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HISTÓRIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA PROFA. MA. ISABELLA CAROLINE JANUÁRIO Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-Reitoria Acadêmica Maria Albertina Ferreira do Nascimento Diretoria EAD: Prof.a Dra. Gisele Caroline Novakowski PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Alan Michel Bariani Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Fernando Sachetti Bomfim Marta Yumi Ando Olga Ozaí da Silva Simone Barbosa Produção Audiovisual: Adriano Vieira Marques Márcio Alexandre Júnior Lara Osmar da Conceição Calisto Gestão de Produção: Cristiane Alves © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Sócrates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande responsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a sociedade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conhecimento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivência no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de qualidade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mercado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR 33WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................5 1. ARQUITETURAS NO SÉCULO XIX: O ECLETISMO .................................................................................................6 1.1 PANORAMA HISTÓRICO INTERNACIONAL E NACIONAL ....................................................................................6 1.2 ECLETISMO NA ARQUITETURA DESENVOLVIDA NO BRASIL NO SÉCULO XIX ............................................... 7 1.2.1 O NEOCLÁSSICO NO BRASIL ..............................................................................................................................8 1.2.2 O NEOCOLONIAL: ARQUITETURA E TRADIÇÃO .............................................................................................. 10 2. MODERNISMOS E MODERNIDADES: OS CONCEITOS E IMAGENS .................................................................. 11 2.1 MODERNIZAÇÃO E ARQUITETURA ...................................................................................................................... 11 2.2 IMAGENS DE UMA ARQUITETURA E CIDADE MODERNISTA ......................................................................... 13 3. LE CORBUSIER E O BRASIL ................................................................................................................................... 15 ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA NO INÍCIO DO SÉCULO XX PROFA. MA. ISABELLA CAROLINE JANUÁRIO ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: HISTÓRIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA 4WWW.UNINGA.BR 3.1 A VIAGEM DE 1929 ................................................................................................................................................. 15 3.2 A VIAGEM DE 1936 ................................................................................................................................................ 15 4. O MODERNISMO PIONEIRO NO BRASIL: GREGORI WARCHAVCHIK ............................................................... 17 4.1 ARQUITETOS ESTRANGEIROS ............................................................................................................................. 17 4.2 GREGORI WARCHAVCHIK: A CASA NA RUA SANTA CRUZ (1927-1928) ......................................................... 18 5. A FORMAÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA: LÚCIO COSTA ...................................................... 19 5.1 ATUAÇÃO E TEXTOS: UMA APROXIMAÇÃO IDENTITÁRIA ............................................................................... 19 5.2 POR UMA ARQUITETURA MODERNA E BRASILEIRA ....................................................................................... 21 5.3 DOIS PROJETOS REPRESENTATIVOS .................................................................................................................23 6. BURLE MARX ..........................................................................................................................................................24 6.1 TRAJETÓRIA E CARACTERÍSTICAS PROJETUAIS ..............................................................................................24 6.2 O PROJETO DA PRAÇA E JARDIM MODERNISTA .............................................................................................26 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................................28 SUMÁRIO DA UNIDADE ..............................................................................................................................................29 5WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Este material foi pensado para contribuir com a compreensão sobre a formação da arquitetura moderna do Brasil no início do século XX. Iniciemos este processo buscando reconhecer os seus precedentes arquitetônicos, como no caso da arquitetura eclética, desenvolvida no País no século XIX. Entenderemos por que esse estilo arquitetônico passou a ser excluído do vocabulário projetual dos profissionais com as novas demandas econômicas, políticas e sociais que incidiram no País com o início do novo século. Para isso, aproximaremos os conceitos de Modernismos e Modernidades para explicar tais transformações em curso, bem como as imagens por eles produzidas ou invocadas. Analisaremos o papel seminal das viagens ao Brasil em 1929 e 1936, do arquiteto francês Le Corbusier, para o desenvolvimento dessa arquitetura moderna no Brasil. Compreenderemos a importância do arquiteto russo Gregori Warchavchik, que, ao migrar para o Brasil, em 1923, trouxe consigo um repertório modernista bastante atualizado com o que se discutia no cenário europeu — materializado na primeira casa modernista no Brasil, em 1928. Revelaremos o papel fundamental de Lúcio Costa para a formação da arquitetura moderna brasileira, expressa em suas obras emblemáticas para o contexto de identidade nacional. Por fim, entenderemos como essas ideias modernas brasileiras foram adaptadas para o projeto paisagístico por meio das obras de Burle Marx. Sendo assim, neste primeiro momento, para que todo esse processo se desenvolva de modo agradável, buscaremos aproximar esse conteúdo histórico para estabelecer bases teóricas para a compreensão do projeto arquitetônico e paisagístico que se configurou no Brasil no final do século XIX e início do século XX, por meio da espacialidade, dos materiais, dos sistemas construtivos empregados, das relações históricas e sociais que essa arquitetura estabeleceu. 6WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. ARQUITETURAS NO SÉCULO XIX: O ECLETISMO O ecletismo apresentou-se como uma doutrina filosófica estruturada a partir de meados do século XIX, que se propôs a garantir maior liberdade de escolha para os artistas sobre o que se considerava melhor ou positivo no campo das artes e do pensar, abandonandodogmas com aqueles cânones estabelecidos pelo repertório clássico. Na arquitetura e nas artes plásticas, o ecletismo foi incorporado a partir de 1840, em diversos polos culturais europeus. Na França, ocorria uma reação contra a monotonia classicista, como nas obras renascentistas e barrocas. Com uma profusão de novas doutrinas, houve a gradativa melhora dos meios de comunicação e, principalmente, o auge do processo industrial com os múltiplos produtos no mercado, mais acessíveis a um número cada vez maior de consumidores. O ecletismo se popularizou, transformando também a composição arquitetônica. Essa arquitetura tinha por característica se voltar a fontes antigas como modelos para suas edificações, servindo-se de uma ampla variedade de estilos históricos (ROTH, 2017), o que resultou na retomada do classicismo romano e grego e da arquitetura medieval, gótica e egípcia. 1.1 Panorama Histórico Internacional e Nacional Quase todos os aspectos da civilização ocidental moderna têm alguma influência das avassaladoras transformações culturais que tiveram início no século XVIII. Esse período é frequentemente chamado de “A Era das Revoluções” (HOBSBAWM, 2015): a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1775-1783); a Revolução Francesa (1789-1794); e a Revolução Industrial, em curso na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX, substituindo o trabalho artesanal pelo assalariado, com o uso das máquinas. No Brasil, esses fatos foram relevantes para impulsionar mudanças estruturais nos campos político, econômico e cultural. Com a Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte invade Portugal, e o Rei Dom João VI decide partir para a colônia brasileira em 1808, com toda a sua corte. Com isso, o poder político de Portugal também foi transferido para o Brasil, sendo o Rio de Janeiro a capital da sede do governo. Uma série de transformações ocorreu para modernizar a metrópole. Uma delas foi a chegada da Missão Artística Francesa e a criação da Academia Imperial de Belas Artes, em 1816. Os artistas da Missão Artística Francesa pintavam, desenhavam, esculpiam e construíam à moda europeia. Obedeciam ao estilo neoclássico, ou seja, um estilo artístico que propunha a volta aos padrões da arte clássica (greco-romana), da Antiguidade e do Renascimento. Entre eles, estavam os artistas Jean Baptiste Debret e Nicolas Antoine Taunay. A partir das suas gravuras, é possível reconhecer os aspectos sociais, etnográficos e as paisagens urbanas e rurais do Brasil colonial. 7WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 1 – Um jantar brasileiro (1827). Fonte: Debret (1827). Entre os artistas migrantes, estava o arquiteto Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny (1776-1850), fundador da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e primeiro titular da cadeira de arquitetura. Fruto do modelo do ensino de Escola de Belas Artes, os profissionais procuraram se alinhar aos estilos europeus e excluíram o barroco colonial português. O objetivo era propor uma arquitetura que demonstrasse a majestosidade e o equilíbrio do espírito francês, principalmente em sedes governamentais como assembleias legislativas e tribunais (BRUAND, 2012, p. 34). 1.2 Ecletismo na Arquitetura Desenvolvida no Brasil no Século XIX No Brasil, costuma-se englobar sob o rótulo “neoclássico” todos os edifícios onde se pode notar o emprego de um vocabulário arquitetônico cuja origem distante remonta à Antiguidade greco-romana. Portanto, o que se convencionou chamar de neoclassicismo, na realidade, não passa de uma forma de ecletismo, em que é possível encontrar, justapostos, todos os estilos que utilizam colinas, cornijas e frontões, da Renascença Italiana ao Segundo Império Francês (BRUAND, 2012, p. 33) 8WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.2.1 O neoclássico no Brasil Devido às influências originárias da Europa através de arquitetos e engenheiros de diferentes formações, a volumetria neoclássica no Brasil acabou se manifestando através de quatro soluções principais (MENDES et al., 2011, p. 70). A primeira solução é a adoção de pórticos com ordens superpostas, com dois ou três pavimentos de altura, enquanto o restante permanecia apenas com o térreo. Um exemplo é a fachada da Academia Imperial de Belas Artes, proposta por Grandjean de Montigny, em 1926. Figura 2 – Planta e fachada da Academia Imperial de Belas Artes (1826). Fonte: Neves (2021). O terreno destinado à construção da Academia era estreito e inserido na malha urbana colonial da cidade. A planta baixa retomava os princípios clássicos de simetria e ordem na composição. Ela era composta por um grande retângulo, ocupando praticamente todo o lote. No térreo do corpo central, estava localizada a grande entrada para o vestíbulo por meio do qual se acessava a biblioteca do pavimento superior através de uma escada localizada à esquerda. A segunda solução foi a adoção do pórtico de mesma altura do restante do edifício, com uma nítida influência clássica paladiana, com os pórticos sob o frontão triangular no mesmo plano da fachada principal. Um exemplo é a Casa do Conde de Itamaraty, no Rio de Janeiro, proposta pelo arquiteto José Jacinto Rebelo, em 1854. Figura 3 – Casa do Conde de Itamaraty, Rio de Janeiro (1854). Fonte: Grua (2021). 9WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A terceira solução é quando o pórtico frontal avança além do alinhamento do prédio, protegendo os passageiros dos coches e carruagens. O partido adotado retoma os templos romanos. Tem-se como exemplo o Palácio Imperial de Petrópolis, de 1845. Figura 4 – Palácio Imperial de Petrópolis (1845). Fonte: Gasparetto Junior (2021). A quarta e última solução é o partido mais próximo ao templo. Com uma linguagem mais simplificada, esse modelo teve pouca aplicação no País. Um dos exemplos é a Igreja Nossa Senhora da Glória, do Largo do Machado, no Rio de Janeiro. Figura 5 – Igreja Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, Rio de Janeiro. Fonte: Bafafá (2019). 10WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.2.2 O neocolonial: arquitetura e tradição No movimento de revivalismo a que se propôs o ecletismo, uma orientação que se destacou no começo do século XX no Brasil foi o neocolonialismo. A campanha neocolonial no Brasil foi impulsionada por um pensamento fortemente marcado pelo nacionalismo, em um contexto de eventos importantes, como o Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil, Exposição do Centenário do Rio de Janeiro, em 1922, quando alguns dos principais pavilhões foram projetados dentro do espírito neocolonial e, no mesmo ano, a Semana de Arte Moderna, em São Paulo (AMARAL, 1994; SEGAWA, 1998; MELLO, 2007; SILVA, 2019). Esta última mobilizou, no Teatro Municipal, artistas plásticos e escritores como Anitta Malfatti, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Víctor Brecheret e o compositor Heitor Villa-Lobos. Vale lembrar que, diferentemente do neoclassicismo, no contexto de desenvolvimento do neocolonial do final do século XIX e início do século XX, o Brasil já havia declarado a Proclamação da República (1889) e se apoiava em uma filosofia positivista, de uma identidade distante do caráter monárquico. Tal orientação nacionalista do movimento se explicita, entre outros aspectos, na defesa das manifestações artísticas tradicionais como expressões de identidade nacional e elementos de constituição da arte e arquitetura realmente brasileira. Os arquitetos que se engajaram nessa causa foram principalmente o português Ricardo Severo, o francês Victor Dubugras e Lúcio Costa, que adere ao movimento entre 1917 e 1930. Um exemplar emblemático para se identificarem as premissas da arquitetura colonial foi o projeto de Ricardo Severopara a sua própria residência em Guarujá, São Paulo (1922) (Figura 6). O caráter da residência provinha do emprego sistemático de elementos da arquitetura civil portuguesa dos séculos XVII e XVIII: as varandas sustentadas por simples colunas toscanas, telhados planos com largos beirais feitos de telhas-canal, uso de rótulas, muxarabis e azulejos fabricados diretamente em Porto (BRUAND, 2012, p. 53). A planta, por sua vez, revelava uma complexidade maior, permitindo recuos volumétricos e vãos maiores graças à técnica construtiva contemporânea. Figura 6 – Residência do arquiteto Ricardo Severo (1922), Guarujá, São Paulo. Fonte: Bruand (2012). 11WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O neocolonial, na prática, afirmou-se como uma variação do ecletismo, buscando eleger um estilo mais adequado para o fim que tinha. O perfil distinto da retórica do neocolonial é o tempero nacionalista, o repertório sistematizado das formas do colonial brasileiro ou do barroco ibérico enquanto indicador de manifestação nacional, no lugar de regras clássicas (SEGAWA, 1998). Esse pensamento contribuiu para introduzir no Brasil um debate para a arquitetura como indicadora de identidade e nacionalidade, seminais para a noção de arquiteta moderna “e” brasileira que veremos adiante. 2. MODERNISMOS E MODERNIDADES: OS CONCEITOS E IMAGENS A revolução industrial e a modernização social acelerada colocaram a arquitetura e o planejamento urbano em uma nova situação no final do século XIX e início do século XX, sob o ponto de vista cultural, territorial e de técnicas construtivas (FRAMPTON, 2015). Surgiram novas esferas para a vida privada e para a conformação das cidades a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial, que colocou em xeque a arquitetura palaciana, eclética e a velha cultura urbana, com a abertura de ferrovias e com a revolução da rede de transporte. Para entender como o cenário se conformou no início do novo século, é fundamental entender a diferença entre os conceitos que contribuíram para explicá-lo: moderno, modernismo, modernidade e modernização. 2.1 Modernização e Arquitetura O termo moderno vem do Latim modus e faz referência àquilo que é hodierno, ou seja, dos tempos recentes. O conceito de modernismo se refere a um estilo, uma maneira e um feitio. No nosso caso, faz referência ao movimento moderno, entendendo-o como um estilo. Esse conceito está relacionado a um conjunto de características da forma e dos motivos ornamentais que distinguem determinados grupos de objetos de acordo com a época e o modo de fabricação. Nessa perspectiva, o termo modernidade, para o filósofo alemão Jürgen Habermas, em “O Discurso Filosófico Da Modernidade” (2000), é entendido como um processo intelectual de refletir a organização social e modos racionais de pensamento, considerando a liberdade do mito, da religião, da superstição, libertação do uso arbitrário do poder e o lado sombrio da natureza humana. O termo modernização, por sua vez, diz respeito aos processos sociais que dão vida a um turbilhão de novos processos industriais, tecnológicos, sociais, políticos e econômicos. Portanto, modernização está vinculada a um processo de desenvolvimento (BRUNA, 2002). Em resumo, temos: 12WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 7 – Resumo explicativo sobre as diferenças conceituais. Fonte: A autora. Portanto, observa-se que as ideias de modernização, desenvolvimento e industrialização foram fundamentais para embasar o pensamento da arquitetura modernista. As transformações técnicas em curso no final do século XIX e início do século XX, principalmente vinculadas à engenharia estrutural, revelaram novos materiais, como o ferro, o vidro, o aço e o concreto. Apresentaram também novos métodos de construção como os pré-fabricados e os pré-moldados. No Brasil, essa arquitetura ganhou forma acompanhando o processo de modernização das cidades e indústrias e, também, principalmente com as visitas ao País do arquiteto francês Charles Edouard Jeanneret, conhecido como Le Corbusier, o maior representante do pensamento modernista na arquitetura e no urbanismo na primeira metade do século XX. 13WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2.2 Imagens de uma Arquitetura e Cidade Modernista Em 1923, Le Corbusier publicou o livro “Por uma Arquitetura”. Nele, o arquiteto propôs que