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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO AULA 3 Profª Ana Carolina Contin Kosiak 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, temos como objeto de estudo a educação brasileira do Período Imperial, considerado como o período que compreende os anos entre 1822 e 1889. Neste momento, já estamos tratando de uma educação nacional que, apesar de refletir muitos aspectos da educação colonial e trazer ideias e influências europeias, é pensada para a realidade de um país independente. Nesse período, vemos a máxima da “educação como assunto de Estado” tomar forma, sendo pensada em razão da necessidade da criação de leis e parâmetros para a educação pública. Além disso, buscaremos analisar as questões legais e legislativas que estavam relacionadas às políticas educacionais e às formas de aplicá-las à população. TEMA 1 – O BRASIL INDEPENDENTE Com a Proclamação da Independência do Brasil o então príncipe da casa de Bragança, Pedro de Alcântara, tornou-se o primeiro governante do Brasil enquanto uma nação soberana, tornando-se o imperador Dom Pedro I. No dia 3 de maio de 1823, o monarca convocou a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa e, em seu discurso de inauguração, o imperador ressaltou a importância da criação de leis sobre a educação pública. Os parlamentares decidiram, com base nisso, criar uma espécie de “concurso” para eleger a melhor proposta para a criação e a organização de um sistema de escolas públicas que abrangesse todo o território brasileiro. Entre várias propostas apresentadas, uma se destacou, a intitulada “A memória de Martim Francisco”. Este projeto de reforma da educação se baseava em outra proposta feita alguns anos antes pelo deputado Francisco Ribeiro d’Andrada para a capitania de São Paulo. Entre os seus principais fundamentos estava a ideia de uma educação pública dividida em três graus. O primeiro seria voltado para a instrução comum, ou seja, para ensinar conteúdos considerados básicos e fundamentais para todas as pessoas. Este nível teria duração de três anos, tendo como público-alvo crianças de nove a 12 anos de idade. O segundo nível teria a duração de seis anos e também versaria sobre conteúdos básicos, mas, nesse caso, teria como principal foco os estudos ligados às diversas profissões. 3 Já o terceiro e último grau seria essencialmente voltado para o ensino científico, tendo em vista elevar o nível de instrução da elite brasileira. TEMA 2 – EDUCAÇÃO NO ÂMBITO LEGAL A presença das políticas educacionais em projetos legislativos reitera o caráter estatal que a preocupação com a educação no Brasil passa a receber. 2.1 Constituição de 1824 Apesar de as propostas serem amplamente discutidas, nenhuma chegou a se concretizar em forma de lei. Todos os textos e projetos sobre a instrução formal pública caíram juntamente com os parlamentares com a dissolução da Assembleia Nacional Constituinte em 12 de novembro de 1823. Somente no mês de março do ano seguinte, 1824, é que Dom Pedro I (com plenos e absolutos poderes) promulgou a primeira Constituição do Império do Brasil. Todo o conteúdo direcionado a tratar da educação se resumiu em uma linha, o inciso 32 do último artigo (179) do último título (VIII), que dizia: “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. 2.2 Lei de Ensino de 1827 Com a reabertura do parlamento em 1826, novamente a educação voltou a ser tema de debates legislativos. Entre mais de uma proposta ambiciosa (como a enunciada por Januário da Cunha Barbosa, que previa a criação de quatro graus de ensino abrangendo diversas áreas de conhecimento e uma grande ramificação dentro do território nacional), uma mais modesta foi promulgada, que se voltava somente às escolas elementares e ao nível mais básico de educação. A lei de 15 de outubro de 1827 determinou a criação de “Escolas de Primeiras Letras”. Em 17 artigos, essa lei tentava dar origem e consolidar uma organização e uma concepção educacional que pautasse o ensino elementar no Brasil. Entre seus artigos, destacam-se o primeiro, que determinava a criação de escolas de primeiras letras “em todas as cidades, vilas, e lugares mais populosos”, e também o sexto, que definia os conteúdos que deveriam ser ensinados nesses estabelecimentos: 4 [...] ler, escrever, as quatro operações de aritmética, práticas de quebrados, decimais, proporções, noções mais gerais de geometria prática, a gramática da língua