenvolvida a análise dos eixos temáticos, considerados marcos centrais no debate teórico dos estudos culturais. Assim, demarca-se a discussão sobre ideo- logia e hegemonia, sobre cultura popular numa época em que os meios de comunicação impregnam o meio social e, finalmente, sobre a problemática da construção das diversas identidades cul- turais que caracterizam os grupos sociais contemporâneos. Cada uma das seções concentra-se na recuperação de tais temáticas nas formulações dos três autores selecionados como fundamentais na constituição da perspectiva dos estudos culturais, seja no conti- nente europeu, seja na América Latina. Reitero que todas essas questões são construídas de acordo com o posicionamento deste pesquisador, que se localiza no cam- po de investigação da comunicação, ou melhor, no espaço de co- nexão que se estabelece entre os estudos culturais e a comunicação.6 A estratégia adotada é aproximar-se do objeto de estudo já deline- ado a partir de um ponto de vista que pretende compreender as relações entre cultura e sociedade, reivindicando uma abordagem crítica como indispensável para uma visão mais compreensiva da experiência cultural contemporânea. Na obrigatoriedade de consultar e trabalhar com bibliografia em inglês e espanhol, gostaria de registrar que tive grande cuida- do com as traduções, mantendo-me sempre alerta e receosa de não ser suficientemente rigorosa nessas transposições.Mesmo tendo sempre como meta ser fiel ao texto e, por sua vez, ao autor, proponho em inúmeros casos traduções aproximadas para termos que não têm equivalentes em português.7 26 27 UMA NARRATIVA POSSÍVEL OU A VERSÃO BRITÂNICA As primeiras manifestações dos estudos culturais têm ori- gem na Inglaterra, no final dos anos 50, especialmente em torno do trabalho de Richard Hoggart, Raymond Williams e Edward Palmer Thompson. Esta afirmação é lugar-comum em muitas das reconstituições das origens deste campo de estudo. De outro lado, tem-se tornado também motivo gerador de debates, discussões e contendas, sobretudo, nos últimos tempos. O campo dos estudos culturais surge, de forma organizada, através do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), di- ante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da In- glaterra do pós-guerra. Inspirado na sua pesquisa, The Uses of Literacy (1957), Richard Hoggart funda em 1964 o Centro. Este surge ligado ao English Department da Universidade de Birmingham, constituindo-se num centro de pesquisa de pós-graduação desta mesma instituição. As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas cul- turais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças sociais, vão compor o eixo principal de observação do CCCS. Três textos que surgiram nos final dos anos 50 são identifica- dos como a base dos estudos culturais:1 Richard Hoggart com The Uses of Literacy (1957), Raymond Williams com Culture and Society (1958) e E. P. Thompson com The Making of the English Working-class (1963). O primeiro é em parte autobiográfico e em parte história cultural do meio do século XX. O segundo constrói um histórico do conceito de cultura, culminando com a idéia de que a “cultura comum ou ordinária” pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade de existência com o mundo das Artes, Literatura e Música. E o terceiro reconstrói ESTUDOS CULTURAIS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA 28 uma parte da história da sociedade inglesa de um ponto de vista particular – a história “dos de baixo”. Na pesquisa realizada por Hoggart,2 o foco de atenção recai sobre materiais culturais, antes desprezados, da cultura popular e dos meios de comunicação de massa, através de metodologia qua- litativa. Este trabalho inaugura o olhar de que no âmbito popular não existe apenas submissão mas, também, resistência, o que, bem mais tarde, será recuperado pelos estudos de audiência dos meios massivos. Tratando da vida cultural da classe trabalhadora, transparece nesse texto um tom nostálgico em relação a uma cul- tura orgânica dessa classe. A contribuição teórica de Williams3 é fundamental para os estudos culturais a partir de Culture and Society [Cultura e socieda- de, 1780-1950. São Paulo: Nacional, 1969]. Através de um olhar diferenciado sobre a história literária, ele mostra que a cultura é uma categoria-chave que conecta a análise literária com a investiga- ção social. Seu livro The Long Revolution (1961) avança na demons- tração da intensidade do debate contemporâneo sobre o impacto cultural dos meios massivos, mostrando um certo pessimismo em relação à cultura popular e aos próprios meios de comunicação. É o próprio Stuart Hall que avalia a importância desse últi- mo livro: “ele [The Long Revolution] transformou toda a base do debate, de uma definição moral-literária de cultura, para uma de- finição antropológica. Porém, definiu esta [a cultura] como o ‘pro- cesso integral’ pelo qual significados e definições são socialmente construídos e historicamente transformados, sendo, neste contex- to, a literatura e a arte uma única forma especialmente privilegia- da de comunicação social” (Hall apud Turner, 1990, p. 55). Essa mudança no entendimento de cultura fez