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Presidente da Repúbl ica Lu iz Inácio Lu la da Si lva Min istér io da Educação Fernando Haddad Secretár io–Execut ivo Jairo Jorge da Si lva Secretar ia de Educação Cont inuada, Al fabet ização e Divers idade Ricardo Henr iques Ia iá Cabocla OEIX UFMG – Univers idade Federal de Minas Gerais Reitora Ana Lúcia Almeida Gazzola FALE – Faculdade de Letras Diretora E l iana Amarante de Mendonça Núcleo de Pesquisas Transdiscip l inares L iteraterras: escr ita, le itura, traduções Coordenadora Mar ia Inês de Almeida OEIX – Organização da Educação Indígena Xacr iabá Presidente Francisco Ficha catalográfica elaborada pelas Bibliotecárias da FALE/UFMG Índios Xacriabá I39i Iaiá cabocla / Povo Xacriabá. – Belo Horizonte : FALE/UFMG : CGEEI/SECAD/MEC, 2005. 19 p. : il., xilograv. ISBN: 85- 87470-77-9 1. Índios Xacriabá. 2. Literatura indígena – Brasil. I. Título. CDD : 898 Povo Xacr iabá Ia iá Cabocla FALE/UFMG CGEEI /SECAD/MEC 2005 Este livro é resultado das pesquisas e da experência literária (escuta, escrita, tradução) dos professores Xacriabá em formação para o Magistério, no Programa de Implantação das Escolas Indígenas de Minas Gerais (SEEMG/UFMG/FUNAI/IEF), coordenadas pelas professoras da FALE/UFMG, Maria Inês de Almeida e Sonia Queiroz, de 1996 a 2003. Gravuras oficina na EBA/UFMG (2002), coordenação de Daisy Turrer Produção editorial Edições Cipó Voador Coordenação Maria Inês de Almeida Capa Morena Tomich a partir de gravura Xacriabá Diagramação e arte-final Morena Tomich Apoio CNPq, CENEX/FALE, FUNAI Histórias contadas por João Barbosa dos Santos (75 anos) da aldeia Santa Cruz 9 Iaiá Cabocla Aqui no Xacriabá Tem a nossa Iaiá Uma onça invisível Você pode acreditar. Antigamente existiam Em todas nossas aldeias Muitas caças lá do mato E também muitas abelhas A gente comia as caças Que existiam por lá. Esta é uma história Que nunca pode acabar. Lá mesmo aconteceu História de arrepiar: Dois irmãos foram pro mato Dizendo que iam caçar. Quando chegaram no mato A fome pôs-se a apertar Fizeram uma simpatia Para a fome não matar: Um deles pegou três folhas E saíram pra um lugar Onde tinha um gado gordo E bom de aproveitar As folhas ele pegou Pra quebrar a simpatia O medo foi apertando Que suas pernas já tremiam O índio virou uma onça Conforme o combinado E veio logo correndo Pois tinha matado o gado Querendo as folhas na boca Ela veio se aproximando Seu parceiro não resistiu E correu logo chorando. 10 A terra Xacriabá É uma terra querida O coitado do rapaz Encantou pra toda vida. A história também se conta De uma forma diferente Pois faz parte do passado E também do nosso presente Uma índia e seu irmão Saíram pra um lugar Onde tinha muito gado Na terra Xacriabá. A índia falou pro irmão Com uma grande emoção: “Toma aqui esse cachimbo E segura em sua mão. Eu vou matar uma rês Na fazenda Riachão. Quando eu voltar como onça Eu vou abrir um bocão. Você coloca um cachimbo Pra eu soltar um buerão.” Mas o rapaz não resistiu E saiu de carreirão. A índia ficou encantada É a protetora daqui Ela vira uma onça E também uma juriti. Na onça Iaiá Cabocla Nós temos que acreditar Pois ela é da cultura Do povo Xacriabá. Aqui morava um homem Por nome de Vicentão Que bebia muita pinga E caía pelo chão. Acho que ele falou mal Da senhora da nação E ficou com tanto medo Que foi falar com Estevão. Tem na grota do arrozal Um coqueiro de três galhos Quando passo vejo ele Molhadinho de orvalho De volta ninguém vê mais Porque ele é encantado Pode ser que a Iaiá Dê alguns assobiados. Dizem que nesse lugar Vem cantar uma juriti Chega lá o gato mia Coisa que nunca vi. Aqui terminam as histórias Que ouvimos o povo contar Da nossa Iaiá Cabocla Da tribo Xacriabá. (Professores da aldeia Brejo Mata-Fome) 11 13 I Uma moça ia se casar sua irmã foi buscar uma mala muito longe de casa. Quando chegou no meio da estrada, atrás de uma grande árvore, ouviu um assobio muito assombrado e fino. Nesta hora, ela já não viu mais a estrada. A moça sentou-se numa pedra e pôs a mão no rosto. E abaixou a cabeça e falou assim: “Será, meu Deus, que eu estou perdida nesta estrada tão comprida?” Quando levantou a cabeça, a estrada era novamente larga e comprida à sua frente. Era ela a Iaiá Cabocla. 