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Globalização, blocos regionais e geoeconomia Apresentação A globalização provocou transformações nos modos de viver de praticamente todos os povos do mundo. Esse fenômeno, expressão das trocas comerciais e financeiras globalizadas, é o que propicia tantos produtos e serviços de diferentes marcas multinacionais hoje. É também o que evidencia a fundamental desigualdade que cresce entre os mais ricos e os mais pobres, com influências reais no empobrecimento das pessoas atualmente. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai aprender mais sobre o que é a globalização a partir de sua contextualização como sistema histórico e econômico que liga as diferentes partes do globo hoje. Além disso, verá suas características em termos de produção e trabalho, bem como suas principais controvérsias. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar a globalização como um sistema histórico e mundial.• Descrever as políticas de produção e trocas no capitalismo global.• Identificar a relação entre blocos econômicos, organizações multilaterais e globalização. • Desafio As transformações provocadas pela globalização afetam a todos, pois estão presentes nas trocas comerciais e financeiras de todas as sociedades, proporcionando tanto benefícios quanto desvantagens. Entre essas desvantagens, estão as crescentes desigualdades sociais de pequenos agricultores e da classe trabalhadora em países emergentes. Imagine que você é um professor de geografia e está adotando a metodologia ativa do café controverso com seus alunos. A partir dessa conversa, alguns dos alunos não conseguem entender a seguinte frase: “a indústria agroquímica encolhe para ficar especialmente grande”. Dessa forma, explique para os alunos o que a frase quer dizer produzindo um pequeno texto explicativo, relacionando a afirmação com a globalização, a fim de ajudá-los quanto a essa dúvida e a deixar a resposta documentada. Infográfico Para desenvolver o comércio mundial, os países se organizam em diferentes organizações intergovernamentais, formalizadas a partir de acordos e tratados. Os blocos econômicos são a expressão da integração regional dos países. Veja, neste Infográfico, mais sobre os principais blocos econômicos e seu funcionamento. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/826f6803-c96b-4db4-aca7-a0bed20c0a23/3370b8b7-dcde-4a2f-9a7c-4adb3ac044d7.jpg Conteúdo do livro Que fenômeno é esse, a globalização? Diversos mitos cercam a temática, entre eles o de que está ocorrendo uma uniformização da cultura dos diferentes povos e uma homogeneização do cotidiano ao se abrirem as fronteiras dos países. Contudo, embora a globalização seja um fenômeno presente no mundo inteiro, não é uniforme, ou seja, não acontece da mesma forma em todos os locais. É possível verificar, no mundo globalizado, características econômicas, sociais e culturais diferentes a depender do local e da sua participação no mercado produtivo global, o que provoca consequências diretas na vida cotidiana, como nas formas de trabalho disponíveis. Você já ouviu falar de empresas multinacionais? Da “uberização” das formas de trabalho? E da “fuga de cérebros”? No capítulo Globalização, blocos regionais e geoeconomia, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você verá as principais características do fenômeno da globalização, por que ele não ocorre de maneira uniforme no mundo — mas produz e reproduz assimetrias e desigualdades —, além do impacto do mercado produtivo global na vida do trabalhador. Boa leitura. GEOGRAFIA POLÍTICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Analisar a globalização como um sistema histórico e mundial. > Descrever as políticas de produção e trocas no capitalismo global. > Identificar a relação entre blocos econômicos, organizações multilaterais e globalização. Introdução A geografia política busca interpretar o espaço como uma complexa arena de interesses, que não podem ser reduzidos aos dos atores econômicos e aos con- flitos de produção. Esses interesses obedecem à lógica econômica e às relações de poder das instituições políticas. Como as relações econômicas e de poder se tornaram globalizadas, não é mais possível analisar o mundo sem compreender o fenômeno da globalização. Embora muito difundido, tal fenômeno permanece por vezes obscuro, e cabe realizar um aprofundamento em seu significado, suas repercussões e suas controvérsias. Neste capítulo, você vai analisar de que forma a globalização se estabeleceu como um sistema histórico e mundial. Ainda, vai ver como ela se articula, em termos de produção global, a partir da compreensão dos conceitos de cadeias globais e vantagens comparativas. Por fim, vai estudar a noção de assimetria de poder a partir da globalização e suas controvérsias. Globalização, blocos regionais e geoeconomia Aline Lúcia Nogueira Medeiros Globalização: um sistema histórico e mundial O processo de globalização não é recente, e segundo Castro (2005, p. 215) “A maioria dos pesquisadores está de acordo que se acelerou após a década de 1970 com os avanços tecnológicos aplicados à informática e às telecomunica- ções e a maior disponibilidade de seu uso nas muitas esferas da vida social.” A globalização, processo de conexão entre os diferentes locais do mundo, se intensificou a partir do aumento das trocas comerciais e produtivas, seja na busca por matéria-prima (recursos), seja na procura por mão de obra (traba- lhadores) ou na disponibilização de novos produtos para consumo (mercado consumidor). A intensificação das trocas comerciais se deu não apenas pela redução dos custos de transporte a partir dos avanços tecnológicos na área, mas também por causa da redução dos custos de transação (impostos e taxas) e de coordenação da produção global (fragmentação) em razão das evoluções tecnológicas de informação e comunicação. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos (EUA), vencedores, disseminaram por todo o mundo, a partir de diferentes graus de intervenção, as regras do jogo liberal e a busca por lucro (capitalismo liberal). Por isso, outro fator de influência no aumento do comércio e na alteração do modo de organização produtiva foi a institucionalização das relações internacionais, por meio da criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e das insti- tuições de Bretton Woods (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional). Tais instituições reestruturaram a ordem econômica internacional em bases capitalistas liberais por meio de programas de estabilização, liberalização e privatização, que foram consolidados no chamado Consenso de Washington, em países latino-americanos, como o Brasil, e em todo o mundo. Elas, ainda, consolidaram instrumentos e práticas de diplomacia e trocas, permitindo que os países pudessem se relacionar a partir de um rol de orientações comuns. Dessa forma, o comércio internacional e a fragmentação da produção indus- trial foram impulsionados também pela redução de impostos de importação e de barreiras ao livre comércio. Assim, na década de 1990, houve o aumento do comércio de bens intermediários entre os países, o que indicava uma mudança no padrão produtivo. Por fim, o fenômeno do comércio global se intensificou ainda mais com a queda da União Soviética (URSS) e dos territórios socialistas, que se orga- nizavam pela ideia da distribuição das riquezas entre a população. Do lado vencedor estava o capitalismo liberal, que buscava o lucro e o favorecimento do comércio para acúmulo de riquezas (elite econômica). Dessa forma, a partir Globalização, blocos regionais e geoeconomia2 dos anos 1990, a ordem liberal e o comércio mundial, assim como a globali- zação, se consolidam. Se juntam, então, ao mercado mundial, duas grandes economias: China e Índia, agora abertas ao comércio e ao investimento. O fenômeno da globalização se deu, portanto,a partir do “Desenvolvimento de grandes empresas multinacionais, que aprofundaram suas atividades desenvolvidas internacionalmente, buscando novos mercados e a alocação racional de processos manufatureiros em outros países mediante a utiliza- ção da lógica de vantagens comparativas”, de acordo com Prata (2017, p. 31). Portanto, a história da globalização e do capitalismo se confundem, sendo este último o sistema que, com sua lógica estrutural, define as formas como a própria interconexão do mundo acontece. A globalização, como se deu e ainda acontece, é uma expressão das organizações produtivas capitalistas e sua busca por maximizar seus ganhos. O mundo tornou-se o ambiente das práticas comerciais trans e interna- cionais, modificando o papel do Estado-nação e trazendo consequências diretas para a vida do trabalhador e para a organização da sociedade. Afinal, é possível compreender as transformações nas vidas das pessoas a partir da intensificação da globalização? Roberta Rosa Prata (2017) afirma que a maximização dos ganhos comerciais das empresas e indústrias capitalistas só foi possível por meio da fragmen- tação produtiva, ou seja, da dispersão da produção em uma rede de países centrais e periféricos. Isso aumentou a capacidade de produzir e exportar produtos. Essa fragmentação permite que diferentes etapas da cadeia de confecção de um produto estejam alocadas em qualquer local do globo, desde que tal localização seja vantajosa para a empresa. Da mesma forma, o ramo dos serviços foi fragmentado e flexibilizado, tornando os vínculos entre a empresa e os trabalhadores prestadores de serviço mais flexíveis, ou seja, mais frágeis. Isso possibilita que as empresas possam contratar e demitir sob necessidade. Tanto a fragmentação quanto a flexibilização permitiram uma especialização flexível, em que cada empresa se torna especializada em uma única etapa da cadeia de produção ou de serviço. A globalização é a expressão da crescente multinacionalização das em- presas, da fragmentação das atividades produtivas, da terceirização da prestação de serviço e, consequentemente, do aumento do comércio de bens intermediários e do investimento estrangeiro, que formam vínculos transnacionais entre empresas e países (PRATA, 2017). Assim, Castro (2005) afirma que a reestruturação da economia a partir das transações entre empresas e países numa escala global requer modi- ficações e reajustes das funções de instituições públicas e privadas e, por Globalização, blocos regionais e geoeconomia 3 consequência, do papel do Estado. “O Estado ainda estabelece as regras da disciplina do trabalho e da apropriação dos excedentes nos limites do seu território, embora seu papel dirigente na economia nacional esteja, na maior parte dos países, enfraquecido frente ao radicalismo do liberalismo.”, conforme Castro (2005, p. 237). Ao estabelecer as regras do trabalho (legis- lação trabalhista), do uso de recursos naturais (legislação ambiental) e dos impostos (tributação), os Estados constituem, muitas vezes, as principais variáveis na geração de ganhos das empresas multinacionais. Para Castro (2005, p. 238), “Portanto, embora o capital esteja livre para voar, é o Estado quem fornece as condições para o seu pouso, revalorizando o território para manter antigos investimentos ou para atrair novos.” Dessa maneira, para que as intervenções estatais gerem efeitos duradouros em termos de vantagem competitiva, é preciso que o Estado garanta um ambiente mais favorável para a operação das empresas. E como ele pode fazer isso? Para a autora, seria por meio de melhorias na infraestrutura social e econômica, da qualificação dos recursos humanos, do sistema de financiamento tributário e, ainda, da estabilidade política (CASTRO, 2005). O próprio Estado-nação pode reconhecer a necessidade de produção e organizar o território para gerar vantagens competitivas, criando, assim, zonas econômicas e culturais, como o Vale do Silício (Figura 1), na Califórnia, nos EUA, e o Norte da Itália. Esses locais têm vários incentivos, como a fle- xibilização das leis, a proximidade de áreas de consumo ou de escoamento da produção, o encadeamento da produção entre diferentes empresas e o incentivo fiscal-tributário. Globalização, blocos regionais e geoeconomia4 Figura 1. Vale do Silício e suas principais empresas. Fonte: Adami (c2021). Na globalização, cresce o fluxo de mercadorias. Multinacionais se frag- mentam, e as etapas da produção ficam espalhadas pelo mundo. Há uma especialização flexível. O setor de serviços se flexibiliza, a contratação de empresas terceirizadas aumenta. Ainda assim, não existe uma uniformização do espaço terrestre. A diversificação do espaço pela ação das sociedades que o moldam ganha visibilidade por causa da disputa por vantagens competitivas. A vida das pessoas se transforma, seja pela ação das multinacionais, seja pela ação do Estado em busca de aumentar a competitividade. A dimensão política do trabalho também é profundamente afetada. O trabalhador per- deu o seu poder de barganha frente à possibilidade de deslocamentos da base produtiva — as chamadas vantagens comparativas — e aos avanços tecnológicos que poupam a mão de obra. A seguir, você verá como o mundo do trabalho revela as transformações da sociedade. Globalização, blocos regionais e geoeconomia 5 Quem empobrece no mundo globalizado? A crescente articulação do mercado entre territórios e empresas de dis- tintas nacionalidades e o aumento