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Prévia do material em texto

Francisca Paula Soares Maia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Investigando as formas reduzidas de a gente no 
dialeto mineiro 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação 
em Estudos Linguísticos, da Faculdade de Letras 
da Universidade Federal de Minas Gerais, como 
requisito parcial à obtenção do título de Doutor 
 em Linguística. 
 
 
 
 Área de Concentração: Linguística 
 Linha de Pesquisa “B” 
 Orientador: Prof. Dr. Lorenzo Teixeira Vitral 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
Faculdade de Letras da UFMG 
2012 
 
ii 
 
 
 A 
DEUS: para Ele são todas as coisas. 
A todos de onde eu O encontro sempre. 
 
Aos meus filhos, Ítalo e Ian, por serem lindamente 
compreensivos. Valeu a pena vê-los crescer 
antes de retomar as jornadas dos meus estudos. 
Ao meu esposo, pela maturidade que 
adquirimos a cada dia desde então. 
À minha avó Geralda, símbolo de amor materno 
em minha vida, que partiu durante 
este meu percurso. Às lágrimas 
que nem pude derramar. 
Aos meus pais, in memoriam.Todas as 
minhas vitórias são para honrá-los. 
 
Especial agradecimento aos Profs. Drs. convidados da Banca Examinadora: 
Prof. Dr. Sebastião Carlos Leite Gonçalves - UNESP 
Prof. Dr. Marco Antônio de Oliveira - PUC 
Profa. Dra. Jânia Martins Ramos – UFMG 
Prof. Dr. César Augusto da Conceição Reis - UFMG 
Profa. Dra. Sueli Maria Coelho – UFMG 
Prof. Dr. José Pereira - UERJ 
 
 
 
iii 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
Ao Prof. Dr. Lorenzo, meu orientador, a quem agradeço a oportunidade de concluir este 
doutoramento. Por sua paciência, apoio e compreensão. 
 À Profa. Dra. Jânia Ramos, pesquisadora idônea, perseverante, por todo o estímulo 
para que esta pesquisa viesse à existência, por quem tenho a mais profunda e sincera 
admiração. 
Ao Prof. Dr. Marco Antônio de Oliveira, meu sempre querido e lembrado professor de 
minhas primeiras aulas e descobertas em Sociolinguística e Linguística Histórica. 
À Profa. Dra. Regina Dell’Isola, cuja ajuda foi imprescindível para que eu conseguisse 
me concentrar no período mais necessário de meu doutoramento. 
Ao Prof. Dr. Perini, meu querido magister, por todo o apoio em todos os meus 
empreendimentos. 
Ao Prof. Dr. Luis Francisco Dias, meu primeiro coordenador enquanto doutoranda no 
PosLin, atual Diretor da FALE, pelo imensurável apoio. 
À Profa. Dra. Zilles, pela presença enriquecedora em minha banca de qualificação, e 
também ao Eduardo Amaral. 
À Profa. Dra. Odete Menon, pelo constante apoio e incentivo; por dar-me pessoalmente 
um texto muito útil para o presente trabalho. 
À Dnda. Regina Maria Gonçalves, por seu desprendimento em ceder-me seus dados de 
mestrado. Sem esses, esta tese teria outro rumo. 
iv 
 
À Profa. Dra. Sueli Coelho, cujos trabalhos de mestrado e de doutorado muito me 
ajudaram a constituir o meu aprendizado sobre o estatuto da gramaticalização, e cuja 
forma de redigir eu considero admirável. 
Ao Prof. Dr. Luis Gonçalves, atualmente Prof. na Princeton, N.Y., por sua dedicação à 
difusão da Língua Portuguesa e à integração com o Brasil. Pelo incentivo constante. 
A todos os grandes linguistas brasileiros, Profs. Drs. que se dispuseram a colaborar 
comigo na empreitada de integração do Brasil no Mercosul: Faraco, José Pereira, 
Bagno, Botelho, Cagliari, Cleoni, Jerônimo, além de alguns já citados (Perini, Lorenzo, 
Regina Dell’Isola). 
Ao Prof. Dr. Fiorin, com quem pude fazer reflexões discursivas sobre os pronomes 
pessoais. 
À Profa. Dra. Evelyne, pela escuta amiga, pelo apoio e incentivo constantes. 
À Profa. Dra. Marta Scherre, pelo constante apoio e incentivo em todos os meus 
momentos. 
A Neli e Frede, pela caminhada profícua, com grande amizade e respeito mútuo. 
Aos Profs. Drs. Haspellmath e Mrs. Traugott, por me atenderem por email em 
momentos cruciais das primeiras buscas, enviando-me trabalhos inéditos. 
Ao Prof. Dr. João Costa, por toda a atenção, pela brilhante formação que nos concedeu 
na FALE, em sua breve vinda ao Brasil, pela confiança ao enviar-me trabalho inédito e 
pelo diálogo constante. 
Ao Prof. Dr. César Reis, pelo apoio teórico e humano, e pelo incentivo constante. 
v 
 
Às estagiárias do LabFon, dentre elas a Vanessa, e aos informantes das primeiras 
coletas de dados, pela disposição de fazerem gravações em cabine, por toda a 
colaboração e apoio. 
Ao Prof. Dr. Rui Neves, pelas primeiras aulas em fonética acústica, muitíssimo 
importantes para a realização dessa tese, e ao Pablo Arantes e ao Dani, pelos 
esclarecimentos em momentos cruciais de análise estatística dos fenômenos fonológicos 
aqui realizados. 
À Profa. Dra. Thaïs Cristófaro, com quem ampliei meus conhecimentos em Fonética e 
Fonologia no mestrado e nesse doutoramento. 
Ao Prof. Dr. Nardelli, pela colaboração teórica nos momentos finais desse trabalho, pelo 
apoio e incentivo desde o início. 
Aos Profs. Drs. José Olympio e Lee, pelas dicas, apoio e incentivo. 
Às meninas do PLE, Yara, Ju, Flávia, Lilian, Monique, Andrea, Isabel. E ao Felipe. Por 
nossos momentos descontraídos, produtivos e com muita interação. 
À Natália, por nossas primeiras turmas de intercambistas junto à DRI. 
A todos os meus alunos de PLE, pelos alegres momentos de convivência e confiança, 
pelo crescimento mútuo. 
Ao pessoal do CENEX, em especial ao Prof. Dr. Carlos Gohn e à Roseli, pelo 
imensurável apoio. Impossível não mencionar o Wagner, do multimeios. 
A todos os meus colegas de trabalho no Ensino de Jovens e Adultos, em especial às 
minhas dirigentes Ivanete, Fátima e Neide, e às minhas supervisoras Magali e Márcia, e 
vi 
 
ao meu coordenador Fabrício por todo o apoio e confiança nos momentos mais 
necessários. 
A Susanna e Sílvia, da SBS e HUB, e Faleportuguês, pelo espaço cedido para que eu 
continuasse divulgando minhas ideias junto a países onde eu não mais poderia ir 
pessoalmente, devido ao tempo e recursos; e à Bruna, e demais estagiários, por tudo. 
A todos os funcionários do PosLin, em especial à Cida, à Graça e ao Divino. 
Aos funcionários de vários setores: ao Jorge Munhoz (editora), ao Darcy e Jair 
(estacionamento), à Rô e Andrea (biblioteca), pelo constante incentivo e apoio. 
À Profa. Dra. Maria Antonieta Cohen e à Profa. Dra. Célia, atuantes como 
coordenadoras do PosLin pela escuta atenciosa às minhas demandas enquanto 
doutoranda. 
Ao meu primeiro Prof de Latim, Prof. Dr. Antônio Martinez, por algumas trocas muito 
ricas e porque ainda vamos escrever um artigo junto. 
A todos os professores que tive até hoje, pois sou resultado de todos eles, em especial 
ao Prof. Dr. Carlos Gohn, “my dear teacher”, pelo grande apoio em um momento 
crucial. 
Ao pessoal das associações de estudos linguísticos das quais faço parte: em especial à 
ABRALIN pelos artigos publicados. 
A todos os autores precursores do presente trabalho: Lopes, Machado, Menon, Omena, 
Abraçado, e àqueles com quem de uma forma ou de outra este trabalho dialoga. 
vii 
 
À Prefeitura de Belo Horizonte, pela licença remunerada para este empreendimento. 
Sem dúvida, acreditar na formação profissional é abrir espaço para mudança na 
educação. 
A todos os familiares e amigos, que compreenderam as minhas ausências; pelo apoio e 
incentivo. 
À minha massagista, pelos poucos e necessários momentos de alívio das dores 
musculares dos últimos momentos. 
Ao pessoal da limpeza na FALE, por todo o carinho e atenção às minhas solicitações. 
A todos!!! Todos!!!... meus mais sinceros agradecimentos!!! Se apesar do espaço 
utilizado ainda não citei todos os nomes dignos de agradecimento, é porque todas as 
páginas desta tese seriam insuficientes.viii 
 
ÍNDICE 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
01 
1. O fenômeno em estudo 
 
02 
CAPÍTULO I 
 A LITERATURA LINGUÍSTICA 
 
12 
I. O estado da arte 12 
1.1.Lopes (2004) 13 
1.2. Maia (2003) 19 
1.3. Zilles (2005) 28 
1.4. Ciríaco, Vitral & Reis (2004) 33 
1.5.Vitral (1996) 36 
1.6. Costa & Duarte (2002) 40 
1.7.Taylor (2009) 44 
1.8.Costa e Pereira ((2010) 
II. A gramaticalização 
III. Do estudo da gramaticalização de a gente 
 
49 
55 
62 
 
 
CAPÍTULO II 
METODOLOGIA 
 
67 
2.1. Constituição do corpus 67 
2.2. A amostra 68 
2.3. Objeto da análise 74 
2.3.1. A forma sonora a gente 75 
2.3.2. Variável dependente 83 
2.3.3. Variáveis independentes 100 
2.3.3.1. Variáveis linguísticas 100 
2.3.3.2. Variáveis extralinguísticas 101 
2.4. Correlatos Acústicos 101 
2.5. A codificação dos fatores 102 
2.6. Hipóteses 102 
2.7. Critérios de análise adotados 103 
 
ix 
 
CAPÍTULO III 
RESULTADOS 
 
 
3.1. Resultados da análise quantitativa sociolinguística 127 
3.1.1. Referência 129 
3.1.2. Tonicidade silábica precedente 133 
3.1.3. Tipo de Oração 136 
3.1.4. Tonicidade silábica seguinte 139 
3.1.5. Realização de ‘a’ 144 
3.1.6. Tipo de fonema precedente 146 
3.1.7. Tipo de fonema seguinte 148 
3.1.8. Função sintática 150 
3.1.9. Faixa etária 154 
3.1.10. Escolaridade 160 
3.2. Resultados da Análise Acústica 163 
3.2.1. A aferição acústica 163 
3.3. Contribuições do Programa Minimalista 
3.4. Mais algumas considerações 
169 
174 
 
