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A Noiva do Tropeiro

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BARRETO, Abílio, 1883-
A noiva do tropeiro: romance de .. . 
M 8869.93 BARnoi 1942 
Reg. 007 43 06/09/1 999 
-ABILIO BARRETO 
A NOIVA DO 
TROPEIRO 
Romance de costumes mineiros 
a 
Edição da 
Sociedade Brasileira de Difusão Cultural 
Rio de Janeiro 
Biblioteca Antônio T crr ~ s 
N° de Regislrú: 00 7J.I 3 
Data 06 I 09 J. . .J!L 
-A' m111ha Espo3a, a me,u-s Filho, 
é a mew Irmão.~. 
O. D. e C. 
Ao me•u, A.migo Dr. A.àhemM B. F. 
de Â.8Btunpção - perfeito co~ 
sorci o de cot·ação e e1Jpfnfo. 
EM POUCAS PALAVRAS 11 1 
Ojcreccn.d-0 ás s1tas ·muitas centenas de a8Bociados 
'' A Noiva do '11ropeiro" como a p·rfmeira das obras que 
. se propôs editar, objeti1,ou a Sociedade Brasileira de 
Difu.9ão Oultural proporciona,r-lheg o r:onhecimento de 
Jo·rmoso trabalho de um dos 1W,'JlWB ma,i8 fortes escri-
tores nativistas. 
Abílio Barreto, q·uc honra corn o f'utgor do seu ta-
lento e do 8CU civismo eminent81')iente construtvvo os 
quadro,'j da Administração Mineí,ra,, a que empresta pro-
ficiente coopera,ção no Arqwivo tMwnici7ml ,lc B elo Ho-
'. rizonte e na, organização do seu M1use·u Histórico, sou-
' be fazer do âmbito aparentemente acmihado onde teria 
de desenvolve~> q, s·u,a ação funcional um m.agn1ifico 
campo de peBquizas hiltór·icas, que lhe permitisse di-
, zer ás novas gerações, com a incontestarvcl autor·idade 
qu,e decorre da su.a invulgar eri1,di,ção, o qu,e era a l,"Ua, 
velha e legendária Minas no Passado. 
Neste seu romcvnce em qi1,e, co,,n rara feUo-idade1 el<' 
fa.z reviver velhos hábifos e costumes norte-mineiros 
que, pelas suas caracterist-icas mesmo, se revestem de 
tão acentuado espírito de bras-ilidade, Abílio Barreto 
8 .ABILJ0 BA.RRETO 
crea wn ambiente de tão <mvolve,11,te tcr,wra nos 91'4-j 
dros q1te deBareVf, imprime wrn <Jf.1tnko de tã,o sruwe cn,..~ 
levo ás cenas cn qu.e agita os personagens a que d6 
1 lda, q1ie o sc11, em·edo persiste em conaerv'a,r-se -inde-
levelmente ·na M.Ysa, memória, ' como se tambem nó,'. 
houvessem.os dele participad-0 direta,rnetite, como teste-
munlws oculares de todas a,8 s~s fases. j 
A grmuJ,e bagagem Werária e o re,iome do autor! 
di.spensa1m a 811,(], apresentação ou o elogio da sua obra. 1 
lJJtCimimo-nos, 'J)Orla,nto, des.qc encatrgo, inteiràmcntc-
1 
iti,tUil; mesmo porque - e d-i.sso estamo8 plenamente 
aeguros - a, verdadeira, a legítüna, a gloriosa con.1a-
gração diste rom.a,we se f an·á 11.os corações dos sea,, , 
leitores. 
A -EDITORA. 
CONSIDERAÇÕES PRELIMl'NARF.S 
Este romance, escrito há muitos anos , denominou-
se primitivamente O Tropeiro. 
Tempos depois, relendo-o, julguei acertado dar~ 
he por título o nome de uma das suas principai (i-
uras - Sinhaninha - e assim o relacionei entre os 
méus trabalhos inéditos, nas capas de alguns li vros 
ue publiquei até certo período de tempo. 
Agora, ao lançá-lo à publicidade, concluí que ne-
huma denominação lhe fica melhor do que A Noiva 
o Tropeiro, e assim o batizo ... 
Notarei ainda que as paisagens , os logares e O!-
costumes aí descritos são reai s, como os conheci na 
inha infância. 
Desse fáto é documento a seguinte carta que, cs-
ontânca e bondosamente, me escreveu o ilustre mé-
ico Sr. Dr. Jo:,é Raimundo Teles de Menezes, qu~ 
alí viveu durante 40 anos e viajou palmo a palmo 
odo o município de Diamantina nos serviços de sua 
rofissão e que me concedeu a honra de ler o on-
deste livro: 
10 ABJLIO UARRETO 
"Belo Horizonte, 3 de Março de 1938 Meu 
caro Abílio Barreto: - Cordiais Saudações. 
De um fôlego lí o seu lino "A NOIVA D0 1 
TROPEIRO" e devo desde já dizer-lhe que a !-iUa 
leitura me produziu a mais agradavel das impressões. 