possível o desenvolvi- mento dos estudos culturais. Em relação à contribuição de Thompson,4 pode-se dizer que influencia o desenvolvimento da história social britânica de den- tro da tradição marxista. Para ambos, Williams e Thompson, cul- tura era uma rede vivida de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em pri- meiro plano. Mas, de certa forma, Thompson resistia ao entendi- mento de cultura enquanto uma forma de vida global. Em vez 29 disso, preferia entendê-la enquanto um enfrentamento entre mo- dos de vida diferentes.5 Esses quatro textos recém mencionados foram seminais para a configuração dos estudos culturais. Entretanto, Hall (1996b, p. 32) ressalta que eles não foram, de forma alguma, ‘livros didáticos’ para a fundação de uma nova subdisciplina acadêmica: nada poderia estar mais distante de seu impulso intrínseco. Quer fossem históricos ou contemporâneos em seu foco, tais textos eram, eles próprios, foca- lizados pelas pressões imediatas do tempo e da sociedade na qual foram escritos, organizados através delas, além de serem elementos constituintes de respostas a essas pressões. Embora não seja citado como membro do trio fundador, a importante participação de Stuart Hall6 na formação dos estudos culturais britânicos é unanimemente reconhecida. Avalia-se que, ao substituir Hoggart na direção do Centro, de 1968 a 1979, incentivou o desenvolvimento da investigação de práticas de re- sistência de subculturas e de análises dos meios massivos, identi- ficando seu papel central na direção da sociedade; exerceu uma função de “aglutinador” em momentos de intensas distensões teó- ricas e, sobretudo, destravou debates teórico-políticos, tornando- se um “catalizador” de inúmeros projetos coletivos.7 Tem uma abundante produção de artigos, sendo que sua reflexão faz parte da maioria das coletâneas mais importantes sobre estudos cultu- rais, sejam eles publicados pelo próprio Centro ou não. Enfim, esses são os principais atores e uma parte da história do início da configuração deste campo de estudos. Em outras palavras, essa mesma narrativa poderia ser assim contada: Desde o final da década de 1950, tem existido, dentro da vida cultural e intelectual de língua inglesa, um projeto que causou impacto significativo no trabalho acadêmico no campo das Ar- tes, das Humanidades e das Ciências Sociais. Nos anos 50, tal projeto não tinha um nome. Não tinha nem sequer uma única fonte. Surgiu dentro de um contexto histórico e social especí- fico, a partir do trabalho de três indivíduos. Raymond Willia- ms, Richard Hoggart e E. P. Thompson estavam preocupados, 30 de forma diferente, com a questão da cultura na sociedade es- tratificada em classes da Inglaterra. Os autores estavam tentan- do, cada um a seu modo, entender o papel e o efeito da cultura em um momento crítico da própria história da Inglaterra: um momento marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, a herança, em um ambiente já mudado e em constante mudança, de uma política de classe de limitada resistência, e, finalmente, a importação ou invasão, através dos meios de comunicação de massa, da cultura americana, o que tornou público e ressaltou a todos o dominador caráter de classe da vida cultural inglesa. (BLUNDELL ET AL., 1993, p. 1) O trecho em questão replicaria a versão recém apresentada, não fosse esta escrita por autores canadenses que, embora relatem esse ponto de vista de sua fundação, questionam, logo a seguir, a existência de uma narrativa única sobre sua constituição como um projeto maior que transcendeu as fronteiras da Grã-Bretanha. O propósito dessa publicação – Relocating Cultural Studies – Deve- lopments in Theory and Research (1993) – é mostrar justamente a versão britânica sobre as origens dessa trajetória em contraste com a particularidade do caso canadense, revelando, simultanea- mente, o descentramento contemporâneo dos estudos culturais. Através desse tipo de posicionamento, em que a coletânea citada é apenas um exemplo,8 problematiza-se o ‘“cânone” – a versão dominante – sobre as origens dos estudos culturais. Em contraposição a essa versão dominante, afirma-se que em outras localidades e em outros momentos podem ser identificadas“ou- tras” origens para esse campo de estudos. Enfim, a existência de diferenças nacionais e a confluência de um conjunto particular de propostas de cunho teórico-político geraram outros exemplos de estudos culturais que desestabilizam a narrativa sobre uma ori- gem centrada, sobretudo, em Birmingham, na Inglaterra. Ainda, em outra versão que discute a emergência histórica dos estudos culturais enquanto desenvolvimento organicamente britânico, desenvolvimento determinado por forças nacionais in- ternas, é obrigatório identificar as condições históricas existentes naquele momento. Pelo menos duas características são marcantes: o impacto da organização capitalista das formas culturais no campo 31 das relações sócio-culturais e o colapso do império britânico. No primeiro espaço, observa-se a ruptura das culturas tradicio- nais de classe em conseqüência do alastramento dos meios de comunicação de massa; no segundo, percebe-se que a suposta integridade da nação britânica começa a