CONCLUSÃO 183 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 186 
 
ANEXO I ( só impresso) 
 
 
 
 
 
 
 
x 
 
RESUMO 
 
 
Nosso objetivo na presente pesquisa é o estudo da gramaticalização da forma a gente no 
Português Brasileiro, mais especificamente no dialeto mineiro, desde um breve 
panorama sobre seu percurso de forma nominal a pronominal, até a investigação de sua 
fase atual. 
Partimos da hipótese de que a ocorrência de formas reduzidas de a gente atuando como 
clíticos insere-se em um quadro de mudanças sintáticas relacionadas à reorganização do 
sistema pronominal em termos de preenchimento da posição de DP sujeito, ou seja, na 
mudança de língua ‘pro-drop’ para língua ‘não pro-drop’ (cf. Duarte, 1996). 
Fundamentamo-nos na visão de gramaticalização como um processo, embasado pela 
abordagem formal (Chomsky, 1993, 1995), em conjunto com as contribuições de outros 
quadros teóricos como a Sociolinguística Laboviana (Weinreich, Labov & Herzog, 
1968, Labov, 1994), e a Fonologia (Albano, 1999; Abaurre & Galves, 1995, Bisol, 
1992, Ladd, 1996). 
A análise verificou as duas formas como a gente pode ocorrer: reduzidas e plenas, e os 
resultados apontam que a gente, forma pronominal, está em processo de cliticização. 
 
 
 
 
xi 
 
ABSTRACT 
 
The goal of this research is to study the grammaticalization of the form a gente in 
Brazilian Portuguese, specifically in the Mineiro dialect, with a brief overview of the 
transition from the nominal to pronominal form, followed by the research of the current 
phase in the process. 
The proposal is that the occurrence of reduced formas of a gente acting as clitics is part 
of a general trend of syntactic changes related to the reorganization of the pronominal 
system in terms of fill in the position of the DP subject, ie, the change of ‘pro-drop’ 
language to the ‘non pro-drop’ language (cf. Duarte, 1996). 
The theoretical support is the perspective of grammaticalization as a process, rooted in 
the formal approach (Chomsky, 1993, 1995), in articulation with contributions from 
other theoretical frameworks such as Labovian Sociolinguistics (Weinreich, Labov & 
Herzog, 1968; Labov, 1994), and Phonology (Albano, 1999; Abaurre & Galves, 1995; 
Bisol, 1992, Ladd, 1996). 
The analisis looked at two ways the form a gente can be used: reduced and plain forms. 
The results account for the process of cliticization of the pronominal form a gente. 
1 
 
INTRODUÇÃO 
 
 Este trabalho tem por objetivo o estudo da gramaticalização da forma a gente em 
Língua Portuguesa, mais especificamente no Português Brasileiro, no dialeto mineiro1, 
desde um breve panorama sobre seu percurso de forma nominal a pronominal, até a 
investigação de sua fase atual. 
 Partimos do pressuposto de que no Português Brasileiro a pronominalização de 
formas nominais insere-se em um quadro de mudanças sintáticas referentes à 
reorganização do sistema pronominal em termos de preenchimento da posição de DP 
sujeito, ou seja, na mudança de língua ‘pro-drop’ para língua ‘não pro-drop’ (cf. Duarte, 
1996). 
 Inicialmente, como parte da Introdução, traçamos um breve percurso da 
semântica da forma a gente, tendo por meta estabelecermos uma ligação entre o passado 
e o presente desse fenômeno em estudo. 
 Logo em seguida, no estado da arte, Capítulo I, apresentamos um panorama do 
fenômeno alvo do nosso estudo em Língua Portuguesa através de uma visita à Literatura 
Linguística, de modo a termos uma abordagem suscinta da mudança da forma a gente 
‘em tempo real de longa duração’ e ‘em tempo real de curta duração’ (na terminologia 
de Labov, 1994), visando a obtermos evidências morfossintáticas e fonológicas 
indicativas do movimento de entrada dessa forma no sistema pronominal. 
 Uma vez apresentado o panorama da mudança da forma a gente de forma 
nominal a pronome pessoal no estado da arte, passamos à explanação das referências 
 
1 Entenda-se por dialeto mineiro uma forma de falar da região central de Minas Gerais, 
conforme aparece no Atlas Linguístico de Nascentes (1953:17) e Zágari (1998:1), anexo I. 
2 
 
teóricas, no Capítulo II e relatamos o avanço do processo de gramaticalização da forma 
a gente, no qual levamos em consideração que a presença de formas fonologicamente 
reduzidas podem ser índice do fenômeno de cliticização previsto logo após a 
pronominalização na escala de Hopper & Traugott (1993), segundo a qual inicialmente 
um item lexical torna-se um item gramatical, realiza-se em seguida como clítico, para, 
em um último estágio, tornar-se um afixo. Ainda no Capítulo II são apresentados todos 
os critérios metodológicos para a análise quantitativa e qualitativa empreendida. 
 No Capítulo III são apresentados os resultados da análise sob a ótica 
variacionista, da fonética e da sintaxe, bem como algumas considerações sobre a 
investigação realizada. 
 Finalizando, apresentamos as conclusões a que chegamos quanto às análises 
realizadas, a visão empreendida e os resultados obtidos na Conclusão do trabalho. 
 
1. O fenômeno em estudo 
 
 A forma da língua portuguesa a gente, alvo deste estudo, tem sua origem no 
latim gens , gentis. 
 Observe-se: 
 
 (1)”Quen viu o mundo qual o eu já vi, 
 e viu as gentes que eran enton”(Séc. XIII; apud LOPES, 1999;p. 77) 
 
3 
 
Em (1) tem-se um exemplo de realização da forma nominal gente na Língua 
Portuguesa do Século XIII. No Português Antigo2 a forma nominal gente tinha o 
significado de ‘povo’, ‘raça’, ‘tribo’, ‘agrupamento de pessoas’, conforme também 
evidencia o exemplo abaixo: 
 
(2) Abraam fuy o primeyro dos profetas et fuy muy sancto ome e tam amigo de 
deus que disso per el que eno seu linnagem seerian beeytas toda las gentes, et 
este connoscendo que era pouco aquello que dauam os que foron ante que el, a 
eus, ... (retirado de uma página das Leis de Partida - fins do século XIII, apud 
Vasconcelos (1946:350))3 
 
 
Conforme os exemplos acima, a forma a gente, objeto do presente estudo, é de 
origem românica, surgida a partir da evolução do latim, que, por sua vez, trata-se de 
língua levada à Península Ibérica por meio da conquista e da colonização romanas 
(especificamente, do latim vulgar, falado pelas classes populares) e pertencente ao 
grupo ibero-românico, tal como o castelhano, o catalão, o italiano, o francês,o romeno e 
outros. 
Na Língua Portuguesa, a forma a gente nem sempre se referiu à 1ª pessoa do 
plural no discurso. Vem se gramaticalizando, assumindo o lugar de forma pronominal 
de 1ª. pessoa do plural, adquirindo realização padrão com verbo na 3ª. pessoa do 
singular, conforme pesquisas realizadas sobre a inserção de a gente no quadro 
pronominal do Português: Pereira (2003) e Costa & Pereira (2010) sobre a variação de 
 
2 Termo dado ao Português por Said Ali (1921; apud Paixão de Souza (2004). 
3 Ocorrência obtida em Borges (2004, p. 26). Segundo esse autor “trata-se de uma tradução 
galego-portuguesa, edição Fac-símile escrita em galego em fins do século XIII, a partir de um 
original castelhano, obra do grande Sábio de Castela. 
4 
 
a gente no Português Europeu (PE); Maia (2003), sobre a variação nós / a gente no 
dialeto mineiro; Lopes (1999); sobre a variação diacrônica de a gente desde o PE à 
sincrônica no dialeto carioca; (dentre outras que serão mencionadas ao longo deste 
trabalho). 
As ocorrências4 a seguir são representativas de alguns falares atuais de Portugal: 
 
(3) Mas oiçam que a gente gosta muito disso. CLC27 
(4) A gente éramos onze irmãos… EXB06 
(5) Então comprava a gente muitas coisas lá … PVC24 
(6) A gente não davam nome nenhum àquilo. MIG08 
 
 
Em Português Brasileiro (PB), a forma a gente entra em variação com a forma 
pronominal de 1ª. pessoal do plural nós, conforme pode ser observado nas ocorrências 
abaixo: 
 
(7) (a)“ ah nós conhecemos ... aqui ... do mar nós conhecemos aqui ... tem o 
pargo tem o: tem o badejo tem a garoupa tem o cação (...)”(APERJ apud 
Machado, 1995) 
 (b)“a gente nota pelas nuvens escuras que a gente está vendo que vêm 
subindo né e vem aquela barra (...) a gente já sabe que (...)”(APERJ apud 
Machado, 1995) 
 
 
4 Dados do PE respectivamente de Câmara de Lobos, Caniçal (Funchal), Enxara do Bispo (Lisboa), 
Porto de Vacas (Coimbra) , Ponta Garça (Ponta Delgada); apud Costa & Pereira (2010). 
5 
 
 
 
Os dados de (7) acima, presentes em Machado (1995), ao mostrarem a atuação 
do fator paralelismo na investigação, apresentam a correlação de uso no Português 
Brasileiro entre as formas nós e a gente. 
Segue outro exemplo, de corpus do sul do Brasil: 
 
 
(8) “ Condução, bom, nós não temos condução própria. (hes) Então a gente 
depende do ônibus.” (POA02, l.250-52; apud Zilles, 2004) 
 
 
Após um processo de gramaticalização, “o a gente pronominal [passa a] 
designa[r], mais comumente, um todo abstrato, indeterminado e genérico, representando 
o conjunto base ser pessoa, perdendo (...) o sentido de + de um ” (Lopes;2004; p. 12): 
 