da circulação de mercadorias causam modificações nas formas de trabalho. A maior terceirização e fragmentação das atividades produtivas afeta diretamente a vida do trabalhador, ou seja, das classes populares. As sociedades utilizam o trabalho assalariado há três séculos — ou menos, como o Brasil, onde o trabalho escravo durou até o século XIX — como o principal meio de subsistência, mas, além disso, ele também serve como elemento constitutivo das relações sociais, da base da cidadania, da construção do cotidiano e da cultura dos indivíduos. As transformações no modelo de produção se evidenciam em quase todos os países do mundo, e o desemprego é uma marca estrutural das sociedades contemporâneas (GENNARI; ALBUQUERQUE, 2012). Assim, evidenciado por Gennari e Albuquerque (2012), existe a emergência de uma sociedade “pós- -emprego”, na qual os trabalhadores são prestadores de serviços que gerem a respectiva carreira e assumem, independentemente, os riscos da incerteza e da insegurança. A precariedade do emprego afeta de forma disseminada as diferentes faixas etárias e categorias profissionais e não se constitui como um mero fenômeno conjuntural (GENNARI; ALBUQUERQUE, 2012). Portanto, por um lado, há diversas situações de precariedade que, em última análise, tendem a afetar, sobretudo, mas não exclusivamente, os grupos populacio- nais mais vulneráveis e incapazes de reverter ciclos de precarização, seja em razão de um menor domínio da informação e de competências na sociedade tecnológica, seja pelas situações de discriminação, exploração e submissão (GENNARI; ALBUQUERQUE, 2012). Por outro lado, surgem novas categorias de trabalho, qualificadas e adaptáveis, nas correntes dos fluxos comerciais globais. Gennari e Albuquerque (2012) afirmam que essas “elites sociopro- fissionais” dominam as competências necessárias e os fluxos informativos essenciais para a preservação e a consolidação de seu poder e influência. A precarização — a qual está sujeita a maior parte da classe trabalhadora quando não desempregada — se relaciona à flexibilização, aos contratos a prazo, à prestação de serviços e à “uberização”, bem como a legislações laborais mais permissivas, que permitem ao empregador, por exemplo, mais facilidade para demitir o trabalhador ou para reduzir seu salário sem gastos extras (dimensão estrutural da precarização). A terceirização opera por meio da disseminação de empresas de prestação de serviços com trabalhadores permanentes, empresasde subcontratação com trabalhadores temporários ou agências de trabalho sazonal com trabalhadores em grande rotatividade. Globalização, blocos regionais e geoeconomia6 Para Gennari e Albuquerque (2012), tudo isso adiciona maior instabilidade à vida dos trabalhadores em regime de flexibilização. Assim, mesmo quando não há perda total da renda familiar, existem elementos de insegurança e risco para o trabalhador, como a extinção da garantia de continuar recebendo em face de uma emergência de saúde, a ausência de vínculo empregatício, o aumento do tempo de trabalho, a diminuição da aposentadoria etc. O desemprego também muda de perfil, e parte expressiva dele se transforma em desemprego de longa duração (GENNARI; ALBUQUERQUE, 2012). O desenvolvimento de forças produtivas deu origem, ainda, a fenômenos de proporções globais, como a “uberização” do trabalho. Tal termo se refere às práticas de organização do trabalho da empresa Uber que se alastraram para outros setores produtivos, como a educação e a saúde. Para realizar o transporte de passageiros ou objetos, a Uber desenvolveu uma plataforma digital disponível para celulares que conecta os clientes aos prestadores de serviços. Esses trabalhadores atuam como profissionais autônomos, sem qualquer vínculo empregatício, e assumem diversos riscos para oferecer o serviço. Eles precisam prover quase que todos os meios de produção neces- sários à execução da atividade (carro, combustível, entre outros). Não há qualquer proteção ao trabalhador nem aos meios de trabalho. Dessa forma, a empresa lucra com todas as viagens realizadas por meio do aplicativo sem arcar com qualquer despesa referente aos meios e aos instrumentos necessários para a execução do serviço. No contexto do mundo globalizado, a maioria dos trabalhadores empo- brece com o aumento da informalidade (perda de vínculo empregatício), da precarização e da terceirização. Além da perda efetiva de renda, a perda de direitos e segurança configura uma das dimensões da pobreza, pois causa no trabalhador uma insegurança em relação à capacidade de reprodução — alimentação, habitação, mobilidade etc. — a curto e médio prazo. Ainda, o desemprego estrutural coloca grande parcela da população em efetiva incapacidade de reprodução. Howton, Felsenthal e Young (2020) informam que, entre 1990 e 2015, a pobreza global caiu cerca de um ponto percentual por ano. Esse ritmo diminuiu para menos de meio ponto percentual por ano entre 2015 e 2017. O relatório também mostra que, ao contrário dos outros anos, o nível de prosperidade compartilhada diminuirá. Isso quer dizer que a renda média dos 40% mais pobres do mundo ficará menor. Os mais pobres empobrecem no mundo globalizado, assim como a maioria dos trabalhadores. Globalização, blocos regionais e geoeconomia 7 Como sobrevivem os mais pobres? Leia a dissertação Um estudo das estratégias de sobrevivência das famílias em extrema pobreza, de Leni Maria Pereira Silva. Políticas de produção e trocas no capitalismo global A ideia de globalização faz referência a uma profunda interdependência que rege as relações econômicas e políticas de qualquer país, colocando em evidência, diante do modelo de Estado soberanos, sinais de aprofundamento das formas de cooperação e de organização das nações (CASTRO, 2005). Dessa forma, quase todas as atividades do Estado estão submetidas a fenômenos tanto de internacionalização quanto de transnacionalização. Os fenômenos de internacionalização resultam das relações entre Estados e entre Estados e organizações internacionais, como a ONU e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Os fenômenos de transnacionalização são de natureza variada. Eles transpassam o Estado, independentemente de sua vontade. Alguns exemplos são o terrorismo, o tráfico de drogas, as pandemias e doenças em geral, os fluxos de informação, a difusão cultural etc. (CASTRO, 2005). A globalização aumentou, sem precedentes, os contatos entre os povos, que trazem consigo seus valores, ideias e modos de vida. Essa nova diversidade pode ser estimulante, mas também inquietante e incapacitante. Perante o aumento de imigrantes, muitas pessoas, tomadas por ideias pré-concebidas ou