uma nova arquitetura deveria ser criada para o novo século, acompanhando o processo de modernização em curso (LE CORBUSIER, 2002). Nesse texto, o arquiteto também deixa clara a sua admiração pela modernidade, pelo avião, pelo transatlântico, pelo automóvel, pelas referências racionais que a história tinha visto, como Partenon, a Roma antiga e as obras de engenharia. A casa, por exemplo, deveria corresponder às necessidades do homem moderno, procedendo diretamente do fenômeno do antropocentrismo e da razão. Dessa maneira, o projeto moderno seria embasado pelo Espírito Novo em Arquitetura, e a casa ensinaria a morar (LE CORBUSIER, 2002). A arquitetura moderna não deixaria de atestar um certo tom autoritário de “domesticação do homem”. Com efeito, esse Espírito Novo deveria atestar uma nova estética composta por cinco pontos (Quadro 1). Os cinco pontos da arquitetura moderna A planta livre, na qual haveria liberdade para propor o que quiser dentro de um esquema estrutural e, portanto, dentro da caixa. O uso de pilotis, o que ajudaria a liberar o solo para a máquina, estabelecendo uma relação direta com a cidade moderna. A fachada livre, que revela o domínio completo de tecnologia associada à estética: livre de pilares na fachada. A janela corrida, que apresenta o aproveitamento máximo das superfícies para luz e ventilação (necessidades modernas): estratégia racional e lógica, que leva a uma nova estética. O terraço jardim, que somente seria possível com o advento de novas tecnologias construtivas, que permitem descartar o telhado duas águas e ocupar esse espaço. 14WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O sistema dominó resumiria o processo construtivo mais racional possível para a construção civil. Quadro 1 - Os cinco pontos da arquitetura moderna, propostos por Le Corbusier. Fonte: A autora. Na concepção de Le Corbusier, certamente esse pensamento de modernização também deveria ser aplicado para as cidades. Em 1933, no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), realizado na cidade de Atenas, Grécia, foi elaborado um manifesto urbanístico que expressa o pensamento sobre o meio urbano na época, a chamada Carta de Atenas. A Carta, de modo geral, analisou o estado crítico das cidades de crescimento urbano acelerado e problemas causados pela industrialização e qualidade de vida, propondo aspectos que deveriam ser respeitados para a melhoria da estrutura urbana. Com considerações sobre as habitações, o lazer, o trabalho, a circulação e o patrimônio histórico das cidades, a Carta propunha, entre outros pontos, a separação das áreas residenciais, de lazer e de trabalho, através da setorização das áreas e de um planejamento do uso do solo. Nessa perspectiva, Le Corbuiser projetou a Ville Radieuse em 1924: um masterplan publicado no livro “Urbanismo” (1930). Esse projeto consistia em apresentar uma nova cidade, que deveria emergir da “tábula rasa” e conter um meio eficaz de transporte, habitação, edifícios em altura para comércio e serviços, bem como abundância de espaço verde e luz solar. Figura 8 – Ville Radieuse. Fonte: Le Corbusier (1924). Esse foi o ideário modernista vigente para as cidades na primeira metade do século XX. Essa imagem representaria o progresso, a modernidade, uma nova qualidade de vida. No Brasil, essas ideias chegampor meio da atuação de arquitetos imigrados das duas guerras europeias, pelos contatos estabelecidos pelos arquitetos locais e, principalmente, pelas vindas de Le Corbusier ao Brasil, em 1929 e 1936. 15WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 3. LE CORBUSIER E O BRASIL Nos anos 1920, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier já era tido como um dos principais protagonistas do movimento internacional de renovação da arquitetura. Nas primeiras décadas do século XX, Le Corbusier havia palestrado em toda a Europa, apresentando suas ideias e concepções sobre a arquitetura moderna (MARTINS, 2004, p. 267). Seus textos em francês também chegavam ao Brasil com um certo atraso, mas foram lidos por alguns arquitetos e engenheiros (SEGAWA, 1998, p. 77). Em 1929, Le Corbusier aceitou o convite para dar conferências em Buenos Aires, com passagem por São Paulo e Rio de Janeiro. Mas seria a sua segunda estada no Brasil, em 1936, que mudaria os rumos da arquitetura nacional. 3.1 A Viagem de 1929 Em 17 de novembro de 1929, Le Corbusier desembarcava em Santos, do navio Giulio Cesare, proveniente de Buenos Aires. No Brasil, o arquiteto proferiu duas conferências, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Em São Paulo, ele promoveu uma conferência sobre Arquitetura e a revolução arquitetural contemporânea e sobre Urbanismo: a revolução arquitetural contemporânea traz a solução da urbanização das grandes cidades modernas. No Rio de Janeiro, Le Corbusier fez também as duas mesmas conferências (ZAKIA, 2015). Nessas oportunidades, o arquiteto francês falou para um número significativo de arquitetos e engenheiros que entendiam o seu idioma, principalmente aqueles alunos e professores da Escola Politécnica de Engenharia de São Paulo e Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro (ENBA). No ano seguinte, a viagem resultou no livro Precisões – sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. 3.2 A Viagem de 1936 O ano de 1936 constitui marco fundamental na história da arquitetura brasileira, especialmente pela visita de Le Corbusier como convidado do Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, para assessorar a equipe de arquitetos encarregados pelo projeto do edifício do Ministério. Tratava-se de uma equipe coordenada pelo arquiteto brasileiro Lúcio Costa, em parceria com Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Jorge Moreira, Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer (como estagiário de Costa). Ao contrário da primeira estada do mestre Le Corbusier no Brasil, em 1929, com consequências mais discretas, a segunda teve repercussões mais profundas por ele ter trabalhado diretamente com os arquitetos locais. Em 1934, sob o governo de Getúlio Vargas, é criado o Ministério da Educação e Saúde, sendo nomeado o Ministro Gustavo Capanema, que fez da construção da sede do Ministério uma prioridade. Em 23 de março de 1935, é publicada, em Diário Oficial, a convocação para o concurso público para escolha do projeto. O vencedor desse concurso foi Archimedes Memória, porém, o resultado não agradou ao Ministro, que, após submetê-lo à apreciação de engenheiros e consultores do governo, julgou-o inadequado ao seu objetivo de fazer do edifício uma notável obra de arquitetura, digna de nossa cultura. Após consultar várias organizações de engenheiros e arquitetos, Capanema solicitou a Lúcio Costa um novo projeto para o Ministério. 16WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O projeto de Lúcio Costa e seu grupo esforçou-se por incorporar os preceitos racionais de Le Corbusier, como o uso de pilotis definindo a estrutura de apoio e liberando o térreo para tratamento paisagístico de integração dos espaços internos e internos, uso de quebra-sóis nas fachadas mais ensolaradas, cortinas de vidro, planta livre, jardins na cobertura e uso de ventilação e iluminação naturais (FONSECA, 2002). Para uma consultoria ao novo projeto, Costa sugeriu o nome de Le Corbusier. Durante sua estada de cinco semanas, o arquiteto proferiu conferências e prestou serviços de consultoria aos arquitetos brasileiros no projeto para a Cidade Universitária do Rio de Janeiro e ao Ministério. Quanto ao Ministério, o arquiteto francês sugeriu a mudança do terreno ao Ministro Gustavo Capanema, ideia acolhida pelo Ministro. Contudo, as contingências legais de permuta do terreno impediram a concretização dessa proposta e, às vésperas de sua partida, Le Corbusier desenhou uma última proposta para o terreno original (SEGAWA, 1998, p. 91). A partir desses croquis, a equipe brasileira desenvolveu o projeto definitivo. O projeto final do Ministério da Educação e Saúde incorporava toda a sintaxe corbusierana — sobretudo os cinco pontos da arquitetura nova: o volume laminar sobre pilotis e os dois blocos baixos liberando a esplanada aberta, que revisa o sentido tradicional da quadra fechada por edificações e constitui uma praça (jardim) pública. As recomendações de Le Corbusier foram acatadas: o uso de pedras regionais como revestimento; o suporte de painéis artísticos; e a valorização das palmeiras. Figura 9 – Projeto para o Ministério da Educação e Saúde Pública, Lúcio Costa e equipe (1936). Fonte: Cronologia do Urbanismo (2021c). 17WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Le Corbusier ainda não havia aplicado os seus pressupostos projetuais em um edifício em altura. A vinda do arquiteto ao Brasil contribuiu para revisar a sua trajetória. E, para o Brasil, o projeto do Ministério é considerado o ponto inicial de uma arquitetura moderna de feitio brasileiro (SEGAWA, 1998, p. 92). 4. O MODERNISMO PIONEIRO NO BRASIL: GREGORI WARCHAVCHIK No início dos anos 1920, a arquitetura no Brasil era monopolizada pelas ideias do ecletismo nos edifícios administrativos e pelo neocolonialismo nas residências, com forte inclinação para a recuperação da tradição como identidade nacional (impulsionada pelos debates intelectuais dos modernistas nas artes plásticas e literatura). Em 1925, foi registrada, na grande imprensa, a atuação em São Paulo de dois arquitetos estrangeiros: Rino Levi e Gregori Warchavchik. Este tópico tratará de apresentá-los e explicará a arquitetura modernista desenvolvida em especial por Warchavchik, bem como os limites da sua proposta enquanto arquitetura moderna (brasileira). 