(9) na hora a gente fica revoltada” (NURC-RJ, AC.020, M2; apud Lopes, 2004, 
p. 12) [referente feminino exclusivo] 
 
 
Também no dialeto mineiro encontramos essa correlação com a forma nós: 
 
6 
 
(10) Aí eu estava... a gente tava voltando da cachoeira... eu e um colega meu... 
 (E1-40JMS)5 
(11) Agora não, a gente tem outro tipo de visão, um outro tipo para trabalhá o 
 texto... (E10-42MS) 
 
 
Em (10) a forma a gente tem por referente o informante e seu colega. Por sua 
vez, em (11) a forma a gente refere-se ao subconjunto humano dos professores6, menos 
específicos do que no primeiro enunciado. Observe-se, ainda, que em (10) há uma 
oposição entre a 1ª pessoa plural do discurso ‘nós’, de referência bem definida no 
discurso, e entre a 3ª pessoa do discurso, expressa pela forma a gente, de referência 
mais vaga, presente na ocorrência (11). 
Se por um lado, a forma a gente tem semanticamente um equivalente plural, por 
significar um grupo (quer definido, quer indefinido), formalmente esta forma tem seu 
uso prescrito pela norma padrão com a forma verbal que a acompanha em 3ª. pessoa do 
singular (cf. Cunha, 1985). 
Desse modo, diferentemente dos falantes do português culto, que usam a forma 
pronominal a gente combinando-a apenas com o verbo na 3ª. pessoa do singular, 
usuários não escolarizados do Português, que consideram esta forma um sintagma 
nominal de ideia plural referente a nós, mostrarão isso fazendo a combinação do verbo 
com a forma terminada em –mos (morfema desinencial de 1ª. pessoa do plural) : 
 
(12) Quando a gente é menino... (G.J., 48,f2,BH; Maia, 2003) 
 
5Dados do corpus atual. 
6 No discurso o informante refere-se aos professores de Português. 
7 
 
(13) A gente duramo quase dois meses. (I.A .S., 22,f1,BH; Maia, 2003) 
(14) A gente somos inútil7. 
 
 Se, por um lado, ao fazerem o uso presente em (13) e (14) alguns falantes do 
Português reconhecem_ consciente ou inconscientemente_ que há, de certo modo, um 
jogo entre inclusão / exclusão da 1ª pessoa (do “eu”), por outro, esta combinação é 
condenada pela norma padrão (cf. Faraco, 2008) . Isto é, se ao usarem a forma a gente 
os falantes estão, implicitamente, incluindo-se, pois todos os falantes são gente por 
definição no sentido de serem parte do coletivo formado pelas pessoas, o uso legitimado 
é aquele em que os usuários estão se omitindo ou se excluindo, ao usarem a gente 
concordando o verbo em 3ª. pessoa do singular para se referirem de modo vago a um 
coletivo de pessoas do qual fazem parte, ou para fazer críticas a atitudes das pessoas: 
 
 (15) A gente está muito cínico, assim muito na retaguarda (RSPOA31, l900; 
apud Zilles, 2007, p. 33) [ referindo-se a uma pessoa de um partido político]. 
 
 
 Os falantes utilizam ainda o a gente como se fosse uma variante de 1ª. pessoa do 
singular, mas não chega de fato a ser uma variante da forma pronominal eu em Língua 
Portuguesa: 
 
(16) “na época a gente era...era...novo” [referente masculino exclusivo] (NURC-
RJ, AC.01, H1; apud Lopes, 2004, p. 11) 
 
7 Da letra de música do conjunto Capital Inicial, e em (12) e (13) temos dados de Maia (2003). 
8 
 
 
(17) “na hora a gente fica revoltada” [referente feminino exclusivo] 
 (NURC-RJ, AC.020, M2; op. cit.) 
 
 
 Nesse caso, apesar do uso em 3ª. pessoa, o falante refere-se a si mesmo, o que se 
trata de mais um uso do a gente em Língua Portuguesa. Porém, é um uso diferente, visto 
que o a gente que aí equivale à forma eu não possui o uso dêitico da 1ª. pessoa, mas 
corresponde a um uso indeterminativo, extensivo aos membros de sua categoria. 
 Podemos ver, pela explanação feita até aqui, que a forma a gente vai sofrendo 
um processo de alterações semânticas e sintáticas8. Conforme informa-nos Menon 
(1995; 1996), em princípio a gente sofre modificações em nível morfossintático: 
 
 (18) a)perde a capacidade de ser usado no plural: 
 
 •”e desta guisa aviam as gentes boom desembargo” (dial. São Greg., apud M. 
 e Silva (1989:495); apud Menon, op.cit.) 
 
 b)deixa de constituir locução nominal com a adjunção de artigos e outros 
 determinantes: 
 
 • “e eram as gentes destes senhores todos ataa cimquo mil de cavallo, e muita 
 gente de pee. Aacima veendo elRei como perdia as gentes per esta guisa” 
 (Lopes, 1965; p.83; apud Menon, op.cit.) 
 
8 Mais adiante veremos as alterações fonológicas. 
9 
 
 
 c)não mais pode ser determinado por orações relativas: 
 
 •“ as gentes que dormiam, sahiam aas janelas, veer que festa era aquella ou 
 porque se fazia” (op.cit.; apud Menon, op.cit.) 
 
 
 A par das alterações morfossintáticas, semanticamente o significado de a gente 
como [eu + alguém no discurso] vai se tornandofixo. Segundo Lopes, “ a perda da 
subespecificação do número formal [αpl] pode ter sido decisiva nesse processo 
evolutivo de gente > a gente “. Vejamos a seguinte explanação da autora: 
 
 O traço formal de número plural, registrado na sintaxe, se perdeu com o tempo. 
Os resultados evidenciam que o substantivo gente apresentava com nitidez as 
propriedades caracterizadoras do nome por ser empregado com a 
subespecificação de número [αpl], ou seja, podia ser usado tanto no singular 
(esta gente) quanto no plural (estas gentes). Já no século XVI, identificou-se 
um percentual significativo de 74% de ausência do traço de número plural. A 
partir desse período, que coincide com o desaparecimento do emprego de 
homem como indefinido, a perda do traço de número plural é acelerada, 
atingindo 100% no século XX. Embora a subespecificação de número se faça 
presente até o século XIX, o traço [-pl] (uso de gente apenas no singular) ganha 
terreno ao longo do tempo, firmando-se como uso categórico no século XX. 
(op. cit., 2004, p.54) 
 
Lopes (2004) mostra que também há alteração da especificação do traço de 
gênero de a gente ao gramaticalizar-se em forma pronominal: 
 
10 
 
 
 Com a forma gramaticalizada a gente, a especificação positiva de gênero formal 
[+fem] do substantivo desaparece, tornando-se neutra ([φfem]) do mesmo modo 
que ocorre com as outras formas pronominais de primeira e segunda pessoas 
(eu/nós, tu/ você(s)/vós) que não têm gênero formal. No que se refere à 
interpretação semântica de gênero, o traço [φFEM] que não esclarecia 
necessariamente o gênero semântico do referente, com a pronominalização, 
passaria a ser semanticamente subespecificado [α FEM], uma vez que a gente 
pode combinar-se com adjetivos no masculino e/ou no feminino dependendo do 
gênero semântico (a gente ficou arrasada (referência exclusiva a mulheres) ou a 
gente ficou arrasado (referência mista ou exclusiva a homens).(op. cit., p. 57) 
 
 
 
O trabalho de Lopes, bem como os de Menon e Zilles supracitados mostram 
assim que a forma a gente, inicialmente portadora de significado lexical e passível de 
ser morfologicamente determinada quanto ao gênero e ao número, à medida que se 
gramaticaliza vai perdendo a possibilidade de especificação desse significado lexical, ou 
seja, vai se esvaziando semanticamente. 
 Aliado a esse fato, pôde-se observar (cf. Maia, 2003) que a variante a gente 
[�’�ẽt�І] é passível de apresentar queda de segmentos, resultando em a gen/ [�’�ẽ], 
a/ente [�’ẽt�] e ag/te [�’�e ������t�]ou alteração fonética a hente [�’hẽt�], realizações estas 
9que, conforme tem se dado em alguns processos de gramaticalização (cf. Ramos, 
1997b), apontam para o estágio da cliticização de a gente. Ao fazermos tais 
observações, levamos em consideração que a presença de formas fonologicamente 
reduzidas podem ser índice do fenômeno de cliticização previsto logo após a 
pronominalização na escala de Hopper & Traugott (1993), segundo a qual inicialmente 
 
9 O fone [e������] indica uma vogal desvozeada, que ocorre entre as fricativas 
��� e � ��. 
11 
 
um item lexical torna-se um item gramatical, realiza-se em seguida como clítico, para, 
em um último estágio, tornar-se um afixo, e por último podendo desaparecer. 
Esse trabalho visa, pois, a contemplar um estudo quanto à gramaticalização da 
forma a gente desde a etapa de item lexical ‘gente’ até a etapa denominada de item mais 
gramatical. Nas investigações em andamento, através da descrição da erosão fonológica 
da forma a gente, temos verificado a etapa seguinte, segundo a qual um item gramatical 
pode tornar-se mais gramatical e realizar-se como clítico. 
Apesar das divergências quanto à caracterização de formas reduzidas em clíticos 
ou afixos, formas livres ou fracas (chamadas pronomes fracos ou átonos), o consenso é 
que clíticos são elementos sintáticos que carecem de autonomia sintático-fonológica, 
portanto, necessitam de uma forma hospedeira que os apóie ou seja, clíticos são 
elementos átonos que se agregam a uma forma acentuada, sujeitos a condicionamentos 
sintáticos (cf. Kayne, 1975; Spencer, 1991; Klavans, 1985). 
Uma vez que a realização de formas plenas e reduzidas de a gente é alvo do 
presente estudo, o qual requer uma integração entre diversos quadros teóricos, entremos 
no estado da arte para contato com diversas abordagens às quais estaremos sempre nos 
referindo. 
 
 
 
 
 
12 
 
CAPÍTULO I 
 
 
Este capítulo apresenta inicialmente uma abordagem suscinta dos trabalhos com 
os quais fazemos um diálogo constante em todo o texto, uma vez que a abordagem 
formal do fenômeno alvo das nossas investigações requer uma análise que utilize tanto 
o instrumental oferecido quanto as abstrações produzidas por diversos quadros teóricos. 
 