Sertanista apaixonado, é com grande interesse e 
s impatia que leio tudo quanto se refere a lugares, ' 
pessoas e cousa da zona norte-mineira . 1 
Você consegu iu fazer um romance da vida real
1 
de paragens do sertão, sem descer à s cenas escanda- ; 
Josas, como é geralmente costume nos nossos roman- : 
ces reali s tas. Os lugares descritos no seu. livro são
1 todos por mim conhecidos, tendo-os palmilhado em; 
lombo de burro, no aían árduo da profissão de mé-
clico da roça. 
1 
Calhau, cidade situada à margem direita do ca~- j 
daloso Arassuaí, onde residí por alguns anos e dei- 1 
xei ótimos amigos, que já lá se foram na viagem de 1 
onde não se volta mais ; Itinga, pitoresco arrabalde! 
à margem direita do escachoeirado Jequitinhonha; o 
Gravatá, onde estive algumas vezes no exercício da 
profissão, na fazenda do ccl. Antonio dos Santo<, 
Neiva, Barão de Minas Novas; o Setubal, rio cauda-
loso e encachoeirado, onde de uma feita estive na imi-
nência de afogar-me, atravessando-o a nado em uma 
possante e vigorosa besta; a f~r:enda · do Itanguá, 
onde Auguste de Saint Bila.ire v·iu e admirou um 
enorme cocho, feito sem emendas de um pedaço de 
tronco de Ipé, e que era o depósito para JOO alqueires 
A NOIVA DO TROPEIRO 11 
,de 80 litros de arroz, ou sejam 24.000 litros; a fa-
zenda da Canastra, junto ao fe rtil vale <lo Bom fim; 
e, pitoresco arraial do Rio P reto; o Rio das Pedras , 
de águas puras cristalinas e onde na fazenda qu~ 
você descreve ·como sendo a do cel. Leonel, tome, 
muitas vezes café cm casa do Pedro Rabelo ; o Rio 
Manso com o seu belíss imo largo de Matozinhos ; o 
.Mendanha, onde você foi admiravel na descrição da 
alcantilada serra que liga o arraial a Diamantina; em-
fim, a Diamantina . A lembrança de todos esses luga· 
res por mim percorridos me despertou as mais infin-
das saudades. Em Diamant ina, a sua memória prodi-
giosa só comparavel à de Ciro Arno - Cícero Cal-
deira Brant - fez reviver até tipos como o do João 
Coatí , com os seus famosos cigarros confeccionados 
com os ótimos fumos ele Guanhães e da Capelinha , 
que muitas vezes apreciei; e o da Tia Plácida, com 
as suas saborosas almôndegas, recurso providencial 
dos notívagos Batedores de Castelos nas noites es-
plendorosos do luar de Diamantina, talvez o mais 
belo do mundo. 
Você soube descrever com maestria admiravel 1 
imensa vastidão das campinas verdejantes elo municí-
pio da Diamantina, com o rumorejar das águas cris-
talinas cios seus regatos, a profundeza dos seus vales 
e as eminências das s uas montanhas, t esouro ineguala-
vel que despertou a cobiça de todo mundo e armou o 
bra_ço do aventureiro ousado, dominado por sede in-
domavel de conquis tas . Os personagens que giram 
14 ABILIO BAR.RETO 
As longas caminhadas, sob a canícula impiedo 
do sertão, ouvindo, alem dos rumores da natureza,, 
apenas, de quando em vez, a evocadora sonoridade 
dos ci11cer.ros das tropas fatigadas, ens inara.m-me a. 
admirar as paisagens que contemplava sempre nof 
mais doce enlevo. 
E naquel a moldura tranquila pús-me de novo elll l 
contato com as populações rurais, c-om que convivera, 
em épocas distantes oe minha adolescência. 
Foi, então, que melhor pude compreender a iti-
geleza de coração daquela boa gente em que impe-: 
ram, na maioria, os sentimentos de lealdade que você 
revelou, em cores inconfundíveis , no carater de João! 
1vfacota e Pretinha. 
Nas páginas do seu livro percorre-se sofregamen-1 
te o panorama atraente do longínquo sertão norte . \ 
mineiro, sentindo que você casou, num encanto sin-. 
guiar, a emoção da terra, desataviada e simples, com: 
a paisagem humana, rica dos complexos sentimentos 
que a sua sensibilidade, com um lavor de artista, nos , 
soube desfnhar. 
A psicologia do habitante do sertão só pode ser 
traçada por quem possua, como você, alem do "e_s-
prit de finesse' ' o seguro conhecimento de como bro• 
tam e se expandem, na serena qµie ude dos povoados 
e fazendas, a clara flor dos sentimentos que, na sua 
1 
profundidade, levam até ao sacrifício e à loucura, co- ' 
mo no episódio sugestivo e melancólico de Sinhaninha. 
O patrimônio intelectual mineiro tem em você, 
' meu caro Abílio, uma de suas mais fúlgidas exprcs· 
~. ~ 
A NOlVA. DO TROPEIRO 15 
t aõ ; e os belo-horizont inos que sentem grande or-
1 :éµ,lho e carinho pelo creador da sua História,maio• 
i e homenagens espiritua i lhe tributariam ainda, e 
1 ·fbes' fosse dado o prazer da leitura que você, ontem, 
J I e proporcionou e pelo qual lhe envio, alem de ca-
lÓrosas feJicitações, o mais cordial agradecimento. 
O admirador e •amigo - (a) Juscelino Kubitschek". 
