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GEOGRAFIA POLÍTICA AULA 6 Prof. Pedro Vicente de Castro 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, você será introduzido a conceitos e técnicas úteis para a realização de análises que envolvem espaço geográfico. Você será introduzido a noções básicas sobre mapas e informações que eles apresentam, bem como a alguns de seus estilos mais populares. Você também será introduzido a técnicas de análise de dados espaciais que vão além da visualização gráfica e oferecem medidas objetivas da existência de padrões geográficos. Você ainda será alertado a respeito de algumas armadilhas comuns que enfrentamos ao lidar com dados agregados de acordo com unidades geográficas. Por fim, você será apresentado a alguns softwares populares para a análise de dados em geral e de dados espaciais em particular, bem como fontes de dados, tanto em geral quanto espaciais. Para realizar análises que envolvem espaço geográfico, tão importante quanto saber utilizar essas ferramentas é saber qual papel o espaço desempenha na explicação do fenômeno que nos interessa. Sendo assim, é por esse tópico que começamos a discussão. TEMA 1 – PAPEL DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NAS EXPLICAÇÕES Explicações de fenômenos sociais envolvem teorias. Em ciências sociais, teorias são histórias sobre por que as pessoas se comportam da maneira como se comportam. Elas partem de premissas sobre suas motivações e sobre como a situação em que fazem escolhas as influenciam a fazê-las em um sentido e não em outro. O propósito da pesquisa empírica é coletar informações que permitam a formulação de tais teorias ou analisá-las para verificar se as teorias existentes são consistentes com a realidade. O espaço geográfico pode entrar de diversas formas na formulação dessas teorias. Em geral, essas formas envolvem proximidade geográfica. A ideia é que pessoas que estão próximas entre si tendem a se comportar de uma maneira mais semelhante do que pessoas que estão distantes entre si. Isso é uma instância do que o geógrafo Waldo Tobler (citado por Leonardi, 2013) chama de primeira lei da Geografia: “todas as coisas são relacionadas com todas as demais, mas aqueles que estão próximas entre si são mais relacionadas do que aquelas que estão distantes”. Na ciência política, um exemplo de dinâmicas desse tipo são os chamados efeitos contextuais. Quando há efeitos contextuais, variáveis no nível dos 3 indivíduos não são suficientes para explicar seu comportamento. Indivíduos com as mesmas características se comportam de maneira diferente em virtude do contexto no qual estão inseridos. Um exemplo é o chamado efeito de vizinhança nos estudos sobre comportamento eleitoral. Efeito de vizinhança se refere à hipótese de que o comportamento do eleitor é influenciado pelo comportamento dos seus vizinhos. O mesmo eleitor teria uma probabilidade maior de votar no partido A do que no partido B em uma vizinhança que apoia mais A do que B e vice-versa em uma vizinhança que apoia mais B do que A. A noção de efeitos contextuais é controversa. Enquanto alguns autores, como o geógrafo John Agnew (1996), argumentam que eles existem e são importantes, outros discordam. O cientista político Gary King (1996) argumenta que, se indivíduos com as mesmas características se comportam de maneira diferente, isso não indica que há efeitos contextuais, mas viés de variável omitida: há alguma característica desses indivíduos que é importante para explicar seu comportamento que deixamos de fora da nossa análise. A resposta é identificar quais são essas características. A explicação do comportamento ainda permaneceria nas características individuais. Independentemente de quem esteja correto nessa controvérsia, quando lidamos com dados espaciais ou espacializados, é importante pensar se/como o espaço influencia o fenômeno que queremos explicar. Ele realmente é importante por si só ou as variáveis não espaciais já dão conta de tudo? TEMA 2 – MAPAS Mapas são representações gráficas de um conjunto de informações ou, como cientistas sociais costumam dizer, dados. Mapas podem representar tanto dados espaciais quanto dados não espaciais. Dados espaciais são aqueles com características intrínsecas ao espaço geográfico, como área, distância ou relevo, bem como atividades humanas associadas ao território, como a localização de edifícios. Dados não espaciais são características que, a princípio, independem do espaço em que se encontram A maior parte dos dados políticos, econômicos ou sociais com os quais trabalhamos são dados não espaciais, como número de votos, custo de vida ou a implementação de uma política pública. Contudo, podemos atribuir características espaciais aos dados não espaciais para analisá- los em função do espaço. Por exemplo, podemos agregar os votos de uma 4 eleição desde o nível da urna até o nível municipal ou estadual. Ou então calcular o custo de vida em uma região da cidade ou no município inteiro. 