nacional, os princípios da moral cristã e de doutrina da religião católica e apostólica romana proporcionada à compreensão dos meninos. Esta lei também ficou famosa pelo artigo 5º que decretava o “Ensino Mútuo”, que seria o modelo de organização do ensino dentro dessas escolas de “primeiras letras”. (Brasil, 1827) Em termos metodológicos, era vista como adequada a noção chamada “Ensino Mútuo”. Este era um método de educação e de estruturação do espaço escolar criado pelos ingleses Andrew Bell e Joseph Lancester, ambos religiosos protestantes. Essa metodologia se estruturava em uma hierarquização dos alunos, em que os que mais se destacavam em seu desempenho escolar eram eleitos para auxiliar os docentes e instruir seus colegas. Nesse sistema, na prática, os melhores alunos eram transformados em “professores” de seus próprios colegas. A disciplina era um ponto fundamental nessa forma de organização, na qual os mais bem-comportados eram promovidos a mestres entre seus iguais, e os mais desordeiros, dentro de uma concepção rígida de ordem, eram punidos ao serem colocados como inferiores em relação aos seus companheiros de classe. Em termos práticos, a defesa do ensino mútuo era baseada no argumento de que a transformação dos próprios alunos em uma espécie de docente permitiria educar um número muito maior de crianças do que um sistema baseado na aula ministrada por um adulto com uma formação específica. Não seria tão relevante, nesse sentido, a qualidade que um ensino conduzido por crianças para crianças poderia obter. Apesar deste argumento e da força de lei que possuía, a legislação das Escolas de Primeiras Letras nunca foi tornada realidade. TEMA 3 – PROPOSTAS EDUCACIONAIS DE MEADOS DO SÉCULO XIX Com uma crescente impopularidade e com graves instabilidades políticas e econômicas no reino, Dom Pedro I abdica do trono de imperador em 7 de abril de 1831, em nome de seu filho, que, então, contava com apenas 7 anos de idade. Tendo em vista a pouca idade do herdeiro, foi criado o cargo de Regente, no qual os seus ocupantes deveriam governar o Brasil até o menino Pedro alcançar a idade adequada para ser coroado como Imperador. 5 No que diz respeito ao sistema educacional desse período, em 1834, com a promulgação do Ato Adicional à Constituição do Império, o governo central abriu mão de ser o responsável pela educação primária e delegou essa função para as províncias. Os governos provinciais, por sua vez, de maneira geral, em pouco contribuíram para a instituição de espaços públicos e preceitos para uma educação pública em território nacional. Duas reformas tentaram contornar os problemas nos anos que se seguiram e, com isso, reafirmar a importância da escola de ensino básico. A primeira, intitulada “Reforma Couto Ferraz” (de 1854), previa, inclusive, a obrigatoriedade do ensino nesse nível para crianças e jovens de sete a 14 anos, com multas com validade em todo o território nacional para os pais e responsáveis que não disponibilizassem para os pequenos a educação formal elementar. Em 1879, outra reforma foi adotada por meio de um decreto, chamada de Reforma Leôncio de Carvalho. Assim como sua antecessora, esta previa a obrigatoriedade do ensino na faixa etária acima mencionada, e ainda criava alguns regulamentos tanto para escolas públicas quanto para escolas privadas, algo inédito até então. 3.1 O Ensino Intuitivo Tendo como objetivo superar a lei deensino de 1827 não só em termos jurídicos, mas também pedagógicos, a Reforma Leôncio de Carvalho defendia um método de educação diferente do Ensino Mútuo. Essa nova lei defendia a adoção nacional do Método Intuitivo. Também conhecido como “Lições de Coisas”, teve como uma de suas principais inovações a previsão do uso de materiais e objetos didáticos físicos e uma preocupação com especificidades do ambiente escolar. Pode se citar como principais objetos desse método o quadro negro, caixas para ensino de cores e formas, cartões coloridos, gravuras e ilustrações, mapa, utensílios para colorir, espaços físicos, carteiras escolares especialmente projetadas para essa função, iluminação adequada e um vestuário escolar. Esse método, bem mais que seu antecessor, demonstrava uma preocupação com o aprendizado do aluno dentro de uma instituição educativa e, para isso, buscava estabelecer com essas ferramentas uma segurança para a transmissão de ensinamento dos professores para os alunos (Saviani, 2007). 