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105 • Compreender os dispositivos que compõem a Rede de proteção à criança e aos adolescentes vítimas de violência sexual; • Identificar os fluxos de atendimento em suas respectivas áreas de atuação; • Conhecer o papel de cada ente dentro da Rede de proteção às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Objetivos: 2.1 Introdução O reconhecimento e garantia de direitos fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil é resultado da articulação da sociedade civil organizada, fundamentada nas mudanças da concepção de infância no Brasil e no mundo que as entendem como em fase peculiar do desenvolvimento, portanto devem ser protegidas e cuidadas pelo Estado Brasileiro como prioridade absoluta. Dessa concepção, nasce a política de proteção à infância e juventude articulada pelo Sistema de Garantia de Direitos-SGD, que é composta por várias estruturas, órgãos, entidades e instituições das mais diversas ordens, composições, UNIDADE 2 DA REDE DE PROTEÇÃO E DO CONTROLE SOCIAL: PAPEL DO CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE DE SÃO LUÍS - CMDCA/SL 106 naturezas, forma de ingresso de seus integrantes, sem grau de hierarquização entre elas. Algumas fazem parte do executivo e da administração direta municipal, como os CRAS e CREAS, ligados a secretarias de Assistência Social dos Municípios. Já os Centro de Atendimento Psicossociais-CAPS8. integram o elenco de ações no âmbito da Política de Saúde nos Municípios, enquanto que o Conselho Tutelar é órgão autônomo, com ingresso próprio através de processo de escolha definido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Outros órgãos como a polícia (DELEGACIA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE -DPCA ) e setor de perícia (CENTRO DE PERÍCIAS TÉCNICAS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES – CPTCA), são vinculados à Secretaria de Segurança Pública Estadual. A Defensoria Pública e o Ministério Público são instituições previstas na Constituição Federal, autônomas e independentes, portanto, não estão ligadas ao executivo. Temos ainda o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, órgão paritário composto por integrantes do poder público municipal e sociedade civil, que fiscaliza, delibera e propõe políticas públicas, conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e Adolescente - ECA. Os Conselhos Municipais dos Direitos das Crianças e Adolescentes no Brasil foram instituídos pela Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e Adolescente, como sendo órgãos paritários que contam com a participação da sociedade civil e do Poder Executivo municipal. Em São Luís, foram criados pela lei municipal nº 3.131 de 27 de julho de 1991, alterada pela Lei Municipal nº165/03 Lei Municipal nº 5.961/2015. Ele propõe, delibera e controla as políticas públicas municipais voltadas para crianças e adolescentes. Também faz o registro de entidades que atuam com crianças e adolescentes, e acompanha se os projetos e programas realizados atendem aos requisitos da legislação, como também tem o papel de acompanhar e fiscalizar a atuação dos Conselheiros Tutelares. Além disso, gerencia e estabelece os critérios de utilização de recursos dos fundos de direitos da criança e do adolescente municipais. O Fundo para Infância e Adolescência - FIA, tem por sustentação legal o art. 88, inciso IV do Estatuto da _________________________ 8 Os CAPS são dispositivos criado pela Portaria 336/2002 e os Conselheiros Tutelares pela Lei 5.991/2014 107 Criança e do Adolescente – ECA, e Art. 14 da Lei Estadual 3.131/91 que regulamenta o CMDCA e o FIA. Constitui-se como um Fundo Especial, conforme preceitua a Lei Federal 4320/64, art. 71, “o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada à adoção de normas peculiares de aplicação”. Ele é um fundo público que tem como objetivo financiar projetos que atuem na garantia da promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Os recursos são aplicados exclusivamente nesta área com monitoramento do Conselho municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA. Os recursos do fundo são utilizados para a implementação da política de promoção, defesa e proteção dos direitos da criança e adolescente em conformidade com as diretrizes formalmente deliberadas em plenária do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA. Podem ser beneficiadas com os recursos as instituições que atuam com a promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente que tiverem seus projetos aprovados pelo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Entidades da sociedade civil organizada deverão ainda ter seus projetos aprovados em conformidade com critérios específicos constantes em edital de chamamento público próprio, podendo