 
1. O estado da arte 
 
 
 Nesta parte do presente trabalho serão resenhados os trabalhos de Lopes (2004), 
Maia (2003), Zilles (2005), Ciríaco,Vitral & Reis (2004),Vitral (2006), Costa e Duarte 
(2002), Taylor (2009) e Costa & Pereira (2010). Ao selecionar estes trabalhos, tivemos 
por objetivo apresentar um panorama teórico dentro do qual o fenômeno e os resultados 
da gramaticalização da forma a gente são abordados. 
 Em seu texto, Lopes (2004) retoma brevemente o estudo variacionista realizado 
em tempo real de longa duração e em tempo aparente da forma a gente10, e mostra o 
quadro da gramaticalização dessa forma à luz dos princípios da persistência e da 
 
10 Estudo realizado em Lopes (1999), o qual tem se constituído como fonte para estudo 
diacrônico da gramaticalização da forma a gente desde então. 
13 
 
decategorização propostos por Hopper (1991). Maia (2003) realiza estudo variacionista 
da pronominalização da forma a gente no dialeto mineiro com embasamento teórico na 
teoria laboviana. Zilles (2005) realiza análise quantitativa em tempo real e em tempo 
aparente da pronominalização de a gente e mostra que a utilização dos pressupostos da 
teoria laboviana permite acesso à observação do encaixamento linguístico e social da 
gramaticalização dessa forma pronominal, bem como contribui para debates referentes à 
unidirecionalidade e especificidades da mudança por gramaticalização. Ciríaco, Vitral 
& Reis (2004) utilizam a fonética acústica para aferição de valores de formas reduzidas 
e verificação do estágio de gramaticalização dessas, o que favorece a compreensão do 
uso e a utilização dessa metodologia. Em Costa e Duarte (2002), e Costa & Pereira 
(2010) discussões embasadas na visão formalista a partir de Chomsky (1995), a qual foi 
ponto de partida para algumas das reflexões aqui presentes. Por sua vez, Taylor (2009) 
propõe uma visão que favorece reflexões sobre o estatuto pronominal de a gente. 
Seguem-se as resenhas. 
 
 
1.1. Lopes (2004) 
 
 
 Lopes (2004) parte das verificações e observações feitas em Lopes (1999) e 
busca ampliá-las e resolver questões ainda pendentes. Como dito acima, aborda a 
pronominalização da forma a gente como um processo de variação e mudança ‘de longa 
duração’, sob o enfoque funcional da gramaticalização. Discute a manutenção e a perda 
de alguns traços formais e semântico-discursivos do nome gente e da forma pronominal 
14 
 
a gente, à luz dos princípios da ‘persistência’ e da ‘decategorização’ propostos por 
Hopper (1991). Utiliza corpora orais gravados (amostra NURC-RJ _ décadas de 70 e 90 
e PEUL-RJ_ décadas de 80 e 2000). 
 A autora atribui a simplificação do paradigma verbal e a alteração do paradigma 
pronominal à entrada das formas gramaticalizadas você e a gente. Mostra que a 
implementação dessas formas, principalmente no Português do Brasil (PB), gera um 
conjunto de alterações gramaticais em diversos níveis: 
a)Alteram-se outras sub-categorias pronominais (possessivos,oblíquos 
átonos e tônicos; é a chamada famigerada ‘mistura de tratamentos’); 
 b) o paradigma verbal perde sua riqueza em termos flexionais; 
 c) ocorre o preenchimento obrigatório do sujeito; 
 d) os constituintes oracionais dão-se em uma ordem mais rígida na sentença; 
 e) há a acepção indeterminadora de você e a gente no discurso. 
 
 Inicialmente a autora retoma a diacronia que realiza em Lopes (1999) e revisa a 
origem do processo de gramaticalização da forma nominal gente para a forma 
pronominal a gente. Faz explanação da análise do processo de mudança ‘em tempo real 
de longa duração’ (do Português arcaico ao Português contemporâneo, Século XIII ao 
XX) e ‘em tempo real de curta duração’ (neste aborda duas sincronias do Século XX do 
PB: décadas de 70 e de 90). Mostra, assim, a verificação que fez sobre a atuação das 
propriedades intrínsecas de ‘gênero’, “número’ e ‘pessoa’. 
 Lopes (2004) tem por pressuposto teórico-metodológico que n(o) fenômeno da 
gramaticalização: 
 
 
 
15 
 
“a. um item lexical se torna um item gramatical; 
b. itens gramaticais se tornam ainda mais gramaticais; 
c. é um processo contínuo, regular e previsível em que o item torna-se regido 
por restrições gramaticais; 
d. o gradualismo lhe é inerente; 
e. pressupõe, nos estágios iniciais, a coocorrência de novos valores / usos ao 
lado dos antigos; 
f.pressupõe a permanência de propriedades lexicais nas formas 
gramaticalizadas.” 
 
 
 A partir destes pressupostos a autora observa que a gramaticalização de a gente é 
um processo contínuo, regular e previsível, visto que este item vai perdendo a 
eventualidade criativa do discurso típica dos elementos lexicais para ser regido por 
restrições gramaticais, e passando a assumir funções anafóricas e a expressar noções 
gramaticais (no caso, semanticamente essa forma corresponde à 1ª pessoa plural, e 
morfologicamente, ocorre em forma de 3ª pessoa). 
 Lopes mostra que não há incompatibilidade entre a perspectiva da 
gramaticalização e os princípios da Teoria da Variação (cf. Weinreich, Labov & 
Herzog, 1968 e Labov, 1994; 2001) na abordagem da mudança linguística enquanto 
processo lento e gradual, o que exige a observação do fenômeno em dois ou mais 
estágios. Reconhece ainda na gramaticalização de a gente os princípios da ‘persistência’ 
e da ‘decategorização’ de Hopper (1991). 
 As alterações das especificações morfossintáticas e semânticas durante a 
gramaticalização de a gente foram observadas pela autora através dos traços de 
‘gênero’, ‘número’ e ‘pessoa’. Para isto, adota as noções de subespecificação propostas 
por Rooryck (1994): traços variáveis [α] admitem valor positivo ‘+’ ou negativo ‘-‘; e 
traços não-variáveis [Ø] são default ou neutro, ou seja, encobrem um atributo com 
nenhum valor. 
16 
 
 Ao comentar os resultados da análise de ‘longa duração’, séculos XIII ao XX (já 
apresentados em seu trabalho de 1999), a autora nos remete a Heine & Reh (1984), 
segundo os quais uma simplificação no processo de gramaticalização pode envolver a 
perda de uma distinção gramatical que continua semanticamente presente [+ PL], ou 
seja, a perda da subespecificação de número não significa que a pluralidade é 
semanticamente irrelevante; significa que é gramaticalmente irrelevante. Isto será de 
grande utilidade mais adiante neste trabalho. 
 Quanto ao traço de gênero, a autora identifica a forma substantiva gente como 
não-especificada já em sua matriz lexical, a qual não impõe restrições quanto ao sexo do 
referente ao se referir a um agrupamento de pessoas [+ genérico]. Nos séculos XIX e 
XX a autora identifica concordância categórica para o feminino singular, e, ao se 
pronominalizar, a gente passa de neutra [Ø fem] quanto à especificação de gênero 
formal (tal qual ocorre com as demais formas pronominais ‘eu / tu / você (s) / vós’, não 
portadoras de gênero formal) a subespecificada [α FEM], e adquire a possibilidade de 
combinar-se com adjetivos no masculino e/ou no feminino, em relação direta com o 
referente. 
 Lopes cita estudo realizado por Vianna (2003) nos anos 80 e 2000. Observa que 
a forma mais produtiva é com a generalização do masculino-singular (44%, anos 80 e 
63%, ano 2000), e que o feminino singular sofre uma queda de 56% para 38% vinte 
anos depois. Conjectura que nos últimos vinte anos o caráter genérico e indeterminado 
de a gente pode estar favorecendo o uso de predicativos na forma considerada não-
marcada em Português: o masculino-singular. 
 Ao verificar o traço ‘pessoa’, a autora encontra a forma pronominalizada a gente 
apresentando traço formal herdado do substantivo, ao combinar-se com verbos em P3, 
ou seja, em concordância com a 3ª. pessoa do singular (entre falantes não-
17 
 
escolarizados), a pessoa default de Rooryck (op. cit.) ou a ‘não-pessoa’ de Benveniste 
(1998). Semanticamente, passa a compreender o ‘eu-ampliado’: o traço [+EU] é 
incluído na forma pronominal, antes realizada como [Ø EU]. Dois indícios sintáticos 
referendam esta postulação: a concordância verbal com P4 (1ª. pessoa do plural), no 
nível não-escolarizado e a co-indexação pronominal com nosso(s) / nossa(s). Nos 
períodos XIII ao XVIII, Lopes (1999) registra 21 ocorrências co-indexadas às formas 
P3 (seu/dele). A partir do século XIX, com o início da pronominalização, 01 exemplo 
de combinação com possessivo ‘nossa’ foi localizado, sendo que, no século XX, já 19 
exemplos são encontrados, o que para a autora é evidência da inclusão do traço [+EU] 
na gramaticalização de a gente. 
 Lopes conclui que a gente em longa duração comprova o princípio da 
‘persistência’ proposto por Hopper (op. cit.), segundo o qual algumas propriedades 
intrínsecas desta forma, como a concordância com o verbo na terceira pessoa do 
singular e o caráter indeterminado e coletivo da forma originária, se mantêm. 
 A autora mostra que a gramaticalização de a gente comprova também o 
princípio da ‘decategorização’ de Hopper (op. cit.) ao apresentar algumas propriedades 
tipicamente pronominais, como a correlação com adjetivos no masculino ou no 
feminino conforme o gênero do referente, perda da possibilidade de esta forma ser 
determinada por anteposição ou por posposição, com ocorrência preferencial isolada 
no SN. 
 A autora ressalta que a possibilidade de o nome receber determinação, e a 
impossibilidade de o pronome pessoal ser determinado é que é o principal fator de 
distinção entre uma classe e outra, o que lhes determina a referencialidade. Observa que 
basta a presença de um elemento modificador anteposto ou posposto para que o uso de a 
gente como substantivo seja favorecido. Desta forma, ressalta que para a literatura 
18 
 
