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ICTERICIA LETÍCIA FAGUNDES ICTERÍCIA É um achado de exame físico em que se encontra uma coloração amarelada da pele, conjuntiva e mucosas, em decorrência da elevação das concentrações séricas de bilirrubina, sendo detectável a partir de 2,5-3,0 mg/dL. A esclerótica é o local onde mais comumente se identifica um quadro de icterícia pois é rica em elastina, que possui especial afinidade pela bilirrubina Icterícia e hiperbilirrubinemia não são sinônimos: a icterícia só é detectável clinicamente em níveis de bilirrubina acima de 2 a 3 mg/dL FISIOPATOLOGIA Bilirrubinas são catabólicos potencialmente tóxicos cuja metabolização depende de um mecanismo fisiológico complexo que se divide em três etapas: 1. Fase pré-hepática 2. Intra-hepática 3. Pós-hepática FASE PRÉ-HEPÁTICA Na periferia, a hemoglobina das hemácias é degradada em grupo heme que, pela ação da enzima heme-oxigenase, é convertida em biliverdina → sofre a ação da biliverdina redutase → Gerando a bilirrubina indireta (BI) ou não conjugada, insolúvel e neurotóxica Cerca de 96% da bilirrubina plasmática está na forma indireta que, como é insolúvel, liga-se a albumina para chegar ao fígado FASE INTRA-HEPÁTICA No fígado, a BI é captada através de transporte facilitado e difusão. No hepatócito, a BI, pela ação da enzima UGT1A1 (glutationa-S-transferase), sofre o processo de conjugação com o ácido glucurônico gerando a bilirrubina direta ou conjugada (hidrossolúvel), tornando-a incapaz de se difundir através de membranas celulares. Uma vez formada a bilirrubina direta, a sua excreção é através dos canalículos biliares por meio do transporte ativo A atividade enzimática total da UGT1A1 deve ser reduzida a menos de 50% do normal para chegar a produzir hiperbilirrubinemia não conjugada. FASE PÓS-HEPÁTICA A bilirrubina é conduzida pelos ductos biliar e cístico, atingindo a vesícula, onde pode permanecer armazenada. Após ingestão de alimentos, principalmente gordurosos, a vesícula se contrai para jogar a bile no intestino e facilitar a digestão das gorduras. No intestino: a. Parte da bilirrubina é excretada com o bolo fecal b. O restante é metabolizado pela flora intestinal em urobilinogênios que é reabsorvido e pode: a. Ser filtrado pelos rins e excretada na urina. b. Reabsorvida nos intestinos e novamente excretada para a bile. As concentrações séricas normais de bilirrubina são: ETIOLOGIA As icterícias podem ser causadas pelos seguintes mecanismos: AUMENTO PREDOMINANTE DE BILIRRUBINAS NÃO CONJUGADA/INDIRETA: ▪ Aumento da produção de bilirrubina: o Hemólise o Transfusão maciça o Eritropoiese ineficaz o Doença de Wilson o Situações de importante estresse clinico como a sepse ▪ Diminuição da captação pelo fígado o Medicamentos o Jejum prolongado ICTERICIA LETÍCIA FAGUNDES o Infecção o Doença hepatocelular ▪ Diminuição da conjugação pelo fígado o Síndrome de Gilbert o Deficiência adquirida de glicuroniltransferase (medicamentos ou doença hepatocelular) o Icterícia neonatal fisiológica (imaturidade enzimática do fígado) AUMENTO PREDOMINANTE DE BILIRRUBINA CONJUGADA/DIRETA: ▪ Alteração da excreção o Síndrome de Dubin-Johnson o Doença hepatocelular o Colestase induzida por medicamentos como anticoncepcionais orais o Infecção ▪ Obstrução biliar o Estenose o Tumor o Calculose o Corpo estranho Algumas doenças cursam tanto com aumento de bilirrubina conjugada como não conjugada (p. ex., anemia falciforme). Uma classificação mais simplista, seria: Na emergência, as principais causas de icterícia são: hepatite aguda viral, hepatite crônica, cálculos de vias biliares e complicações, cirrose biliar primaria, câncer de pâncreas, doença hepática alcoólica e por drogas, colangite esclerosante primária, além de leptospirose, malária, febre amarela e tifoide nas áreas endêmicas. SÍNDROME DE GILBERT É o distúrbio hereditário do metabolismo da bilirrubina mais comum encontrado, principalmente no sexo masculino, resultando de uma leve deficiência da enzima que realiza a conjugação da BI dentro do hepatócito (ou seja, uma deficiência hereditária "leve" de glicuroniltransferase). Comporta-se de forma benigna, sem complicações que não precisa de tratamento, embora seja crônica, caracterizando- se por uma hiperbilirrubinemia indireta leve e persistente. Tipicamente, a icterícia se agrava após: 1. Jejum prolongado ou retirada das gorduras da dieta 2. Exercício intenso 3. Ingestão de álcool 4. Administração de ácido nicotínico Em geral, o diagnóstico da síndrome de Gilbert deve ser feito por exclusão, ou seja, suspeita-se desta síndrome quando o paciente apresenta hiperbilirrubinemia não conjugada leve e persistente, mas: a. Não há outros sinais ou sintomas sistêmicos b. Não há hemólise laboratorialmente reconhecida; c. As provas