D e se tempo de memória tão saudo a, passado 
em distritos de Diamant ina e nessa própria cidade . 
rmeu berço natal, ficaram-me no espírito e no corn-;ão 
·ndeléveis recordações, de envolta com as quais re~ 
· tive cenas, impressões de costumes e de paisagens 
: q.ue procurei fixar nas páginas deste romance para 
· que não se perdessem. 
Recordo-me, por exemplo, que nesse tempo, em 
Diamantina, se falava muito do Calhau, depois Aras-
:;uaí , onde residia um tio meu, e a s referências que 
c011stautb n ente se faziam à natureza, aós costumes e 
'J>rincipalmente à navegação do dois grandes rio que 
!banham esse município impressionaram-me fo rtemen-
te, razão pela qual o fi o novelesco deste li vro se ex-
tt-nde até aq uelas paragens, que mai s tarde pude 
. estudar melhor, percorrendo a cavalo grande parte 
• 'delas, em 1924. 
D e sorte que, neste livro, bom ou mau, exceção 
feita do fio romane co que anima o cená rio e dos 
pcPsonagens aí figurantes, que são pura imaginação 
16 ABILIO BAJlll&· XO . . ' 
do autor, tudo mais nele é real, é exato e poderá 
identificado por quem viajar por aquelas regiões 
beleza sem par . 
Entre outros, dois motivos principais impelira 
me a escrever este livro. 
Bm primeiro Jogar o de satisfazei- o de 
I 
ejo n, 
tural de render justa homenagem à minha cida 
natal. a essa inegnalavel Diamantina, pintando e 
prosa alguma cousa da sua vida de outros temp 
das suas miríficas paisagens e dos seus interessantí . 
simos costumes. 
Depois; vieram-me ao pensamento as tropas e 1» 
tropeiros, benemérita instituição que, durante mais 
dois séculos, havia sido a veiculadora de toda a ía 
tuna que circulou eni nossa terra e que começou 
desaparecer à proporção que foram avançando as C! 
.tradas de ferro e, ultimamente, está quasi extinta cót 1 
o predomínio dos caminhões auto-motores penetranfli ,. 
pelos nossos sertões . · • 
Julguei ser de justiça fazer da tropa 
peiro figuras centrais de um livro, em que guardas 
algu1:1-5 traços da sua , vida, qo seu l~bor, dos se11: 
. prazeres, dos seus sofrimentos e do seu hérbisrn~ • 
an~nimo'. ,.com? uma homenagem agradecid~. E aqu 
esta outra razao de set deste livro. , 
Si,. ltjgrei alcançar com felicidade esses dois objc 
tivos essenciais dirá o leítor inteligente. . . 1 
·Belo Horizonte - 1941. ' 11 
Abilio Barreto. 
A Noiva do Tropeiro 
I 
O sino da capela badalava pausadamente as Ave-
Maria. Padre João do Espírito Santo ergueu-se da ca-
deira, as mãos postas, e ficou a orar alguns instantes. 
~ Igual gesto tiveram as pessoas que o cercavam. Finda 
à- oração, todos sentaram-se de novo, a conversar. 
Era em llio Preto, dist rito de Diamantina, ao cre-
pusculcjar daquele belo e frio dia de fin s de julho, 
,•~ª ampla sala de visitas ci o major José Fulgêncio, on 
~e estava reunida, como era de costume, aquela roda 
ãmiga, no cavaco habitual. 
Naquela tarde, padre João e o major Fulgêncio, am-
bos naturais do Calhau, comentavam fatos atuais e re-
memoravam antigos tempos vividos em sua terra natal . 
E Venâncio Murta, que havia percorrido, palmo a palmo, 
toda a região norte e nordeste de 'Minas, animava a con-
versação, contraditando asserções menos just..s de seus 
amigos, ao passo que D. Isabelinha, esposa de Fulgên-
•cio', s6 de longe em longe arriscava uma opinião ou fazia 
um comentário. 
/ 
Argttmentava-se que a animação reinante, por aque-
18 ABJLIO BARRETO 
les dias, no Calhau, era uma revivescência dos anos sein. 
pre lembrados de 1880 a 85, ao tempo da descoberta do , 
Salobo, à margem do Rio Pardo, quando para ali eram 
atraídos, assim como para Cana vieiras e Belmonte, na , 
Baía, levas e levas de aventureiros, à cata de diamantes. 
Dizia-se que o Calhau entrara numa nova era de , 
navegação igual à daqueles belos tempos, em que o rio 
Jequitinhonha, povoado de canoas, indo e vindo, levando 
os produtos da terra e trazendo o que faltava à região, . 
lembrava imenso carreiro de formigas. O padre e o dono 1 
.cfa casa eram otimistas, ao passo que Venâncio via na-
quele surto de animação um esforço passageiro que re-
1 
sultaria inútil, porque não tinha base segura. 
_ Bons tempos aqueles, meus amigos - disse Fu\. 
gêncio - quando eu via as canoas _descendo e subindo o 
Jequitinhonha, cujas águas se fundiam com as do Aras. 
suai na Barra do P ontal. Os canoeiros . cantando à proa, 
levavam para Canavieiras os nossos produtos e de lf 
traz-iam-nos sal, cocos, fazendas e mercadorias estran• · 
_geiras, importadas pela Baía. Calhau era o entrepost 
co.r;nercial éle todo este norte e nordeste. 