linguística, um item lexical torna-se mais gramatical quando passa a ocupar posições 
mais fixas (cf. Lehmann, 1982; Heine & Reh (op. cit.); Croft, 1993; Martelotta et alii, 
1996), perde a possibilidade de mover-se livremente e ocorre como núcleo isolado. 
Assim, na pronominalização de nominais, estes tendem a ocorrer isolados no sintagma 
nominal e passam a ter usos estruturais distintos e restritos. 
 Pelo exposto, os trabalhos de Lopes (1999 e 2004) permitem um estudo quanto à 
gramaticalização da forma a gente até a etapa em que Hopper & Traugott (op. cit.) 
denominam de item gramatical; ou seja , o item lexical gente torna-se um item 
gramatical a gente, e assume papel de forma pronominal da 1ª. pessoa do plural em 
Língua Portuguesa. No presente trabalho verificamos a etapa seguinte proposta pelos 
autores supracitados: um item gramatical pode tornar-se mais gramatical e realizar-se 
como clítico. 
 Assim como Lopes, estabelecemos uma ponte entre os princípios da 
gramaticalização propostos por Hopper (1991) e por Hopper & Traugott (1993) e os 
fundamentos da investigação da mudança linguística propostos por Weinreich, Labov & 
Herzog (1968) e Labov (1994) na investigação da gramaticalização de agente, ao levar 
em consideração que a mudança linguística é contínua, gradual, encaixada no sistema, 
passível de verificação quantitativa quanto a condicionamentos e restrições, bem como, 
resulta da ação humana no processo da linguagem. 
 Diferentemente de Lopes, que faz análise cronológica da distribuição diatópica 
intercontinental, e de outras áreas para onde foi levado o português de Portugal, no 
presente trabalho investiga-se apenas o percurso cronológico de a gente com dados 
contemporâneos do dialeto mineiro. Fica a possibilidade de realizações futuras de mais 
investigações desse fenômeno em outras comunidades linguísticas. 
19 
 
 Lopes reconhece, em seu trabalho, a limitação de se traçar um perfil cronológico 
de gramaticalização a partir de dados escritos. Entretanto, em reconhecimento ao mérito 
inegável do trabalho dessa autora, os seus resultados diacrônicos constituem a fonte das 
informações do comportamento da forma a gente em seus primórdios. Desse modo, 
neste trabalho, assumo essas limitações ao referir-me aos seus resultados. 
 Ponto fundamental de afastamento entre Lopes e este trabalho é a abordagem 
formal das etapas de gramaticalização da forma a gente, bem como a investigação da 
etapa da cliticização desta forma por meio de várias metodologias. 
 A seguir, uma breve visão do trabalho de Maia (2003), mais um dos componentes 
do panorama que se busca apresentar sobre a pronominalização de a gente. 
 
 
1.2. Maia (2003) 
 
 
 Maia (2003) estuda a variação entre as formas pronominais nós e a gente na 
língua portuguesa falada no Brasil, mais especificamente, no dialeto mineiro, através do 
uso de corpora de entrevistas sociolinguísticas gravadas em Belo Horizonte e Pombal. 
 De acordo com a Gramática Tradicional, (і) a desinência número-pessoal -mos 
refere-se à forma pronominal nós e, (іі) à forma pronominal a gente deve ser atribuída a 
terminação de 3a. pessoa do singular, conforme evidenciado nas observações feitas 
por Cunha (1985):11 
 
 
 
11 Cunha (1985: 124 e 288). 
20 
 
 (19) a: Nós éramos cinco e brigávamos muito, recordou Augusto, olhos 
 perdidos num ponto X, quase sorrindo. 
 (C. Drummond de Andrade, CA,5;apud Cunha,1985.p.131) 
 
(20) b.Não culpes mais o Barbaças, compadre! A gente só queria gastar 
 um bocadito do dinheiro. 
 (F.Namora, TJ, 165; apud Cunha,1985.p.288) 
 
Seguem-se alguns exemplos das variantes12 em questão, nos quais levamos em 
consideração o que diz Cunha (1985) : 
 
 (21) a. Nós terminamos, fessora! 
 b. Nós já lemos o livro todo. 
 c. A gente ganhou em primeiro lugar. 
 d. A gente senta aqui todo dia. 
 
 
 Observa-se em (21) que as formas pronominais nós e a gente alternam-se, como 
formas de expressão da pessoa do falante + alguém no discurso, conforme reconhecem 
os gramáticos tradicionais: “No colóquio normal, emprega-se a gente por nós 
(...)”.(Cunha,1985.p.288). 
 Além da acepção de pessoa do falante + alguém no discurso, essas formas 
podem também expressar a voz do próprio falante: 
 
 
12 Os dados citados em (3) são de entrevista livre. 
 
21 
 
(22)a . Hoje em dia nós tamo assim... (P.S. ,27 ,f1, BH) 
 b . A gente perdeu um pôco o contato (P.S. 27,f1,BH) 
 
 
 ... ou ainda ter referência indefinida (5 a-b) 
 
(23)a . Quando a gente é menino... (G.J. , 48,f2,BH) 
 b.Nóis planta é mio, feijão, arroiz é horta mesmo. (C.,31,f1, Pb) 
 
 No Português não-padrão, cada uma dessas formas realiza concordância ora com 
o verbo na 1a. pessoa do plural, ora com o verbo na 3a. pessoa do singular. 
Comparem-se (5 a,b) e (6a-b): 
 
(24).a.Verdura...nóis come sim senhora... (D.L.,64,f2,Pb) 
 b.A gente duramo quase dois meses. (I.A .S., 22,f1,BH) 
 
 Conforme informações fornecidas pelas ocorrências acima, a forma nós pode 
sofrer ditongação. Por sua vez, as ocorrências abaixo informam sobre as variações na 
forma a gente: 
 
22 
 
(25) a .A gente [a’�ẽt�І] fica amolado. (d.E., 76,f3, Pb) 
 b. A /ente [a’ẽt�] plantava lá a meia, plantava a terça. (J.S.,72,f3,Pb) 
 c.A g/te [‘a�e ������t�] vai na casa das pessoas... (E.M., 21,f1, BH) 
 d.A gen/ [a’�ẽ] namorava era assim, cunversando, era a corte...(Cl,74, f3,BH) 
 e. A 13hente [a’hẽt�] só roçasse lá, quemasse, plantava a terça ... 
 (J.S.,72,f3,Pb) 
 
 
 A forma a gente pode sofrer queda de segmento inicial, medial ou final, ou 
ainda realizar-se com consoante aspirada . 
 Os fatos acima revelam que o fenômeno em estudo é um caso de variação 
linguística. 
 Como aborda Lopes em seus trabalhos acima mencionados, a alternância nós / a 
gente é não só uma variação, mas também uma mudança. A forma inovadora a gente 
começa a se pronominalizar no século XVII, com identificação das ocorrências a partir 
do século XVIII, e a caracterização da mudança linguística dá-se a partir do século XX. 
O corpus analisado por Lopes retrata a comunidade de fala do Rio de Janeiro. 
 Em Maia (2003) o propósito foi investigar a comunidade linguística de Belo 
Horizonte e verificar se esse processo se fazia presente e qual a sua força. O foco de 
atenção foi a correlação entre nós e a gente e a morfologia verbal, com o interesse de 
detalhar o estágio atual do processo numa comunidade selecionada, em Minas: a 
comunidade rural de Pombal, através da comparação dos índices obtidos na análise dos 
dois corpora. 
 
13 É utilizada aqui (itens ‘b’, ‘c’, ‘d’, ‘e’ uma escrita que lembra a forma fonética. No caso de 
‘hente’ a tentativa foi de representar a consoante aspirada [h]. 
23 
 
 A investigação foi feita a partir da verificação da força da atuação de alguns 
fatores que se mostraram determinantes na ocorrência de uma ou de outra variável 
dependente com embasamento na literatura linguística já existente. 
 Segundo Labov (1994, p.21-3) é possível a apreensão do percurso da 
implementação da mudança através da investigação dos fatores linguísticos e sociais 
junto à comunidade linguística em um determinado período do tempo. Desse modo, 
foram verificados fatores linguísticos e extralinguísticos. 
 Maia (2003), opta por verificar a influência das seguintes variáveis linguísticas: 
(i) Pessoa Verbal; (ii) Tempo Verbal; (iii) Referência [±Genérica]; (iv) Realização 
Fonológica da Desinência de Número e Pessoa; (v) Saliência Fônica. E os fatores 
extralinguísticos foram: (vi) Faixa Etária: de 20 a 35 (F1); de 36 a 65 (F2); > 65 (F3) e 
(vii) Localização Geográfica: zona rural (Pombal) e zona urbana (Belo Horizonte). 
Além disso, estes fatores forneceram subsídios para a seguinte hipótese: a 
implementação da mudança da forma pronominal a gente manifestar-se-ia primeiro na 
morfologia verbal e atingiria, posteriormente, o conjunto dos pronomes. Essa variação, 
portanto, seria mecânica, nos termos discutidos por Naro (1998). Dentre esses fatores, 
mostraram-se estatisticamente significativos os fatores IV, I e III, o que confirma a 
hipótese de que a implementação dessa mudança iniciou-se na morfologia verbal. 
 Dentre os fatores extralinguísticos: VI (Faixa Etária) e VII (Localização 
Geográfica), apenas VII se mostrou estatisticamente significativo, o que permitiu a 
obtenção de conclusões para as hipóteses relatadas a seguir. 
 Foram levantadas as seguintes hipóteses sobre a variaçãonós / a gente no dialeto 
mineiro: 
(A) A forma a gente é uma inovação; 
24 
 
(B) O percurso da mudança que resultou na inserção de a gente no paradigma 
pronominal teria sido: nós V + -mos > nós V + -moØ > nós V+ -ão / -am > nós V+ Ø 
> a gente V + Ø. 
 Nesse processo a desinência de 1PP sofre erosão lenta, o que ratifica o 
enfraquecimento morfológico, inicialmente com a perda do –s desinencial e, depois, 
com a perda do –mo. A forma intermediária –ão14 resultaria da não realização 
fonológica de –m na terminação –am após perda de –s>-o. 
 O fator faixa etária mostrou que os jovens (Faixa Etária 1) estão usando mais a 
forma a gente (63%) do que as pessoas da Faixa Etária 2 (59%; medianos) ou da Faixa 
Etária 3 (41%; idosos). Segundo Labov (1972), quando é alto o índice na faixa etária 
dos jovens, é porque está havendo mudança em progresso. Em termos probabilísticos, é 
confirmada a tendência ao uso da variante inovadora a gente no lugar da forma 
pronominal conservadora nós. Os pesos relativos são: jovens (.60), medianos (.55) e 
idosos (.38). 
 O primeiro fator estrutural testado foi a realização morfológica da pessoa 
verbal. Esse fator buscou diferenciar a realização do verbo na 1a. pessoa do plural ou 
na 3a. pessoa do singular. O propósito foi verificar se a desinência de 1PP (-mos; -moØ; 
-ão) inibe o uso da variante a gente. 
 De acordo com os dados, é preferencial o uso de a gente com verbo na 3PS 
(61%), uma vez que há apenas 3% de ocorrências com verbo na 1PP. Já o maior uso do 
pronome nós é com verbo na 1PP (96%), ao passo que, na 3PS, é de (38%). Os valores 
probabilísticos obtidos confirmaram os resultados percentuais. Chama a atenção o 
quanto a morfologia verbal de 1a. PP inibe a variação (.96). 
 