6 Novamente, apesar de terem tomado a forma de normas oficiais do Império, essas reformas, assim como tentativas semelhantes anteriores, existiram apenas no papel, praticamente não excedendo o campo teórico enquanto foram vigentes. Apesar disso, a reforma “Leôncio de Carvalho”, com seu Método Intuitivo, veio a influenciar a pedagogia brasileira alguns anos depois. De concreto nesse período, relacionado à educação, surgiram e se expandiram as Escolas Normais, que se voltavam tanto para a educação primária quanto para a formação de professores. 3.2 Ensino secundário e Escolas Normais A concepção de Escola Normal que se instituiu em território brasileiro foi exportada de um modelo de formação de professores que surgiu na Europa, mais especificamente na França, no começo do século XIX. Em resumo, esse tipo de instituição possuía como principal objetivo a formação de professores para o ensino primário. O nome “Escola Normal” derivaria da ideia de este ser um espaço pautado em normas para o preparo docente (Chaffrath, 2009). A primeira Escola Normal brasileira foi criada em Niterói no ano de 1835. Seus conteúdos não eram muito diferentes em complexidade do que era previsto para o ensino elementar, sendo adicionadas algumas diretrizes e lições sobre didática e leitura. Desde o momento de sua fundação até a sua extinção em 1851, a Escola Normal de Niterói não recebeu nenhuma aluna mulher. Apesar de não haver uma restrição oficial, as mulheres não eram bem-vindas nesse tipo de instituição. Se o ensino primário de meninos já era incipiente nesse período, o de meninas era ainda mais raro, e quando existia, excluía alguns conteúdos das áreas das ciências exatas, tornando praticamente impossível que uma moça acompanhasse às lições exigidas pela Escola Normal. Se a exclusão para mulheres não era explícita, a proibição para pessoas negras e indígenas era declarada, mesmo para aqueles que fossem livres. A Escola Normal de Niterói foi amplamente criticada em todo o seu período de existência por problemas que abrangiam desde a suposta baixa qualidade da formação dos docentes até sua demora de formação e a alta evasão que possuía. Foi, inclusive, um dos principais objetos da tentativa de reforma “Leôncio de Carvalho”, abordada anteriormente, que defendia um investimento nas Escolas Normais por meio de instalações de bibliotecas e 7 museus nas suas dependências, entre outras intervenções. Apesar de sua curta vida, essa instituição de ensino foi um embrião para outras semelhantes que surgiram posteriormente. Enquanto o Estado estava imbuído de uma série de problemas para tentar criar uma rede de ensino primário e amargurava as críticas e fracassos da Escola Normal de Niterói, as instituições privadas dominavam o campo do ensino secundário com escolas e liceus. A única instituição de ensino secundário pública nesse período era o Colégio Dom Pedro II. O Colégio foi inaugurado no final do período regencial, em 1838, para se tornar uma grande referência para a educação erudita e para a ilustração da elite intelectual nacional. Teria como conteúdo programático as línguas latina, grega, francesa e inglesa, além de retórica e de princípios elementares de geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, botânica, química, física, aritmética, álgebra, geometria e astronomia (Gabler; Alves, 2016). O colégio era divido em duas sedes. A do externato (modelo de escola em que os alunos só frequentavam as aulas durante o dia e voltavam para casa no contraturno, ou seja, o modelo mais comum hoje) foi instalada no centro do Rio de Janeiro e permanece lá até os dias de hoje. Já a sede do internato (modelo de escola em que os alunos moram em suas dependências) foi alocada para o bairro da Tijuca. Assim como na Escola Normal de Niterói, o Colégio Dom Pedro II não permitia o ingresso de mulheres (de maneira extraoficial) e de negros e pessoas de origem indígena (de maneira explícita pelo regulamento). E mesmo não havendo uma restrição às pessoas de classe social desprovidas, ficava claro que essa instituição se destinava aos meninos e rapazes das camadas mais abastadas da sociedade, devido aos conteúdos que previa nas suas grades e também ao grau de investimento financeiro para a manutenção do estudante no que diz respeito aos uniformes e livros didáticos (por exemplo), bem como ao nível de dedicação exclusiva que demandava. No que diz respeito ao ensino terciário, que hoje poderíamos chamar de ensino superior, cabe mencionar a inexistência de Universidades enquanto um sistema integrado de cursos. O que se encontrava no Brasil desse período eram cursos especializados de formação profissionais, o que entendemos hoje pelo nome de “faculdades”. As primeiras faculdades criadas no período do Império foram os cursos jurídicos de Olinda e São Paulo, em 1827. 