inclusive estabelecer o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes como uma de suas linhas prioritárias e assim apoiar projetos tanto de organizações da sociedade civil quanto do poder público no sentido de desenvolver ações nessa direção. Os recursos que alimentam o fundo são dos contribuintes que podem fazer doações para o Fundo para Infância e Adolescência - FIA, direto da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda e, no caso São Luís, também de repasses dos servidores públicos municipais. As entidades acima citadas, e outras mais, compõe uma grande estrutura que atua (ou deveria) de forma articulada, harmônica e interdependente. Cada qual com sua especificidade e funções próprias deve trabalhar naquilo que se convencionou _____________________ 9 As Redes de atendimento são um conjunto de ações e serviços articulados em níveis de comple- xidade crescente, com a finalidade de garantir direitos de forma integral. Colaboração de Raquel Cristina Assistente Social do CMDCA- São Luís/MA. 108 chamar de “atuação em rede9”. No caso dos direitos das crianças e adolescentes, quando essa rede não existe ou não se articula, é necessário que a sociedade exerça seu papel de controle social de forma organizada e articulada através dos conselhos, no caso em questão de crianças e adolescentes. 2.1.1 O CMDCA: competências e contribuições Para melhor compreensão do papel e atuação desempenhados pelo CMDCA, seguem algumas das principais atribuições dos CMDCA’s, conforme preconizado pelo ECA: • Realizar intervenções em seu contexto de atuação, de forma a possibilitar que medidas de proteção e socioeducativas sejam corretamente aplicadas no município; • Planejar, elaborar, acompanhar e fiscalizar as Políticas Públicas voltadas à infância e adolescência; • Formular Políticas Públicas na promoção do desenvolvimento integral, de forma não discriminatória, assegurando o direito de opinião e participação; • Estruturar o funcionamento e atribuições dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, e tutelar; • Interagir com as Políticas Públicas, no exercício de sua função na sociedade; • Implantação do Sistema de Informação da Infância e Adolescência – SIPIA- WEB; • Articular a rede local para atendimento e defesa do direito das crianças e adolescentes: SUAS, CRAS, CREAS, SINASE, SGDCA; • Fazer executar o trabalho em Rede; • Participar do planejamento das Políticas Públicas em diversas esferas e espaços; • Acompanhar o reordenamento institucional propondo, sempre que necessário, modificações nas estruturas públicas e privadas destinadas ao atendimento das crianças e adolescentes; 109 • Elaboração de diagnóstico da situação que crianças e adolescentes vivem em seus municípios (análise de situação); • Elaborar Planos de Ação das diversas políticas; • Promover e apoiar campanhas educativas; • Estimular a formação técnica permanente, promovendo e apoiando a realização de eventos e estudos na área da criança e adolescentes; • Orçamentos da Criança e Adolescente, indicando as modificações necessárias à consecução dos objetivos da política formulada paraa promoção dos direitos; • Controlar e Gerir o Fundo e fixar critérios para a sua utilização. 2.1.2 O papel e a contribuição do CMDCA na prevenção, enfrenta- mento e combate da violência sexual contra crianças e adolescentes no município de São Luís do Maranhão Entre as diversas frentes de atuação do CMDCA, vamos nos ater ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Em consonância com os documentos nacionais, o município de São Luís elaborou o Plano Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes - PMEVSCA, que nasce como um documento para consolidar o processo no qual foram definidos, por meio de consensos entre diferentes setores e segmentos, as diretrizes gerais para uma politica pública de enfrentamento à violência sexual envolvendo crianças e adolescentes no nosso município. O primeiro Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto- Juvenil foi elaborado em junho de 2000, durante o Encontro Nacional ocorrido em Natal (RN), consolidando o processo no qual foram definidos, por meio de consensos entre diferentes setores e segmentos, as diretrizes gerais para uma política pública de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Esse documento acabou tornando-se referência para a sociedade civil organizada e para as três instâncias do poder federativo brasileiro, apresentando 110 as diretrizes que oferecem uma síntese metodológica para a reestruturação de políticas, programas e serviços de enfretamento à violência sexual, consolidando a articulação como eixo estratégico e os direitos humanos sexuais da criança e do adolescente como questão estruturante. O Plano foi aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) em 12 de julho