14 Perini (2010, p. 309) utiliza um exemplo com a terminação verbal -ão de 3ª. p. pl., o que 
atesta-lhe a existência. 
25 
 
 A observação do segundo fator, tempo verbal, teve em vista a hipótese de que o 
tempo presente, por seu aspecto indeterminado, favoreceria o uso de um termo mais 
genérico, no caso, a variante a gente. Entretanto, esse fator não foi considerado 
significativo pelo Varbrul15. 
 O terceiro fator selecionado foi referência, a partir da hipótese de que contextos 
de referência [+genérica] favoreceriam a variante a gente, pois esta seria resultante de 
um processo de gramaticalização do item nominal gente que, conforme tem-se visto, 
já em sua fonte (lat. Gens, gentis ) possuiria uma significação mais genérica. As 
variantes nós e a gente foram classificadas quanto à referencialidade em Referência 
[±genérica]. Os valores numéricos confirmaram a hipótese de que a variante nós não 
é favorecida pelo traço [+Ref+Gen] : 31% dos casos (peso relativo .34). Entretanto, 
esses valores revelam que há um espaço para a referência genérica no uso da variante 
nós, o qual permitiu a variação com a forma a gente16. 
 Através do quarto fator, realização fonológica da desinência de número e pessoa, 
buscou-se verificar se a forma padrão no Português do Brasil (PB) era realizada ou não. 
Através desse fator, em resumo, buscou-se evidências a favor da hipótese de que a 
mudança afeta mais imediatamente o paradigma morfológico, via fonologia e, 
posteriormente, afeta o paradigma pronominal, o que acarreta a mudança representada 
por nós > a gente. A desinência número-pessoal do verbo pode se realizar 
foneticamente como padrão ou não-padrão. Em termos quantitativos, a forma 
pronominal a gente apresenta peso relativo .90 para as ocorrências com a desinência 
número-pessoal padrão, ou seja, tem maior realização na 3PS17. Já a forma pronominal 
nós apresenta um comportamento intrigante. Tem apenas .09 das ocorrências -mos. A 
 
15 Programa de análise estatística muitivariada. 
16 O espaço genérico supracitado refere-se ao ‘nós majestático’. 
17 Do ponto de vista estritamente morfológico os gramáticos atribuem à 3a. p. do singular a 
desinência Ø. 
 
26 
 
maior parte de suas ocorrências (.94) é com [-Padrão], isto é, há erosão fonética 
na maioria das ocorrências. 
 A desinência de 1a. PP é um fator que favorece o nós. Com o morfema padrão 
–mos, há 95% das ocorrências com a variante nós e 4% com a variante a gente; o que 
indica que essa terminação favorece o nós. Com o morfema –moØ, há 96% das 
ocorrências com a variante nós e apenas 3% com a variante a gente. A terminação –ão 
mostrou favorecimento categórico em relação à forma nós (100%). Mesmo quando a 
desinência é zero a porcentagem de nós é de (38%)! Desse modo, os resultados 
evidenciam que a desinência se desfaz bem lentamente e que um vestígio mínimo de 
1a. PP é o bastante para favorecer a ocorrência do pronome nós. 
 Parece haver aqui uma evidência de que não foi a entrada da variante a gente que 
desencadeou o uso da 3PS. Se fosse, não haveria um índice tão alto de nós com verbo 
na 3PS, representada por zero na tabela. Argumenta-se aqui a favor de que formas de 
3PS são, de fato, ambíguas, pois um item como era é, ao mesmo tempo, resultado de 
erosão fonética de –mos, a partir de éramos, como também é resultado de verbo ser + 
3PS. 
 O quinto fator verificado foi a saliência fônica, a partir da proposta de análise 
feita em Naro & Lemle (1977). Esse fator também não foi considerado estatisticamente 
significativo pelo Varbrul. Entretanto, mostra resultados curiosos: a variante a gente 
tem maior peso relativo nas formas verbais menos salientes, como dar e ver (.59), e nas 
formas ambíguas(.66): formas verbais como muda, que pode ser resultado de 
mudamos > muda + -mos ou de muda + zero. É importante ressaltar que fica evidente 
nos resultados a atuação lenta e gradual da ‘erosão’ fonológica. Enquanto há um 
vestígio mínimo que seja da flexão de 1ª pessoa do plural, a forma nós é favorecida. 
27 
 
 O fator localização geográfica foi utilizado com o objetivo de analisar a 
variação diatópica em duas áreas: uma rural, representada pelo lugarejo de Pombal; e 
outra urbana, representada pela capital de Belo Horizonte. A forma pronominal a gente 
é mais usada na zona urbana (.67) do que na zona rural (.32). Esse resultado coincide 
com os de Ramos (1997a), no estudo sobre você/cê, segundo o qual, comunidades 
rurais apresentam ritmo de tempo mais lento. Em termos probabilísticos, os valores 
mostram-se inversamente proporcionais nas cidades observadas: Belo Horizonte 
apresenta peso relativo .67 em relação à forma inovadora a gente, ao passo que, em 
Pombal, o peso relativo é .32. 
 Nas amostras analisadas, foram coletadas 672 ocorrências, 313 da variante nós 
(46%) e 359 da variante a gente (53%), o que indica que a forma a gente já 
gramaticalizou-se no dialeto mineiro como forma pronominal de 1ª. Pessoa do Plural. 
 Pelas conclusões obtidas em Maia (2003), diferentemente de Lopes (1999) e em 
conformidade com Lopes (2004), através da análise sociolinguística realizada, há 
indicação de que, no dialeto mineiro, a gente já é um item gramatical, ou seja, trata-se 
de uma forma pronominal inovadora, visto que está ocupando, no uso, o lugar da forma 
pronominal conservadora nós. Além disso, a forma a gente [a’�ẽt�І] também 
apresentou-se realizada com reduções: a ‘gen/ [a’�ẽ] , a /’ente [a’ẽt�] e ‘ag/te [a’�e������t�] 
ou com alteração fonética a ‘hente [a’hẽt�], o que suscita a necessidade de se verificar 
a hipótese de a forma a gente estar se cliticizando no dialeto mineiro. A investigação da 
possível cliticização de a gente será a meta deste trabalho. 
 A seguir fazemos uma explanação suscinta sobre ainvestigação da 
pronominalização de a gente realizada por Zilles (2005). 
 
 
28 
 
 1.3. Zilles (2005) 
 
 
 Zilles (2005) realiza análise quantitativa em tempo aparente e em tempo real de 
dados do Sul do Brasil quanto à pronominalização da forma a gente. Para a análise em 
tempo real, realiza ‘a trend study’ (ou estudo de tendências) e a ‘panel study’ (ou estudo 
de painel), com os mesmos falantes comparados longitudinalmente. Realiza discussões 
sobre o encaixamento linguístico e social deste processo em relação à classificação 
laboviana de ‘change from above’(mudança que surge nas camadas sociais mais 
escolarizadas ou prestigiadas) e de ‘change from below’ (mudança que surge nas 
camadas sociais menos escolarizadas). 
 Antes de entrar na análise do fenômeno linguístico, a autora apresenta uma 
cronologia do entendimento do termo ‘gramaticalização’, e critica o fato de até 
recentemente os pesquisadores terem se preocupado principalmente com trabalhos 
centrados em conceitos e metodologias ou com a descrição do fenômeno da 
gramaticalização de itens isolados. Porém, reconhece que atualmente tem havido um 
interesse crescente em se ver o papel dos contextos linguísticos no processo de 
gramaticalização. Cita estudos como os de Blondeau (2001); Lopes (2001); Romaine & 
Lange (1998); Serrano (1996); Torres Cacoullos (2001); como exemplo de 
investigações de gramaticalização à luz da teoria da variação e mudança 
sociolinguísticas, os quais se propõem a estudar as mudanças (ou conjunto de 
mudanças) em desenvolvimento e tentam obter seus encaixamentos linguísticos e 
sociais. Ao fazê-lo, é preciso decidir se a gramaticalização é um tipo especial de 
mudança ou não. Se especial, não apresentará as mesmas tendências de outras 
mudanças em termos do encaixamento social. 
29 
 
 Para responder a esta questão, propõe-se a investigar o social, o linguístico e a 
distribuição diacrônica da gramaticalização de a gente. 
 Para a autora, o NP a gente está se gramaticalizando, adquirindo características 
de pronome pessoal e substituindo a 1ª. pessoa do plural no discurso – nós. A autora 
apresenta análise quantitativa da gramaticalização de a gente feita em duas abordagens: 
análise de tempo aparente e de tempo real. Nessa última, discute dois tipos de estudos: 
trend study, no qual compara dois grupos de informantes e estudo de painel, no qual faz 
a comparação dos mesmos informantes longitudinalmente. Tal prática tem por objetivo 
verificar a hipótese que possui, qual seja, a de que a gramaticalização é um processo 
gradual, que possui vários estágios, mas que, diferentemente do que é postulado na 
literatura linguística, estes estágios não são isolados, pelo contrário, dão-se em um 
continuum. Portanto, ao olhar a fala de um mesmo falante em uma mesma comunidade 
em diferentes períodos de tempo, investiga se as tendências gerais da mudança são 
equiparáveis e se este mesmo falante realiza todas as mudanças envolvidas. 
 A autora reflete sobre ser a gramaticalização um tipo especial de mudança, 
linguisticamente motivada e encaixada no sistema linguístico. Discute os fatores 
linguísticos e o encaixamento desse processo de acordo com as noções de mudança 
‘from above’ (envolve imitação consciente ou quase de uma norma externa de prestígio) 
e ‘from below’ (envolve desenvolvimento interno da fala da comunidade - 
inconsciente, espontâneo) de acordo com o modelo laboviano (Labov, 1994:78). Para a 
autora, muitas mudanças morfossintáticas que estão ocorrendo no Português Brasileiro 
afetam tanto o paradigma dos pronomes pessoais quanto a concordância sujeito-verbo. 
Essas mudanças incluem, dentre outras, a introdução de novos pronomes e a relativa 
redução da concordância verbal. 
30 
 
