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ENSINO PRIMÁRIO EM MINAS GERAIS: TECENDO HISTÓRIA E MEMÓRIA DE ALFABETIZADORAS Oliveira, Sandra Maria de. NEIAPE/UFU sandryoliv@terra.com.br Santos, Sônia Maria dos. NEIAPE/NEPHE/FACED/UFU soniam@ufu.br “Minha escola primária.... Escola antiga de antiga mestra. Repartida em dois períodos para a mesma meninada. das 8 às 11, das 1 às 4. Nem recreio, nem exames. Nem notas, nem férias [...] Não havia chamada E sim o ritual De entrada, compassadas. ‘_ Bença, mestra...’ [...]” Coralina, 1985. O presente trabalho tem como objetivo apresentar parte de uma pesquisa que investiga como se deu o processo da educação primária em Minas Gerais especificamente em Uberlândia região do interior do Triângulo Mineiro. Este estudo é oriundo de uma pesquisa maior intitulada História e Memória da alfabetização no Triângulo Mineiro e Pontal do Triângulo, do grupo de pesquisa e estudos em alfabetização, educação infantil e práticas Educativas/NEIAPE/UFU esse núcleo tem mais de 10 anos de existência e iniciou seus trabalhos como núcleo de extensão e atualmente se estende ao ensino e a pesquisa atuando no curso de pedagogia e no Programa de Mestrado em Educação da Faculdade de Educação, núcleo este que faz interface com a linha de pesquisa História e Historiografia da Educação do NEPHE/UFU, fazem parte também desse grupo de pesquisa docentes o campus do Pontal da UFU e da UEMG ambos da cidade de Ituiutaba. O ensino primário no Brasil só pode se constituir em educação formal, a partir do aparecimento do grupo escolar no Brasil do período de 1893 a 1971. Surgido no corpo das leis de 1893, em São Paulo e Rio de Janeiro, regulamentados e instalados a partir de 1894 no estado de São Paulo, que serviu de modelo para todos os estados brasileiros sendo extintos em 1971, com a promulgação da Lei 5.692. As escolas graduadas, que aglutinavam em um mesmo edifício das antigas escolas isoladas, organizando a docência em torno de séries escolares que passavam a corresponder o ano civil e eram concluídas pela aprovação ou retenção em exame final. De acordo com Souza (2006), essa modalidade de ensino era denominada de grupo escolar”, 3 [...] Tratava-se de um modelo de organização do ensino elementar mais racionalizado e padronizado com vistas a atender um grande número de crianças, portanto, uma escola adequada à escolarização em massa e às necessidades da universalização da educação popular. Ao implantá-lo, políticos, intelectuais e educadores paulistas almejavam modernizar a educação e elevar o país ao patamar dos paises mais desenvolvidos (p.35). No período colonial é praticamente inexistente a instrução pública, tínhamos uma educação dos jesuítas, com o ensino de instrumento de cristianização e de sedimentação do domínio português, e que, não sobrevive à ação de Pombal. No império não foram alcançados os objetivos estabelecidos em forma de leis, o ensino primário para todos cursos secundários regular e universidade; mas na República mudam se a lei, mas não a realidade. A importância da instituição escolar, primeira como a responsável pela instrução e segunda como agente central em toda a educação da infância, “a escola de primeiras letras” pela “instrução elementar”. Conforme Faria Filho (2003), elementar significa manter a idéia de rudimentar, mas permite pensar, também, naquilo que se pode dizer o “princípio básico, o elemento primeiro”, e do que nada mais pode ser subtraído do processo de instrução. Neste aspecto, a instrução elementar entende-se não apenas com a necessidade de se generalizar o acesso a primeiras letras, como também com um conjunto de outros conhecimentos e valores necessários à inserção, mesmo que de maneira desigual, dos pobres à vida social. Faria Filho (2003) nos coloca que, Ao “ler, escrever e contar” agregaram-se outros conhecimentos e valores, que a instituição escolar deveria ensinar às novas gerações, sobretudo às crianças. Conteúdos como “rudimentos de gramática”, de “língua pátria”, de “aritmética” ou “rudimentos de conhecimentos religiosos”, lentamente, aparecerão nas leis como componentes de uma “instrução elementar” (p.139). No entanto, a diversidade das escolas que funcionava neste período, pois o que existia na maioria das vezes, nas casas dos professores ou, sobretudo, nas fazendas, em espaços precários e, seguiam o método individual de ensino. Este método compreendia em os professores, mesmo tendo vários alunos, acabava por ensinar a cada um deles individualmente e tinha como característica o fato dos alunos ficarem muito tempo sem contato direto com o professor, fazendo com que a perda de tempo fosse grande e a indisciplina fosse um problema muito presente. Devido à questão do tempo, aonde se procurava afirmar a necessidade de se utilizar racionalmente o tempo, ensinando rápido e da maneira mais econômica possível, nas primeiras décadas do século XIX, trouxeram para o Brasil o método Lancasterino ou mútuo. Tendo com atributo principal nas atividades dos alunos- 4 monitores na sua relação com o grupo de aprendizes (divisões) na parte da organização e repartição seqüencial dos conteúdos escolares. Assim, já no final