8 No final do Segundo Reinado, em 1875, foi instituída a Escola de Minas em Ouro Preto, que, na época, era capital do Estado de Minas Gerais. O curso ofertado por esse estabelecimento era centrado nos ensinos dos saberes de engenharia. As faculdades em sua maioria eram voltadas para o campo da medicina (remontando a uma tradição que vinha desde a chegada da família real portuguesa ao Brasil) e do direito, no entanto, também havia cursos de outras áreas. Além das faculdades já mencionadas anteriormente, também foram criadas a partir do período imperial a Faculdade de Farmácia de Ouro Preto (1839), a Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro (1891), a Faculdade de Direito de Belo Horizonte (1892), a Escola Politécnica em São Paulo (1893), a Faculdade de Direito de Goiás (1898) e a Escola de Engenharia Mackenzie, em São Paulo (1896). Elas funcionavam como instituições autônomas e eram quase todas pertencentes ao Estado Brasileiro (com exceção da Escola de Engenharia Mackenzie) (Mendonça, 2000). Apesar de serem órgãos públicos, as faculdades do século XIX eram lugares altamente aristocráticos e excludentes, assim como o Colégio Dom Pedro II. Além disso, existiam poucas unidades ao longo do território nacional. TEMA 4 – EDUCAÇÃO PARA MÃO DE OBRA LIVRE Com o avançar do século XIX, algumas alterações no cenário político- econômico brasileiro passaram a ser observadas, e a médio e a longo prazo, impactaram também no campo educacional do Brasil. Em 1840, o jovem herdeiro, então com 15 anos, tem sua maioridade antecipada e assume o trono de imperador do Brasil, assumindo a alcunha de Dom Pedro II. Nos primeiros anos de seu reinado, houve poucas mudanças no que diz respeito à educação em terras brasileiras, e as que existiram foram de baixo alcance, concentrando- se na criação e no fechamento de estabelecimentos privados de ensino. A partir da década de 1860, transformações mais visíveis nos debates intelectuais sobre a educação começaram a ser notadas,principalmente em decorrência da demanda de substituição da mão de obra escrava pela mão de obra livre. O principal preceito para a nova educação que se propunha era a missão de garantir uma transição gradual e sem muitos abalos entre os trabalhadores escravos e os funcionários livres. 9 Para isso, seria necessário ofertar um ensino que instruísse a nova geração de crianças que nasceriam já libertas. As atenções sobre essa temática se voltaram principalmente após a promulgação da Lei do Ventre Livre. Esta foi instituída em 1871 e garantia a liberdade das crianças filhas de mães escravas que nascessem após esse ano. Essa legislação se enquadrava na ideia de uma abolição vagarosa do uso de mão de obra escrava. As crianças que nasceram após essa lei foram chamadas popularmente de “ingênuos” e havia uma grande preocupação para que recebessem uma educação formal, tendo em vista que não se tornassem “desocupados”. Nesse sentido, voltou-se a discutir com mais frequência a instituição de um sistema de ensino básico. No que diz respeito aos conteúdos, a preocupação deixou de ser com os estudos clássicos e eruditos e passou a se voltar mais a lições práticas, tendo em vista esse novo público-alvo de origem humilde e que deveria, na ótica das elites políticas, ser formado para o trabalho. Mais uma vez é observável a nula efetividade prática dessas discussões. Nos quase 30 anos que separaram os inícios dos debates com essas temáticas e a efetiva abolição da escravatura em 1888, não houve nenhuma mudança real no campo educacional do Brasil. E com a Lei Áurea, até mesmo essas discussões teóricas desapareceram. Entre as causas, pode-se mencionar o pouco investimento efetivo nessas propostas, tanto em termos financeiros quanto nos de mobilização para que se concretizassem, e também uma certa concepção em voga de que a educação privada deveria ser mais incentivada em detrimento da educação pública. Também é importante mencionar a massiva imigração de trabalhadores europeus para terras brasileiras, o que tornou possível para as elites dirigentes a constituição de uma mão de obra livre que continuaria a produção dos produtos brasileiros, dispensando a necessidade de formação dos recém-libertos para uma nova forma de organização do trabalho. Outra temática relacionada aos debates sobre a educação brasileira que se tornou muito relevante no final do Império era a do voto dos analfabetos. O projeto de lei apresentado por José Antônio Saraiva em 1880 proibia o voto dos que não fossem alfabetizados. Um dos seus principais defensores era o político e intelectual Rui Barbosa, que defendia que essa exclusão dos analfabetos do processo eleitoral poderia incentivar as pessoas a buscarem a educação e estimularia os governos a investir na criação das escolas. 