 Propõe a necessidade de se verificar fatores sociais, linguísticos e as distribuições 
diacrônicas do fenômeno investigado. Além disso, aponta a necessidade de se olhar 
possíveis associações desses fatores com características sociais dos informantes e com o 
contexto sócio-histórico. Postula ( a partir de Diewald, 2002, p. 117) que os fatores que 
determinam o ‘gatilho’ e a continuação de um processo de gramaticalização não são 
encontráveis exclusivamente na gramaticalização dos itens em si, mas principalmente 
nas mudanças de categorias linguísticas relacionadas e subsistemas. 
 Em se tratando de encaixamento, a autora considera que primeiro há a mudança 
pronominal (ex: tu > Vossa Mercê > você) e depois há a mudança do paradigma verbal. 
Essa alteração na forma da 2ª. pessoa, que passa a utilizar a forma verbal de 3ª. pessoa é 
conhecida como ‘A revolução da 3ª pessoa’. Dessa forma, ocorre o declínio do sujeito 
nulo e o aumento do uso de pronome pleno na posição de sujeito, devido à perda da 
marca de pessoa no sistema verbal, (Duarte, 2000). 
 Por sua vez, a autora, ao realizar o estudo da gramaticalização de a gente, diz que 
a terminação Ø nas formas verbais de 1PP deve-se ao fator linguístico saliência fônica 
(no qual é observada a tonicidade na antepenúltima sílaba, por exemplo, na palavra 
cantávamos, a não realização da desinência –mos é favorecida pelo fato de a sílaba 
anterior ser tônica). Entretanto, a autora não explica a terminação –mo, em que há 
apenas a perda do –s do morfema –mos. 
 A autora reconhece que a ‘direção’ da mudança na gramaticaticalização é 
possível, mas não compulsória, visto que, após algumas mudanças no sistema terem 
começado, pode levar tempo, séculos, até um novo desenvolvimento do processo. 
Postula que a língua não é um mecanismo que se auto-governa, porém, é o resultado de 
práticas sociais desenvolvidas por indivíduos socialmente organizados e em interação. 
31 
 
Portanto, sobre a unidirecionalidade da mudança conclui que os indivíduos e os grupos 
sociais é que mudam a língua, e assim, sustenta o uso da teoria da variação em sua 
análise. 
 A autora compara dados da região Sul nos períodos de 1970 e 1990. Cita o 
estudo diacrônico realizado em peças (dramas) que Borges (2004) realiza, e mostra que 
o uso de a gente acelera no período observado. Zilles relaciona a aceleração da 
mudança a fatores sociais: industrialização, migração (rural/ urbana), desenvolvimento 
da Comunicação, aumento da classe trabalhadora urbana, aumento de escolas públicas 
nesse período. 
 Ao realizar estudo de tempo aparente, a autora utiliza dados da cidade de Porto 
Alegre do Século XX (1990) obtidos do VARSUL e do projeto NURC, referentes a 39 
informantes. Analisa as variantes: nós / a gente segundo os fatores sociais gênero (masc 
/ fem), idade (jovens e idosos), escolaridade (básica, intermediária, média, superior). 
Como fatores estruturais analisa concordância, ordem SV / VS, adjacência ao verbo, 
referência genérica e oração precedente; e chega às seguintes conclusões: (i) o fator 
Concordância é categórico com a gente e variável com nós; (ii) o fator Concordância / 
gênero revela que a gente concorda com o referente e não com a forma lexical gente; 
(iii) a ordem VS não favorece ocorrências de a gente; (iv) observa na análise do fator 
oração precedente que a seleção de nós / a gente na posição de sujeito precedente é 
mantida ao longo do discurso (princípio discursivo); (v) formas reduzidas, como, por 
exemplo, a ‘ente [a’ẽt�] confirma o novo estágio do processo de gramaticalização; (vi) 
verifica que a introdução de a gente tem grande impacto sobre a percentagem de 
redução de sujeito nulo; (vii) observa que a referência genérica ainda se mostra 
fortemente associada a a gente, embora encontre em seus dados 61% das ocorrências 
com a gente referência ‘específica + falante’. 
32 
 
 Ao utilizar o fator adjacência ao verbo para observar se a gente é forma 
favorecida quando o sujeito está distante do verbo, verifica quesó esse fator não mostra 
se a gente está se tornando forma fraca ou clítico (cf. Cardinaletti e Starke, 1994). 
Entretanto, a verificação desse fator permite-lhe observar que a gente ocorre muito na 
presença de negação, ou seja, na estrutura ‘a gente + NEG + Verbo’. 
 Quanto aos resultados dos fatores sociais gênero, faixa etária e escolaridade, a 
autora chega às seguintes conclusões: (i) trata-se de mudança em progresso liderada 
pelas mulheres e pelos falantes mais jovens e não é favorecida pelos falantes de menos 
escolaridade, o que contraria a ideia de ‘change from below’. 
 Zilles conclui que o uso de a gente é percebido como ‘feminino’, portanto, 
remete ao fator laboviano ‘prestígio’. Segundo Labov (1994), as mulheres utilizam mais 
as formas de prestígio. O que leva a autora a confirmar que a gente resulta de um 
processo ‘change from above’. 
 A partir da questão levantada por Zilles (2005) sobre as formas reduzidas de 
a gente, e também a partir da presença de formas reduzidas de a gente em Maia (2003), 
o presente trabalho consiste na verificação da possível cliticização de a gente, por meio 
da investigação sociolinguística, acústica e formal dos fatores que favorecem essa etapa 
(ou a restringem). 
 Diferentemente de Zilles, procura-se sustentar, por meio do estudo da 
gramaticaticalização de a gente, que a mudança no paradigma verbal dá-se através da 
erosão fonológica (na desinência número pessoal ). Desgastes fonológicos no paradigma 
verbal é que permitiriam a mudança no paradigma pronominal (cf. Maia, 2003). 
Conforme postulado acima pela autora (a partir de Diewald, 2002, p. 117) : o ‘gatilho’ e 
a continuação de um processo de gramaticalização não são encontráveis exclusivamente 
33 
 
na gramaticalização dos itens em si, mas principalmente nas mudanças de categorias 
linguísticas relacionadas e subsistemas, ou seja, dão-se em um encaixamento de 
alterações. 
 
 
1.4. Ciríaco, Vitral & Reis (2004) 
 
 
 Ciríaco, Vitral & Reis (2004) realizam trabalho de investigação do 
comportamento acústico de algumas formas reduzidas do português brasileiro: Cê 
(redução de você), Ez (redução de eles) e Num (redução de não). Trabalham com a 
hipótese de que as reduções mencionadas podem ser atestadas foneticamente, bem como 
com a hipótese de que essas reduções podem estar relacionadas a um processo de 
cliticização, e que esse processo pode ser verificado através da análise acústica. 
 Em um primeiro momento é feito experimento. Os dados são editados com o 
programa Sound Designer II e analisados por meio do programa de análise acústica 
Mcquirer. Elaboraram o experimento com observância do ambiente fonético em que 
ocorrem as realizações dos segmentos, visando a contemplarem o objetivo de 
observação do contexto fonético. Treze sentenças foram cuidadosamente escolhidas, de 
acordo com contextos, propriedades fonéticas de duração total, ritmo e acento. 
Participaram do experimento quatro informantes: dois de cada sexo; estudantes do 
primeiro período do curso de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais; idade 
entre 18 e 21 anos; nascidos e sempre residentes na cidade de Belo Horizonte, Minas 
34 
 
Gerais. As gravações foram feitas em cabine acusticamente tratada, no Laboratório de 
Fonética da FALE / UFMG, com utilização de gravador digital. A leitura das sentenças 
foi feita por cada informante, sendo que seis das sentenças foram lidas nas velocidades 
normal, rápida e rapidíssima, e as outras sete sentenças foram lidas apenas uma vez, 
sem observação da velocidade. A variação da velocidade foi aplicada visando-se à 
obtenção das formas reduzidas Ez e Num, mesmo que nas frases estivessem escritas as 
formas ortográficas Eles e Não. O corpus então foi composto por 75 realizações das 
sentenças por cada informante, totalizando 300 realizações. 
 Através da análise espectrográfica dos segmentos do corpus mediram os valores 
de intensidade e de duração das formas reduzidas Cê, Num e Ez, e levaram em 
consideração os trabalhos de Moraes (1995) e de Fernandes (1976), que confirmam a 
duração e a intensidade como marcas do acento. Tendo ainda por objetivo verificar se as 
formas reduzidas estariam em processo de cliticização, e visto que clíticos são partículas 
átonas, os autores investigaram os valores desses parâmetros de marcas acentuais. 
 Além da análise dos valores obtidos quanto à intensidade e duração das formas 
reduzidas Ce, Num e Ez, também foram verificados os valores das formas plenas Eles e 
Não; e da forma livre Ex (como em ex-mulher). Foram também analisados o clítico SE e 
a realização de CÊ (apelido de Cecília). Após as medições foram comparados os valores 
de CÊ (apelido) com os de CÊ ( redução de você) e de SE (clítico); os valores de Não e 
de Num e os valores de Eles, com os de Ex e de Ez. 
 Essas partículas foram analisadas nos seguintes ambientes: antes de sílaba tônica 
e antes de sílaba átona. 
 