de função hepática são normais; d. A biópsia (não necessária) é normal – embora em alguns casos possa haver depósitos inespecíficos de lipofuscina na zona centrolobular. SÍNDROME DE DUBIN-JOHNSON É uma icterícia crônica idiopática, caracterizada por ser um distúrbio hereditário que resulta de um defeito na fase de excreção, secundário a um defeito no gene MRP2 – os hepatócitos não conseguem mais excretar a bilirrubina já conjugada para a bile, tendo um excelente prognostico e não necessitando de tratamento. Os pacientes com esta síndrome ou são assintomáticos, ou apresentam sintomas gastrointestinais vagos, como hepatomegalia discreta e hipersensível. Os estigmas de colestase, como prurido e esteatorreia, em geral estão ausentes. Os níveis séricos de fosfatase alcalina (bem como qualquer outra enzima hepática) estão caracteristicamente normais, sendo necessário a dosagem da coproporfirina urinária para confirmar o diagnóstico → fração predominante é a coproporfirina I, em vez da coproporfirina III (que predomina em pessoas normais). O acúmulo de pigmento na região centrolobular dos lóbulos hepáticos é característico (embora a biópsia hepática seja desnecessária para o diagnóstico). Este pigmento representa a deposição tecidual de polímeros de metabólitos da bilirrubina que não consegue ser excretada. Macroscopicamente o fígado adquire uma coloração completamente enegrecida ABORDAGEM AO PACIENTE ICTERICO A icterícia pode ser um achado incidental em um indivíduo assintomático, sem representar risco à saúde do seu portador, mas também pode sinalizar a coexistência de uma condição grave. ICTERICIA LETÍCIA FAGUNDES ANAMNESE + EXAME FISICO 1. Instalação abrupta ou insidiosa + primeiro episódio ou recorrente 2. Consumo de álcool e de tóxicos potencialmente hepatotóxicos 3. Uso de medicamentos, drogas, fitoterápicos e compostos químicos 4. Fatores de risco para hepatite viral e HIV → uso de drogas IV, múltiplos parceiros sexuais, histórico de transfusão de sangue antes de 1990, tatuagens, piercings, privados de liberdade e profissionais de saúde 5. Aparecimento de sintomas que podem indicar outras doenças: a. Prurido → colestase b. Esplenomegalia, circulação colateral evidente em região umbilical da parede abdominal (“cabeça de medusa”) → hipertensão portal c. Telangiectasias do tipo “aranhas vasculares”, ginecomastia, asterixe, rebaixamento do nível de consciência e equimoses → Insuficiência hepática d. Xantelasmas, xantomas e arcos córneos → distúrbios do metabolismo lipídico da cirrose biliar primária. e. Hipocolia ou acolia fecal → obstrução de vias biliares extra-hepáticas. f. Mialgias → Leptospirose e febre amarela EXAMES COMPLEMENTARES Alguns exames iniciais são indicados para todos os pacientes e incluem: 1. Enzimas hepáticas: a. Aminotransferases TGO (AST) e TGP (ALT) b. Enzimas canaliculares: fosfatase alcalina(FA) e Gama-GT (GGT) 2. Provas de função hepática a. Bilirrubina total e frações (BI e BD) b. Coagulograma: TP e TTPA com INR c. Albumina d. Dosagem de amônia 3. Hemograma A icterícia deve ser distinguida de outras causas de pigmentação amarela, como a hipercarotenemia, que se deve à existência de pigmentos carotenoides na corrente sanguínea, estando associada à coloração amarela da pele, mas não das escleróticas Além disso, podem ser pedidos ainda: a. Sorologia para hepatites virais b. USG de abdome c. TC ou CPRE (indicada em casos especiais) Outros exames irão ser solicitados dependendo da etiologia suspeita: 1. Suspeita de hemólise: a. Hemograma (anemia e plaquetopenia) b. Reticulocitos (aumentados) c. LDH (aumentados) d. Haptoglobina (diminuídos) e. Esquizóctios (presentes – hemólise intravascular) f. Teste de coombs (positivo) 2. Suspeita de obstrução biliar: a. FA e Gama-GT (aumentados) b. USG de vias biliares c. Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) d. Tomografia de abdome TRATAMENTO O tratamento da icterícia é específico para cada etiologia. Pode se fazer uso de medicamentos sintomáticos, quando a icterícia é acompanhada por: ▪ Prurido: o Colestiramina 4 g, 3 vezes ao dia ou o Colestipol 5 g, 3 vezes ao dia ou o Anti-histamínicos → naloxona 0,2 mcg/kg/minuto ou naltrexona 50 mg por dia por via oral ▪ Deficiência de vitaminas lipossoluveis em pacientes que evoluem com esteatorreia ▪ Osteoporose e osteomalácia: carbonato de cálcio 1.000-1.500 mg de cálcio diariamente e 1.000 unidades ao dia de vitamina D A maior parte dos pacientes vão apresentar seguimento ambulatorial, exceto naqueles que apresentem sinais de alarme que vão necessitar serem internados. Esses sinais são: a. Hipotensão b. Alteração do nível de consciência e sinais de encefalopatia hepática c. Febre e dor abdominal d. Sangramento (epistaxe, gengivorreia, hematêmese, hemoptise) e. Insuficiência respiratória