- · O que era aquela arriscada navegação! - excla· 
mou Venâncio Murta. 
- Um prodígio de coragem, destreza e vontade 
ajuntou padre João. 
• > 
- , N.:J. descida - prosseguiu Fulgêncio - pelo Jej 
'empedrado do grande rio, os canoeiros, governando cdn: 
o varejão. as ..,embarcaçõcs carregadas, precisavam ser dl 
uma firmeza absoluta de olhar e de movimentos, pa 
A NO J \IA no T R OPE IR O 19 
n;" p atirarem a s canoas de encontro aos rochedos de 
qµe está eriçada a caudal. 
Era de ver como se desviavam, velozes, por entre os 
sucessivos estreitos rochosos. manobrando prodigiosa-
mente, à voz enérgica <lo piloto . Muitos, a-pesar-de ttldo 
isso, lá f icararn sepul tados. Mas o perigo não tirava a 
ca.lma à.q eles homens extraordinários, nem lhes arrefe• 
eia o bom humor. O caldeirão da feijoada com toucinho 
fervendo à popa, ao fog-acho feito sobre lastro de areia, 
mal passados os momentos perigo os, lá iam conversando 
e cantando, atirando adeuses aos moradores das palhoças 
ribeirinhas , descendo sobre as águas, vendo fugir espa• 
voridas, nívcas garça , a rirís, marrecos, socó , ouvindo 
gemer nas matas marginai s as pombas verdadeiras e fa-
zendo mergulharem- e, temerosos, os grandes jacarés que 
andavam f areja.ndo à flor das águas. O almoço era sim-
ples, mas abundante e alegre. Nele não en trava o álcool, 
embora fossem todos grandes bebedores. A severa. d isci-
plina .dos canoeiros não o permitia nas horas de trabalho. 
'Quando a noite caía, então, sim, abarracavam-se nas 
pitoi-cscas ilihas e após o jantar · bem regado pela caninha, 
trovando ao som <la viola, não raro en tre amáveis com-
panheiros de vida boêmia, que levavam para a Ba ía e 
de lá t raziam, quebravam a quietude daquelas paragens 
bárbaras com a sua a legria ruido a, para, ao a lvorecer 
do dia seguinte, recomeçarem a mesma labuta. Eram ho-
mens semibárbaros, que comiam muito, donniarn pouco, 
amavam à lei da natureza e morriam cedo, devido à ali-
mentação contínua de carnes, gordura e outras comidas 
muito azotadas. 
20 AHI L IO BAR Hí:: T O 
Belos tempos aqueles das minhas viagens com 
tropa do Calhau por esses sertões a fora - ajuntou Ve-
nâncio - onde não se falava senão na.._ chitas, nos cola-
res, na "iaiá de ouro", nos grandes lenços estampados, 
nas reudas de bilros, da Baía, no pano da Costa e ern mil 
outr:is cousas que nos traziam os canoeiros. Ao Calhau 
vinha t<:r tudo isso e clalí carregava eu tudô isso por 
estes mundos ... 
_ Éramos, como disse o Fulgê.ncio, um grande en-
treposto comercial do norte de Minas e do Sul da Ba!a 
_ afirmou padre João. Imensa fortuna desceu e subm 
pela itguas do nosso grande rio, sendo para se lamentar 
que de todo esse tesouro não nos tenha ficado um bene-
ficio, uma obra Juradoura. Eram rios de dinheiro que 
iam e rinham, numa prodigalidade fantástica, de mão em 
mão, sem que alguern se lembrasse ele erguer um belo 
templo, uma casa de caridade, um asilo para necessi-
tados. Foram esforços dispers ivos de que só nos res-
tam a lembrança e a saudade. 
- Lamcntavcl dissipação! - exclamou D. Isabe-
linha. 
- Com a extinção da fama da descoberta do Salobo, 
com o desenvolvimentoda cultura de cereais no sul da 
Baía, com o avançamento da estrada de ferro Baía e 
Minas pelo vale do Mucurí, rumo Teófilo Otoni, e com 
os progressos da Central no territ6rio mineiro, as cousas 
foram-se mudanclo, o nosso comércio foi -se deslocan-
do . . . - acrescentou Fulgêncio. 
- Caprichos do progresso. . . - ironizou Venâncio 
- Que vimos nós desde então? A pobreza, o êxodo, a 
A l's ll!VA DO T ROP E IRO 21 
di sper são, a lamúria , as tragédias cios r,t· tira.ntcs pelas es-
trad as, nas seca s bra vias , em dema nda de vi<l a menos 
ing rata e de terras mai s dadivosas . 
Padre J oão, sorvendo uma pitada de rapé e asso-
ando-se com fragor no lenço de alcobaça, protestou: 
- .l\fonos essa de atribuir ao progresso a decadência 
atual do Calhau. Grande cousa é o progresso e é dele 
qu e precisamos . com a breca! O que fo i, tinha d e ser. 
Neste mundo tudo tem a sua fase de evolução, apogeu e 
decadência. Não nos revoltemos cuntra as leis naturais ... 
- D e acordo, J >adre Mestre, de acordo, - apazi-
gou V cnâncio. Mas . . . 