10 Outra figura ilustre nesse meio de discussão era José Bonifácio, “o moço”, que, por sua vez, era um crítico do projeto e alegava que a proibição do voto dos analfabetos elitizava ainda mais o já muito excludente processo eleitoral brasileiro. Apesar das críticas, o projeto e seus defensores saíram vitoriosos com a aprovação da lei em 1881, ano em que ficou estabelecido que somente as pessoas que sabiam ler e escrever poderiam ser eleitores. TEMA 5 – INÍCIO DA REPÚBLICA Com a queda do Império e a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, foi instituído um regime federativo. Ou seja, as antigas províncias foram transformadas em estados (como o estado do Paraná, do Rio Grande do Sul e de São Paulo, por exemplo) e a eles novamente cabia a responsabilidade de cuidar dos ensinos primários e secundários. A reforma de Benjamin Constant, Decreto n. 891, de 8 de novembro de 1890, tentou conciliar nesse âmbito os estudos clássicos com os estudos práticos (também conhecidos como científicos) e, por isso, foi duramente criticada e pouco efetivada. Nesses anos iniciais da república, o caso mais desenvolvido de tentativa de uma estruturação de um sistema de educação foi o projeto educacional do estado de São Paulo. Esta proposta previa a criação de órgãos administrativos para a criação, aplicação e fiscalização de normas referentes ao ensino. Ela também estipulava a criação de anos escolares com respectivos conteúdos voltados a cada um deles (até então algo inédito). De maneira muito semelhante às ideias defendidas pelo Método de Ensino Intuitivo, previa a separação dos alunos por classes e cadeiras separadas. Dessa forma, foi pioneira na estruturação dos grupos escolares entre 1892 e 1896. Assim como outros projetos educacionais brasileiros do século XIX, a Reforma Paulista nunca se concretizou plenamente, pois teve pouca aderência no território do estado e pouco investimento para sua efetividade. No entanto, cabe mencionar um caso de sucesso nessa reforma que se tornou uma escola modelo nesse período: a Escola Normal de São Paulo. A Escola Normal Caetano de Campo, também conhecida como Escola Normal de São Paulo, foi fundada em 1846, ou seja, ainda no Período Regencial. Sua existência até o Período Republicano, no entanto, foi marcada por instabilidades e pouco sucesso, com diversos fechamentos ao longo do período. Foi somente em 1894, com a inauguração de uma sede própria na Praça da 11 República, no centro de São Paulo, que a escola se tornou uma instituição consolidada, com um projeto pedagógico repaginado. O local em que se instalou a instituição foi o primeiro prédio escolar do período republicano, contando com os equipamentos e espaços que eram defendidos pela Reforma Educacional Paulista. A Escola ofertava os cursos primário e secundário para a formação de docentes. Um dos aspectos mais interessantes da Escola Normal de São Paulo era a existência de um Jardim da Infância, o primeiro e único dessa época. O jardim da infância ficava em um prédio anexo ao da escola e tinha como um de seus objetivos servir de local de estágio para os alunos do curso de formação de professores. Entre os vários fracassos de implementação de instituições escolares nesse período (e mais especificamente nessa reforma estadual), a Escola Normal Caetano de Campos se sobressai como um exemplo de sucesso e ainda existe até os dias atuais, ainda que em muito reformulada. Outro aspecto muito interessante desse espaço escolar era a existência da separação de classes e ambientes masculinos e femininos nos cursos primários e secundários. Esses fatos por si só revelam uma transformação muito importante: a entrada de meninas no sistema educacional. Se antes poucas meninas conseguiam adentrar em espaços educacionais, no final da república elas começam a adentrar cada vez mais nas