de 2000, no marco comemorativo aos 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que reuniu em Brasília cerca de 2000 pessoas, no Encontro Nacional de Entidades organizado por um conjunto de ONGs do movimento de defesa dos direitos da criança e do adolescente. No município de São Luís, o PMEVSCA foi aprovado através do CMDCA em 24 de setembro de 2014, após ampla discussão e encontros com os diversos agentes do Sistema de Garantia de Direitos, através da Resolução nº 01 (CMDCA/ CMAS e CMCF/2014) foi devidamente publicado o plano local. O Plano está estruturado em eixos, visando melhor elaboração, execução e controle das ações e atividades propostas: prevenção, atenção à criança e ao adolescente e suas famílias e à pessoa que comete violência sexual, defesa e responsabilização, comunicação e mobilização social, protagonismo e participação, estudos e pesquisas. Nesse cenário de proteção de crianças e adolescentes e com a atuação de diversos atores dentro de suas respectivas competências definidas em legislações específicas, ainda enfrentamos grandes dificuldades para garantir direitos fundamentais das crianças e adolescentes vítimas de atos violentos dessa natureza. Umas das maiores dificuldades no atendimento dos casos de violência sexual e no acompanhamento dos casos é o desenho de um único fluxo padrão e isso se dá por vários motivos, dentre os quais podemos destacar as diferenças regionais, de estruturação e implementação das diversas políticas públicas nas localidades. Cada localidade, em razão do porte do município, contingente populacional e estruturação das políticas, terá diferentes equipamentos. Municípios com menos de 20 mil habitantes podem não possuir o Centro de Referência Especializado de 111 Assistência Social - CREAS, noutras cidades, ainda que maiores, não vão dispor de uma Delegacia Especializada de Proteção da Criança e do Adolescente – DPCA, ou mesmo de Centro de Perícia para elaboração dos laudos periciais, considerando a situação denunciada pela vítima. Não são todos os Municípios que possuem Centro de Apoio Psicossocial – CAPS, muito menos as especializações infantis desses Centros. Os CAPS se tornam importantes nessa Rede, uma vez que os Centros são considerados como um local que disponibiliza um atendimento ambulatorial em saúde mental, na comunidade próxima ao usuário, em detrimento de uma perspectiva hospitalar e distante das pessoas. Desse modo, identifica-se o papel que os CAPS possuem na vida dos sujeitos, configurando-se enquanto um serviço que possibilita que o usuário seja cuidado em seu domicílio, em contato com a sua família e a sua comunidade, não necessitando de segregação em instituições hospitalares (NASI & SCHNEIDER, 2011). Ademais, o serviço prestado pelos integrantes da rede é complementar, assim, visando o princípio da proteção integral, terá efetividade quando toda a rede acompanhar o caso, desse modo, o atendimento de saúde é garantido juntamente com o acompanhamento da família e da vítima por equipes do serviço da assistência do CREAS; o Conselho Tutelar, para a defesa de direitos; da autoridade policial, para adotar medidas que resultem na investigação da violência; da Defensoria Pública para atuação administrativa e judicial de proteção; e do Ministério Público, para provocar a justiça e buscar a responsabilização criminal. Esses são alguns dos exemplos de atuações que se dão concomitantemente, salvo algumas exceções10. É importante destacar que não existe uma única porta de entrada na política de proteção, mesmo porque a revelação da violência pode se manifestar num ambiente escolar, ao professor, ou ainda ser identificada em um atendimento de saúde da vítima. Além da demanda espontânea, é possível ainda a busca ativa ou mesmo diligências por parte do Conselho Tutelar, ao ser informado de um caso de violência. 10 Como o caso da investigação policial, que após concluída será encaminhada ao Ministério Públi- co, para que então proponha a ação penal e assim possa deflagrar o processo criminal. 112 Os pontos apresentados demonstram alguns dos desafios da definição de um único fluxo padronizado, demandando uma atuação articulada dos atores da rede de proteção para a superação dos entraves. 