dos anos 30 do século XIX, o método mútuo dá lugar, em várias províncias, aos denominados “métodos mistos”, os quais buscavam ora aliar as vantagens do “método individual” às do “método mútuo”, ora aliar os aspectos positivos do último às inovações. Mais tarde, ao decorre do tempo, via se que atendida melhor às especificidades da instrução escolar, permitindo a organização de classes mais homogêneas, a ação do professor sobre vários alunos simultaneamente, a otimização do tempo escolar, a organização dos conteúdos em diversos níveis, podemos assim denominar o “método simultâneo”. Para Faria Filho (2003), o “método simultâneo”, só se tornou possível com: [...] a produção de materiais didático-pedagógico, como livros e cadernos, para os alunos e a disseminação de materiais como o “quadro negro”, que possibilitam ao professor fazer com que os diversos grupos fiquem ocupados ao mesmo tempo (p 142). No final do império, com uma vertente discussão sobre os métodos incidiu fundamentalmente sobre a forma de organizar a classe, ainda a partir da divulgação e apropriação, entre nós das idéias e experiências inspiradas na produção do educador suíço Jean-Henri Pestalozzi, que esteve em pauta das propostas de reforma da instrução pública, levando a incidir diretamente, sobre as “relações pedagógicas de ensino e aprendizagem”. Cambi (1999), afirma que Pestalozzi dedicou-se quase que exclusivamente à instrução, segundo ele, “no ensino é necessário sempre partir da intuição, do contato direto com as diversas experiências que cada aluno deve concretamente realizar no próprio meio” (p.418). Assim o papel do professor como organizador e agente de instrução começa a observar e a perceber melhor o aluno durante o processo de aprendizagem do aluno. A prática pedagógica era baseada numa compreensão sobre o conhecimento humano segundo a qual todas noções do espírito têm uma origem na percepção da existência de sentidos, ou seja, conhecimento das coisas que nos rodeiam é possível pelo fato de termos sentidos que fazem a ligação entre o objeto a ser conhecido e o sujeito que o conhece, criando as idéias. Nessa perspectiva, a partir deste método foi prescrito na legislação como o método a ser utilizado na instrução elementar no Decreto n. 7.247, de 1879, de Leôncio Carvalho, como prática pedagógica inovadora e moderna implantada em um colégio da Corte. De acordo com Saviani (2004), em defesa mais ardorosa, encontra- se na Reforma de Ensino Primário e várias instituições complementares da instrução 5 pública, que compendia leituras sobre método de ensino intuitivo, prescrevendo –se como método geral a ser utilizado na instrução de crianças, que traduzido do manualPrimeiras Lições de coisas de Norman Allison Calkins. De acordo com Paiva (2003), no final do século, o problema da difusão do ensino elementar começava a assumir importância na vida do país e na base desta nova preocupação, encontrava-se a idéia que a instrução poderia contribuir de forma decisiva para o progresso do país. Neste período, tínhamos dois fatores que contribuíram também para o desenvolvimento da instrução, o primeiro foi o progresso material do período, sendo os primeiros passos no sentido da instalação de manufaturas, formava o ensino uma fonte de preocupação e o segundo as elites brasileiras chegavam de seus estudos europeu-penetrados de idéias liberais e das idéias de instrução elementar universal e gratuita. Com o advento da República, sob a égide dos estados federados que a escola pública, entendida em sentido próprio fizeram-se presentes na história da educação brasileira. Assim, o poder público assumiria a tarefa de organizar e manter integralmente as escolas, tendo como objetivo a difusão do ensino a toda a população. No inicio da República, Período Colonial e o Império, o professor que trabalhava no ensino primário, eram em sua maioria leigos, na verdade era o método da “instrução doméstica”, aquela que ocorria em casa, onde a mãe ensinava aos filhos e às filhas, ou os irmãos que sabiam alguma coisa ensinavam àqueles que nada sabiam. Almeida (2004) nos mostra que a Escola Normal, na transição do Império para a República, tinha pouco significado, da mesma forma o sistema educacional do país, continuava alinhavando conteúdos literários de inspiração européia e servindo mais como apoio às relações hegemônicas da sociedade. E uma outra questão, a falta de espaços próprios para as escolas, visto como problema administrativo à medida que as instituições escolares, isoladas e distantes umas das outras, acabavam não sendo fiscalizadas, não oferecendo indicadores confiáveis do desenvolvimento do ensino e, também consumiam parte significativa das verbas com pagamento do aluguel da casa de escola e do professor. Os grupos escolares surgem como prática e representação que permitiam aos republicanos romper com este passado, projetando um futuro em que na República o povo brasileiro tenha uma reconciliação com a nação. Faria Filho (2003), afirma que os grupos escolares foram concebidos e construídos como verdadeiros Templos do saber, que encarnavam, a um só tempo, todo um conjunto de saberes, de projetos políticos-educativos, e punham em circulação o modelo definitivo da educação do século XIX ao das escolas seriadas. 