Fulgência, porem, retomou o fi o da conversa: 
- Disse muito Lem o Padre Mestre, meu caro Vf.!-
nâncio: tinha de ser, JXJÍs com o avançar daquelas ferro-
vias pelo território mineiro, cessou a razão de ser da 
navegação intensa do J equitinhon!ia: os munidpios que 
comerciavam conosco e com a Baía por nosso intermédio, 
encontrado mercado.- mais accessívcis, abandonaram-
nos e, alem d e nos abandonarem, começaram a atrair 
os nossos homens ; consequentemente, decaíu o Ca-
lhau, desenvolveu-se a emigração, e m debandada para 
as matas do Peçanha e outros pontos; as tropas que, 
anteriormente, vinham para o norclcs tc, rumaram para 
outras plagas ... 
- E caímos para se mpre na apatia - acrescentou 
triunfalmente V cnâncio. E' o que eu digo . . . 
- Para sempre, não! - protestou ~dre João, en-
direitando-se na cadeira. Isso foi uma crise, como todas 
Z2 ABILIO BARRETO 
as crises . .. Mas veio a reação e da boa. Aí temos a~ora 
ci município outra vez animado . .. 
- Fogo de palha, padre João - argumentava Ve-
oàncio. Não há base séria para um recrguimento. Isso 
que aí está não passa de entusiasmo efémero. Vai ver. 
- Não -erei - atalhou o sacerdote. Se não ressur-
gir a nossa navegação fluvial, lá irão nossas tropas a 
Teófilo Otoni, Diamantina, Minas Novas, a t odo o 
norte, levar nossos produtos ao encontro das ícrroviás 
e trazer-nos o de que carecemos. 
Venâncio Murta não se deu por vencido. Mostrou 
ainda que o Calhau pouco tinha para exportar e que 3 
export.1ção desse pouco, em lombo de burro, era impra-
tica\·el. Padre João discordava com novos argumentos, 
quando D. Isabelinha se levantou e foi ver o café das 
Ave-Maria. Fulgêncio classificou o amigo Venâncio de 
pessimista e terminou apelando para a estrada de ferto, 
que um dia não longínquo, revolucionaria com o (>nl· 
g,-esso aqueles chapadões. O padre aplaudiu, num tri-
unfo, aquele vaticínio e Venâncio concordou que a ferro-
-ria resolveria o problema do Calhau, mas a.chava que ttld 
seria para seus netos a realização daquele sonho. 
11 
A conversa. JX>rem, foi interrompida pela chegada. 
Je um moço de seus vinte e oito anos, alto, moreno-claro, 
ombros largos, cabelos e bigodes negros, ol,hos castanho 
escuros, muito simpático. A sua entrada na sala todos 
se levantaram. 
- Ora viva, José Lucas! - saudou Fulgêncio, abra· 
çando-o, no que foi imitado pelos outros amigos. Voe.e 
por aquí ! . . . Quando chegou? 
- Agorinha m esmo. Bati cargas na rancharia do 
Venâncio e, sem perda de tempo, mal petisquei qualquer 
cousa, vim aproveitar um pouco da prosa ... 
- E filar o delicioso café da Sra. O. Isabel, mar-
reco! - gracejou padre João. 
- Assim como há de filar, amanhã, o meu al-
moço - ajuntou Venâncio . 
- Perfeitamente - respondeu o moço. Isso assim, 
logo ao chegar, uma prosa, um café e um convite para 
almoço já é ter entrado com o pé direito ... 
Veio o café e D. Isabelinha. fez uma festa ao ver 
José Lucas, querendo saber que sumiço era aquele do 
moço arrieiro. 
- Arrieiro, não, D. Isabelinha - protestou o re-
cem-chegado. Fui arrieiro, mas hoje sou dono de tropa 
e viajo por conta própria. Levo aí um carregamento de 
toucinho para Diamantina e outro de algodão para Beri-
berí e S. Roberto. Realizei, afinal, o meu sonho ... 
24 ABILJO D ARRETO 
Bra\'o ! - aplaudiram todos. 
E bem depressa você o realizou, disse Fulgôncio. 
- O ra, com vontade e trabalho tudo se consegue _ 
volveu o moço. 
- Tudo, até o reino do céu - ajuntou padre J oão. 
- Coote-nos Já isso - pediu D. I sabel. 
E J osé Lucas, acendendo um cigarro de palha, con-
tou o seu caso. que era um caso pe rfeito de vocação. 