2.2 Atendimento: a importância da interação da rede no processo de atendimento dos casos 2.2.1 Parâmetros de definição de fluxos Vejamos alguns pontos que devem ser levados em consideração assim que o município se proponha a estabelecer ou institucionalizar fluxos de atendimento no âmbito das mais diversas políticas e serviços de atendimento, no sentido de dinamizar e qualificar o atendimento ofertado às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Tão importante quanto à iniciativa do poder público, é o controle social que deve assumir o papel estratégico e fundamental para aprimoramento desses fluxos através da atuação articulada dos Conselhos Municipais, fomentando e monitorando a efetividade dos atendimentos. Considerando a proposta de elaboração de um fluxo local para atendimento dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, a construção de uma melhor dinâmica de encaminhamento deve levar em conta: Conhecimento da estrutura local, aparelhos de proteção e dificuldades de cada um deles: a rede é composta de pessoas e da necessidade permanente de boa interação, de conhecimento das condições de cada um dos parceiros e de medidas compensatórias para superação das dificuldades. Deve ser também multidirecional e em rede, em vez de unidirecional, tendo em conta que a espontaneidade do relato de uma violência faz com que qualquer um dos entes da rede seja provocado primeiro e dele deve partir a provocação dos demais entes, observando as prioridades e as necessidades. Ex.: se o caso chegou inicialmente ao Conselho Tutelar, este deverá provocar e encaminhar à Delegacia de Polícia, para B.O e providências de investigação; ao Ministério Público, para apurar a responsabilização criminal, pedir a prisão do agressor e, se for o caso, de destituição 113 do poder familiar e demais medidas de proteção, ou alteração de guarda; ao CAPS, para atendimento de saúde mental,entre outros. As características implicam dizer que seus componentes se integram reciprocamente e demandam uns os serviços dos outros. Assim, por exemplo, o Conselho Tutelar ao receber de um professor a denúncia e após adotar medidas de proteção, e encaminhar o caso ao Ministério Público, mais a frente, após investigação policial e judicialização, poderá ser acionado novamente para atender a família e averiguar possíveis novas violações. Outra importante característica é a de atuação complementar, intersetorial e orgânica, em vez de concorrente e desconexa, uma vez que é pressuposto de uma estrutura ampla e de composição plural que a rede tenha interação permanente e que suplante o mero encaminhamento formal. É necessária a identificação das necessidades específicas da vítima, mas sobretudo de conhecimento dos atores sobre as dificuldades e limitações estruturais, o que pede um verdadeiro sentimento de empatia e colaboração entre os sujeitos. Sobre intersetorialidade: Consecução de ações públicas, ao mesmo tempo em que mantém especificidades de cada área, vai além de cada setor, buscando a superação de práticas fragmentadas e a eficiência para atingir os objetivos e resultados. Dessa forma a intersetorialidade nas políticas públicas é compreendida como uma articulação maior entre diversos saberes para alcançar um objetivo mais amplo11. Para além das interações institucionais, é importante que as pessoas que as integrem atuem solidária e cooperativamente, observando as autonomias e atribuições. A organicidade implica dizer que o acompanhamento tenha informações compartilhadas por seus integrantes. A perspectiva de proteção integral, que é um dos princípios mais basilares do sistema de garantia de direitos, implica uma visão intersetorial de proteção, ou seja, ________________________ 11 BELLINI, Maria Isabel Barros e COL, Políticas Públicas e intersetorialidade em Debate. Disponí- vel em: http://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8133/2/evento_003%20-%20Maria%20 Isabel%20Barros%20Bellini.pdf 114 das mais diversas especialidades profissionais: psicossocial, jurídica, educacional e de saúde que se consubstanciam. Sendo assim, no desenho do fluxo, as características de multidirecional, intersetorial e complementar devem espelhar: Errado Certo A > B > C A <> B <> C Nada impede que exista mais de um fluxo, como algumas localidades escolhem estabelecer “fluxo de responsabilização” e “fluxo de garantia de direitos”, desde que dialoguem entre si, sem sobreposições. ATENÇÃO! Entidades que atuam em ilhas, isoladas umas das outras, em vez de proteger, causam mais violação, revitimização e atraso de medidas de proteção. Para além da enorme dor que a revelação de uma violência sexual causa, ao buscar ajuda, a vítima necessitará de atenção multissetorial, transitará por várias órgãos e instituições, que variam a depender das peculiaridades e necessidades do caso concreto, cada uma com sua especialidade e forma de atendimento. Assim, poderá transitar no: 1. Serviço de Educação, como ponto de identificação, acionamento e também acompanhamento do comportamento de crianças e jovens no ambiente escolar; 2. Serviço de saúde (ambulatorial e hospitalar), para o caso da violência consumada resultar em lesão e necessidade de profilaxias. Também se notabiliza por ser importante foco de identificação; 3. Serviço de saúde - CAPS, numa outra rotina de atendimento, para casos de comprometimento da higidez mental, tais como depressão, estresses