2.1 Tipos de mapa, projeções e coordenadas Como já dito, mapas são representações gráficas de dados. Os dados são elementos fundamentais que os mapas apenas apresentam de maneira visual. Diferentes mapas se distinguem em diversos aspectos. Um deles é a maneira como os dados que são apresentados no mapa são organizados. Nessa dimensão, mapas podem ser do tipo raster ou do tipo vetorial. Em mapas raster, cada pixel da imagem corresponde a uma unidade de informação no conjunto de dados original. Esses dados são organizados em uma grade, com n colunas por n linhas, em que a informação contida em cada célula corresponde a um pixel no mapa. Mapas extremamente detalhados, criados com base em imagens de satélite, com informações topográficas, costumam ser desse tipo. No caso de mapas vetoriais, os dados são organizados em uma tabela (ou algum objeto com formato de tabela). Para cada linha da tabela (ou unidade de observação) há coordenadas que associam as informações que ela contém a um ponto do mapa. Uma coluna traz as coordenadas na dimensão horizontal e outra as coordenadas na dimensão vertical. Cada linha pode conter várias informações que são associadas a um mesmo ponto. Utilizando-se desses pontos, é possível representar linhas e polígonos. Mapas são representações em duas dimensões, isto é, planas. Mas a Terra não é plana, ela tem um formato semelhante a uma esfera. E não é possível converter a superfície de uma esfera em uma área plana. Por isso, todo mapa é uma adaptação da realidade a uma superfície bidimensional, plana. Essas adaptações podem ser feitas de diferentes formas, que são conhecidas como projeções cartográficas. Sendo uma adaptação, toda projeção envolve alguma distorção em relação à realidade. Essa distorção pode ser de área, ângulo, forma, distância e direção. Sendo assim, mapas são soluções de compromisso que visam a preservar alguma característica da realidade que nos interessa, em prejuízo das demais. Uma projeção equivalente ou de igual área, por exemplo, preserva as áreas analisadas. Já uma projeção conforme preserva os ângulos, distorcendo menos as formas que outras projeções. E uma projeção azimutal preserva as distâncias em relação ao ponto em que ela é centrada. A mais famosa projeção da Terra é provavelmente a de Mercator, que adapta o 5 globo a um cilindro. Isso preserva as características das regiões próximas à linha do equador, enquanto distorce drasticamente as daquelas próximas aos polos norte e sul. Dado que toda representação bidimensional da Terra envolve distorções, diferentes representações geram diferentes coordenadas para um mesmo ponto na realidade. Por isso, existem diferentes sistemas de referência de coordenadas (SRC ou CRS, na sigla em inglês) correspondentes a diferentes representações bidimensionais da Terra. Um SRC é composto por um ponto de origem, uma elipse e um datum.Há diferentes data, produzidos por diferentes órgãos e com diferentes finalidades. Aquele que traz a representação mais acurada do território brasileiro é o SIRGAS 2000, utilizada em mapas oficiais. Outros data comumente utilizados para mapas do Brasil são os SAD69 e Córrego Alegre, a que o SIRGAS 2000 sucedeu. 