escolas, em especial nas públicas, ainda que continuassem a receber uma educação diferente da dos meninos. Isso se deveu em grande parte à luta feminina pelo reconhecimento das mulheres enquanto plenas cidadãs do Estado brasileiro e pelo direito à instrução de meninas e moças. Nesta época, também passa a ser mais bem vista e até mesmo incentivada a formação das meninas para função de professoras. Entre outros motivos, começa a existir uma concepção de que a ocupação de preceptora combinaria com uma habilidade das meninas para o cuidado infantil, tendo em vista sua suposta vocação materna. Essas ideias não só iam se fortalecer ao longo do tempo como se tornariam predominantes no século XX, no qual as mulheres passaram a formar quase que inteiramente o quadro profissional docente do primário (Almeida,1996). De maneira geral, apesar da possibilidade do ingresso de meninas em escolas secundárias, o ensino no Brasil em todos os níveis de educação permaneceu muito excludente até o final do século XIX. Um sistema educacional nacional propriamente dito nunca foi concretizado em nenhum momento do 12 Império e nem no começo da República. A ideia de uma rede abrangente de ensino queabarcasse todo o território brasileiro e se constituísse por princípios e normas unificadas não saiu do papel nesse período. Os investimentos financeiros dos agentes públicos eram escassos e se concentraram na corte/capital (Rio de Janeiro) e nas províncias e estados mais ricos, como Minas Gerais e São Paulo. Além do mais, a implementação de um sistema nacional de educação esbarrava em uma série de limitações pedagógicas. Os métodos de ensino propostos pelos variados projetos de reforma encontravam dificuldades para serem desenvolvidos e atingirem níveis satisfatórios de qualidade de educação, tanto devido às limitações das próprias concepções de educação que os pautavam quanto pela falta de mão de obra de docentes e nível de instrução dos poucos que exerciam a profissão. Apesar disso, foi durante o Império que surgiu uma preocupação mais profunda sobre o tema da educação da população, que só se intensificou com o advento da República. Nessa época, também, apesar dos inúmeros casos de fracasso de fundação e mantimento de instituições de ensino, várias instituições de renome surgiram e se consolidaram no cenário da educação brasileira, sendo que algumas ainda estão em atividade e são reconhecidas pelo alto grau de qualidade pública de ensino, como a Escola Normal de São Paulo (hoje Escola Estadual Caetano de Campos) e o Colégio Dom Pedro II. Foi nesse período também que foram apresentados modelos de ensino que seriam fundamentais para a fundação de uma rede de ensino brasileira no século XX, como a metodologia que ficou conhecida como “lição das coisas” e a concepção de estruturação das unidades de ensino por meio do conceito de Grupos Escolares. NA PRÁTICA A independência do Brasil foi um evento histórico controverso para os estudiosos da historiografia brasileira. Apesar de ser fato notório que o país recebeu o status de nação independente, muitas questões envolvendo as relações entre portugueses e brasileiros, a própria dependência econômica do mercado europeu e a preservação do modo de vida, cultura e educação importados faz com que se questione o evento de 1822. 13 Figura 1 – Monumento à Independência do Brasil, também chamado de Monumento do Ipiranga ou Altar da Pátria, na cidade de São Paulo, bairro Ipiranga. Sua construção ocorreu em 1926 Créditos: AlfRibeiro/Adobe Stock. Pensando nisso, propomos um exercício de reflexão acerca das representações da independência que se baseia na compreensão de representações e interpretações e também na análise de obras historiográficas. Visamos demonstrar como uma determinada interpretação se consolidou ao longo dos anos e tornou-se senso comum no ensino histórico do tema da Independência. Partindo para uma análise específica das diversas representações sobre esse período, seguiremos uma ordem cronológica com base em dois quadros: “Coroação de D. Pedro I” (1828), de Jean Baptiste Debret, e “Grito do Ipiranga” (1888), de Pedro Américo. Tais obras são representações artísticas sobre a Independência. É importante levar em consideração que, como manifestações artísticas e culturais, os quadros têm implícito em si uma mensagem que o autor da obra pretendia transmitir àqueles que a observassem. Dessa forma, a grande questão a ser levantada na análise dos quadros é a