implodir. Dessa forma, a ascensão dos estudos culturais britânicos coincide com uma crise de identidade nacional. Porém, não existem motivos para descartar seus princípios fundadores: “a identificação explícita das culturas vividas como um objeto distinto de estudo, o reconhecimento da autonomia e complexidade das formas simbólicas em si mesmas; a crença de que as classes populares possuíam suas próprias formas culturais, dignas do nome, recusando todas as denúncias, por parte da cha- mada alta cultura, do barbarismo das camadas sociais mais bai- xas; e a insistência em que o estudo da cultura não poderia ser confinado a uma disciplina única, mas era necessariamente inter, ou mesmo anti, disciplinar”, tão bem sumarizados por Schwarz (1994, p. 380) –, pois estes princípios revelaram-se instigantes nestes últimos trinta anos. A rápida expansão dos estudos cultu- rais em parte é atribuída aos mesmos. Entretanto, seria demasiado ingênuo explicar sua emergên- cia somente em termos do trio fundador e de seus textos-chave, tendo em vista os questionamentos existentes a esse respeito. Con- tudo, faz-se necessário reconhecer que existem desacordos entre os considerados “pais fundadores” dos estudos culturais: Willia- ms, Thompson e Hoggart. Porém, para a constituição dos estu- dos culturais é mais significativo destacar os pontos de vista compartilhados entre eles. É importante ressaltar, então, que os três autores citados como os fundadores deste campo de estudos, embora não te- nham uma intervenção coordenada entre si, revelam um leque comum de preocupações que abrangem as relações entre cultu- ra, história e sociedade. O que os une é uma abordagem que insiste em afirmar que através da análise da cultura de uma sociedade – as formas textuais e as 32 práticas documentadas de uma cultura – é possível reconstituir o comportamento padronizado e as constelações de idéias com- partilhadas pelos homens e mulheres que produzem e conso- mem os textos e as práticas culturais daquela sociedade. É uma perspectiva que enfatiza a “atividade humana”, a produção ativa da cultura, ao invés de seu consumo passivo”. (STOREY, 1997, p. 46, grifo meu) É possível apontar, a partir daí, duas grandes reorientações na análise cultural proposta pelos estudos culturais: o padrão esté- tico-literário de cultura, ou seja, aquilo que era considerado “sé- rio” no âmbito da literatura, das artes e da música passa a ser visto apenas como uma expressão da cultura. Esta refere-se, en- tão, a um amplo espectro de significados e práticas que move e constitui a vida social. O fato de se alargar o conceito de cultura, incluindo práticas e sentidos do cotidiano, propiciou, por sua vez, uma segunda mudança importante: todas as expressões culturais devem ser vistas em relação ao contexto social das instituições, das relações de poder e da história. Tendo como ponto de partida um conjunto de proposições que à primeira vista mostra-se tão amplo quanto aberto a entendi- mentos diversos, Hall (1996a, p. 263) reivindica manter sua plu- ralidade, mas simultaneamente estabelece um fio condutor: Ainda que os estudos culturais, como um projeto, estejam em aberto, não podem ser simplesmente pluralistas desta maneira. Recusam-se, sim, a ser um discurso dominante ou um metadiscurso (grifo meu) de qualquer espécie. Constituem, sim, um projeto sempre aberto àquilo que ainda não conhece, àquilo que ainda não pode identificar. Porém, tal projeto possui, também, um certo desejo de conectar-se, um balizamento nas escolhas que faz. Por- tanto, realmente fará diferença interpretarem-se os estudos cultu- rais como sendo uma coisa ou outra. Conclui-se que, se a versão britânica sobre as origens e cons- tituição deste projeto não apresenta implicitamente uma posição teórica unificada, também, não está composta por um conjunto tão díspar que não apresente uma unidade. Indagar-se sobre “a unidade na diferença” (GROSSBERG, 1993) é reconhecer que esta 33 responde, em parte, a condições particulares – a um contexto intelectual, político, social e histórico específico. As peculiaridades do contexto histórico britânico, abran- gendo da área política ao meio acadêmico, marcaram indelevel- mente o surgimento deste movimento teórico-político. Os estudos culturais ressaltaram os nexos existentes entre investigação e for- mações sociais onde se desenrola a própria pesquisa. “Os estu- dos culturais não dizem respeito apenas ao estudo da cultura. Nunca pretenderam dizer que a cultura poderia ser identificada e analisada de forma independente das realidades sociais concre- tas dentro das quais existem e a partir das quais se manifestam” (BLUNDELL ET AL., 1993, p. 2). Em primeiro lugar, deve-se acentuar o fato de que os estudos culturais britânicos devem ser vistos tanto do ponto de vista polí- tico, na tentativa de constituição de um projeto político, quanto do ponto de vista teórico, isto é, com a intenção de construir um novo campo de estudos. “[...] Não se pode entender um projeto artístico e intelectual sem entender, também, sua formação; sem entender que a relação entre um projeto e uma formação é sempre decisiva; e que [...] a ênfase dos estudos culturais está precisa- mente no