Como sabiam, d esde pequeno sempre tivera decidida incli-
nação pa ra a vida aventurosa ele tropeiro. E m Montes 
Oaros, onde nascera e fizera o seu curso primário, não 
havia nada mais encantador para ele do_ que estar no ran-
d10, vendo chegar e sair as tropas. Chegava mesmo a 
ter inveja do cozinheiro, quando o via. no rancho, prepa-
rando a comida, ou ia montado no cavalo-madrinha acom-, 
panhando a tropa. Aos 1 O anos o pai mandara-o para 0 
Seminário de Diamantina, no desejo de fazê-lo padre, 
Fora contrariado e ali estivera an os, como um pri-
sioneiro, que só tem um sonho - a sua liberdade. Morto 
o pai, voltara, aos 14 anos, para a terra natal, sendo 
logo forçado a trabalhar para prover a subsistência pró-
pria e da velha mãe, que ficara paupérrima. Emprega-
ra-se então no comércio e não ia mal, porém a vocação 
em breve o arrastara para a vida de tropeiro, ainda que 
contrariando a vontade materna. Cortara aqueles sertões 
de fora a fora, até que, atraído pela fama do Calhau, 
abalara-se com a velha mãe para I tinga, onde passara a 
dirigir três lotes de burros da firma Vargas & Salgado, 
em constantes viagens por Teófilo Otoni, Minas Novas, 
Diamantina, Grão Mogol, Salinas, por todo aquele ser-
A NúI V A DU TROP E IR O 25 
tão, e.n fim. Ultimamente, com as ccvnomias que tinha 
depositadas em mãos dos patrões e mais cmpr ··stimo-
zinho que estrs Ule fizeram em boas condições, comprara 
trés lotes de bes tas <lc ponta de <ledo e um ca \'alo- ma-
~~ 1 t " " <l . drinha, sem con=r a va en e ruana e sua monta na, 
que valia uma fortuna. Vira realizado o seu velho sünho 
e alí estava agora, feito dono de tropa, na sua pri-
meira viagem por conta pró pr ia. 
- Simples e interessante história ! - comentou 
D. Isal)elinha. com aprovac;ão dos demais. 
- Realmente, quem nasceu para tropeiro num:a che-
garia a ser um bom padre - sentenciou padre João. 
A vocação é um fato. 
T odos concordaram que a vocação era t1111 fatu e 
D . Isabel mostrou-se interessada em saber que pensava 
0 Sr. José Lucas a respeitá de casamento, se já havia 
feito a escolha ... 
- Contínuo a depender da noiva, D. Isabcl inha. 
A-pesar desta minha vida de judeu errante, ainda não 
encontrei uma moça que me fizesse pensar em casamento 
e creio que, embora não me tenha feito padre, morrerei 
solteiro ... 
- Não há de ser entre essas lindas mo renin(1as do 
norte de Minas que V. escapará - gracejou Venàncio. 
- São favas contadas . . . N ing uem as res i ·te . • . 
acrescentou Fulgêncio. 
- Pode ser . . . pode . . . - respon<le11 José LuL-as . 
E padre João, batendo a caixa de encontro à mão 
para juntar o rapé, aconselhou : _ . 
- Pois é escolher o amigo José Lt1cas essa Jl11a e 
26 A.BILIO BARRETO 
trazê-la aos banhos ... Cá estamos para o conJugo e 
para os doces ... 
_ E por falar em doces, Sr. José Lucas, fique con-
vidado para uma festinha que vamos fazer de hoje a li 
dias pelo aniversário do Fulgêncio - convidou D. lsa-
belinha. 
_ E' verdade - disse Fulgêncio - Regule bem os 
dias da sw viagem e esteja aqui no dia -30, para parti-
cipar de uma leitoa, um perú, algumas garrafa_s de 
vinho do Palácio de Diamantina e um rasta-peztnho, 
que a Isabel está preparando. Contamos com você. 
_ Farei O possível para não faltar. Salvo força 
maior. garanto mesmo que não faltarei- concluiu o 
moço, <lepois de ter agradecido o convite. 
A palestra ainda se aloogou por algum tempo, sal-
tando de assunto a assunto, na maior jovialidade. Fala-
ram do tempo, que corria bem, dos preparativos para as 
roças, de negócios, etc. José Lucas fez o elogio da sua 
trOJXl, que viera de Itinga até alí folgadamente, com 12 
arrobas cada besta. Mas tambem quem ' tinha como ele 
um camarada do valor, da experiência e da dedicação do 
Jofió Macola, podia e tar descansado. Partiria no dia 
imediato para Diamantina e, no dia 30, pretendia bater 
cargas de novo no Rio Preto para tambem festejar o 
aniversário do amigo Fulgêncio. 
- Vai ser um festão - asseverou padre João. 
D. lsabel tem dedo para a cousa. E cotn esta vou-me 
raspando, que amanhã tenho de celebrar cedo. Boa noite, 
mtus amiros. 
A NOIVA DO TROPEIRO 27 
- Boa noite, padre João - responderam todos, 
acompanhando-o até à porta. 
Venâncio Murta e José Lucas tambem se despedi-
ram e saíram logo, descendo, juntos, pelo largo da igreja, 
que estava quasi deserto. Pelas casas baixas que o circu-
lavam. apenas uma ou outra vozeava ainda iluminada. 
As demais estavam fechadas e em silêncio. Tosando a 
grama do largo alguns animais pastavam, bufando, no 
silêncio da noite. Uma toada monótona e triste de san-
fona vinha. de rua afastada e punha uma nota dolente· 
no ar parado. 
Os dois amigos iam conversando e fumando. A casa 
de Venâncio ficava próxima ao ran cho, pouco alem do 
târgo. Quasi ao chegarem ali, surgiu-lhes pela frente o 
Maneco Sirirí, azafamado, mastigando uma ponta de 
cigarro, o chapéuzinho de capim no alto da gaforinha, 
arrastando uma. espora só, contando que o Nenê Roldão 
acabava de fazer mais uma desordem na rua de trás, ' 
sovando o Bento Inácio a rabo de tatú, por via de uma 
mulatinha assanhada que era "moça" deste. Sirirí dizia 
que a mulatinha era mais homem do que o Bento Inácio. 