2.2 Estilos de mapa Em mapas, podemos usar pontos, linhas, polígonos e outras formas para representar uma série de informações diferentes. A escolha de algumas formas para representar determinadas informações constitui estilos consagrados. Um desses são os mapas coropléticos. Nesse estilo de mapa são atribuídas cores a áreas como bairros, municípios ou países, de acordo com os níveis de uma variável categórica ou contínua. É de praxe usar diferentes cores no caso de uma variável categórica e variações no tom de uma única cor no caso de uma variável contínua. Essas duas escolhas ainda podem ser combinadas para mostrar simultaneamente uma variável categórica e uma contínua. Por exemplo, é possível atribuir uma cor para os municípios em que determinado partido ganhou a eleição e outra para aqueles em que perdeu e ainda variar o tom dessas duas cores de acordo com a margem de vitória ou derrota. Mapas de pontos mostram a localização de algum objeto, evento ou outro fenômeno de interesse. Já mapas de símbolos proporcionais mostram os níveis de uma variável associada a pontos no espaço (por exemplo, o número de habitantes por município). Mapas de pontos, ao mostrarem a localização de algum fenômeno de interesse, também mostram, indiretamente, sua concentração. Mas mapas isopléticos, ou de calor, fazem isso de maneira direta. Em vez de pontos, eles mostram linhas que conectam os pontos no espaço onde há um mesmo nível de concentração do fenômeno, as chamadas isolinhas. Além 6 disso, o espaço entre diferentes isolinhas é preenchido com cores que variam de acordo com nível de concentração do fenômeno (por exemplo, o número de crimes cometidos na extensão do território de um município). Cartogramas são mapas que distorcem a forma e o tamanho das áreas de acordo com o nível de uma variável associada às áreas (por exemplo, a população dos estados brasileiros). Já mapas de fluxo indicam o movimento de algum elemento, como pessoas, mercadorias ou informações, no espaço por meio de linhas. Por fim, os diagramas de Voronoi são representações gráficas de áreas construídas de acordo com um critério específico. Seu ponto de partida é um mapa de pontos. Um diagrama de Voronoi divide o espaço em um número de polígonos igual ao número de pontos, de forma que cada polígono contém apenas um ponto. O critério específico que caracteriza os diagramas de Voronoi é que qualquer outro ponto dentro do polígono estará mais próximo do ponto original contido naquele polígono do que de qualquer outro ponto original contido nos demais polígonos. TEMA 3 – TÉCNICAS DE ANÁLISE ESPACIAL Como já dissemos, mapas são uma representação gráfica de dados espaciais ou espacializados. A associação dos dados a um ponto, linha ou polígono no espaço é, portanto, uma condição necessária de sua confecção. Em mapas vetoriais, isso é feito por meio de coordenadas. Essa informação, contudo, nem sempre está pronta para ser utilizada. Mas é possível recuperá-la de outras informações. Mapas permitem que observemos visualmente padrões geográficos na distribuição de objetos, eventos ou outros fenômenos de interesse. Mas nossos olhos podem nos enganar. Temos a tendência de identificar padrões visuais mesmo quando eles não existem. A identificação de padrões visualmente tem um elemento de subjetividade que pode nos induzir a erro. Por isso, o ideal é utilizar técnicas que retornam medidas objetivas sobre o aspecto geográfico do fenômeno de interesse. 3.1 Georreferenciamento, distância e vizinhança A técnica para recuperar as coordenadas de latitude e longitude de uma unidade de observação é chamada de georreferenciamento ou geocodificação. 7 Para utilizá-la, é necessário ter alguma outra informação que associe a unidade a um ponto do espaço, como o endereço. Serviços on-line, como o Google Maps, permitem que se obtenham as coordenadas de um endereço. Isso pode ser feito manualmente ou de maneira automatizada, com rotinas programadas em softwares de análise de dados. Ter as coordenadas das unidades de observação é uma condição necessária não apenas para a confecção de mapas vetoriais, mas também para outras tarefas úteis, como cálculos de distância e confecção de matrizes de vizinhança. A medida espacial mais elementar é a distância entre dois pontos, linhas ou polígonos associados a um fenômeno. Isso é facilmente computável em softwares de análise de dados. Uma medida um pouco mais complexa é a vizinhança, a qual mede a relação entre duas unidades de observação que são associados a diferentes elementos no espaço. Ela pode ser uma variável categórica, simplesmente indicando que as duas unidades são ou não são vizinhas, ou uma variável contínua, indicando o quão intensamente relacionadas essas duas unidades são. Essa informação, para todas as unidades de observação, é organizada em uma matriz de vizinhança ou matriz de pesos espaciais, em que a primeira linha e a primeira coluna indicam a unidade de observação e os restantes das células o nível de vizinhança para cada par de unidades. Matrizes