percepção de que eles 14 trazem uma visão sobre a Independência de um autor que está interessado em transmitir uma interpretação específica sobre tal evento. Seguindo essa mesma ideia, propomos que você assista a um trecho do filme Independência ou Morte, dirigido por Carlos Coimbra (o trecho que se inicia em torno de 46 minutos e 30 segundos de filme e tem três minutos e meio de duração), o qual apresenta D. Pedro altamente militarizado, tendo supostamente tomado o poder à força. É importante considerar que o filme foi produzido em um momento em que o Brasil estava sob o governo da Ditadura Militar, que representa D. Pedro da maneira conveniente para a época, atendendo a demandas específicas do Regime. Com essa atividade de reflexão, podemos considerar que as representações e interpretações sobre determinado período trata-se de construções que carregam sentidos, interesses e necessidades. Logo, é importante analisar cuidadosamente esse contexto de produção de maneira a entender o porquê de o conhecimento nos ser apresentado de determinada forma – em detrimento de outra. A representação da Independência do Brasil, assim como diversas outras no decorrer da História, é um processo dotado de continuidades, transformações e particularidades. Além disso, a necessidade de consenso político, a criação de uma identidade nacional e a importância dada a determinada região nesse processo de unificação também são fatores que contribuem para seu resultado. FINALIZANDO O período do Brasil Imperial foi marcado por muitas incertezas, características de momentos de transição e por certa instabilidade política. O caráter legalista das políticas educacionais marca um novo momento da educação brasileira, que passa a ser, de fato, nacional e para os nacionais. No final do século XIX, é possível apresentar um balanço da educação brasileira como sendo escolarizada, mas de acesso a poucos (e com uma grande exclusão de gênero, já que mulheres não frequentavam as escolas). A utilização de metodologias e de material didático também ocupou o cenário da aprendizagem nesse período. Além disso, a instrução ganhou centralidade, estando muito relacionada às atividades manuais e à mão de obra, bem como pela necessidade de desenvolvimento econômico. 15 REFERÊNCIAS ALMEIDA, J. S. de. Mulheres na escola: algumas reflexões sobre o magistério feminino. Cadernos de Pesquisa, n. 96, p. 71-78, 1996. Disponível em: <http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/cp/article/view/816>. Acesso em: 28 mar. 2022. AMERICO, P. O grito do Ipiranga. 1888. Pintura, óleo sobre tela, 760 cm × 415 cm. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Independence_or_Death_by_Pe dro_Américo#/media/File:Pedro_Américo_-_Independência_ou_Morte_- _Google_Art_Project.jpg>. Acesso em: 28 mar. 2022. BETHELL, L. A Independência do Brasil. In: BETHELL, L. (Org.). História da América Latina – Volume III – Da Independência a 1870. Tradução de Maria Clara Cescato. São Paulo: EdUSP, 2009, p. 187-230. DEBRET, J. B. A. Coroação de D. Pedro I. 1828. Pintura, óleo sobre tela, 340,0 × 640,0 cm. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean- Baptiste_Debret_-_Coroação_de_D._Pedro_I,_1828.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 28 mar. 2022. INDEPENDÊNCIA ou Morte. Direção: Calos Coimbra. Brasil: Cinedistri, 1972. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9w5KqOhu7N4>. Acesso em: 28 mar. 2022. GABLER, L.; ALVES, S. P. Imperial Colégio de Dom Pedro II. 2016. Disponível em: <http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/326-imperial- colegio-de-pedro-ii#:~:text=O%20Col%C3%A9gio%20de%20Pedro%20II,195>. Acesso em: 28 mar. 2022. JANCSÓ, I. Independência, independências. In: JANCSÓ, I. (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Fapesp/Hucitec, 2005, p. 1748. MAXWELL, K. Por que o Brasil foi diferente? O contexto da independência. In: MOTTA, C. G. (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira. São Paulo: Editora Senac, 2000, p. 179195. MENDONÇA, A. W. P. C. A universidade no Brasil. Revista Brasileira de Educação, n. 14, p. 131-151, 2000. 16 ROSENSTONE, R A. A história nos filmes, os filmes na história. Tradução de Marcello Lino. São Paulo: Paz e Terra, 2010. SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2013. SCHAFFRATH, M. A. S. Escola normal: o projeto das elites brasileiras para a formação de professores. 2009.
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