desconhecimento, receiam que o seu país natal esteja se fragmentando e que os seus valores estejam se perdendo. Esses pensamentos causam um aumento dos casos de xenofobia, que é a intolerância ou violência contra pessoas de nacionalidades ou etnias diferentes da sua. Assim, gerir a diversidade cultural tornou-se um dos principais desafios do mundo atual. Existem até mesmo padrões de consumo que se torna- ram mundiais: pesquisas de mercado já identificam preferências difundidas mundialmente por determinadas marcas, como Google, Nike, Coca-Cola, McDonald’s etc., ou por uma única cultura pop. Os movimentos culturais são complexos e dinâmicos e necessitam de estudos específicos para a composição de diferentes panoramas mundiais. Globalização, blocos regionais e geoeconomia8 Um estudo da Unesco mostra que o comércio de produtos com conteúdo cultural triplicou entre 1980 e 1991. Entre 2004 e 2008, o setor cresceu mais do que a previsão de crescimento da economia mundial em geral. O progresso dessa indústria tem sido observado mundialmente, e várias plataformas de entretenimento vêm sendo disseminadas, como a Netflix e a Amazon Prime Video. Para saber mais sobre o assunto, pesquise na internet sobre a indústria cultural. A globalização não deve ser vista como um processo homogêneo ou ho- mogeneizador capaz de levar à expansão e à uniformização de todas as so- ciedades. Pelo contrário, o que se observa é um processo de desenvolvimento social descontínuo, seletivo e excludente. A necessidade dos países e locais se manterem competitivos revela formas perversas de aproveitamento das diferenças. As empresas multinacionais só se deslocam para locais onde há mão de obra qualificada e barata e condições de infraestrutura disponíveis para produção (CASTRO, 2005). Castro (2005) afirma que, no mundo globalizado, existe uma economia informacional e global. Para que a economia pudesse funcionar em escala global, o papel da informatização foi decisivo. A economia informacional leva esse nome porque, de acordo com Castro (2005, p. 217) “A produtividade e a competitividade de unidades ou agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem basicamente de sua capacidade de gerar, pro- cessar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimento.” Ela também é global, pois seus componentes e agentes estão organizados nessa escala. Assim, a globalização atua de modo dinâmico na redefinição do tama- nho das empresas, nos tipos de produtos e nas novas parcerias. Fusões e terceirizações caminham em paralelo, e ambas existem para garantir a com- petitividade. “A terceirização possibilita maior flexibilidade e garante maior eficiência pela organização de uma logística de decomposição de etapas da produção, segundo regras da eficiência e velocidade, e sua recomposição, de acordo com as demandas do mercado.” (CASTRO, 2005, p. 232). O conjunto de empresas fragmentadas forma cadeias produtivas globais. Tais cadeias, segundo Prata (2017, p. 40), são o “Conjunto de atividades de input-output (entrada e saída) que firmas e trabalhadores desempenham para levar um produto de sua concepção até o consumidor final.” A fragmenta- ção, que encadeia a produção de bens e serviços, consiste na separação do processo de aquisição, de produção e de distribuição. Ela tem o intuito de Globalização, blocos regionais e geoeconomia 9 melhorar a produtividade e o lucro empresarial pela seleção de atividades nas quais existe maior vantagem competitiva (PRATA, 2017). Até o final da década de 1990, toda a produção de celulares foi reali- zada em economias avançadas. O aumento resultante da terceirização global mudou a produção para os países em desenvolvimento. Os cinco maiores exportadores — China, Coreia do Sul, Hong Kong,Vietnã e EUA — comandaram 74% das exportações mundiais em 2012, com a China representando metade delas. O resultado disso é que a produção de celulares hoje é agrupada em vários países da Ásia, como China, Coréia do Sul e Vietnã. Além disso, os nós-chave dos global value chains (GVCs) do celular são significativamente consolidados. As cinco empresas líderes representam mais da metade dos mercados globais em telefones celulares (56%), smartphones (60%), fabricação por contrato (75%) e sistemas operacionais de smartphones (99%). Duas empresas líderes controlam uma grande parte de cada mercado, como a Apple e a Samsung nos smartphones, o que dá origem a estruturas de mercado oligopolistas, de acordo com Roberta Rosa Prata em sua dissertação Participação de setores industriais brasileiros nas cadeias globais de valor (2000-2011). Nesse sentido, a nova organização em redes de produção dispersas permite a alocação de atividades de menor valor produtivo em países em desen- volvimento, com menor nível de remuneração salarial, enquanto os países desenvolvidos focam em atividades produtivas de maior valor. É também nos países desenvolvidos que ficam as sedes das empresas, onde se concentram os centros de decisão e poder. Por isso, embora atuem globalmente, as em- presas transnacionais preservam uma vinculação estatal com seus países de origem, majoritariamente desenvolvidos. Prata (2017) elenca dois tipos de forças que influenciam na alocação das atividades produtivas: as de dispersão e as de aglomeração. As forças de dispersão estão relacionadas à especialização vertical, ou seja, quando há busca por salários mais baixos, e à especialização horizontal, que busca ganhos de aprendizagem e escala. As forças de aglomeração estão relacio- nadas à tendência de regionalização do comércio, sobretudo por causa de sua influência pela oferta e demanda. Há, entre esses fatores, uma causali- dade circular: por parte da demanda, o tamanho do mercado e do PIB atrai empresas que objetivam proximidade de seus clientes; por parte da oferta, pode ser atrativa a presença de outras empresas do ramo e de uma ampla gama de fornecedores (PRATA, 2017). A autora afirma que alguns fatores podem influenciar a decisão alocativa. Enquanto a especialização e a possibilidade de fragmentação dependem das características setoriais, a decisão de localização e distribuição geográfica Globalização, blocos regionais e geoeconomia10 do processo produtivo é influenciada pelo tamanho do mercado local ou regional e por sua proximidade com mercados com consumidores de renda elevada, e isso acontece não apenas pelos custos de produção e comércio. Vale destacar que as empresas buscam as vantagens competitivas de de- terminado espaço geográfico com base em diversos fatores, como mão de obra, recursos naturais e capital financeiro (PRATA, 2017). Assim, há uma tendência de organização das empresas internacionais em redes geograficamente