pós- traumático, entre outras situações em que será acompanhado por médico, preferencialmente psiquiatra; 115 4. Serviço de assistência, para o caso de violência intrafamiliar que gere necessidade de fortalecimento de vínculos, por meio do CREAS; 5. Órgãos de proteção, como Conselho Tutelar, que além de receber a notificação de casos de violência, poderá monitorar e acompanhar a família, para saber e informar, por exemplo, de reaproximação do agressor à vítima. Poderá inclusive aplicar medidas aos pais (art. 18B e 129 ECA), de proteção às vítimas (art. 101, I a VII, ECA); 6. Delegacia e setor de perícia, situação em que a investigação policial e produção de prova técnica vão requerer a oitiva, entrevistas e avaliação física para identificação de vestígios. Cumprindo esclarecer ainda que o Ministério Público também pode realizar investigação, além de poder representar (e também o delegado) pelo pedido de prisão preventiva; 7. Providências pré-judiciais: Defensoria Pública e Ministério Público (integrantes do sistema de justiça) podem demandar atendimento familiar, para promover medidas judiciais, como pedido de ordem de afastamento do agressor, alteração de guarda, suspensão ou perda do poder familiar; 8. Tramitações judiciais: acompanhar processos, comparecer a audiências para escuta pelo juiz da família e/ou criança (por depoimento especial), e outros ritos judiciais que visam a responsabilização do agressor ou a mudança na convivência familiar, a exemplo de processos de guarda, perda ou suspensão do poder familiar. O desarranjo das estruturas gera, por exemplo, a revitimização, pela repetição constante do relato da vítima onde quer que vá. Abordagens equivocadas, agressivas e violadoras dos agentes de investigação, de persecução penal e no próprio processo criminal na apuração de responsabilidade, geram o que a literatura chama de “Vitimização Secundária”, quando o próprio Estado não presta o atendimento adequado e humanizado, gerando danos e contribuindo para inibir denúncias. Falta também informação e orientação dos percursos e do andamento de um processo judicial, cuja demora no desfecho também gera frustração, desistência, inibindo a denúncia e gerando subnotificação. 116 Por melhor que seja a estrutura da política, sempre estaremos lidando com a perspectiva de redução de danos, uma vez que a peregrinação pelos serviços reaviva experiências e submete a vítima e familia a condições de sofrimento. A quem devemos procurar primeiro ao saber de uma situação de violência sexual? É preciso sempre comunicar o Conselho Tutelar e a polícia. A vítima deve ser submetida, tão logo se saiba da violência, a exame de corpo de delito, uma vez que os sinais físicos de violência podem ser logo identificados (canal da vagina alargado, hímen rompido e pênis ou reto edemaciados), outras lesões podem desaparecer com o passar no tempo, como os que decorrem de resistência da vítima. Se o agressor insiste em se aproximar da vítima, e mesmo se após a revelação ainda coabitam, deve-se procurar o Ministério Público ou a Defensoria Pública, para que se providencie medidas de afastamento perimetral do violador e até mesmo o seu pedido de prisão preventiva por parte do Ministério Público se for o caso, além de outras medidas. E quais medidas podem ser adotadas para a redução dos danos? Orientação e informação à família com os procedimentos que serão adotados sobre o andamento do processo e as possibilidades. Implementação da estrutura de “depoimento especial” em juízo e em sede policial. Implementação da “escuta especializada”, nos moldes da Lei n. 13.431/17 e do Decreto Presidencial n. 9.603/18, aos órgãos da rede de proteção, institutos que são trabalhados em abordagem específica no curso para onde remetemos o leitor. 2.3 2.3 Conhecendo os integrantes da rede de proteção 2.3.1 Defensoria pública e ministério público A Defensoria Pública é instituição autônoma e independente, prevista na constituição para atuar em favor dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados (art. 134CF), entendidos como vulneráveis econômica, social ou circunstancialmente. Promove a assistência jurídica integral e gratuita a pessoas necessitadas, com renda de até três salários mínimos ou cuja condição, ou circunstância emergencial, ou de risco, a deixa em situação de graveexposição e fragilidade. 