4.1 Arquitetos Estrangeiros São Paulo, na década de 1910, já era tida como uma grande metrópole brasileira do século XX, pela riqueza do café e prosperidade na capacitação profissional industrial. Chegam à cidade Rino Levi e Gregori Warchavchik, dois arquitetos estrangeiros. Para o projeto paisagístico do edifício, foi convidado o arquiteto-paisagista Roberto Burle Marx. Ele projetou a praça conformada no térreo da edificação, um terraço jardim no 2º andar (não aberto para visitações) e o teto jardim na cobertura. Os painéis em azulejo foram desenhados por Cândido Portinari. As imagens faziam referência aos retirantes nordestinos. A contribuição de Burle Marx e Portinari na equipe foi promover a integração da arquitetura e das artes, como sugeriu Le Corbusier. Um passeio pelo edifício do Ministério da Educação (hoje intitulado Edifício Gustavo Capanema), com a explicação do projeto pelo próprio Lúcio Costa, pode ser assistido em Lúcio Costa - Entrevista com o grande mestre da arquitetura. O material está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=M6XJJQ24okk . 18WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Filho de imigrantes italianos, Rino Levi ingressou em 1921 na Escola Preparatória e de Aplicação para os Arquitetos Civis, em Milão, Itália. Transferiu-se, em 1924, para a Escola Superior de Arquitetura de Roma. Iniciou a sua carreira no Brasil em 1927, construindo pequenas residênciase conjuntos de casas de aluguel para membros da comunidade italiana paulista. Em sua carreira, destacou-se pelo projeto elaborado para a Sede do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB, 1947), pelos projetos hospitalares, de edifícios de apartamentos e cinemas em São Paulo (ANELLI, 2001). Gregori Warchavchik era russo emigrado para o Brasil. Formou-se na Itália nos anos de 1920 e muda-se para o Brasil em 1923. Em 1925, publica o texto Futurismo? no jornal italiano de São Paulo Il Piccolo (traduzido e republicado no Correio da Manhã com o título Acerca da Arquitetura Moderna). Embora não tenha repercussão imediata, é considerado o primeiro manifesto da arquitetura moderna no País (SEGAWA, 1998). Segundo esse texto, Warchavchik reconhece as exigências impostas pelo desenvolvimento da indústria e a incompatibilidade entre a racionalidade construtiva dos engenheiros e a ornamentação postiça dos arquitetos (acadêmicos). As novas imposições da vida moderna gerariam um “estilo do nosso tempo”: a arquitetura moderna. Nessa perspectiva, o arquiteto fez ressonar as ideias diretas que Le Corbusier havia apresentado em seu livro de 1923, advogando em prol dos princípios da nova arquitetura, baseados na racionalidade, no antidecorativismo e na economia da construção. Portanto, a concepção arquitetônica de Warchavchik não contemplava as ideias de nacionalismo. As ideias modernistas seriam materializadas no projeto residencial elaborado para ele e sua família em São Paulo. 4.2 Gregori Warchavchik: a Casa na Rua Santa Cruz (1927-1928) Em 1927, Warchavchik se casa com Mina Klabin, de uma rica família de industriais de São Paulo. A sua própria casa, concluída em 1928, constituiu a primeira expressão de arquitetura moderna no Brasil, sendo divulgada na imprensa como “[...] uma casa moderna na rua Santa Cruz” (SEGAWA, 1998, p. 45). A casa foi levantada em alvenaria de tijolos sobre o platô edificado, mas traria na sua aparência o volume purista e abstrato corbusierano (Figura 10), sem nenhum tipo de ornamento e ostentando os efeitos totais de transparência dos vidros (sem nenhuma modinatura). As platibandas esconderam o telhado tradicional de telha de barro e vigamentos em madeira. Figura 10 – Casa da Rua Santa Cruz (1927). Fonte: Lira (2011). 19WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Muitas dificuldades foram efetivamente encontradas por Warchavchik para a construção de uma casa modernista ao final dos anos 1920. Com uma série de restrições técnicas, não foram possíveis as soluções em concreto armado e janelas em fita, tampouco o uso de pilotis conforme as lições do mestre francês. Mas a sobriedade da fachada, o uso de vidros, os detalhes técnicos internos e os mobiliários desenhados para o homem moderno não deixam de atestar as intenções projetuais do novo século. Tais limitações técnicas e identitárias para uma arquitetura nacional foram superadas por Lúcio Costa nos anos seguintes. 5. A FORMAÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA: LÚCIO COSTA Não seria estranho pensar como foi que uma arquitetura que se propunha a ser universal, como a arquitetura moderna, se tornou brasileira? E como isso se transformou em algo original e nacional? Teria a arquitetura moderna brasileira surgido por um milagre? Na realidade, esse “milagre” se deveu à importante atuação e articulação de Lúcio Costa para fortalecer a arquitetura moderna no Brasil (ARANTES, 2004). Ele se tornou o grande mentor dessa arquitetura, sendo o responsável por moldar esse raciocínio modernista em um contexto brasileiro. É isso o que veremos neste tópico. 5.1 Atuação e Textos: uma Aproximação Identitária Filho de pais brasileiros, Lúcio Costa nasceu em Paris, em 1902, e estudou na Inglaterra e na Suíça (1910-1916). Em 1916, retornou ao Brasil, onde estudou na Escola Nacional de Belas Artes, concluindo sua formação em 1924. Em 1920, faz uma viagem à Europa. Naquele contexto, ele se disse pouco conhecedor da arquitetura de Le Corbusier (SEGAWA, 1998). Esse também é o período em que Costa trabalhou com Fernando Valentim, realizando projetos que defendiam a retórica do neocolonial. Com a repercussão da primeira casa modernista de Gregori Warchavchik, Costa passou a estabelecer um diálogo e interesse por aquela arquitetura. Convidado pelo próprio arquiteto carioca para ser professor da Escola Nacional de Belas Artes e para ser seu sócio em escritório no Rio de Janeiro, Warchavchik acabou exercendo influência sobre Lúcio Costa (GUERRA, 2002). Em 1930, Costa assumiu a direção da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA), mas seria desligado um ano depois, por tentar implementar um novo currículo para o curso. O A biografia de Warchavchik foi escrita por José Lira e publicada em 2011. O livro traz fotos inéditas do arquiteto e o apresenta de forma inovadora, revelando suas contradições, rupturas de pensamento e contribuição para a vanguarda modernista no Brasil. Segue a referência completa: LIRA, J. Warchavchik: Fraturas na Vanguarda. São Paulo: Cosac & Naify, 2011. 20WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA novo currículo seria uma das primeiras tentativas para se renovar a arquitetura e deveria acompanhar as transformações em curso na arquitetura mundial. Mesmo não implantado, ele deixou frutos e motivações para outros estudantes e profissionais (SEGAWA, 1998). A questão do patrimônio colonial no Brasil também é fruto de um debate proposto por Lúcio Costa, quando assume, em 1937, o cargo de direção do Serviço de do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Junto ao SPHAN, o arquiteto desenvolveu instrumentos para os tombamentos, recuperações e restauros de um grande acervo colonial. Como funcionário público nos anos de 1930, Costa estava vinculado ao debate político que armava no Brasil em defesa da retórica de identidade nacional. O estado getulista instaurado a partir de 1930 por Getúlio Vargas saiu em defesa da ideia de nacionalismo, de uma política de “modernização conservadora”, de um Estado desenvolvimentista, de um incentivo à urbanização, às artes e às culturas e uma forte campanha para a educação. O estado desenvolvimentista exercia um claro incentivo ao certo industrial, em parceria com a burguesia industrial, portanto, sem grandes abalos sociais (FAUSTO, 2015, p. 315). Essa questão ainda tinha sido pouco discutida sob o ponto de vista arquitetônico. Como vimos, o que mais se aproximava dessas questões de identidade nacional foi a arquitetura neocolonial, mas, ainda assim, com uma série de limitantes técnico-construtivos. Contudo, era certo que o Estado buscava promover uma identidade moderna para um homem moderno, em um País em desenvolvimento. Essas referências de promover o desenvolvimento, de conscientização do homem moderno, também fizeram parte das concepções teóricas de Le Corbusier. IDEIAS TRANSFORMADORAS DE LE CORBUSIER LÓGICA DESENVOLVIMENTISTA DE VARGAS Corbusier em Por Uma Arquitetura (1923): o espírito novo; ensinar a morar. Estado novo getulista: a construção do homem novo; civilizar por cima (slogan de Getúlio Vargas). Quadro 2 - Relação entre as ideias de Le Corbusier e o Estado getulista. Fonte: A autora. Considerou-se a valorização de uma tradição e promoção de uma identidade nacional a partir da construção simbólica de uma nação a partir: da música com Heitor Villa Lobos (O Trenzinho e As Bachianas Brasileiras); das artes plásticas, a exemplo de Cândido Portinari e os demais modernistas da Semana de 1922, vanguardistas que mostraram a peregrinação dos nordestinos para as grandes cidades; e do cinema, com Carmem Miranda. 21WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Nota-se que existiu uma certa afinidade entre as lógicas do Estado desenvolvimentista varguista e as ideias transformadorasde Le Corbusier. Portanto, o próximo passo seria a atuação do Estado, promovendo uma imagem por meio da arquitetura. Um dos primeiros episódios significativos foi a atuação do Ministro Gustavo Capanema ao convidar Le Corbusier para vir ao Brasil em 1936, por meio de um pedido de Lúcio Costa para trabalhar em parceria com a equipe no projeto para o Edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública. Seguido desse episódio, no Brasil das próximas décadas, o grande promotor da arquitetura moderna seria o estado, com o objetivo de reformar a sociedade (REGO, 2019). 