fragmentadas de produção e comércio, sejam elas regionais ou globais. Diversos fatores influenciam na organização geográfica da produção mundial, o que gera uma dinâmica nos elos de integração den- tro do setor produtivo relativa às ações e às articulações entre empresas, instituições e países. A fragmentação das atividades produtivas em diferentes países gera oportunidades e desafios para o desenvolvimento econômico destes, pois proporciona a possibilidade de especialização e desenvolvimento de com- petitividade em determinada etapa da cadeia produtiva. Tudo isso sem ser necessário o desenvolvimento de um setor inteiro (PRATA, 2017). Entretanto, é importante observar que existe um gap tecnológico muito grande entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. A assimetria entre países na geografia mundial tem cerne na diferença — ou desigualdade — tecnológica e decorre da divisão internacional de trabalho entre economias sede, localizadas em países desenvolvidos, e economias de fábrica, dispersas pelo mundo. O principal desafio dos países em desenvolvi- mento, como o Brasil, é a implementação de políticas econômicas e industriais que permitam a atração de investimento estrangeiro direto e sua inserção nas cadeias produtivas globais (PRATA, 2017). O Estado, de acordo com Prata (2017), tem papel importante na formulação e implementação de políticas públicas que facilitem a integração nas etapas da cadeia que possuem maior valor agregado, isto é, maior tecnologia. Contudo, os países desenvolvidos, munidos de vantagens comparativas de cunho tecnológico, buscaram se especializar em atividades produtivas que exigem maior qualificação e, portanto, possuem maior valor agregado. Os países em desenvolvimento, por sua vez, têm poucas chances de alteração do seu posicionamento na divisão internacional de trabalho, ou seja, de adentrar nas etapas da cadeia que possuem maior valor agregado. A inalterabilidade dessas posições, no decorrer das décadas, engendrou uma assimetria cada vez mais desproporcional entre a renda dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento, ainda que estejam todos integrados no contexto da globalização. Globalização, blocos regionais e geoeconomia 11 Conhecimento e economia A globalização fez surgir uma economia baseada no conhecimento, um dos fatores fundamentais na competitividade entre atores (empresas multina- cionais, países etc.). Por um lado, o conhecimento passou a ser determinado por uma lógica de competição no mercado global, sem lugar para a inves- tigação não lucrativa (RIBEIRO; POESCHL, 2013). Por exemplo, no combate à aids, apesar de a vacina ser comprovadamente mais eficaz na prevenção de doenças, a prioridade foi para o desenvolvimento de antirretrovirais, que permitem rentabilizar os investimentos. A sua produção a um custo mais baixo também foi impedida para evitar perda de lucros, mesmo sabendo que 95% das pessoas infectadas vivem em países em desenvolvimento (RIBEIRO; POESCHL, 2013). Outro exemplo é que apenas 0,1% do orçamento da pesquisa médica e farmacêutica mundial é destinado à malária, mas quase a totalidade dos 26,4 bilhões de dólares vão para o tratamento das doenças dos países ricos, com consumidores de alto nível (RIBEIRO; POESCHL, 2013). A globalização tem implicado na substituição da economia do trabalho pela economia do conhecimento (knowledge based economy), que se coloca como um mecanismo renovado de acumulação de capital. Ela aposta em processos de investigação e desenvolvimento, (re)qualificação dos recursos humanos ao longo da vida, consultorias, estudos de mercado e de níveis de satisfação, entre outros. Santos (2020, p. 39) afirma que: Essas técnicas da informação são apropriadas por alguns Estados e por algu- mas empresas, aprofundando assim os processos de criação de desigualdades. É desse modo que a periferia do sistema capitalista acaba se tornando ainda mais periférica, seja porque não dispõe totalmente dos novos meios de produção, seja porque escapa a possibilidade de controle. Nesse contexto, surge a nova categoria de trabalhadores do conhecimento, as elites socioprofissionais, que redimensiona o conceito de autogestão de carreira dos trabalhadores, considerada também, conforme Gennari e Albuquerque (2012, p. 70), como “[...] autogestão do conhecimento e da apren- dizagem, quer numa dimensão individual, quer coletiva ou organizacional.” Ou seja, os próprios trabalhadores, incentivados ou impulsionados pela estratégia das organizações ou empresas, devem construir e reconstruir continuamente a sua própria formação e conhecimento. Eles devem buscar incrementar a capacidade de organizar a informação que está ao seu dispor (codificada ou não), para responder de forma cada vez mais proficiente às questões complexas e imprevisíveis do mundo do trabalho. Na economia Globalização, blocos regionais e geoeconomia12 baseada no conhecimento, para Gennari e Albuquerque (2012, p. 70), “[...] os conhecimentos essenciais para os mercados globalizados transformam-seassim em mercadorias, em autênticos 'pacotes', que só nestes mercados possuem eficácia e valor de troca.” Nesse cenário em que o conhecimento se torna um elemento atrativo, um fenômeno particularmente importante é relacionado à transferência de recursos de capital humano de uma região (ou país) para outra: a fuga de cérebros (brain drain). Esse fenômeno acontece quando há a emigração de trabalhadores qualificados. Da Silva et al. (2011) apresentam três tipos de motivação para a fuga de cérebros; veja a seguir. � As desigualdades regionais entre o local de origem e o destino do migrante, sobretudo em relação às diferenças nas remunerações e nas condições sociais e de pesquisa. � As diferenças no mercado de trabalho em relação à demanda e à oferta de mão de obra qualificada. � A desigualdade entre os indivíduos. A migração de trabalhadores qualificados e altamente qualificados, espe- cialmente de países em desenvolvimento para países desenvolvidos, em busca de melhores remunerações e condições de pesquisa e trabalho evidencia a estagnação dos países no que se refere à divisão internacional do trabalho. Uma vez que as tecnologias de ponta e as pesquisas altamente qualificadas estão nos países desenvolvidos, resta aos trabalhadores altamente qualifi- cados fazer o deslocamento. Blocos econômicos, organizações multilaterais e a globalização Em relação à disseminação das práticas comerciais no cenário internacional, os EUA adotaram um papel de destaque, como já foi visto. Assim, os outros países do globo conceberam estratégias mais eficientes para fazer frente à competitividade global e à supremacia econômica da potência: os acordos regionais