Se não f ôsse ela o porq1wra. do Ilento estaria nó outro 
mundo. 
O Bento não reagiu, Sirirí? - perguntou Ve-
nâncio. 
Quá ,-eagiu> quá 1rada! O Be,ito é um patife. 
A.rengot,, arengo"> mais pr>tem, quando provou o rabó 
de tatú, untou tcbo nas ca1telas, usou das armas de veado 
e virou arcanfô. . . A nwrena, a Chiquinha Piabá, I que 
2 
... IIJLJ O BARRETO 
reagiu, mais lambem e11tro" uo rabo de tatú. O Nenê é 
timfr.•e I E' l1om1t como tri,tta ! 
- E a polícia? - perguntou José Lucas. 
- Aqr,r./r cabra argu,m dia coutou com, s ordado, 
meço? - dissP .Manrro. As í11turid-ades inté tem medo 
ckle. Preg,mfc aí a sô Venamço que-ni é N en ê Roldão. 
- E' a maior peste que há nestas rodondeza 
confirmou Venâncio. E' um desordeiro <la pior e s pécie, 
difamador e a sas ino. Dizem que já praticou várias 
mortes e, ao que me consta, nunca foi preso. 
_ Nut1ca! - co11fir111ou Sirirí. - Co·ni aquclr s6 
churnbo e chumbo pcrdigôto. Tá bão, inté m11i.11>hã 
pr'a11rês. 
- Até amanhã, Sirirí - responderam os doí !-, que 
se puseram de novo a andar, até a esquina, onde Venân-
cio se despediu do seu amigo, dizendo-lhe: 
-Não falte ao almoço. 
- Promessa é dívida. Lá estarei - respondeu José 
Lucas, apertando-lhe a mão, recolhendo-se ao rancho. 
No rancho, mal aclarado pelo fogo mortiço de alguns 
tições, João Macota assentado sobre um couro abertg 
num dos corredores fonnados pelas cargas e cangalhas, 
"ponteava a inhuma" na sua viola, de Queluz. 
Nt> dia seguinte cedo foi com verdadeiro entusi-
' 1 
asmo que José Lucas assistiu à partida de sua tropa, de 
pé, na esplanada do rancho, dizendo ao João Macota que 
fo e tocando devagar. Ele, José Lucas, iria almoçar com 
0 Venâncio e receber uma carta que este ficara de escre-
ver a.o Mota, do Gratide Empório do Norte, na Diaman-
A ~ O I V .\ D O T R O P F. 1 R O 29 
tina. Talvez não o alcançasse antes do pouso no Rio 
Manso. 
Mal os camaradas soltaram o burro <lo couce J , 
1 " , ase cava gou a sua ruana", que girava impaciente cm 
torno da estaca, e foi apear-se à porta d V · · o enanc10 
dizendo a este, que o veio receber à entrad.a. ' 
-Olhe só por gosto Venâncio <l. · • . ' , e 1ga-me se com 
esses tres lotes de f1arn;a não fare · · 1 · d 
• . 1 a min 1a 1n epcn-
denc1a. 
- Não há dúvida - aprovou o outr d 
d f ·1 1 , 1 . o, ven o a tropa es I ar pe as u tunas ruas do arra· 1 . , b. 
E, . 
1ª , Jª em 1cando na 
estrada. <las mai s belas tropas t 
, •. , que eem pa. sa<lo por 
aqu1 e com ela voce Ira longe segu , ramcnte 
- Depois, Venâncio _ prosseo,iiu J o : L 
• 1:,~ se ucas, apon-
tando para a figura varonil do camar d d • 
~ a a e confiança 
que se afastava nas pégadas da bt d 
. _ trra a - camarada 
como o J oao Ma cota não há Tem a forç 1 • . · a, a va entia e 
a coragem de um tigre e é um corar:- d b -. "ªº e pom a. Nao 
sabendo sequer assu1ar o nome é de um ·d d 
. . • . • a sagac1 a e e 
rntehgenc1a raras. N,ão há situações d. fi' · -1 ce1s que nao re-
sol ~a, ne~ reveze~ ~ue lhe tirem a calma. A sua fi-
de11dadc nao tem limites e confio mais nel d 
• , • e - e o que em 
mim proprio. 
- A quem o diz. . . - observou Venâncio. 011 heço 
o Macota não é de hoje. Não há outro igual nestes ser-
tões. Nem sei como você conseguiu contratá-lo. 
- Pois não tive a n1enor <li f iculdadc - explicou 
José Luc~. Conheço-o há muitos anos, <lesde quando 
fui para !tinga e me fiz arrieiro. De tanto viajannos 
juntos, fizemos-nos amigos, até que, de uma feita, ele 
JO A D I L fO BAR R ETO 
me disse: - "No dia em que m ecê comprá uma tropa 
pode contá comigo p'ra camara<la". E ele que nunca 
faltou à sua palavra, aí está. Garanto que, por dinhei-
ro algum, me deixará . Tambem não o trato co mo 
camarada, mas como. o melhor dos amigos . 
_ E ele bem O merece - afirmou Veuâncio, con<lu-
zindo O anugo para a sua sala de visitas, onde prossegui-
ram a p.1Jestra, até que D. Constança, esposa de Venân -
cio, veio chamá-los para o almoço, dizendo que este havia 
sido abreviado porque o Sr. José Lucas tinha de viajar. 