5.2 Por uma Arquitetura Moderna e Brasileira Como essa arquitetura nova poderia ser assimilada no País e, ao mesmo tempo, representar a identidade nacional? Certamente, ela não poderia ser uma versão europeia, como nós havíamos projetado até então: copiando os modelos internacionais ecléticos e neocoloniais. Existia uma certa contradição entre essas duas ideias: uma arquitetura moderna e uma arquitetura moderna brasileira: • Vanguardas europeias: dissolução de identidades; derrubada de ícones da tradição. • Vanguarda brasileira: ênfase nas questões locais e culturais do País. Em 1938, Costa publicou o texto “Documentação necessária”, defendendo que seria possível estabelecer uma arquitetura moderna “e” brasileira, reconsiderando o nosso passado colonial. Essa foi a saída de Lúcio Costa para desatar tal contradição. No texto, Costa aponta a arquitetura moderna como evolução da arquitetura colonial (COSTA, 1995), pois a arquitetura moderna priorizou a forma simples, a ausência de ornamentação aplicada, um racionalismo nas soluções construtivas (separação entre a estrutura e a vedação) e a ossatura independente. Segundo Costa, essas eram características das casas coloniais brasileiras, portanto, já se notava uma certa “legitimidade” nacional. CARACTERÍSTICAS REPRESENTAÇÕES A simplificação da forma: a arquitetura colonial é simples e apresenta uma planta muito regular. As semelhanças técnico-construtivas: a taipa de mão (barro armado com a estrutura em madeira) é semelhante ao concreto, aço ou vidro, em que a vedação não é estrutural. Uma técnica rudimentar colonial poderia ser inspirações modernas. Essa técnica permitiu a evolução nas espessuras das paredes. 22WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O telhado: o telhado moderno (laje plana e teto jardim) seria uma evolução do telhado colonial. Evolução na abertura dos vãos: à medida que os materiais foram permitindo, os vãos foram ficando maiores, até se transformarem na transparência absoluta. As varandas: segundo o autor, as varandas, quando bem orientadas, são o melhor lugar das nossas casas; é a varanda, no clima tropical, uma sala completamente aberta. Quadro 3 - As características da arquitetura brasileira. Fonte: A autora. Essa relação de evolução da arquitetura colonial para a arquitetura moderna, para Costa (1995), seria natural. Tudo o que nós já fazíamos antes tenderia ao moderno. Portanto, estaríamos no caminho certo, com a arquitetura crescendo e reproduzindo o seu lastro colonial. Dessa maneira, o que Lúcio Costa propunha é que a arquitetura moderna brasileira não seria uma cópia, pois é derivada de nós mesmos, como a documentação necessária pode evidenciar. Nessa perspectiva, Costa amarra a arquitetura moderna como tradição brasileira e estabelece uma filiação para o modernismo no Brasil, tomando-o como um traço de continuidade com o passado colonial, portanto, nacional e identitário. Por isso, o arquiteto recupera, em seus projetos, soluções com o uso de: muxarabis; curvas barrocas; azulejaria, a síntese das artes; e o uso de madeira em acabamentos. 23WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 5.3 Dois Projetos Representativos A Casa Barão Saavedra (1942-1945) foi projetada para uma família que requisitou uma casa de veraneio em Petrópolis, Rio de Janeiro. Destaca-se no projeto a forma como Lúcio Costa solucionou o extenso programa, mas de forma modernista. Trata-se de uma casa em L, onde se localizou o bloco para o programa social de um lado e a área íntima na extensão maior. Os serviços foram deslocados para o térreo, que permaneceu, em grande parte, livre para o acesso do automóvel, tal qual previa Le Corbusier. Apesar de a planta ser bastante funcional, Costa recorreu aos elementos tradicionais, como o telhado de uma água, telha de barro e o muxarabi nas janelas. Figura 11 – A Casa Barão Saavedra (1942-1945). Fonte: Casas Brasileiras (2021). Há uma composição que não foge da arquitetura moderna: a fachada contínua, cujo telhado cai só para um lado, mas com lastro colonial; a planta com uma distribuição em série muito funcional; as janelas que avançam pela parede com telha portuguesa esmaltada na parte de baixo; esquadrias de madeira; uso de materiais tradicionais de forma moderna. O Park Hotel São Clemente (1944) é um projeto de Costa, mas que já foi demolido. Nesse projeto, o arquiteto também fez uso de materiais tradicionais, mas de forma moderna. Trata-se de um bloco linear que abrigava todos os quartos, solto do solo por estruturas de madeira (Figura 12). A telha colonial volta a aparecer, e as estruturas de madeira recebem agora um fechamento em vidro. Portanto, novamente uma forma moderna, mas com um vínculo material expressivo. 24WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 12 – A Casa Barão Saavedra (1944). Fonte: Duarte (2021). Esses pressupostos aplicados à arquitetura teriam grande repercussão no mundo, principalmente a partir de 1945, com a exposição do Brazil Builds, no Museu de Arte Moderna de Nova York. Essa exposição revelou, para o mundo, o Brasil como uma grande potência na arquitetura, uma arquitetura moderna brasileira, uma arquitetura regionalista (GIEDION, 2000), da qual outros arquitetos fariam parte, como Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx. 6. BURLE MARX O arquiteto-paisagista Roberto Burle Marx (1994–1909) cumprirá um papel fundamental na evolução da arquitetura moderna brasileira, não só pelo seu reconhecido talento pessoal, que resultou numa obra inovadora, mas também pela função chave que desempenhará na legitimação dos exemplares paisagistas como verdadeiros espécimes brasileiros (GUERRA, 2002). Ele será o responsável por aplicar, na arquitetura paisagística, os conceitos de identidade nacional conforme apontados por Lúcio Costa, reconhecendo o valor originário moderno, em que o jardim é um artifício que deve reintegrar o homem à sua paisagem natural. 6.1 Trajetória e Características Projetuais Burle Marx se formou também na ENBA, no Rio de Janeiro, em 1930, no auge do debate proposto por Lúcio Costa de renovação do currículo da escola. Sua primeira obra profissional, o jardim da casa de Alfredo Schwartz, de 1932, colocou-o em contato não só com Lúcio Costa, mas também com Gregori Warchavchik (1896-1976), então sócio do arquiteto carioca. O arquiteto-paisagista passou a atuar nos anos de 1930 bastante atento às transformações no panorama da arte e arquitetura brasileiras. Como uma cultura técnica consolidada, Burle Marx conhecia os princípios puristas e geométricos de Le Corbusier e também os empregou em seus trabalhos. Forma e geometria eram elementos essenciais no purismo vanguardista. Os objetos podiam ser representados de modo que seus contornos, retos ou curvos, coincidissem com os objetos próximos, objetivando fazer a transição entre eles e integrá-los na composição, evitando deformações que os descaracterizassem. Le Corbusier chamou esse efeito de mariage de contours (JEANNERET; OZENFANT, 1994). 25WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Em suas obras de paisagismo, Burle Marx recorreu à transposição dos princípiosde organização da pintura moderna para a natureza viva (GIEDION, 2000). Com isso, fez uso de desenhos ondulados, cores, texturas e curvas estruturadas, comuns aos desenhos de Oscar Niemeyer (MAHFUZ, 2010). Esta última não é um traçado casual. É um método que consiste em inserir a linha reta entre os seguimentos de curva, suavizando a transição entre elas. A curva estruturada foi uma estratégia recorrente na pintura, nos projetos de jardins e praças de Roberto Burle Marx (Figura 13). Os traçados curvos que o paisagista testava na composição dos recintos ajardinados “[...] originavam-se de um exercício plástico abstrato e autorreferente” (DOURADO, 2009, p.171). Figura 13 – Design de capa para uma edição de 1953 da Revista Rio. Fonte: Souza (2016). Burle Marx explorava o conceito purista do mariage de contour com o objetivo de criar “[...] jardins paradisíacos, articulados e texturados” (FRAMPTON, 2015, p.310-311). Com isso, os jardins de Burle Marx “[...] guardam a experiência purista das linhas que entrelaçam formas e definem planos e massas de cor” (REGO, 2019). PURISMO DE LE CORBUSIER (VANGUARDA ARTÍSTICA) DESENHO DE BURLE MARX Formas puras Cores em tons pastéis: azul, alaranjado, amarelo, Mariage de contours Formas puras Cores e texturas tropicais Curva estruturada (pintura e jardins) Mariage de contours matizada Quadro 4 - Resumo explicativo entre o purismo de Le Corbusier e o desenho característico de Burle Marx. Fonte: A autora. A atuação de Burle Marx também ficou marcada pelo seu trabalho de catalogação e excursões de coleta de plantas com potencial uso paisagístico em diversas partes do território brasileiro. Tais excursões foram responsáveis por trazer espécies carismáticas das paisagens locais, como possibilidades de transposição para integrar projeto e ambiente natural. Elas também sinalizam a busca desses intelectuais pelas “raízes do Brasil”, das manifestações culturais do folclore, da música e da arquitetura, tornando-se matéria-prima a ser usada, depois, em obras de arte. 26WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 6.2 O Projeto da Praça e Jardim Modernista Como