fato de que eles se ocupam de ambas as concepções” (WILLIAMS, 1996, p. 168). A partir desta dupla agenda é que os estudos culturais britânicos devem ser pensados. Do ponto vista político, são sinônimos de “correção políti- ca” (JAMESON, 1994), podendo ser identificados com a política cultural dos vários movimentos sociais da época de seu surgimen- to. Por essa razão, sua proposta original é considerada por alguns como mais política do que analítica. Autores como Michael Green (1995) apontam como motivo primordial para o surgimento dos estudos culturais britânicos uma condensação política em torno de um conjunto de novos e com- partilhados temas de interesse que convergiram com o momento de emergência da New Left. “[...] os estudos culturais oferecem um espaço no qual se pode explorar – e refletir sobre – uma vari- edade de questões políticas, e jamais negaram que sua agenda tem dimensões políticas e não pode ser ‘objetiva’”, afirma Green. (1995, p. 229). 34 A titulo de ilustração, os estudos culturais australianos, como os britânicos, também, são vistos como decorrentes de uma con- juntura política. A questão aqui, contudo, é simplesmente o fato de que os estudos culturais australianos não apenas foram uma resposta aos movi- mentos políticos e sociais das últimas três décadas (o que pode ser dito em relação aos estudos culturais como projeto geral), mas também produziram muitos de seus temas, suas prioridades de pesquisa, suas polêmicas e, de certa forma, sua ênfase teórica e seus principais métodos de trabalho, a partir de um engajamento com estes movimentos. (Frow e Morris, 1996, p. 351) Pela perspectiva teórica, resultam da insatisfação com os li- mites de algumas disciplinas, propondo, então, a inter/trans ou, ainda para alguns, a antidisciplinaridade.9 Isto não impediu, en- tretanto, que em algunslugares tenham se institucionalizado.10 Os estudos culturais não configuram uma “disciplina” mas uma área onde diferentes disciplinas interatuam, visando ao estu- do de aspectos culturais da sociedade. A área, então, segundo um coletivo de pesquisadores do Centro de Birmingham que atuou, principalmente, nos anos 70, não se constitui numa nova discipli- na, mas resulta da insatisfação com algumas disciplinas e seus próprios limites (HALL ET AL, 1980, p. 7). É um campo de estu- dos em que diversas disciplinas se interseccionam no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea, constituindo um trabalho historicamente determinado. Em análises que tentam mapear o centro de atenção deste campo, enfatiza-se seu diálogo entre disciplinas: “Os estudos cul- turais são um campo interdisciplinar onde certas preocupações e métodos convergem; a utilidade dessa convergência é que ela nos propicia entender fenômenos e relações que não são acessíveis através das disciplinas existentes. Não é, contudo, um campo uni- ficado” (TURNER, 1990, p. 11). Em termos de disciplinas, no seu primeiro momento de for- mação, o encontro entre Literatura Inglesa, Sociologia e História propiciou pensar uma conexão entre três níveis distintos. A pri- meira contribuiu com a preocupação com as formas culturais 35 populares, assim como com textos e textualidades, estes últimos podendo estar situados além da linguagem e literatura;11 à socio- logia atribui-se o exame da reprodução estrutural e da subordina- ção e da história vem o interesse da “história de baixo” e, também, o reconhecimento da história oral e da memória popular. Entretanto, é preciso ressaltar que, na sua fase inicial, os fun- dadores desta área de pesquisa tentaram não propagar uma defini- ção absoluta e rígida de sua proposta. Nas palavras de Stuart Hall, o órgão de divulgação do Centro – Working Papers in Cultural Stu- dies12 – não deveria preocupar-se em “[...] ser um veículo que defi- na o alcance e extensão dos estudos culturais de uma forma definitiva ou absoluta. Nós rejeitamos, em resumo, uma definição descritiva ou prescritiva do campo” (HALL, 1980a, p. 15). Na realidade, os estudos culturais britânicos se constituem na tensão entre demandas teóricas e políticas. Embora sustentem um marco teórico específico (não obstante, heterogêneo), am- parado principalmente no marxismo, a história deste campo de estudos está entrelaçada com a trajetória da New Left, de alguns movimentos sociais (Worker’s Educational Association, Cam- paign for Nuclear Disarmament, etc.) e de publicações – entre elas, a New Left Review – que surgiram em torno de respostas políticas à esquerda. Ressalta-se seu forte laço com o movimen- to de educação de adultos. A multiplicidade de objetos de investigação também caracteri- za os estudos culturais. Resulta da convicção de que é impossível abstrair a análise da cultura das relações de poder e das estratégias de mudança social. A ausência de uma síntese completa sobre os períodos, enfrentamentos políticos e deslocamentos teóricos contí- nuos de método e objeto faz com que, de forma geral e abrangente, o terreno de sua investigação circunscreva-se aos temas vinculados às culturas populares e aos meios de comunicação de massa e, pos- teriormente, a temáticas relacionadas com as identidades, sejam elas sexuais, de classe, étnicas, geracionais etc. Mas é necessário esperar até os anos 70, principalmente, com a implantação da pu- blicação periódica dos Working Papers, para que a produção cientí- fica do Centro passe a ter visibilidade e repercussão. 