de vizinhança ou de pesos espaciais podem ser construídas com base em diferentes critérios de vizinhança. Um possível critério é a distância entre as unidades, unidades mais próximas entre si sendo mais intensamente relacionadas do que unidades mais distantes entre si (na prática, é necessário transformar a variável distância, de forma que as unidades mais próximas entre si apresentem valores mais altos e não mais baixos). Um critério comum é a contiguidade, que se aplica a unidades associadas no espaço a polígonos e produz uma medida categórica. De acordo com esse critério, são consideradas vizinhas de uma unidade todas aquelas cujos polígonos são contíguos ao dela no espaço. Outro critério popular é o dos k vizinhos mais próximos (k-nearest neighbors). De acordo com esse critério, são considerados vizinhos de uma unidade todas as k unidades com as menores distâncias em relação a ela, sendo k um número definido pelo pesquisador. Outro critério é aquele que considera vizinhas a uma unidade todas a unidades com distâncias em relação a ela 8 inferiores a um valor fixo. Em outros termos, todas as unidades estão dentro de um raio de distância fixo. Esses são só alguns exemplos. Matrizes de vizinhança podem ser construídas de inúmeras formas diferentes. 3.2 Dependência espacial Matrizes de vizinhança são utilizadas em análises estatísticas que consideram a possibilidade de dependência espacial entre as unidades de observação. Um pressuposto comum de análises estatísticas é que os valores de uma variável em diferentes unidades de observação são independentes entre si, isto é, o valor em uma unidade não influencia o valor em outra. Isso pode ser falso na realidade. Uma das maneiras com que isso pode acontecer é quando o valor da variável em uma unidade influencia o valor dessa mesma variável em uma unidade vizinha. É isso que chamamos de dependência espacial. Uma medida de dependência espacial é a autocorrelação espacial. Correlação é uma medida de associação entre a maneira como duas variáveis variam entre diferentes unidades de observação. Valores positivos indicam que elas variam da mesma forma: quando uma aumenta em uma unidade, a outra também aumenta na mesma proporção. Valores negativos indicam o contrário: quando uma aumenta, a outra diminui. E valores próximos do zero indicam que elas não são correlacionadas. Autocorrelação mede o quão associada uma variável é consigo mesma (por isso auto) em unidades vizinhas.Medidas de autocorrelação podem ser globais, medindo a dependência espacial no conjunto dos dados, ou locais, medindo o quanto uma variável em uma observação específica é correlacionada consigo mesma nas unidades vizinhas. As medidas locais são chamadas de indicadores locais de associação espacial ou LISA (sigla do nome em inglês: local indicator of spatial association). A medida mais popular de autocorrelação é o I de Moran. Como acontece com medidas de correlação, como a de Pearson, valores positivos indicam autocorrelação positiva: quando a variável aumenta em uma unidade, ela também aumenta nas unidades vizinhas. Valores negativos indicam autocorrelação negativa: quando a variável aumenta em uma unidade, ela diminui nas unidades vizinhas. Valores próximos a zero indicam ausência de autocorrelação. O LISA pode ser calculado utilizando-se a mesma técnica envolvida no I de Moran, e o resultado recebe a mesma interpretação. 9 Outra análise de dependência espacial é a regressão espacial. Regressão linear é uma técnica muito popular em ciências sociais para analisar a relação entre duas variáveis. Ela retorna coeficientes, que correspondem à mudança na variável dependente ou resposta associados a uma mudança de uma unidade na variável independente ou explicativa. Regressão linear é um tipo de análise em que é comum pressupor que os valores de uma variável em diferentes unidades de observação são independentes entre si. Mas isso pode ser falso na realidade. Regressão espacial é uma técnica de regressão linear que considera a possibilidade de dependência espacial entre as unidades de observação. Há dois modelos básicos de regressão espacial: defasagem espacial (spatial lag) e erro espacial (spatial error). O primeiro modela os valores da variável resposta como uma função em parte dos valores dela mesma nas unidades vizinhas. O segundo modela os valores do termo de erro como uma função dos valores dele