de cooperação internacional. Castro (2005, p. 258) afirma que a “[...] integração regional tem surgido como uma alternativa de negociação e de harmonização de práticas comerciais num conjunto reduzido de países vizinhos, mais fáceis e viáveis do que um conjunto mais amplo de nações.” Globalização, blocos regionais e geoeconomia 13 A tendência de formação de blocos regionais tem como objetivo a re- moção de barreiras de comércio entre os países participantes e a busca de mecanismos de cooperação e coordenação. Essa integração é feita em diferentes graus, podendo ser uma zona de livre co- mércio, onde os bens podem circular livremente, sem a existência de barreiras tarifárias e técnicas (padrões existentes), de saúde (controle sanitário), fiscais (impostos ou taxas discriminatórias) e físicas (controle de fronteiras), podendo chegar a uma união monetária, com a implementação de uma moeda única, e até a uma união política, com constituição unificada e regime de governo supranacional (CASTRO, 2005, p. 259). Embora o mercado, instituição central do processo de globalização, tenha se tornado mundial, não significa que os muros das fronteiras nacionais ou dos protecionismos foram derrubados, mas sim que nunca tantos produtos cruzaram oceanos e continentes. As barreiras estabelecidas pelos novos blocos nacionais ou pelos acordos comerciais objetivam, mais do que bloquear a circulação comercial e financeira, normatizar a competição em favor dos interesses comerciais particulares de cada país (CASTRO, 2005). A obtenção de uma melhor participação nas cadeias produtivas de valor depende, portanto, em parte, do arranjo geográfico de poder regional. Sob essa perspectiva, os formuladores de políticas públicas devem não ape- nas melhorar as instituições nacionais internas, mas também considerar o fortalecimento das instituições regionais. Nesse sentido, a autora aponta a possibilidade de aumento da competitividade industrial brasileira por meio da complementaridade produtiva regional no Mercosul, segundo Prata (2017), pois existe uma baixa participação do Brasil e dos países da América Latina nas cadeias produtivas globais, sobretudo em relação a setores que geram maior valor agregado. A possibilidade de fortalecimento regional é tida, em síntese, como uma oportunidade de maior participação nas redes produtivas globais para países em desenvolvimento, tendo em vista as vantagens comparativas de cunho tecnológico e de maior valor agregado dos países desenvolvidos e a inalte- rabilidade das posições dos países na divisão internacional de trabalho nas últimas décadas. Dessa forma, a criação de uma rede produtiva regional é considerada uma oportunidade, pois proporciona a possibilidade de espe- cialização e o desenvolvimento de competitividade em determinada etapa da cadeia produtiva, sem ser necessário o desenvolvimento de um setor inteiro. Globalização, blocos regionais e geoeconomia14 Quer saber mais sobre as cadeias produtivas globais no contexto latino-americano? Leia o artigo “Globalização de cadeias produtivas: implicações para o desenvolvimento da América Latina”, de Ricardo Lobato Torres e Douglas Campanini Maciel. Segundo Castro (2005), os resultados esperados de acordos de cooperação interestatais podem ser sintetizados como a seguir. � No plano interno, por meio do aumento da competitividade intrabloco e da criação de condições para uma maior eficiência dos setores pro- dutivos em razão da possibilidade de maior especialização em um elo da cadeia produtiva. Vale ressaltar que o crescimento das trocas entre os países membros possibilita a expansão da produção como consequência da economia de escala. � No plano externo, por meio da melhoria no poder de barganha in- ternacional em razão do maior tamanho do mercado. O aumento da produtividade intrabloco torna-o mais competitivo frente aos demais blocos ou aos demais países. No mercado global, como já foi discutido, os interesses econômicos, que explicam o padrão de comércio, atuam dentro de arranjos institucionais e são disciplinados por regras restritivas que constituem o sistema de comércio mundial. Essas regras englobam as práticas institucionais e políticas de cada país (CASTRO, 2005). A divisão internacional do trabalho sofre efeito dos novos padrões de competição do mercado mundial impulsionados por constantes inovações (cadeias globais de alto valor agregado), de forma que a produção manufatureira dificilmente é um motor para acumulação de riqueza. A vinculação do capital produtivo com o território é evidente: o globo nunca foi tão grande e disponível. As possibilidades logísticas e estratégicas de planejar a produção, aproveitando as vantagens locacionais de uma enorme multiplicidade de lugares, e as possibilidades abertas pela tecnologia e pela organização flexível ampliaram enormemente as escolhas para localização da produção (PRATA, 2017). O espaço produtivo internacional propicia a li- bertação das pesadas normas e tributos impostos pelos governos nacionais sobre as matrizes das grandes empresas, o que torna esse capital cada vez mais desnacionalizado, ainda que as empresas multinacionais continuem ostentando ligações com seus países de origem. Globalização, blocos regionais e geoeconomia 15 Fusões de empresas, ampliação da participação dos recursos oriundos de fundos de pensão e a forte presença do capital financeiro despersonalizam o capital produtivo, criando uma situação de capitalismo sem a figura em- blemática do capitalista (CASTRO, 2005). Dessa forma, as maiores polêmicas sobre a globalização giram em torno do capital financeiro e das grandes corporações e do modo como ambos utilizam a seu favor os avanços tecno- lógicos em detrimento de outras esferas da vida social, como o trabalho e o meio ambiente (CASTRO, 2005). O sistema financeiro é parte integrante e importante de qualquer sociedade econômica. O mercado financeiro pode ser definido como o conjunto de instituições e de instrumentos destinados a oferecer alternativas de aplicação e de captação de recursos financeiros. Ele pode ser dividido em quatro segmentos: mercado monetário, mercado de câmbio, mercado de capitais e mercado de crédito. Para mais informações, leia o livro Mercados financeiros, de Ronaldo Presente. A inserção dos paísesna nova organização produtiva mundial, que se baseia em concorrência, competitividade e diferenças remunerativas, tem gerado um processo de distribuição de riqueza assimétrica entre os países. Outro fator apontado dentro dessa perspectiva é a alta concentração das empresas denominadas líderes (sede) em países desenvolvidos. Conforme Prata (2017, p. 39), “Empresas líderes conduzem as decisões