6 Em 1906, chega ao Governo de Minas o industrial e político João Pinheiro, propôs uma reforma no ensino primário e normal mineiros, sendo sugerir o maior controle dos professores pelos inspetores escolares; a introdução de disciplinas ligadas à agricultura; modificações na formação dos professores. Até aqui há muito pouca coisa nova, pois são temas que, com mais ou menos força, estavam presentes em propostas anteriores. A grande repercussão estava, no entanto, na proposição de se construírem espaços próprios para a educação escolar: os grupos escolares. De todas as reformas a educação primária era destinada às camadas mais pobres da população, esta talvez tenha sido a mais importante. A mudança de lugar, físico e simbólico, que permitiu a construção de uma primeira cultura escolar entre nós e, no interior desta, uma discussão específica sobre o conhecimento escolarizado. A escola era, naquele período, uma instituição em construção. Deixava as casas e as igrejas para ocupar as praças e as avenidas da cidade. Estava tornava pública, no duplo sentido da palavra: deixava de ser coisa do mundo do privado (da casa e, portanto, da intimidade familiar), e, também, tornava-se conhecida, reconhecida. Com esse entendimento, de acordo Araújo (2006), nos informa que, [...] Para a disseminação de escolas isoladas e de grupos escolares, serão de preferência attendidas as localidades que corresponderem aos intuitos do governo, offerecendo ao Estado prédio onde o ensino se possa exercer de modo conveniente e eficcaz (p. 248). João Pinheiro, em sua reforma que tinha objetivo encontrar no espírito publica o principal colaborador em sua obra que se propunha a fazer de cada criança em idade escolar um cidadão digno de uma pátria livre. O professor não seria aquele que ensinavam em aulas heterogêneas, onde se reuniam crianças das quatro classes, que teriam que redobrar esforços para manter em atividade de todos os alunos, sem poder dispensar, ao mesmo tempo, a sua atenção para com todas essas divisões; mas o mestre para João Pinheiro seria aquele que desenvolveria as atividades que interagissem entre professores e alunos. A difusão da proposta de João Pinheiro para a educação, ao movimento de implantação dos grupos escolares em Minas Gerais, em Uberlândia o primeiro grupo Escolar Júlio Bueno Brandão, que se tem notícia, foi implantado em 1911. De acordo com Carvalho (2003), o grupo deveria promover os valores da sociedade republicana da época, conforme Honório Guimarães1, sendo que todo os atos privados, diretamente ou indiretamente, possuíam uma ressonância social, na medida de sua extensão, poderia provocar conseqüência sobre o corpo social. Enfim, com a pesquisa esta ainda em andamento não temos um registro completo deste e de outros grupo escolares que existia na época na região do 1 Citando no artigo de Carvalho (2003) era um político influente a época em Uberlândia. 7 Triângulo Mineiro e nem como foi concebida a educação. Mas no Pontal, especificamente em Ituiutaba o primeiro grupo escolar foi “Villa” Platina, criado em 1908, implantado em 1910. Em 1930, houve um incêndio é destruiu a documentação. Nosso desafio inicial era e ainda é, revelar a história da alfabetização em 2 grandes regiões do interior de Minas Gerais. Trata-se de entender o era feito, como, e por quê. Por isso, reafirmamos a importância de estudos como este para desvelar o cenário da alfabetização mineira, as fontes de documentais serão ricas uma vez que poderemos compreender como era a orientação do trabalho docente. Temos clareza de que, para reconstruir a História da Alfabetização no Triângulo Mineiro e Pontal do Triângulo, teremos que cruzar reflexões feitas acerca da história e da memória, de autores como (HALBWACHS, 1990, NORA, 1993, CERTEAU, 1990, LE GOFF, 1984, 1992 e PORTELLI, 1997), dentre outros os que estão priorizando em suas pesquisas essa temática. Entendemos que ao final da realização desta pesquisa a mesma poderá cooperar com novas investigações no campo da história, memória e alfabetização, como também poderá trazer contribuições para outros grupos de pesquisadores. Além da troca de experiências entre pesquisadores, alfabetizadores da educação básica, e alunos da graduação e da pós-graduação a investigação também possibilitará que outros professores e alunos do Ensino Superior e de órgãos públicos que cuidam da formação básica e continuada, tenham acesso aos resultados das reflexões e análises realizadas nesse estudo, bem como aos materiais e instrumentos de pesquisa que serão produzidos. Nossa crença é a de que os avanços, retrocessos e estagnações da nossa área de estudo e pesquisa está diretamente ligada à voz silenciada do alfabetizador, negar ou ignorar a história é, negar a própria essência do homem. BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Jane S. Mulheres na educação: missão, vocação e destino? A feminização do magistério ao longo do século XX. In: SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. ARAUJO, José C. S. 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