117 O Ministério Público é instituição autônoma e independente, prevista na constituição e que tem função de zelar pela ordem jurídica, interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 CF). Promove a defesa da sociedade e fiscaliza a observância dos valores e da legislação em sentido amplo. Fica claro então que a Defensoria Pública atende um grupo específico da sociedade, aqueles tidos como hipossuficientes e em condição de pobreza, como meio de acesso à justiça de pessoas excluídas, ao passo que o Ministério Público tutela a sociedade de maneira geral, sem distinção de grupo. A DPE, realizando atendimentos individuais, orienta em direitos e atua administrativa e judicialmente, seja em favor do direito individual ou de grupo de pessoas marginalizadas. Já o Ministério Público, pode excepcionalmente atuar individualmente, em prol de direitos individuais mais relevantes tidos como “individuais indisponíveis”, e quando assim o fizer, será parte no processo, representando o direito do cidadão. Noutros momentos, o Ministério Público atua como fiscal da ordem jurídica e não é parte, se manifestando pelo regular andamento do processo. A Defensoria Pública, por ser instrumento de acesso à justiça, sempre estará num dos polos de uma demanda judicial. Em processos criminais, por exemplo, o Ministério Público é o autor da ação, que propõe a acusação e deflagra o processo, ao passo que a Defensoria Pública realiza a defesa de pessoa que é acusada, se não tiver condições de pagar por um advogado. Em algumas ocasiões as instituições têm atribuições semelhantes, como em defesa dos direitos individuais da criança, uma vez que a violação afetar direito individual indisponível, no caso a dignidade e integridade sexual da criança, possibilitando a atuação do Ministério Público. Atuação judicial Comum: ambos podem fazer pedido de medida de proteção de afastamento do agressor, de modificação de guarda e requisitar outras medidas de proteção. Ambas as instituições podem propor ações coletivas, ocorre que o Ministério Público o faz em defesa da coletividade indistintamente considerada, enquanto que a Defensoria Pública, na tutela de população em condição de pobreza e vulnerabilidade social. 118 • Atuação exclusiva ou com peculiaridades: Por parte do Ministério Público: destituição ou suspensão do poder familiar por interesse público e social. Proposição de ação penal para responsabilização criminal do violador, também é o autor de ação de improbidade administrativa, atuando como órgão de controle externo à administração. Tem poder de investigação para cumprimento de sua função e averiguação de cumprimento da lei. Por parte da Defensoria Pública: destituição ou suspensão do poder familiar, em favor de quem tenha legítimo interesse, como um familiar (art. 155 do ECA). Defesa dos pais, em processos de perda ou suspensão do poder familiar. Com efeito, pode atuar nos dois polos, tanto da parte autora quanto da parte ré. CONSELHO TUTELAR (Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA): “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (art. 131 do ECA). CENTRO DE APOIO PSICOSSOCIAL – CAPS (Lei 10.216/01 e Portaria de Consolidação n. 3/GM/MS): unidade da política de assistência à saúde mental de incumbência municipal, ligada à secretaria municipal de saúde. Presta o serviço de atendimento em caso de transtorno mental em decorrência do episódio de violação, como depressão, ataques de pânico e comportamento autolesivo. A depender do porte do município e demanda, tem possibilidade de especialização infantil do serviço, o CAPS Infantil. CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS (Lei 8.742/93): “a unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias” (art. 6ºC, §2º da Lei SUAS). Unidade Municipal ligada à secretaria de assistência. 119 O mote do serviço é a prevenção, e ao contrário do atendimento individual ou familiar no CREAS, tem um trabalho de fomento de fortalecimento e função protetiva da família. Ou seja, para além da identificação de uma situação específica de violação, mas de ações continuadas, de acesso a direitos, como inclusão no CadÚnico, bolsa família, entre outros. O principal serviço do CRAS é o de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF, por meio de ações socioassistenciais a famílias em situações de vulnerabilidade social e de fomento à proteção familiar, e a prevenção. São exemplos de ações: acolhida, oficina com famílias, ações comunitárias, encaminhamentos, etc. Não raro, em municípios menores em que não existam CREAS locais, ou referência regional, o CRAS acaba por assumir algumas das funções de proteção especial, sobretudo no que diz respeito à atuação e acompanhamento de casos de violação. CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CREAS (Lei 8.742/93): unidade do serviço de assistência de “prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção social especial” (art. 6ºC, §2º da Lei SUAS). Unidade Municipal ou Estadual (se for regional) ligada à secretaria de assistência. Acompanhamento familiar com episódio de violência sexual intra ou extrafamiliar, para preservação e fortalecimento de vínculos, por meio de atendimento individual ou familiar voltado à identificação de violações, a prevenção, apoio de necessidades, orientação sociojurídica e encaminhamento para outras políticas. Executado por meio do serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, é componente obrigatório do CREAS e, caso não exista no município, deve ser ofertado por CREAS Regionais, quando então passa a ser incumbência estadual, para municípios de até 20 (vinte) mil habitantes. São exemplos de ações: entrevistas e avaliação inicial, atendimento psicossocial, construção de plano de atendimento, orientação jurídico-social, elaboração de relatórios técnicos sobre o acompanhamento realizado, ações de mobilização e enfrentamento. 