14 II Aqui mesmo onde é a nossa sede, aconteceu uma história da Iaiá Cabocla. Morava um homem por nome de Centão. Ele bebia muita pinga e era muito bagunceiro. Ele então falava que não tinha medo dela. A casa onde ele morava era cercada de madeira e as portas eram fechadas com varas. Então um dia, a Onça bateu na porteira e assobiou. Depois veio até a porta da sala. E chegou até a porta do quarto dele, porque a porta também era de vara. Ele não resistiu mais, foi correndo à casa do Estevo Gomes, que ia dar um um jeito nela. 15 III Iaiá Cabocla vinha dentro da área e assobiava uma música. Ela vinha e conversava com o índio Estevo Gomes de Oliveira. À noite o Estevo falava com a Iaiá Cabocla conversando sobre como estavam as coisas naquela ocasião. Nesse tempo eles agradavam a Iaiá com fumo e quando vinha uma pessoa fraca ela ficava nervosa porque eles conversavam coisas que não agradavam a ela. Ela batia de chicote corria com eles da casa Precisava conversar com o Estevo Gomes de Oliveira. Aí ele ia, conversava com ela e ela deixava de mão. A música que ela assobiava era linda. Aqui dentro da área tem um encanto muito lindo e uma luz. Ela caminha em volta da nossa área. Ela anda, sobe e desce em volta da nossa área. Ela roda em volta do coqueiro de três galhos que tem na grota do arrozal. O nosso cacique Manuel Gomes de Oliveira e o nosso pajé José Gomes de Oliveira falecidos já viram a Onça. 16 IV Os mais velhos contam que eram todos unidos o que queria um, todos queriam. Tinha muitas caças. A gente, junto, furava abelhas. Tinha muito tatu, a gente comia tatu assado sem sal com mel de abelhas. Tinha muitas abelhas: muduri, jataí. A gente comia as caças da láiá Cabocla. E quando ela chegava na casa da gente, assobiava aqui na área da FUNAI. Na grota do arrozal tem um coqueiro de três galhos. Este coqueiro está encantado. Quando a gente passa vê ele e quando volta não vê. Aqui perto da FUNAI nasceu uma luz que gira. Aqui, de primeiro, tinha bicho do morro que quando a gente passava corria atrás da gente. O grito dele parecia um berro de marruá. V Antigamente nós tínhamos a Iaiá Cabocla. Ela era uma índia encantada. Ela virava um toco, virava uma onça, virava um gato, virava um cachorro, virava uma galinha. Nessa época, aqui não existia posseiro, porque ela não deixava. Se entrasse, ela metia o chicote. Tinha um comandante dela. O dia que ele amanhecia zangado, ele ia lá, conversava com ela, levava fumo pra ela. O comandante dela chamava Estevo Gomes. Ele também era quase encantado. Ele desencantava qualquer coisa. 17 18 VI Tinha um homem na Prata. Ele falava que não tinha medo da Iaiá Cabocla e ele tinha coração de gado. Então, ele falava se ela pegasse um gado dele ele cortava ela no facão. Justamente na frente da casa dele era um alto escalavrado. Então um dia ela derrubou um garrote de dois anos em frente à casa dele. Então, pra se ver livre, foi preciso ele ir à casa de Estevo Gomes que é quem dominava ela. 19 VII Eram dois rapazes que andavam pelo mato. Um dia saíram em um lugar que tinha um pouco de gado malhado. Então um deles desejou comer acarne de uma novilha. O outro falou pra ele: “Se você tiver coragem, eu viro uma onça e mato a novilha.” O outro falou: “Eu tenho” Ele tirou três folhas verdes e deu para o outro e falou: “A hora que eu matar a novilha, eu venho correndo com a boca aberta para o seu lado, mas você não tenha medo. Coloque estas folhas verdes em minha boca” Mas ele não resistiu por isso ele ficou encantado. Ele aparece como onça e como homem.