36 Numa tentativa de reconstituir uma narrativa histórica sobre os interesses e temáticas que predominaram neste campo de estu- dos, podem-se identificar alguns momentos bem diferenciados. No início dos anos 70, o desenvolvimento mais importante con- centrou-se em torno da emergência de várias subculturas que pa- reciam resistir a alguns aspectos da estrutura dominante de poder. E, a partir da segunda metade dessa mesma década, percebe-se a importância crescente dos meios de comunicação de massa, vis- tos não somente como entretenimento mas como aparelhos ideo- lógicos do Estado. Nessa época, os estudos das culturas populares pretendiam responder a indagações sobre a constituição de um sistema de valo- res e de um universo de sentido, sobre o problema de sua autono- mia e, também, como esses mesmos sistemas contribuem para a constituição de uma identidade coletiva e como se articulam as dimensões de resistência e subordinação das classes populares.13 Já o estudo dos meios de comunicação caracterizava-se pelo foco na análise da estrutura ideológica, principalmente, da cober- tura jornalística. Esta etapa foi denominada por Hall (1982) de “redescoberta da ideologia”, sendo que uma das premissas bási- cas desta fase pressupunha que os efeitos dos meios de comunica- ção podiam ser deduzidos da análise textual das mensagens emitidas pelos próprios meios. Ainda nessa década, a temática da recepção e a densidade dos consumos mediáticos começam a chamar a atenção dos pes- quisadores de Birmingham, ou melhor, do CCCS. Este tipo de reflexão acentua-se a partir da divulgação do texto “Encoding and decoding in the television discourse”,14 de Stuart Hall, publicado pela primeira vez em 1973. Desencadeado um processo de deslo- camento do olhar, dentro do espectro dos estudos culturais, co- meçam a aparecer outras produções: David Morley publica “Texts, readers, subjects” (1977-1978) e, logo em seguida, algumas pes- quisas empíricas começam a tomar corpo. Depois de um período de preocupação com análises textuais dos meios massivos, tais estudos de audiências começam a ser desenvolvidos como uma tentativa de verificar empiricamente tanto as diversas leituras ideológicas construídas pelos próprios pesqui- 37 sadores quanto as posições assumidas pelo receptor.15 Porém, é na segunda metade dos anos 80 e já não mais circunscrito às investi- gações do CCCS, que se nota uma clara mudança de interesse do que está acontecendo na tela para o que está na frente dela, ou seja, do texto para a audiência. Entretanto, ainda nos anos 70, o trabalho em torno das dife- renças de gênero através do feminismo que irrompe em cena, e os desenvolvimentos em torno da idéia de “resistência”, também marcam o período. Hall (1992, 1996a) aponta o feminismo como uma das rupturas teóricas decisivas que alterou uma prática acu- mulada em estudos culturais, reorganizando sua agenda em ter- mos bem concretos. Desta forma, destaca sua influência nos seguintes aspectos: a abertura para o entendimento do âmbito pessoal como político e suas conseqüências na construção do ob- jeto de estudo dos estudos culturais; a expansão da noção de po- der, que, embora bastante desenvolvida, tinha sido apenas trabalhada no espaço da esfera pública; a centralidade das ques- tões de gênero e sexualidade para a compreensão da própria cate- goria “poder”; a inclusão de questões em torno do subjetivo e do sujeito e, por último, a “reabertura” da fronteira entre teoria social e teoria do inconsciente – psicanálise. De forma assumidamente deliberada, Hall (1996a, p. 269) utiliza a seguinte metáfora sobre a “irrupção” do feminismo nos estudos culturais e, em especial, na vida intelectual do CCCS: “Não se sabe, de uma maneira geral, onde e como o feminismo arrombou a casa. [...] Como um ladrão no meio da noite, ele entrou, perturbou, fez um ruído inconveniente, tomou a vez, es- tourou na mesa dos estudos culturais”. E, em outro lugar, conta como ele e Michael Green, perce- bendo a importância das questões em torno do feminismo, “con- vidaram” algumas feministas para destravar essa discussão dentro do Centro e como esta tomou forma por si própria. Em um dado momento, Michael Green e eu decidimos experi- mentar e convidar algumas feministas, que não estavam trabalhan- do conosco, para vir para o Centro, visando a projetar a questão do feminismo no interior dele. Assim sendo, a tradicional história 38 de que o feminismo surgiu de dentro dosestudos culturais não é bem verdadeira. Estávamos muito ansiosos para estabelecer aquele vínculo, em parte porque nós dois, à época, vivíamos com feminis- tas. Trabalhávamos com estudos culturais, mas mantínhamos uma conversação com o feminismo. As pessoas pertencentes aos estudos culturais estavam se tornando sensíveis à política feminista. Sendo clássicos ‘novos homens’, a verdade é que, quando o feminismo realmente emergiu de forma autônoma, fomos pegos de surpresa pela própria coisa que havíamos tentado, de forma