vimos, os arquitetos brasileiros, auxiliados pela consultoria de Le Corbusier, desenvolveram o projeto do Ministério da Educação e Saúde (MES), recorrendo aos princípios puristas do arquiteto francês, mas os revisando para o contexto nacional. No projeto para o teto jardim da cobertura do MES, é possível observar os conceitos das artes plásticas citadas, delimitando em um espaço definido dentro da arquitetura, como um pintor que usou o terraço como tela e as plantas como tintas. Através do uso de uma linguagem abstrata, nota-se, no seu projeto, que a forma é predominantemente marcada por um traçado orgânico baseado no encadeamento de retas e curvas, com tons multicoloridos (Figura 14). Segundo Bruno Zevi (1979), as formas orgânicas livres desse terraço jardim “[...] abrandam a geometria dos traçados reguladores e a dureza dos perfis arquitetônicos.” Figura 14 – Projeto de Burle Marx para o jardim no terraço do MES (1938). Fonte: Souza (2016). Nos jardins da residência Edmundo Cavanelas, em Pedro do Rio (1954), o projeto paisagístico de Burle Marx responde à arquitetura flexível e, ao mesmo tempo, rigorosa de Oscar Niemeyer de duas maneiras diferentes. Canteiros sinuosos ocupam a parte oeste do jardim, enquanto o tabuleiro e a piscina geométricos ocupam a parte leste. A arquitetura funciona como elemento separador e, ao mesmo tempo, integrador dessas duas áreas aparentemente dissonantes, que mantêm uma relação entre si e com a construção. Figura 15 – Projeto de Burle Marx para a Residência Edmundo Cavanelas (1954). Fonte: Souza (2016). 27WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O conhecimento que acumulou em botânica aplicada ao longo da vida permitiu que as especificações vegetais fossem definidas com perfeito domínio técnico para se chegar aos resultados desejados. Isso proporcionou a Burle Marx um aumento no repertório criativo de composição a partir do elenco de plantas disponíveis no Brasil, como um pintor que procura matizes inéditos ou um arquiteto pesquisando materiais de construção. Ao longo de sua extensa vida profissional, Burle Marx teve a oportunidade única de formar dupla com Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Rino Levi e atuar com arquitetos paulistas, como João Batista Vilanova Artigas. Pode-se dizer que a pertinência dos projetos de Burle Marx é reconhecida pela síntese das referências das artes plásticas e pela capacidade criativa de o arquiteto transpor para o projeto paisagístico a nacionalidade e identidade brasileiras. 28WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, foi possível compreender um dos capítulos da História da Arquitetura Brasileira. Iniciamos esse processo reconhecendo as características da arquitetura eclética desenvolvida no País no século XIX e início do século XX. Revisando a sua proposta de arquitetura, que se apoiava em estilos passados europeus, foi possível entender os seus caminhos contraditórios com os conceitos de Modernismo, Modernidade, Modernização e Moderno. Esses conceitos visavam ao progresso e impulsionavam para o novo, excluindo aspectos históricos. Por isso, tais conceitos foram aplicados na arquitetura e urbanismo dos anos 1920 e 1930, sendo altamente difundidos. Na difusão dessa arquitetura, analisamos o papel seminal do arquiteto francês Le Corbusier para o desenvolvimento dessa arquitetura moderna no Brasil. A sua prática projetual foi apropriada pelos arquitetos estrangeiros que migraram para o Brasil no contexto das duas Guerras Mundiais, em especial por Gregori Warchavchik. Como vimos, Warchavchik encontrou certas limitações técnicas construtivas e conceituais para efetivar essa arquitetura modernista no Brasil. Nessa perspectiva, podemos dizer que Lúcio Costa superou tais limitações e foi motivado pelo apoio do governo getulista, a partir de 1930, ao patrocinar o desenvolvimento industrial e os aspectos identitários nacionais na cultura. Lúcio Costa soube associar as duas ideias que, aparentemente, pareciam contraditórias: o moderno seria uma evolução da arquitetura colonial já desenvolvida no País e que era nossa identidade. Por isso, deveríamos praticar uma arquitetura em concreto, com planta livre, com janelas em fita, terraço jardim e o prédio solto do solo, sempre referenciando a nossa identidade com as curvas barrocas e com as esquadrias que pudessem filtrar os raios solares (muxarabis). Tendo isso em vista, foi possível compreender tais ideias aplicadas no projeto paisagístico por meio das obras de Burle Marx a partir das curvas estruturais, do multicolorido e do uso das espécies nacionais. Sendo assim, nesse primeiro momento, aproximamo-nos dos primeiros episódios de uma arquitetura moderna brasileira: dos fatores que a possibilitaram, dos primeiros personagens, das primeiras obras referenciais e das suas características projetuais. 2929WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................................. 31 1. A ESCOLA CARIOCA: CARACTERÍSTICAS E CONCEITOS .................................................................................... 31 1.1 UMA CONSOLIDAÇÃO PROJETUAL .......................................................................................................................32 1.2 DIFUSÃO DAS IDEIAS DA ESCOLA CARIOCA ......................................................................................................33 2. A ESCOLA CARIOCA: OSCAR NIEMEYER ..............................................................................................................352.1 MÉTODO E ESTRATÉGIAS PROJETUAIS ..............................................................................................................36 2.2 PROJETOS E OBRAS .............................................................................................................................................39 2.2.1 GRAND HOTEL, DE OURO PRETO (1938-1940) ................................................................................................39 2.2.2 OS PROJETOS PARA PAMPULHA .....................................................................................................................40 A ESCOLA CARIOCA PROFA. MA. ISABELLA CAROLINE JANUÁRIO ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: HISTÓRIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA 30WWW.UNINGA.BR 2.2.3 OS PROJETOS PARA BRASÍLIA .........................................................................................................................43 2.2.4 OS PROJETOS PARA SÃO PAULO .....................................................................................................................46 3. A ESCOLA CARIOCA E AS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS .................................................................................47 3.1 AFFONSO EDUARDO REIDY ..................................................................................................................................48 3.2 SERGIO BERNARDES ............................................................................................................................................52 4. A CIDADE MODERNISTA: BRASÍLIA ......................................................................................................................53 4.1 O CONCURSO .........................................................................................................................................................53 4.2 O PROJETO VENCEDOR DE LÚCIO COSTA .........................................................................................................54 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................................57 31WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Como vimos na unidade passada, no Brasil, a arquitetura moderna teve suas origens nas atuações individuais de alguns arquitetos. Entre eles, está Gregório Wachavchik nos anos de 1920, um arquiteto russo emigrado, que havia sido influenciado pelo Futurismo durante seus estudos em Roma e que foi responsável pelas primeiras casas modernistas no Brasil. Além de Lúcio Costa, que exerceu um papel fundamental na formação da arquitetura moderna brasileira, expressada em suas obras emblemáticas no Rio de Janeiro, como o Ministério da Educação e Saúde. Nesta unidade, veremos como as manifestações dos arquitetos cariocas, principalmente atuantes na primeira metade do século XX, tiveram características comuns que lhes proporcionaram ser reconhecidos como uma “escola”. Tais expressões modernas foram difundidas Brasil afora, graças aos deslocamentos dos arquitetos em busca de oportunidades de trabalho e à multiplicação das escolas de Arquitetura e Urbanismo nas grandes capitais. Estudaremos também que essa arquitetura carioca, definida por Lúcio Costa como “uma arquitetura de cara lavada e pernas finas”, teve Oscar Niemeyer como um dos maiores representantes e (pode-se dizer que) um dos mais conhecidos arquitetos brasileiros. Entenderemos o seu método projetual que sintetiza a sua atuação profissional, a partir dos seus exemplares projetuais. Também entenderemos essa arquitetura carioca a partir das trajetórias individuais de Affonso Eduardo Reidy, na sua atuação seminal em projetos de grandes escalas habitacionais e culturais no Rio de Janeiro, bem como as propostas mais arrojadas estruturalmente de Sergio Bernardes. Por fim, compreenderemos o projeto proposto por Lúcio Costa no concurso de 1956 para Brasília. A partir da contextualização das ideias urbanísticas que estavam ressonando no País, entenderemos o projeto vencedor de Costa e as suas consequências para a arquitetura e urbanismo nacional a ponto de criar uma certa inflexão de ideias. Sendo assim, revisitando os projetos da escola carioca — por meio da espacialidade, dos materiais, dos sistemas construtivos empregados, das relações históricas e sociais que essa arquitetura estabeleceu —, entenderemos a sua contribuição para a arquitetura brasileira e sua influência para o contexto nacional na primeira metade do século XX. 1. A ESCOLA CARIOCA: CARACTERÍSTICAS E CONCEITOS Com a revolução liderada por Getúlio Vargas em 1930 e a nomeação de Costa como diretor da Escola de Belas Artes, a arquitetura moderna passou a ser acolhida no Brasil como uma questão de política nacional (FRAMPTON, 2015, p. 310). Em 1936, Le Corbusier teve impacto direto sobre a América do Sul quando foi convidado para atuar no Brasil como consultor para o projeto de um novo edifício para o Ministério da Educação no Rio de Janeiro. Depois de trabalhar com Costa e sua equipe de projetistas (Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos, Carlos Leão, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer), Le Corbusier pareceu ter endossado a solução de dezesseis andares, que se afastava dramaticamente de seus esboços iniciais. Aliás, essa escala monumental era nova para o arquiteto franco-suíço, sendo essa a grande inovação dos arquitetos brasileiros: uma arquitetura moderna, brasileira e monumental. 32WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.1 Uma Consolidação Projetual O projeto para o Ministério (e a sua repercussão no cenário nacional e internacional, referente a uma “arquitetura brasileira”) se consolidou como símbolo de modernidade e modernização para o Brasil e como um protótipo de grande prestígio dessa arquitetura (COMAS, 1987). Trata-se do peristilo de pilotis, que deu ensejo à primeira aplicação monumental de muitos elementos corbusianos característicos: o teto-jardim, o brise-soleil, o térreo, plantas e fachadas livres. Figura 1 – Ministério da Educação do Rio de Janeiro (1936). Fonte: Cronologia do Urbanismo (2021a). Além disso, a própria forma como o projeto foi implantado na quadra também se tornaria referência projetual, pois, negando a implantação clássica e acadêmica que segue o alinhamento predial, o grupo de arquiteto proporcionou um edifício isolado no lote, com a criação de praças abertas e conectadas com a cidade. Um segundo projeto seminal para a escola carioca e de muita repercussão internacional foi o Pavilhão do Brasil na Exposição de Nova York, em 1939, proposto por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. O bloco em concreto pintado de branco, solto do chão por pilotis, recebeu brises em sua fachada como uma espécie de muxarabis para diminuir a incidência do Sol, assim como surpreendeu por associar as formas puras dos planos ortogonais com um segundo bloco lateral e uma rampa de acesso mais orgânica, com o objetivo de se aproveitar o passeio para apreciar o entorno (Figura 2). A espacialidade interna do projeto também foi revigorante para os que já conheciam as formas ortogonais típicas da arquitetura moderna. As lajes de concreto com pé- direito duplo ganharam total plasticidade, ora se engastando nos pilares metálicos, ora desviando deles. 33WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 2 – Pavilhão de Nova York (1936). Fonte: Cronologia do Urbanismo (2021b). Uma implantação do edifício solto no lote conformando praças, o teto-jardim, a plasticidade do concreto articulando curvas com planos ortogonais, plantas, fachadas e térreo livres foram todos elementos vistos e aplicados por uma série de arquitetos brasileiros a partir de então, arranjados e rearranjados de diversas maneiras na arquitetura nacional.Mas sempre remetendo a essa matriz modernista. 1.2 Difusão das Ideias da Escola Carioca Entre 1943 e 1973, o levantamento bibliográfico de Alberto Xavier registrou 137 referências em periódicos especializados fora do Brasil (SEGAWA, 1998). O mais significativo deles foi o catálogo do Brazil Builds, de 1943 (Figura 3), feito para uma exposição da arquitetura brasileira no Museu de Arte Moderna de Nova York, e o livro de Henrique Mindlin, Modern Architecture in Brazil, de 1956. Nesses textos internacionais, era possível encontrar, além das artes plásticas e igrejas barrocas, o Ministério da Educação e Saúde proposto por Lúcio Costa e equipe, os projetos de Oscar Niemeyer para Belo Horizonte e as obras de Affonso Eduardo Reidy. Pode-se dizer que a repercussão internacional da moderna arquitetura brasileira representou, no plano doméstico, uma legitimação e um reconhecimento social inéditos para uma categoria e para uma prática profissional. Os elementos formais citados anteriormente foram apropriados como modismos por construtores populares, por engenheiros e arquitetos de todo o Brasil. 34WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 3 – Capa do catálogo Brazil Builds (1943). Fonte: Baratto (2019). As revistas de circulação nacional, como a Revista Acrópole (1941-1971), Arquitetura e Engenharia (1946-1965) e Revista Módulo (1955-1965, coordenada por um grupo em torno de Oscar Niemeyer), foram seminais para a difusão da arquitetura moderna no Brasil (SEGAWA, 1998). Além disso, a partir da disseminação do ensino de arquitetura, essa linguagem moderna e brasileira também ganhou voz Brasil afora. No final da década de 1940, foram criadas escolas importantes nas universidades federais, independentes do curso de Engenharia: em Belo Horizonte (1946); na Mackenzie, em São Paulo (1947); na Universidade de São Paulo (1948); em Porto Alegre (1951); no Recife (1959); em Curitiba (1962); em Brasília (1964); em Belém e Fortaleza (1965). Era certo que muitos desses professores que compunham o quadro docente desses novos cursos teriam saído ou da ENBA, no Rio de Janeiro, ou das escolas Politécnicas de Engenharia. Portanto, o deslocamento de profissionais de uma região para outra também foi decisivo para a afirmação de uma linguagem comum moderna pelo território brasileiro (SEGAWA, 1998). Podemos citar como exemplo o arquiteto Acácio Gil Borsoi, que se formou no Rio de Janeiro em 1951, mas passou a exercer sua profissão no Recife, levando para o Nordeste as referências corbusianas, agora adaptadas à linguagem brasileira: o brise-soleil; o piloti; a praça aberta; e o teto jardim. 35WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 4 – Fachada poente do Edifício Santo Antônio (1963). Fonte: Amorim (2010). Nota-se, com isso, que essas migrações caracterizaram um processo de transferência de conhecimento e tecnologia de regiões mais desenvolvidas (como Rio de Janeiro e São Paulo) para outras menores, “[...] num processo indutivo de modernização e uniformização de valores culturais e técnicos, via arquitetura” (SEGAWA, 1998). 2. A ESCOLA CARIOCA: OSCAR NIEMEYER Oscar Niemeyer surgiu nos anos 1940 com projetos e obras de grande qualidade. Do Conjunto da Pampulha, em Minas Gerais, até os palácios de Brasília, Niemeyer consolida sua versão da arquitetura moderna e ganha admiradores e seguidores por toda parte. Na Pampulha, quatro edifícios magníficos demonstram a versatilidade do arquiteto capaz de projetar de várias maneiras. No Ibirapuera, a grande surpresa de se encontrar um espaço vibrante no interior de um edifício até certo ponto anódino quando visto do exterior. Em Brasília, têm-se as inúmeras variações em torno do tema do Palácio Moderno. Neste tópico, veremos quais foram os elementos e repertórios de projeto de um dos mais aclamados arquitetos brasileiros e como essas estratégias projetuais foram aplicadas nas obras mais célebres. 36WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2.1 Método e Estratégias Projetuais Ao mesmo tempo em que é, sem dúvida, o mais famoso dos arquitetos brasileiros, Oscar Niemeyer e sua obra seguem cercados de mistério e mitos. Um deles é o de que o arquiteto não teve nenhum tipo de referência arquitetônica e que teria trabalhado partindo do zero a cada projeto. Como resultado, suas criações seriam sempre originais. Portanto, primeiramente, podemos recuperar as influências de Oscar Niemeyer. A primeira e mais forte influência a quem ele foi exposto diretamente foi Le Corbusier, quando, no projeto do Ministério da Educação e Saúde, o arquiteto franco-suíço foi consultor da equipe brasileira da qual Niemeyer fez parte como estudante. Para Corbusier, a forma de projetar era concebendo o projeto arquitetônico a partir da volumetria e moldando essa forma (BAKER, 1998), ou seja, escolhendo uma forma para trabalhar a priori. Para Oscar Niemeyer, o papel da forma era criar e gerar beleza. A forma deveria surpreender. Certamente, essas ideias estão relacionadas ao purismo corbusiano: os contornos das formas puras, casados com as curvas estruturais que massageiam os olhos e são um passo para o deleite e a experiência do belo. Nessa perspectiva, Niemeyer se aproxima dos conceitos do mestre e explora no concreto toda a plasticidade que o material permitiria. Por que fazemos só o ângulo reto se podemos fazer curvas? Daí a ideia de projetar moldando objetos arquitetônicos. Essas referências aparecem com veemência nos projetos para Pampulha. O livro de David Underwood sobre Oscar Niemeyer buscou dissipar uma corrente da crítica segundo a qual a contribuição da obra de Niemeyer para a arquitetura moderna brasileira teve um caráter essencialmente formal. Para isso, o autor analisou os variados contextos com os quais o arquiteto trabalhou: físico, cultural, político e teórico, os quais puderam elucidar as intenções e sentidos por trás de suas inovações projetuais. Segue a referência: UNDERWOOD, D. Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2010. O próprio arquiteto alimentava esses mitos ao não explicar como projetava e ao endossar o mito de que a arquitetura não se aprende, mas se nasce arquiteto. Nas poucas vezes em que explicou seus projetos, sempre mencionava referências não arquitetônicas como “a curva da mulher amada” e “as montanhas da minha terra”, por exemplo. Torna-se muito difícil a transmissão de conhecimento sobre projeto quando os arquitetos que são nossas referências justificam seus projetos apenas com conceitos externos à disciplina. Essa atitude de Niemeyer foi nefasta para a prática da arquitetura no Brasil nas décadas de 1950 em diante, pois, por muitas décadas, nossos arquitetos buscaram em cada projeto o que supunham ser a originalidade do seu ídolo. Quando, na verdade, muito se aprende entendendo a lógica projetual de outros arquitetos. 37WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Em segundo lugar, e um pouco menos comentada, é a absorção das ideias do arquiteto alemão Mies van der Rohe. Mies foi um arquiteto que começou atuando na Alemanha nos anos 1920, em especial na Escola de Artes da Bauhaus, mas migrou para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Sua arquitetura é caracterizada por planos ortogonais sobrepostos, que criam um sempre espaço fluido interno. Diferentemente de Le Corbusier, para Mies, a forma não é dada a priori, mas é encontrada a partir da articulação dos planos. DUAS ESTRATÉGIAS PROJETUAIS Le Corbusier Mies van der Rohe Contexto França Alemanha e EUA Resultado formal Uma volumetria a priori Encontrar a forma Estratégia Moldar a forma pura Articular planos Artes plásticas Purismo NeoplasticismoExemplos paradigmáticos Villa Savoye Pavilhão de Barcelona Quadro 1 - Duas estratégias projetuais: Le Corbusier e Mies van der Rohe. Fonte: A autora. Dessa maneira, a arquitetura de Mies se torna extremamente esquemática, sóbria, sem excesso de informação. Em especial na sua atuação nos Estados Unidos, Mies van der Rohe mostrou todo o esquematismo arquitetônico nos projetos em concreto e aço: estruturas leves, com plantas livres e fachadas sem ornamento. Mies van der Rohe, além de ter sido mundialmente conhecido, foi um dos principais expositores na Bienal de 1953-1954, em São Paulo. Suas estratégias projetuais se tornaram referência para Oscar Niemeyer, não pela aparência, mas principalmente pelo caráter esquemático típico de Mies nos projetos para os Palácios Modernos para Brasília, em 1960. Por fim, em seu texto chamado “Depoimento”, de 1958, Niemeyer explica que “[...] passou a se interessar por formas simples, dando protagonismo para a solução estrutural, para o reducionismo da produção arquitetônica e para uma arquitetura sintética e esquemática” (NIEMEYER, 1958). Referências diretas às estratégias de projeto miesiano. Portanto, o que perceberemos nos projetos de Niemeyer é como ele fundiu essas duas referências. Nessa perspectiva, Mahfuz (2010) comenta que existem duas estratégias projetuais que organizam o repertório quase sempre fixo na obra do arquiteto. A primeira é a composição subtrativa ou de partido compacto/monolítico. A segunda é a composição por partes, chamada de composição aditiva ou elementar. Ambas foram herdadas da arquitetura de séculos passados e de referências modernas europeias. 38WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Na concepção monolítica, o ponto de partida é sempre uma forma elementar: um prisma de base retangular, um cilindro, uma pirâmide, cúpulas, paraboloides, abóbadas de berço, formas livres, não importa a elaboração pela qual tenham passado durante o projeto ou processo projetual. Os apoios são sempre pilotis, pilotis compostos, arcadas, colunatas, inovações plásticas (colunas dos palácios de Brasília). Comumente, percebem-se os jogos rampas, conforme apresentado por Le Corbusier (internas e externas), que servem para apreciação do contexto. E estão sempre presentes os moduladores climáticos como brises–soleil, marquises, galerias e variações. Exemplos: • a barra horizontal ou curva: dimensão horizontal maior que a vertical (Copan); • a torre: única ou duas (Congresso, em Brasília); • edifício circular de baixa altura: com pátio interior ou não (Museu do Índio); • a marquise orgânica: maior e menor escala (Ibirapuera); • a plataforma tapete e plataforma habitável (Congresso, em Brasília); • as cascas de concreto em forma livre (Capela da Pampulha); • O edifício viga: onde a estrutura é externa e está posicionada nas laterais do edifício, que o suspendem, e, portanto, não toca o chão; pavimento térreo permeável (Editorial Mondadori). Na composição aditiva ou por partes (elementar), esses elementos voltam a aparecer, mas, agora, em edifícios com escalas maiores ou em conjuntos de edifícios. A composição elementar pode acontecer com dois componentes volumetricamente conhecidos, coincidindo com elementos importantes do programa ou com elementos que se conectam. • Edifícios de formas simples e elementares são conectados pela marquise (Ibirapuera); • Um bloco maior repete quase todo o programa, e o bloco menor é destinado a um programa à parte (Hospital Sul-américa; Sede do Partido Comunista). Portanto, essas serão algumas das estratégias projetuais que identificaremos nos projetos a seguir. 39WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2.2 Projetos e Obras 2.2.1 Grand Hotel, de Ouro Preto (1938-1940) O Hotel para Ouro Preto, proposto por Oscar Niemeyer, se configurou como uma barra linear de estrutura independente de concreto, térreo livre, com garagem e pilotis, quartos com mezaninos e quartos individuais, além de cobertura com telha capa canal (ou colônia) de uma água (Figura 5). Esse bloco linear que separa a estrutura da vedação associa elementos coloniais nos fechamentos com as formas abstratas e estruturas formais modernistas, como havia ensinado Lúcio Costa (Figura 6). Figura 5 – Corte do projeto para o Grande Hotel, Ouro Preto. Fonte: Comas (2010). Figura 6– Grande Hotel, Ouro Preto. Fonte: Comas (2010). 40WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A solução final proposta por Niemeyer se apoia em certas características corbusianas: o bloco puro branco, solto do solo pelos pilotis que acomodam o edifício na sua condição topográfica, com rampas de acesso. Mas, com relação aos projetos anteriores do mestre francês, aparece uma novidade fundamental – o telhado de uma água caindo para a rua e as esquadrias em madeiras seguindo o modelo de muxarabis, fazendo referências ao meio colonial barroco. O modelo esquemático de monobloco, cuja forma foi moldada, será reutilizado por Niemeyer em diversos outros projetos. 2.2.2 Os projetos para Pampulha O conjunto arquitetônico da Pampulha é composto pela Casa do Baile (1942), Edifício do antigo Cassino (1942), o Iate Clube (1942), a Igreja de São Francisco (1943) e a casa de Juscelino Kubitschek, todos implantados junto à lagoa artificial da Pampulha, em Belo Horizonte. Encomendados por Juscelino Kubitschek no início da década de 1940, esses edifícios foram inaugurados em maio de 1943 e visavam a revelar modernização para a capital mineira a partir da arquitetura. Com essa encomenda, Niemeyer pôde projetar cinco soluções diferentes para atender os específicos programas (Figura 7). O complexo foi tombado como patrimônio cultural federal, estadual e municipal, sendo reconhecido como símbolo da história do Movimento Moderno Brasileiro e de identidade da capital mineira. O conjunto ganhou mais destaque pelo seu caráter modernista também pelos painéis de Cândido Portinari, o paisagismo de Burle Marx e as esculturas de Ceschiatti, Zamoisk e José Pedrosa. Figura 7 – Croqui do Conjunto da Pampulha, Belo Horizonte. Fonte: Baratto (2016). 41WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Na Casa do Baile, nota-se a estratégia de Niemeyer de moldar a forma pura em concreto, conectando duas formas circulares por uma marquise orgânica, sob pilotis revestidos em pedras (semelhante ao projeto do Ministério da Educação e Saúde, do Rio de Janeiro) e com guarda- corpo revestido por azulejos, fazendo referências à tradição colonial. Figura 8 – Casa do Baile, Belo Horizonte. Fonte: Portal IPHAN (2021). O edifício proposto para o Cassino (Figura 9) também surpreende pela sua associação formal de quatro volumes que compõe o projeto arquitetônico: a articulação entre a caixa, o cilindro, o bloco e a marquise garante quatro elevações tripartites, cada uma com elemento central projetando-se sobre colunas. O acesso é frontal, mas a obliquidade aviva o partido arquitetônico. A espacialidade interna remete a toda criatividade proposta por Niemeyer e Lúcio Costa no Pavilhão de Nova York pelo pé direito duplo. A marquise que marca o acesso se sustenta por ‘pernas’ finas de aço. Figura 9 – O antigo edifício para o Cassino, Belo Horizonte. Fonte: Comas, 2008. 42WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR QU IT ET UR A BR AS IL EI RA | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O Iate Clube havia sido concebido para ser um equipamento público de lazer e esporte para a população de Belo Horizonte. Aqui, a novidade plástica explorada por Oscar Niemeyer é que a caixa de vidro com brise-soleil em uma das fachadas agora recebeu um telhado duas águas invertido, conhecido também por telhado borboleta (Figura 10). A casa proposta para Juscelino Kubitschek
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