mesmo nas unidades vizinhas. A escolha entre qual dos dois modelos utilizar deve ser fundamentada em teoria. Modelos de defasagem espacial são apropriados quando acreditamos que há um processo de difusão na realidade: os valores da variável em uma unidade influenciam os valores dela mesma nas unidades vizinhas. Por exemplo, podemos acreditar que ter vizinhos democráticos aumenta a probabilidade de que um país seja ele mesmo democrático. Já modelos de erro espacial são apropriados quando acreditamos que as unidades vizinhas se comportam de maneira semelhante, mas por outra razão que não sabemos identificar de antemão. Por isso, modelos de erro espacial são teoricamente menos interessantes. Frequentemente eles apenas indicam que não incluímos no modelo alguma variável que explica o comportamento semelhante das unidades vizinhas, isto é, que há o que se chama em estatística de viés de variável omitida. TEMA 4 – ARMADILHAS COMUNS Frequentemente, os dados espaciais ou espacializados com os quais trabalhamos são agregados, ou seja, cada unidade de observação não corresponde a um único objeto, evento ou fenômeno de interesse, mas a um conjunto deles associado a uma unidade espacial, como um bairro, um município ou um estado. Nesses casos, é preciso tomar cuidado ao tirar conclusões sobre 10 o nível individual com base nos dados no nível agregado e vice-versa. Em particular, é preciso estar alerta para três problemas em potencial: falácia ecológica, falácia atomista ou composicional e problema de unidade de área modificável. Às vezes, observamos um padrão no nível agregado e somos tentados a concluir que ele também é observado no nível individual. Contudo, isso pode não ser verdade. Quando concluímos erroneamente que um padrão no nível agregado se repete no nível individual, cometemos a chamada falácia ecológica. Por exemplo, nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, os candidatos do Partido Republicano costumam ganhar nos estados mais pobres, enquanto os do Partido Democrata costumam ganhar nos estados mais ricos. Baseados nesse dado agregado, podemos ficar tentados a concluir que os eleitores mais pobres tendem a votar nos candidatos do Partido Republicano, enquanto os mais ricos tendem a votar naqueles do Partido Democrata. Mas o dado agregado é compatível com outros dois padrões no nível individual: que não haja relação entre renda e preferência partidária (todos os eleitores dos estados mais pobres são mais propensos a votar no Partido Republicano e os dos estados mais ricos naqueles do Partido Democrata, independentemente da renda); e que quanto maior a renda de um eleitor, mais propenso ele é a votar no Partido Republicano e vice-versa. Na realidade, esse é o padrão observado no nível individual: o partido republicano tende a ir melhor nos estados mais pobres, mas dentro desses estados são os eleitores mais ricos que têm maior propensão a votar no partido. Às vezes, somos tentados a fazer o contrário: observar um padrão no nível individual e concluir que ele também é observado no nível agregado. Mas isso também pode não ser verdade. Quando concluímos erroneamente que um padrão no nível individual se repete no nível agregado, cometemos a chamada falácia atomista ou composicional. O exemplo sobre a relação entre renda e preferência partidárias nas eleições presidenciais nos Estados Unidos é pertinente aqui também. Como vimos, quanto maior a renda de um eleitor, mais propenso ele é a votar no Partido Republicano e vice-versa. Levando em conta esse dado no nível individual, podemos ficar tentados a concluir que os estados mais ricos tendem a votar nos candidatos do Partido Republicano, enquanto os mais pobres tendem a votar naqueles do Partido Democrata. Mas, como já vimos, isso não é verdade. 