patriarcal, iniciar. Aquelas coisas eram simplesmente muito imprevisíveis. O feminis- mo, então, realmente irrompeu no Centro, em seus próprios ter- mos, de sua própria e explosiva maneira. Mas não era a primeira vez que os estudos culturais pensavam sobre política feminista ou se tornavam cientes dela. (HALL, 1996d, p. 499)16 Embora esta versão não seja bem vista pelas feministas, tanto as do CCCS quanto as que trabalham com estudos culturais, vale a pena resgatá-la. Representando as feministas e em oposição ao relato de Hall, Brunsdon (1996) nomeia como importantes na reconstituição desta trajetória trabalhos produzidos a partir de 1974, demonstrando assim a existência deste nicho de interesses dentro do Centro. O artigo mimeografado de 1974, ‘Images of women’, de Helen Butcher, Rosalin Coward, Marcella Evaristi, Jenny Garber, Rachel Harrison, Janice Winship; o artigo de Jenny Garber e Angela McRobbie sobre ‘Girls and subcultures’, nos Working Papers in Cultural Studies de 1975 – Resistance through Rituals e a publica- ção de 1978 Women Take Issue, todos marcam diferentes disputas neste campo. [...] Assim, se há uma primeira fase no encontro entre as feministas e o CCCS, começando, talvez, em 1973-4, eu sugeriria que seu texto final é a coletânea de 1981, de McRobbie e McCabe, Feminism for Girls, a qual, em seu uso de ‘feminismo’ e ‘meninas’, sugere uma distância dos anos 70. Este livro marca, também, o fim da primeira fase com uma percepção muito forte dos problemas com a categoria ‘mulher’, bem como com a diferen- ça entre (grifo meu) as mulheres. (BRUNSDON, 1996, p. 278)17 É necessário notar que estas primeiras produções aparecem de forma ainda esparsa. Em 1976, influenciadas pelo Women’s Liberation Movement, as mulheres do CCCS questionaram sua 39 própria posição dentro do centro de pesquisa e propuseram a criação de um grupo de estudo somente composto por mulhe- res. Embora fortemente contestada, essa proposição foi refe- rendada. Reconstituindo, então, de uma outra forma a história do fe- minismo no CCCS, Brunsdon (1996, p. 280) nega veementemen- te a versão paternalista de Hall. Na primeira vez em que li esta avaliação, eu queria esquecê-la ime- diatamente. Negá-la, ignorá-la, desconhecê-la – não reconhecer a agressão ali contida. Não tanto para negar que as feministas do CCCS, durante os anos 70, haviam feito um poderoso desafio aos estudos culturais, na forma como estavam constituídos na- quele momento e naquele lugar, mas para negar que tivessem acon- tecido da forma aqui descrita [por Hall]. Nota-se, entretanto, no relato de Brunsdon, a problematiza- ção da existência de duas esferas nos estudos culturais: a comum e ordinária e a feminina/feminista. Mas há um tom de questiona- mento sobre a propriedade de existir “em separado” uma versão feminista deste campo de estudos. Apesar das divergências na reconstituição dessa experiência, o volume Women Take Issue (1978) é considerado o primeiro re- sultado prático de maior envergadura na divulgação dos trabalhos do Women’s Studies Group do CCCS. Na realidade, este seria originalmente o 110 Working Papers in Cultural Studies, sendo que nas suas edições anteriores somente pouquíssimos artigos preo- cupavam-se com questões em torno da mulher.18 Embora somen- te algumas pesquisadoras estivessem em contato mais intenso com o Women’s Liberation Movement, que tinha surgido no final dos 60, revelava-se aí uma primeira tentativa de realizar um trabalho intelectual feminista. A preocupação original deste coletivo era ver como a catego- ria “gênero” estrutura e é ela própria estruturada nas formações sociais. “Argumentávamos que a sociedade deveria ser compreen- dida, em sua constituição, através da articulação sexo/gênero e antagonismos de classe, embora algumas feministas priorizassem a divisão sexual em suas análises” (1978, p. 10). 40 Num primeiro momento, o desafio foi examinar as imagens das mulheres nos meios massivos (1974) e, a seguir, o debate travou-se em torno da temática do trabalho doméstico. Mais especificamente, tal mudança foi vista como uma tentati- va de considerar a relação entre classe e subordinação da mulher em um nível teórico. Porém, de certa forma, tal mudança foi um passo seguinte ao artigo ‘Images’. Junto à mulher como objeto sexual, estava a mulher como mãe e dona-de-casa, que nós entendíamos ser a imagem básica e determinante nos meios de comunicação. De forma mais geral, este trabalho representava um engajamento educativo com as difíceis categorias econômicas do marxismo. (1978, p. 13, grifo meu) Grande parte da contribuição deste coletivo reside neste últi- mo aspecto. Embora esse livro tenha dado visibilidade a uma produção intelectual em torno de um projeto feminista, mostrou também as diferenças e fragilidades existentes no grupo. Mesmo assim, de- marcou uma área de atuação com especificidade dentro do cam- po acadêmico, servindo para delinear novos objetos de estudo. Somos um grupo de mulheres e homens que produziram, juntos, este livro com idéias diferentes do que é e deveria ser o trabalho intelectual feminista. Isso depende parcialmente da maneira pela qual entendemos ‘feminismo’ e ‘trabalho intelectual’ como práti- cas