35 
 
 Efetuado o cálculo das médias das ocorrências das formas clíticas e plenas, nas 
três velocidades, foi possível a verificação do comportamento fonético das reduções. 
Constataram uma gradação da duração entre as partículas usadas para comparação, em 
todos os cinco grupos. Observaram que a forma plena Não e a partícula Cê (apelido) 
realizaram-se com duração maior do que a de suas formas reduzidas, nos mesmos 
ambientes e que houve uma diferença constante de uma duração maior nos ambientes 
“partícula + sílaba tônica”, por vezes alternando, sendo maior no ambiente “partícula + 
sílaba átona”. A isto os autores atribuem a estruturação rítmica do português, ou seja, 
por ser uma língua de ritmo acentual, possivelmente o pé métrico pode ter exercido uma 
influência sobre a organização temporal dos enunciados. 
 Quanto à análise da intensidade, não ocorreu o esperado pelos investigadores, 
que seriam valores menores ocorrendo na intensidade das formas reduzidas, 
aproximando as reduções à realização do pronome clítico. Verificaram que a 
intensidade parece compensar a duração, na medida em que esses parâmetros se 
mostram em distribuição inversamente proporcional, ao se compararem formas plenas e 
reduzidas. A partícula Eles tem duração média de 285.6 ms (antes de sílaba átona) e Ex, 
de 287.1 ms (antes de sílaba tônica); com respectivas intensidades de 54.6 dB (antes de 
sílaba átona) e de 56.7 dB (antes de sílaba tônica). Quanto à forma reduzida Ez, a 
duração média cai para 153.8 ms (antes de sílaba átona) e para 165.7 ms (antes de sílaba 
tônica). Por outro lado a intensidade sobe para 56.4 dB (antes de sílaba átona) e para 
59.3 dB (antes de sílaba tônica), o que, segundo os autores, confirma que a duração é 
compensada na intensidade. 
 Portanto, esse estudo permitiu a confirmação das reduções fonéticas de Eles, Não 
e Você. Não foi possível, entretanto, fazer-se uma afirmação categórica quanto à 
cliticização dessas formas, mas tão somente verificar-se que “a queda constatada na 
36 
 
duração das formas reduzidas estaria sendo compensada pela intensidade” o que requer 
estudos posteriores. 
 Nesta pesquisa foi utilizado parte do instrumental metodológico acima descrito. 
Embora não tenhamos utilizado dados gravados em laboratório, as formas reduzidas 
foram acusticamente localizadas, selecionadas e mensuradas por meio do programa 
PRAAT, visando à observação do atual estágio das formas reduzidas de a gente. 
 Entretanto, conforme aponta Ramos (1997b), quanto a uma investigação sobre a 
possibilidade de uma forma estar no estágio da cliticização, é necessário que se faça a 
distinção entre clítico fonológico e clítico sintático. Observe-se que o trabalho acima 
resenhado busca caracterizar as formas como clíticas a partir de fatores fonológicos. 
Porém, conforme reconhecemos autores, o estudo demanda mais investigações, por 
exemplo, em que se busque caracterizar as formas clíticas a partir de uma integração de 
observações fonológicas com critérios sintáticos (cf. Zwicky, 1977; 1985;1995; Kayne, 
1975; Sportiche, 1995; Spencer, 1991; Klavans, 1985; dentre outros) e semânticos. Nas 
investigações empreendidas neste trabalho quanto à cliticização de a gente buscou-se 
atender a essa demanda. 
 
 
1.5.Vitral (2006) 
 
 
 Vitral (2006) busca evidências fonéticas quanto à cliticização da forma Cê. A 
partir da distribuição sintática dessa partícula, o autor levanta a hipótese de esta ser uma 
37 
 
forma clítica. Considera que, na definição advinda do grego, clítico significa “o termo 
que se escora em outro”, e que esta definição destaca as propriedades sonoras desses 
elementos, em especial o fato de serem átonos. Conjectura que, de fato a atonicidade 
dos clíticos condiciona-lhes a distribuição sintática, como consequência de serem 
átonos; e que isto é conflitante com a hipótese central da Teoria Gerativa, segundo a 
qual o componente sintático da gramática é autônomo; e não uma consequência do 
componente fonológico. 
 Uma vez confirmado o estatuto de cê como clítico sob o ponto de vista sintático, 
o autor realiza experimento para análise das características fonéticas dessa forma, para 
verificar se também do ponto de vista fonético esta forma tem comportamento de 
clítico. O experimento consistiu na análise acústica da fala de cinco informantes. Foram 
gravadas leituras de pequenos textos, contendo as formas cê, Zé e se. Os dados, 
totalizando noventa sentenças, foram editados através do programa de análise de fala 
WINPITCHI. 92. Foram mensuradas a duração(D), em milésimos de segundo (ms) e a 
intensidade (I), em decibéis (dB). 
 Os resultados do experimento põem em evidência o fato de que ocorre um tipo 
de gradação na realização das formas cê, se e Zé. Gradação esta que não é constante 
para as três formas, favorecendo o agrupamento de cê e se, de um lado, e de Zé, de 
outro. 
 Em seguida o autor apresenta a comparação entre clítico e forma fraca, a partir de 
Cardinaletti e Stark (1994). Esses autores fazem a distinção entre pronomes fortes, 
fracos e clíticos embasando-se em propriedades sintáticas, morfológicas, semânticas e 
fonéticas. A saber: (i) no aspecto morfológico, há uma espécie de gradação de 
deficiência fonética nas três formas; (ii) as formas mais deficientes têm preferência no 
38 
 
uso; (iii) a distribuição dos clíticos e das formas fracas dá-se em oposição às formas 
fortes, ou seja, aquelas não podem ocorrer em posições deslocadas (geradas em 
sentenças clivadas; com posposição de sujeito, topicalizadas;etc), não podem ser 
coordenadas nem modificadas; (iv) a interpretação das formas fortes é sempre associada 
a uma extensão própria; (v) em relação à prosódia, os clíticos, ao contrário das formas 
fracas e fortes, não têm acento de palavras; (vi) de acordo com a Teoria X-barra, clíticos 
são analisados como X° (núcleos que se agregam a outros núcleos). 
 O autor aponta o fato de que, segundo Heine et al. (1991) e Hopper e Traugott 
(1993), há nos processos de gramaticalização uma “perda gradativa de substância fônica 
e semântica”. Vitral nos diz que, Cardinaletti e Starke utilizam certas propriedades 
semânticas para distinguirem as formas fortes das reduzidas: (i) pronomes fortes podem 
introduzir um referente discursivo ainda não mencionado; (ii) somente formas reduzidas 
podem funcionar como expletivo sujeito ou dativo; (iii) pronomes fortes só designam 
referentes [+humano], com exceção em algumas línguas, como português do Brasil e 
inglês; (iv) apenas as formas deficientes podem ser sujeito de construções impessoais. 
Dessa forma, nos processos de cliticização há, paralelamente à perda de material 
fonético, uma mudança semântica que acarreta perda de referencialidade. 
 Diferentemente de Cardinaletti e Stark, o autor reconhece que há mais do que 
três etapas discretas no processo de cliticização. Cita o trabalho de Zwicky (1977) e de 
Klavans (1980), que se referem aos simple clitics e special clitics. Aqueles são clíticos 
do ponto de vista fonético, mas não do ponto de vista sintático. Já estes, são clíticos do 
ponto de vista fonético e exigem regras sintáticas específicas quanto a sua distribuição. 
Como exemplo de simple clitics em português brasileiro, podem ser citadas as formas 
39 
 
reduzidas de terceira pessoa el/es/eis18. O autor aponta assim a necessidade de se 
distinguirem pelo menos quatro etapas de cliticização, abarcando as três de Cardinaletti 
e Stark (1994) e mais uma, que é a de simple clitic; bem como deve-se levar em conta a 
etapa da afixação. 
 Vitral, enfim, não reconhece nenhum estatuto teórico explicativo nos termos 
“clítico’ e “forma fraca”, e postula a necessidade de se compreender o processo de 
cliticização no qual as formas pronominais reduzidas estão envolvidas. 
 Diferentemente do trabalho de Ciríaco, Vitral & Reis (2004), em que o foco da 
investigação sobre a cliticização das formas reduzidas é o critério fonético, Vitral 
(2006) acrescenta a este trabalho uma visão quanto aos vários critérios para 
reconhecimento de formas clíticas, quer sejam sintáticos, morfológicos e semânticos 
(além de abordar os fonéticos), os quais foram referência para proceder-se à avaliação 
das realizações das formas reduzidas de a gente no presente trabalho. 
 
 
1.6. Costa e Duarte (2002) 
 
 
 Segundo Costa & Duarte (2002), tem sido defendido em trabalhos recentes que 
sujeitos pré-verbais em línguas de sujeito nulo são sempre casos de deslocamento à 
 
18 Cf. Corrêa (1998). 
40 
 
esquerda19. Mostram que esta hipótese suscita sérias questões em relação à sua 
adequação empírica, e destaca duas questões principais: (i) É uma proposição adequada 
para todas as línguas de sujeito nulo?; (ii) Visto que o deslocamento à esquerda está 
associado com contextos discursivos específicos, quais são as consequências desta 
proposição para a relação discurso / posição do sujeito? 
 A partir dessas questões iniciais, os autores fazem observações focalizando os 
seguintes pontos: 
1. Esta hipótese gera predições empíricas incorretas para o PE, uma língua de 
sujeito nulo; 
2. Condições de licenciamento para sujeitos pré-verbais e tópicos não-sujeito são 
diferentes, pois provavelmente são vinculados às suas diferentes posições 
sintáticas; 
3. A interpretação de tópico de alguns sujeitos pré-verbais em Spec,IP não é 
diferente da interpretação de tópicos não-sujeito; 
4. Alguns sujeitos pré-verbais não são interpretados como tópicos a partir de 
propriedades de licenciamento da EPP. 
 Ao argumentarem que sujeitos pré-verbais nascem em Spec-IP, os autores já 
apresentam evidências contra o postulado de sujeitos pré-verbais em língua de sujeio 
nulo resultarem de deslocamento à esquerda. 
 Apresentam três tipos de argumentos: (i) relativo à concordância; (ii) sintático; 
(iii) de interpretação, os quais levam à conclusão de que sujeitos pré-verbais em PE não 
são casos de deslocamento à esquerda. 
 
19Referem-se a Barbosa (1995); Ordoñez & Treviño,(1995); Alexiadou & Anagnostopoulou 
(1996). 
41 
 
 No primeiro argumento, relativo à concordância, mostram que, exceto sujeitos, 
o deslocamento de elementos à esquerda não gera concordância verbal. Logo, a 
concordância verbal pode ser usada como diagnóstico válido para avaliação do 
deslocamento à esquerda ou não de constituintes. 
 Mostram que, para o PE, é difícil estipular-se que Agr é pronominal, e que a 
concordância sujeito-verbo é obrigatória apenas com sujeitos pré-verbais20. Dessa 
forma, em ‘(a) Chegaram três pessoas’ e ‘(b) Chegou três

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