11 Nesse exemplo, conclusões sobre o nível individual com base no agregado são tão equivocadas quanto conclusões sobre o nível agregado baseadas no individual. No primeiro caso, cometemos a falácia ecológica; no segundo, a falácia atomista ou composicional. O mesmo dado no nível individual pode ser agregado de acordo com diferentes unidades de área. Votos, por exemplo, podem ser agregados por urna, município, estado etc. Às vezes, nossas conclusões podem variar de acordo com a unidade de área escolhida. Trata-se do problema da unidade de área modificável (MAUP, na sigla em inglês). Esse problema pode ter duas fontes. A primeira é a escala da unidade de área: ao agregar em um nível inferior ou superior, podemos chegar a conclusões diferentes. Votos, por exemplo, podem ser agregados por urna ou por município, levando-nos a conclusões diferentes. A segunda fonte é a partição da unidade de área. No caso do problema originado na escala, todas as unidades no nível inferior são contidas na unidade de nível superior. Mas diferentes unidades de área também podem repartir o mesmo espaço de maneiras diferentes e isso também pode nos levar a conclusões diferentes. Indicadores de saúde do município de São Paulo, por exemplo, podem ser agregados por subprefeitura ou por macrorregiões da saúde. Essas duas unidades repartem o município de São Paulo de maneiras diferentes. Uma não contém a outra e vice-versa. TEMA 5 – FERRAMENTAS Nesta seção, vamos recomendar algumas ferramentas para análise de dados e, em particular, para análise de dados espaciais. Essas ferramentas são de dois tipos. Primeiramente, softwares de análise de dados e de dados espaciais. Alguns deles são conhecidos como sistemas de informação geográfica (GIS, na sigla em inglês). Em segundo lugar, fontes de dados e de dados espaciais. 5.1 Softwares O ArcGIS é um sistema de informação geográfica produzido pela Esri. Trata-se, provavelmente, do software de GIS mais completo para o usuário médio, e com farto material de instruções de uso disponível on-line e em bibliotecas. Seu uso é bastante intuitivo, permitindoque o usuário abra dados 12 espaciais, conduza análises e produza visualizações. É um software pago, ao contrário de outros listados nesta seção. Saiba mais Acesse o link a seguir para obter mais informações sobre o ArcGIS: ArcGIS On-line. Disponível em: <https://www.esri.com/pt- br/arcgis/products/arcgis-on-line/overview>. Acesso em: 19 fev. 2021. O QGis é um software livre (ou seja, que permite acesso e uso de qualquer pessoa a seu código fonte) de GIS, que desempenha funções semelhantes à do ArcGIS. Ele é distribuído gratuitamente, produzido por diversos desenvolvedores voluntários, que mantêm o programa atualizado. O QGis tem versões em português, pode ser usado em diversos sistemas operacionais e costuma demandar menos capacidade operacional da máquina. Ele também é de fácil uso e possui uma comunidade on-line bastante ativa, facilitando a resolução de dúvidas. Saiba mais Para maiores informações e download do programa, você pode acessar o link a seguir: QGIS – Um Sistema de Informação Geográfica livre e aberto. Disponível em: <https://qgis.org/pt_BR/site/>. Acesso em: 19 fev. 2021. O GeoDa também é um software livre (portanto, gratuito), mantido atualmente pela Universidade de Chicago, cujo foco principal é a análise e a modelagem de dados espaciais, sendo muito usado para o cálculo de autocorrelação espacial (mas que também pode ser usado para a produção de visualizações de mapas temáticos, como mapas coropléticos). Infelizmente, ele só possui versões em inglês. Contudo, para aqueles que se sentem confortáveis com a língua, é uma boa opção para as análises mencionadas anteriormente, pois é bastante intuitivo e veloz. Saiba mais O download do programa pode ser feito acessando o link a seguir: GEODA – An Introduction to Spatial Data Analysis. Disponível em: <http://geodacenter.github.io/>. Acesso em: 19 fev. 2021. 13 O TerraView é um software GIS criado pela Divisão de Processamento de Imagens do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), sendo livre e gratuito. Ele permite a manipulação de dados espaciais, além da realização de diversas operações com eles. Como se trata de um software desenvolvido por um órgão do Estado brasileiro, ele tem versão em português. Ele também conta com diversos usuários pelo país, que produzem materiais de auxílio, muitos deles disponíveis na internet. Saiba mais Para mais informações, acesse o link a seguir: TERRALIB AND TERRAVIEW WIKI PAGE. Disponível em: <http://www.dpi.inpe.br/terralib5/wiki/doku.php>. Acesso em: 19 fev. 2021. O MapInfo é um software de GIS pago, produzido pela Pitney Bowes Software, com versões em português. Há uma comunidade ativa de usuários de MapInfo no Brasil, que disponibiliza vídeos e cursos sobre o software, que podem ajudar os iniciantes. Saiba mais Maiores informações sobre o programa podem ser encontradas acessando o link a seguir: PRECISILY. Disponível em: <https://www.precisely.com/about-us/pitney- bowes-software-and-data?utm_medium=Redirect-PB&utm_source=Direct- Traffic>. Acesso em: 19 fev. 2021. O Stata é um software (pago) de análise de dados estatísticos, produzido pela StataCorp., muito utilizado em todo o mundo na área de ciências sociais. Apesar disso, não são muitos os usuários habituais do Stata que conhecem alguns dos pacotes que permitem carregar e manipular dados espaciais, além de produzir análises e visualizações neste programa. Dentre esses pacotes, existem o spmap, o shp2dta (compatível com dados no formato Esri shapefile) e o mif2dta (compatível com dados no formato MapInfo Interchange). Para aqueles que já fazem uso desse software, conhecer esses pacotes é uma boa opção (eles também contam com fóruns on-line de dúvidas). 14 Saiba mais Para maiores informações sobre o Stata, acesse o link a seguir: STATA. Disponível em: <https://www.stata.com/>. Acesso em: 19 fev. 2021. Por fim, o R é uma linguagem de programação e também um software (livre e gratuito) que vem ganhando cada vez mais usuários, especialmente nas ciências sociais. Apesar de menos intuitivo para usuários iniciantes, o potencial de seu uso é enorme, uma vez que ele possibilita a produção de dados e análises espaciais e as mais diversas visualizações, exigindo menos capacidade computacional do computador e permitindo a automatização de rotinas (como a produção de centenas de mapas a partir de um único bloco de código). Uma das principais novidades neste software nos últimos anos foi a criação do pacote sf (simple features), que facilitou enormemente o trabalho com dados espaciais no R. Saiba mais Para download do R e outras informações, acesse o link a seguir: R. The R Project for Statistical Computing. Disponível em: < https://www.r- project.org/>. Acesso em; 19 fev. 2021. 5.2 Dados O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fornece gratuitamente arquivos espaciais com mapas de todo o país, em diferentes subdivisões e períodos de tempo. Saiba mais Esses arquivos podem ser acessados pelo link a seguir: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Visualize mapas. IBGE, [S.d.]. Disponível em: <https://mapas.ibge.gov.br/bases-e- referenciais/bases-cartograficas.html>. Acesso em: 19 fev. 2021. O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (também conhecido como Atlas Brasil) é uma plataforma de consulta de informações relacionadas ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) para todo o país. Podemos 15 acessar essas informações tanto diretamente quanto fazendo o download dos dados pelo site. Os mapas disponibilizados na plataforma vêm com essas informações incluídas como variáveis. Saiba mais O Atlas Brasil foi desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fundação João Pinheiro (FJP-MG) e pode ser acessada pelo link a seguir: ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL. Disponível em: <https://atlasbrasil.org.br/>. Acesso em: 19 fev. 2021. O IPEA Data é uma plataforma criada pelo IPEA que organiza e disponibiliza (em diferentes formatos) uma ampla variedade de dados macroeconômicos, regionais e sociais do país, em nível municipal, estadual e nacional. Essas informações podem ser associadas em mapas para a realização de análises espaciais. Saiba mais A plataforma está disponível acessando o link a seguir: IPEADATA. Disponível em: <http://ipeadata.gov.br/>. Acesso em: 19 fev. 2021. O Centro de Estudos da Metrópole (CEM-USP) é um grupo de pesquisa interdisciplinar, sediado na Universidade de São Paulo. O CEM-USP disponibiliza tanto mapas prontos quanto diversos conjuntos de dados (espaciais ou espacializáveis). Para acessar esses dados, o usuário somente precisa fazer um cadastro gratuito. Saiba mais Para conhecer o site do CEM-USP, acesse o link a seguir: CENTRO DE ESTUDOS DA METRÓPOLE. Disponível em: <http://centrodametropole.fflch.usp.br/pt-br>. Acesso em: 19 fev. 2021. O site da INDE centraliza uma série de dados espaciais brasileiros, dos mais diversos assuntos, que estão disponíveis para acesso e download pelos usuários. Os dados podem ser acessados no site: https://inde.gov.br/ 16 O repositório de dados eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) centraliza uma série de dados eleitorais brasileiros, como aqueles de candidaturas, eleitorado ou resultados. Saiba mais Eles também são de livre acesso por meio do link a seguir: TSE – Tribunal Superior eleitoral. Repositório de dados eleitorais. TSE, [S.d.]