políticas (e de suas relações).Todos consideramos que o traba- lho intelectual feminista é um engajamento, tanto intelectual quanto político, no âmbito do próprio trabalho intelectual. Possu- ímos opiniões diferentes, porém, em relação a se isso é, em si, uma prática política adequada, e se a adequação política é um critério relevante e direto para o trabalho intelectual. Quanto ao relaciona- mento entre marxismo e feminismo, temos abordagens diferentes em termos de prática política. Divergimos sobre o que o feminis- mo é, no que concerne aos homens poderem ou não ser feminis- tas. Além disso, nossas opiniões também são diferentes quanto à idéia de devermos estar nos dirigindo primordialmente a homens ou mulheres, e se é possível nos dirigirmos a ambos simultanea- mente, nos mesmos termos. (1978, p. 13) 41 É dessa forma que se estabelece o encontro com a produção feminista. Apesar da polêmica em torno da forma como tal se efetuou, este foco de atenção propiciou novos questionamentos em redor de questões referentes à identidade, pois introduziu novas variáveis na sua constituição, deixando-se de ver os processos de construção da identidade unicamente através da cultura de classe e sua transmissão geracional. Na avaliação da Michael Green, “se há um tema que possa ser identificado na primeira fase dos estudos culturais, é o da cultura como espaço de negociação, conflito, inovação e resistên- cia dentro das relações sociais das sociedades dominadas pelo poder e fraturadas por divisões de gênero, classe e raça” (GREEN, 1996b, p. 125). Em suma, no período de maior evidência do CCCS acres- centa-se ao seu interesse pelas subculturas às questões de gênero e, logo em seguida, as que envolvem raça e etnia.19 Além, é claro, como já foi anotado, a atenção sobre os meios de comunicação. A partir dos anos 80, há indícios de que a importância do CCCS como pólo de difusão da proposta dos estudos culturais começa a arrefecer, isto é, começa a ser observada uma força de descentralização. Durante esse processo, nota-se a expansão do projeto dos estudos culturais para outros territórios, para além da Grã-Bretanha, ocorrendo mutações importantes, decorrentes, prin- cipalmente, de uma observação sobre a desestabilização das iden- tidades sociais, ocasionada, sobretudo, pela aceleraçãodo processo de globalização. O foco central passa a ser a reflexão sobre as novas condições de constituição das identidades sociais e sua re- composição numa época em que as solidariedades tradicionais estão debilitadas. Enfim, trata-se de uma ênfase à dimensão subje- tiva e à pluralidade dos modos de vida vigentes em novos tempos – ‘New Times’ (HALL, 1996g). Armand Mattelart e Eric Neveu (1997, p. 131) sugerem que um dos fatores- chave nesta orientação se refere a uma redefini- ção das modalidades de análise dos meios de comunicação social. “Se existiu uma ‘virada’ no início da década dos anos 80, consis- tiu em prestar uma atenção crescente à recepção dos meios de comunicação social, tratando de operacionalizar modelos como o da codificação-decodificação”. 42 Vale lembrar, no entanto, que a incorporação do modelo de Hall, num primeiro momento, desembocou em estudos do âmbi- to do ideológico e do formato da mensagem, sobretudo, da televi- siva. Ainda o poder do texto sobre o leitor/espectador domina esta etapa de análise dos meios, embora desafie a noção de textos mediáticos enquanto portadores “transparentes” de significados, rompendo, também, com a concepção passiva de audiência. É exemplar a esse respeito o trabalho de Morley e Brundson (1978) sobre o programa Nationwide que a seguir é levado em frente num estudo específico de audiência (MORLEY, 1980b). No contexto britânico, a trajetória de pesquisa de David Morley exemplifica o deslocamento da análise da estrutura ideoló- gica de programas factuais de televisão em direção aos processos multifacetados de consumo e codificação nos quais as audiências estão envolvidas. A primeira pesquisa envolveu uma análise deta- lhada da estrutura interna de uma edição deste programa televisi- vo de sucesso na época junto à sociedade britânica. Já The Nationwide Audience (1980b) é um estudo de audiência considerado o marco inicial de uma área de investigação que se consolida como pró- pria dos estudos culturais. Assim, aos poucos, nos anos 80 vão definindo-se novas mo- dalidades de análise dos meios de comunicação. Passou-se, então, à realização de investigações que combinam análise de texto com pesquisa de audiência. São implementados estudos de recepção dos meios massivos, especialmente, no que diz respeito aos pro- gramas televisivos. Também são alvo de atenção a literatura popu- lar, séries televisivas e filmes de grande bilheteria.20 Todos estes tratam de dar visibilidade à audiência, isto é, aos sujeitos engaja- dos na produção de sentidos. Também há um redirecionamento no que diz respeito aos protocolos de investigação. Estes passam a dar uma atenção crescente ao trabalho etnográfico. A importância que a etnografia assumiu nas análises da re- cepção, funcionando como uma forma de relativizar os achados da tendência anterior marcada pela crítica ideológica, precisa ser sumariamente