120 CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CMDCA: é órgão deliberativo, formulador, propositor e fiscalizador de políticas públicas voltadas a crianças e adolescentes. Para além disso, é quem faz a gestão do Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA). Não executa diretamente os serviços afetos à proteção e defesa de crianças e adolescentes, mas tem função estratégica, balizadora, orientadora e fiscalizadora dos serviços existentes. Instrumento de concretização da concepção de democracia participativa, uma vez que garante o acesso e participação da sociedade, o CMDCA é o verdadeiro órgão de controle voltado à infância e juventude. Tamanha a relevância da participação popular que a Lei n. 13.257/17, ao tratar do marco legal da primeira infância, estatuiu no art. 12, a coloca na condição de solidária, ou seja, em pé de igualdade e relevância com a família e o Estado, na proteção e promoção da criança, seja através da integração a conselhos ou de outras modalidades de atuação. Serviços dos mais relevantes para a defesa de crianças e adolescentes, governamentais ou não governamentais, como de entidades de atendimento, orientação apoio, acolhimento e internação, têm a inscrição de seus programas como etapa obrigatória e exclusiva do CMDCA (art. 90§1º e 3º), sendo então reavaliado periodicamente (a cada 2 anos). Mais ainda, independente de possuir programa, qualquer entidade não governamental, para que possa funcionar regularmente,deve ter o registro no CMDCA (art. 91 ECA). De composição mista e paritária, é formado por integrantes do poder executivo municipal e de representantes da sociedade civil, com alternância na presidência entre poder público e sociedade. Com efeito, trata-se de órgão que exerce verdadeiro controle social e é fundamental na articulação e fortalecimento da rede. Pode-se, portanto, afirmar que maior será a força da rede de proteção, quanto mais atuante e pujante for o CMDCA. 121 SUGESTÃO DE LEITURA Para aprofundar os conhecimentos sobre a criação, manutenção e funcionamento do CMDCA, consulte a Resolução n. 105/05 CONANDA e o material: Cartilha – perguntas e respostas sobre o CMDCA, acessando www.conanda.org.br . Vale lembrar também sobre a importância do Conselho Estadual de Direitos da Criança – CEDCA, que exerce o mesmo papel do CMDCA, só que em âmbito estadual. O seu papel é imprescindível para articulação regional e de fomento aos conselhos municipais, e de política de proteção de abrangência regional, e de interação entre os entes municipais e estaduais. Por fim, afirmamos que só poderemos garantir direitos fundamentais, para todas as crianças e adolescentes vítimas das mais diversas violências, se tivermos todo o sistema de garantia de direitos funcionando em uma grande Rede. Acreditamos que somente nessa atuação conjunta, conseguiremos cumprir nossa missão primordial que é garantir condições dignas às crianças. RESUMO Nesta Unidade, você conheceu os principais dispositivos que compõem a Rede de atendimento aos casos de violência sexual sofridos por crianças e adolescentes, e como esses dispositivos devem atuar em Rede para garantir a proteção integral. E, para realizar esse atendimento garantindo a proteção assegurada em Lei, é fundamental que cada dispositivo atue dentro das suas competências organizadas em fluxo, atuando conjuntamente dentro dos serviços nas mais diversas áreas. 122 REFERÊNCIAS BELLINI, Maria Isabel, et all. Políticas Públicas e Intersetorialidade em debate. Disponível em www.repositorio.pucrs/br. Acesso em 10 nov. 2019. BRASIL, Dispõe sobre o Sistema Único de Assistência Social, Lei 8.742/93, Brasília, 2019. BRASIL. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente, Lei 8.090/ 2019. Brasília, 2019. MARANHÃO, Brasil. Dispõe sobre a criação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente de São Luís, Lei municipal nº 3.131 de 27 de julho de 1991.São Luís, 1991. MARANHÃO, Brasil. Plano Municipal de Enfrentamento a violência sexual contra crianças e adolescentes de São Luís. São Luís, 2014. NASI, Cintia. SCHNEIDER, Jacó́ Fernando. O Centro de Atenção Psicossocial no cotidiano dos seus usuários. Revista da PUC, São Paulo, 2018.