. Disponível em: < https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio- de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-dados-eleitorais>. Acesso em: 19 fev. 2021. O Cepesp Data é uma plataforma desenvolvida pelo Centro de Política e Economia do Setor Público (CEPESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que organiza,cataloga e disponibiliza em formatos mais amigáveis uma série de dados disponibilizados pelo TSE. Dentre eles, estão disponibilizados mapas eleitorais de cada candidato, produzidos pelo Cepesp. Saiba mais A plataforma do Cepesp Data está disponível acessando o link a seguir: CEPESP DATA. Disponível em: <https://cepespdata.io/>. Acesso em: 19 fev. 2021. O Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) disponibiliza uma grande quantidade de dados sobre diferentes aspectos da saúde no Brasil. Saiba mais Esses dados podem ser encontrados no site: DATASUS. Transferência da arquivos. Datasus, [S.d.]. Disponível em: <http://datasus.saude.gov.br/transferencia-de-arquivos/>. Acesso em: 19 fev. 2021. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), autarquia vinculada ao Ministério da Educação, também produz e disponibiliza dados referentes à educação no Brasil, dentre eles o Censo Escolar, o Censo da Educação Superior, além de informações sobre o ENEM e o ENADE. 17 Saiba mais A plataforma de dados abertos do INEP pode ser encontrada acessando o link a seguir: INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Dados abertos. Inep, [S.d.]. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/dados>. Acesso em: 19 fev. 2021. NA PRÁTICA A equipe de visualização de dados do jornal digital Nexo faz um excelente trabalho de produzir gráficos e mapas bastante atrativos visualmente, trazendo várias informações relevantes sobre fenômenos políticos e sociais da atualidade. Os mapas seguem os princípios apresentados nesta aula e podem ser uma boa fonte de informação ou inspiração. Saiba mais Todos os materiais desta equipe podem ser encontrados acessando o link a seguir: NEXO. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/grafico/>. Acesso em: 19 fev. 2021. A equipe de dados do jornal O Estado de São Paulo produziu um especial chamado Como votou sua vizinhança?, utilizando dados das eleições de 2018 e combinando técnicas como georreferenciamento e diagramas de Voronoi. Com isso, eles criaram pequenas vizinhanças e mostraram, tanto em matérias quanto em um mapa interativo, como essas regiões em todo o país votaram em 2018. Saiba mais Para conhecer esse especial, acesse o link a seguir: MENEGAL, R.; LAGO, C. de. Como votou sua vizinhança? Explore o mapa mais detalhado das eleições. O Estadão, 27 out. 2018. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/infograficos/politica,como-votou-sua-vizinhanca- explore-o-mapa-mais-detalhado-das-eleicoes,935858>. Acesso em: 19 fev. 2021. 18 FINALIZANDO Nesta aula você foi introduzido a conceitos e técnicas úteis para a realização de análises que envolvem espaço geográfico. Antes de tudo, discutimos a importância de saber qual papel o espaço desempenha na explicação do fenômeno que nos interessa. Na sequência, você foi introduzido a noções básicas sobre mapas e as informações que eles apresentam, bem como a alguns estilos populares de mapas. Você também foi introduzido a técnicas de análise de dados espaciais que vão além da visualização gráfica e oferecem medidas objetivas da existência de padrões geográficos. Você ainda foi alertado a respeito de algumas armadilhas comuns que enfretamos ao lidar com dados agregados de acordo unidades geográficas. Por fim, você foi apresentado a alguns softwares populares para a análise de dados, em geral, e de dados espaciais, em particular, bem como fontes de dados, tanto em geral quanto espaciais. 19 REFERÊNCIAS AGNEW, J. Mapping politics: how context counts in electoral geography. Political Geography, v. 15, n. 2, p. 129–146, 1996. KING, G. Why context should not count. Political Geography, v. 15, n. 2, p. 159– 164, fev. 1996 LEONARDI, I. Mapeamento de intenções geográficas. MundoGeo, 15 fev. 2013. Disponível em: <https://mundogeo.com/2013/02/15/geomarketing- 3/#:~:text=Waldo%20Tobler%2C%20conhecido%20por%20ter,coisas%20mais %20pr%C3%B3ximas%20est%C3%A3o%20mais>. Acesso em: 19 fev. 2021.
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