avaliada. Ao operar no ponto de encontro onde determinadas condições sociais transformam-se em con- dições especificamente vividas, trabalha-se por dentro de frontei- 43 ras. Nesse estreito espaço, de difícil acesso, corre-se o risco per- manente de celebrar as resistências ao reconhecer que as audiên- cias respondem ativamente às formas culturais massivas, principalmente, se for levado em consideração o trabalho anteri- ormente executado de “desmistificar, denunciar e condenar” o poder dos meios sobre a audiência. Embora seja plausível a consideração de que a audiência estabelece uma ativa negociação com os textos mediáticos e com as tecnologias no contexto da vida cotidiana, esse posiciona- mento pode tornar-se tão otimista que perde de vista a margina- lidade do poder dos receptores diante dos meios. A euforia com a vitalidade da audiência e por sua vez com a cultura popular fez com que esta fosse entendida como um espaço autônomo e re- sistente ao campo hegemônico. Algo que aconteceu com várias das pesquisas dessa época. No contexto dos estudos de audiência, uma avaliação crítica dos resultados obtidos nesse tipo de investigação reivindica: “O que uma etnografia crítica das audiências dos meios de comuni- cação precisa esmiuçar, então, é a não reconhecida, inconsciente e contraditória efetividade do hegemônico dentro do popular, as rela- ções de poder que estão inscritas no interior da textura das práticas de recepção” (ANG, 1996, p. 245). Para tanto, o entendimento da concepção de hegemonia não pode permanecer no nível teórico- abstrato. É necessário dar conta de alcançar um sentido concreto das forças hegemônicas que regem o mundo atual. A mesma au- tora conclui: “Precisamos ir além dessas conceitualizações para- digmáticas de hegemonia e desenvolver um sentido de hegemonia mais específico, concreto, contextual, em resumo, mais etnográfi- co” (grifo meu). Posição semelhante é reivindicada por McRob- bie (1992, 1994). Nos anos 90, este leque de investigações sobre a audiência procura ainda mais enfaticamente capturar a experiência, a capa- cidade de ação dos mais diversos grupos sociais vistos, principal- mente, à luz das relações da identidade com o âmbito global, nacional, local e individual. Questões como raça e etnia, o uso e a integração de novas tecnologias como o vídeo e a TV, assim como seus produtos na constituição de identidades de gênero, de classe, 44 bem como as geracionais e culturais, e as relações de poder nos contextos domésticos de recepção, continuam na agenda, princi- palmente, das análises de recepção.21 Destacam-se, como ênfases mais recentes neste tipo de estudo, os recortes étnicos e a incor- poração de novas tecnologias. Em relação às estratégias metodo- lógicas, estas redundam na etnografia e na observação participante embora possam parecer mais diversificadas – (auto)biografias, depoimentos, histórias de vida. De maneiras variadas, esses estudos de audiências estão preocupa- dos em situar as leituras e práticas dos meios de comunicação den- tro de redes complexas de determinações, não apenas dos textos, mas também daqueles determinantes estruturais mais profundos, como classe, gênero e, ainda, em menor grau, raça e etnia. Estes estudos também iluminam os caminhos em que se intersectam e são vividos os discursos públicos e privados, nas práticas rotinei- ras e íntimas da vida cotidiana. Além disso, a maioria reflete sobre os métodos de pesquisa e, especialmente, sobre a localização do pesquisador ou pesquisadora em seu estudo [...]. Desta forma, apesar de sua pequena escala, cada um deles, de maneiras diferen- tes, coloca questões mais amplas de estrutura e atuação dentro do mundo socialmente estruturado das práticas e da subjetivida- de, e muitos refletem sobre o contexto institucional da própria pesquisa. (GRAY, 1999) Enfim, estes estudos dos anos 90 revelam alguns dos objeti- vos que, com diferentes ênfases, continuarão sendo perseguidos pela linha de investigação de audiências. Ainda é cedo para elabo- rar um balanço deste último período, é possível apenas identificar as tendências recém citadas. Aqui se enfatizou esta orientação na análise dos meios de comunicação de massa – a recepção – porque a finalidade é refle- tir sobre a comunicação mediática como clivagem dentro do am- plo espectro proposto pelos estudos culturais. Tal fato, de forma alguma, implica restringir o objeto de estudo deste campo em torno desta temática. Ao contrário, cada vez mais o objeto de investigação se diversifica e se fragmenta. Contudo, no ponto de encontro destas duas frentes, comunicação e estudos culturais, 45 identifica-se uma forte inclinação em refletir sobre o papel dos meios de comunicação na constituição de identidades, sendo esta última a principal questão deste campo de estudos na atualidade. Resta dizer que, se originalmente os estudos culturais po- dem ser considerados uma invenção britânica, hoje, na sua forma contemporânea, tornaram-se uma problemática teórica de reper- cussão internacional. Não se confinam mais à Inglaterra e Europa nem aos Estados Unidos, tendo se alastrado para a Austrália, Ca- nadá, Nova Zelândia,
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