estratégicas sobre a fragmentação produtiva, sobre o que deve ser produzido, como e por quem deve ser feita a produção.” O processo da globalização não é singular. Pelo contrário, ele reúne um conjunto contraditório de processos que operam de maneira antagônica e afetam o sistema político e o território. São problemas do processo de glo- balização nos moldes capitalistas: a crescente desigualdade na distribuição de riquezas, o aprofundamento da diferença das condições de sobrevivência das populações, o aumento da pobreza e da pobreza extrema, a perda da qualidade de vida do trabalhador, o alastramento de doenças, o aumento da fome, entre outras. Esses problemas intensificam conflitos que, mesmo regionalizados, colocam em risco o equilíbrio do sistema internacional. Veja a seguir as características mais evidentes do novo cenário das trocas globalizadas: � Aumento da competitividade e da velocidade de circulação da infor- mação, do capital e das mercadorias. Globalização, blocos regionais e geoeconomia16 � Fim da hegemonia comercial americana e entrada de novos competi- dores globais, como o Japão e a Europa Ocidental. � Busca de novas alianças construídas por blocos comerciais e pelos acordos bilaterais de trocas. � Fragmentação da produção. � Flexibilização e precarização das condições de trabalho. O espaço da competição global se fragmenta e incorpora territórios de periferia, mas faz surgir novos territórios de exclusão, incapazes de fazer frente às exigências de competitividade (CASTRO, 2005). Quem enriquece no mundo globalizado? A fragmentação da produção em nível global, a flexibilização e terceirização dos serviços têm configurado a globalização da economia por meio da for- mação de cadeias produtivas globais. Tais cadeias unem diferentes etapas fragmentadas, flexibilizadas e especializadas da produção. Os arranjos possí- veis entre os elos das cadeias são inúmeros. Entretanto, algumas tendências prevalecem. Com a busca pela maximização dos ganhos das empresas, o aumento do capital permite com que elas comprem concorrentes ou outras empresas componentes desse elo. Assim, acontece a formação de oligopólios entre as empresas multinacionais. As empresas globais possuem filiais nos mercados mais importantes e, desse modo, conseguem, por meio do comércio intrafirma, uma vantagem competitiva no comércio mundial. O objetivo da maximização dos ganhos é a acumulação de riqueza. Por isso, as principais empresas multinacionais em cada setor, especialmente aquelas em formação de oligopólios ou monopólios, possuem cada vez mais investimentos e vantagens competitivas, o que gera mais riqueza e assim por diante. Dessa forma, quem enriquece no mundo globalizado são aqueles que já são ricos. O aumento da desigualdade é uma realidade global e a concentração de renda atinge níveis recordes no mundo (TEMPO DE CUIDAR, 2020). Em 2019, os bilionários do mundo, que somavam apenas 2.153 pessoas, detinham, juntos, mais riqueza do que 4,8 bilhões de outras pessoas juntas. Os bilionários, desvinculados da figura dos capitalistas pelo mercado financeiro e pela fragmentação das cadeias produtivas, permanecem invisíveis nesse sistema. A maioria da população (em torno de 99,9%) se digladia em rixas e conflitos políticos, sociais e econômicos, ao passo que os Estados realizam um governo para sobrevivência pautado na inserção em cadeias produtivas globais por meio de vantagens competitivas. Elas repercutem diretamente Globalização, blocos regionais e geoeconomia 17 na piora de vida da população e no enriquecimento dos invisíveis bilionários, os grandes vencedores da globalização. Um relatório da UNDESA (2020) aponta que as pessoas que ocupam o 1% do topo da pirâmide de rendimentos são as mais beneficiadas pela globalização econômica. Entre 1990 e 2015, a porcentagem de riqueza global acumulada por essas pessoas aumentou. No outro extremo, as pessoas que ocupam os 40% da base da pirâmide de rendimentos ganham menos de 25% de toda a riqueza produzida anualmente, o que aumenta a desigualdade a cada ano. Por fim, é importante repensar a forma como a globalização tem intensi- ficado a pobreza, ao mesmo tempo em que contribui para o maior acúmulo de riquezas daqueles que já são ricos. Em Tempo de cuidar (2020), é apontado que um tributo adicional de 0,5% sobre a riqueza do 1% mais rico nos próxi- mos 10 anos equivale aos investimentos necessários para criar 117 milhões de empregos em setores como o de educação, saúde e assistência ao idoso, além de eliminar déficits na prestação de cuidados. Referências ADAMI, A. Vale do Silício. InfoEscola: Navegando e Aprendendo, c2021. Disponível em: https://www.infoescola.com/informatica/vale-do-silicio/. Acesso em: 22 jan. 2021. CASTRO, I. E. 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Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Globalização, blocos regionais e geoeconomia 19 Dica do professor A globalização é um fenômeno complexo, que envolve inúmero ceonceitos fundamentais para a compreensão da geografia. Entretanto, o ensino da disciplina tem se pautado na transmissão do conceito como forma de simplificar a aprendizagem. Nesta Dica do Professor, você vai conferir como trabalhar a temática da globalização a partir de atividades protagonizadas pelos alunos que favorecem a aprendizagem. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/0323ad5d6901bb5f42d3385e6243aa07 Exercícios 1) “Hoje, no Fórum Econômico Mundial, tem gente que diz que o sistema econômico não é mais o capitalismo. O capital não é, necessariamente, o mais importante fator de produção. O sistema econômico mundial chama de talentismo. O talento é o fator determinante de produção” – afirmou Marcos Troyjo, que falou por videoconferência de Xangai, onde está a sede do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Nesse sentido, a globalização pode ser caracterizada como um: A) fenômeno único e isolado na história mundial, caracterizado pela exponencial capacidade de as pessoas trocarem entre si. B) processo homogêneo e homogeneizador, que levaria à expansão e à uniformização em todas as sociedades. C) regime global meritocrático, cujo desenvolvimento depende principalmente do talento das empresas para expandir. D) processo de desenvolvimento social seletivo e excludente, que gera uma equalização no empobrecimento mundial. E) fenômeno de articulação entre empresas, países e organizações internacionais, que afeta o mundo inteiro, mas não da mesma forma. 2) Entre as várias alegações contrárias ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE), a mais determinante é a de que ele contribuirá para o desflorestamento da Amazônia, o aumento na emissão de gases estufa e a consequente deterioração dos direitos indígenas. Isso porque o livre-comércio causará um aumento na demanda europeia por madeira, minérios e produtos agropecuários brasileiros. De forma secundária, alega-se também que o acordo promoverá uma situação de concorrência desleal no mercado europeu em favor dos produtos agropecuários brasileiros, cujos custos de produção são mais baixos do que os europeus, uma vez que as normas sociais, trabalhistas, sanitárias e ambientais vigentes no Brasil são menos rígidas. Assim, os blocos econômicos são favoráveis ao crescimento, pois: A) facilitam a flexibilização das leis trabalhistas e ambientais, bem como a fragmentação industrial devido ao aumento das vantagens comparativas. B) influenciam na alocação (localização) das atividades produtivas de dispersão e de aglomeração, propiciando apenas a especialização vertical das empresas. C) os Estados dependem basicamente da sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimento. D) geram o aumento da competitividade intrabloco e a melhoria no poder de barganha internacional devido ao tamanho maior do mercado. E) propiciam a liberação das pesadas normas e tributos impostos pelos governos nacionais, tornando esse capital cada vez mais desnacionalizado. 3) No mundo globalizado, há uma tendência de as empresas internacionais se organizarem em redes geograficamente fragmentadas de produção e comércio (regionais ou globais). Diversos fatores influenciam na organização geográfica da produção mundial, promovendo uma dinâmica nos elos de integração dentro do setor produtivo relativa às ações e articulações entre as empresas, as instituições e os países. A organização das empresas em redes geograficamente fragmentadas é chamada de: A) integração regional. B) vantagens comparativas. C) join venture. D) trustes e cartéis. E) cadeias produtivas. 4) No mundo globalizado, a possibilidade de fragmentação (distribuição geográfica dos diferentes elos das cadeias produtivas) influencia as decisões locacionais das empresas, que buscam as vantagens competitivas de determinado espaço geográfico em relação comparativa, com base em diversos fatores, como mão de obra, recursos naturais e capital financeiro. Nesse sentido, de forma geral, o Estado deve propiciar vantagens comparativas para receber diferentes elos das cadeias produtivas por meio: A) da (re)qualificação dos recursos humanos, da criação de consultorias, da elaboração de estudos de mercado e de níveis de satisfação, entre outras medidas. B) da melhoria na infraestrutura social e econômica, da qualificação dos recursos humanos, do sistema de financiamento e tributário e, ainda, da estabilidade política. C) das fusões de empresas, da ampliação da participação dos recursos oriundos de fundos de pensão e do inventivo a uma forte presença do capital financeiro internacional. D) do aumento da competitividade, das trocas comercias globais e da velocidade de circulação da informação, do capital e das mercadorias no território nacional. E) da intensificação da assistência social e de programas de habitação social, reforma agrária e da criação de legislações trabalhistas e ambientais mais rígidas. 5) A globalização tem implicado a substituição da “economia do trabalho” pela “economia do conhecimento” (knowledge based economy), que se coloca como um mecanismo renovado de acumulação de capital, apostando em processos de investigação e desenvolvimento, (re)qualificação dos recursos humanos ao longo da vida, consultorias, estudos de mercado e de níveis de satisfação, entre outros aspectos. Nesse sentido, a globalização é caracterizada: A) pela rápida e crescente diminuição da dependência tecnológica dos países em desenvolvimento. B) pela grande melhoria social e, também, pela extinção de problemas importantes, como o desemprego em todo o mundo. C) pela necessidade de autogestão do conhecimento e da aprendizagem, individual, coletiva ou organizacionalmente. D) pela substituição da divisão do mundo pela união entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. E) pela integração de culturas distintas mediante a desconcentração espacial da produção. Na prática No mundo globalizado, as empresas buscam as vantagens competitivas de determinado espaço geográfico em relação comparativa, com base em diversos fatores, como mão de obra, recursos naturais e capital financeiro. Veja, Na prática, o caso de uma professora que deve dar exemplos reais de instalação de empresas multinacionais no Brasil e de suas vantagens oferecidas. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Observatório do regionalismo Quer saber mais sobre a integração regional?Acompanhe as notícias e os principais estudos no Observatório do Regionalismo, criado por alunos do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP) e vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Mudança tecnológica e dinâmica industrial nas economias em desenvolvimento da América Latina e Ásia Entenda as principais diferenças entre o desenvolvimento dos países latino-americanos e asiáticos. Como os países asiáticos integraram cadeias produtivas de alto valor agregado a partir do investimento em tecnologias? Leia o artigo “Mudança tecnológica e dinâmica industrial nas economias em desenvolvimento da América Latina e da Ásia”, de Cesar Stallbaum Conceição (2014). Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Globalização por Milton Santos — O mundo global visto do lado de cá “O mundo global visto do lado de cá”, documentário do cineasta brasileiro Sílvio Tendler, discute os problemas da globalização sob a perspectiva das periferias. O filme é conduzido por uma entrevista com o geógrafo e intelectual baiano Milton Santos, gravada 4 meses antes de sua morte. http://observatorio.repri.org http://200.198.145.164/index.php/indicadores/article/view/3046 Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Globalização e blocos econômicos Assista a este vídeo, que explica mais sobre a relação da globalização com os blocos econômicos e como tudo isso afeta a sociedade atual. Confira. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Comunicação intercultural e cidadania em tempos de globalização Este artigo reúne bases conceituais e reflexões sobre os temas de comunicação e poder, comunicação intercultural, cidadania, novas formas de cidadania e diversidade cultural no contexto da globalização e da era digital. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/embed/-UUB5DW_mnM https://www.youtube.com/embed/qzZtAoasoeY http://www3.eca.usp.br/sites/default/files/form/biblioteca/acervo/producao-academica/002864684.pdf
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