E durante O almoço, a bondosa matro na, p rod iga-
lizando ao convidado as maiores amabilidades, quís sa-
ber por que motivo ele estava ainda solteiro, sendo. co-
mo era, um moço "tão aparecido e <le tão bons modos,, -
- E' curio o - respondeu José, pilheriando, a sor-
rir. Parece-me que todas as senhoras são devotas de Santo 
António ... Ainda ontem era D. l sabelinha do Fut-
gêncio e hoje é a Sra. D. Constança a querer saber por-
que ainda não me casei Ora, a razão é muito simples, 
minha senhora: ainda não encontrei a criatura que o, 
destino me tem reservado, se é que ela existe ... 
- Pois olhe, Jo é - observou Venâncio - es 
iniciati,,a das senhoras significa apenas que você é · ui 
bo ºd m parti o ... 
- Ora, mais esta. . . - comentou o moço, lison:. 
• 
jeado. 
- Exatamente - volveu D. Constança. E a prova 
' que não dizemos o mesmo de uns tais que temos por 
aí, como o Quincote, filho d.o Coronel Juca do Mulungú, 
A NOIVA DO TROP EIRO 31 
um perdido, que só nasceu para fazer a desgraça de po-
bres moças inexperiente ... 
José Lucas , porem, não conhecia O Quincote e li-
mitou-se a agradecer à bondosa enhora os elogio - que 
lhe fazia, ouvindo depois o Venâncio dizer: 
- Já vê você, José, que a sua reputação está f ir-
m acla tamb ·m entre a ~enhora , que são todos d evo-
ta de Santo Antônio ... 
- Bravos - galhofou o moço. Agora só m~ falta 
firmar a reputação entre a s moças ... O melhor. po-
rem é não pen_ ar em casamento, por enquanto. Quan-
do eu e ti ve r bem ri co ... 1 
Findo o almuço, o nosso jovem tropeiro, ag rade-
cido aos donos da casa, que o vieram trazer ú porta , 
despediu-se e, ca valgan<lo a sua be ta de ela, partiu 
nas pegadas de s ua tropa. 
Enveredou pela estrada do Rio Man. o, o grande 
chapéu de lebre desabado, lenço de eda creme ao pes-
coço, pemeiras de couro de porco, tilintando as rosetas 
das chilenas e fazendo estalar na tábua do pescoço <la 
"ruanaº" as t a las larga do chicote. A manhã fora fr ia, 
· mas àquela hora o lindo sol de inverno era uma delícia, 
convidava a viajar e produzia em José Luca omaior 
bom humor. Sem pre sa, na certeza de que não alcançaria 
mais a st~a tropa senão no rancho, não quis força r a 
marcha da sua montaria: deixou-a seguir naquele µicado 
estradeiro, que lhe lembrava O . balanço ama.vel de uma 
rede . E lá se foi , apreciando a paisagem que não via 
desde longa data, a chupar vastas fumaças do seu I ngo 
J .. ABJLlO BARRETO 
cigarro de palha. Por a lí , como ern todo o ertão, ]avra-
am as queimadas e le a ssis tia aquí e acolá, sem admi-
ração, às renas va11dálicas de formidáveis incêndios atea-
dos pela mão <lo homem , nas matas. capoeiras, campos 
e colina , à~ ,·ezes com o fim util de preparar terra:s pan1 
a lavoura e outras veze pelo mero prazer diabólico do 
espetáculo sinistro que as queimadas proporcionavam. 
Era-lhe aq t1ilo uma cena familiar e até agradavel ver 
as labareda , verdadeiras cortinas de fogo, i rrompcrem 
da moitas mai ecas e cerradas, produzindo estalos e· 
estouro ou lavrando pelos campos e colinas ao sopro 
da riração. O e paço toldado de negro fumo, p onti-
lhado de milhões de arguei~s, era de vez em quando ris-
cado pelo voo de um gavião cará-cará, que descrevia 
circunferências .nas alturas) caçando presas para o seu 
repa to. Adiante, pelos terreiros de pequenas e humildes 
habitações marginais, onde algum cão escani frado la• 
drava à sua pa agem, havia ainda vestígios de fogu ei-
ras, arcada de bambús enfeitadas com flores de papa-
gaio (alegria de salão) e os infalíveis mastros com ban-
deiras de S. João, S. Pedro, Santo Antônio e Sant'Ana 
festejado pouco antes. Aqueles aspectos que lhe eram 
tão famil iares desde a meninice, despertavam-lhe reeor-
dações, saudades. Aquí, cruzava uma tropa, sau?ava 
alegremente os tropeiros, que lhe diziam: boa viagaJ 
inté a vorta! Alí, via um carro de bois gemendo, morro 
acima - "annn ... " Alem, era uma porteira que rangia 
- "inhem ... " - da a no~ batentes - "pá ! " Era um 
munjolo na grota, pilando, pilando - "in ... tan !" Era 
um • moínho, no fundo de um sítio - ' ' rum ... rum . . , 
A () J VA DO TROP EIRO 3 
rum ... " Eram as cigarras zi11inc.lo. Eram os pa aro'3 · 
cantando, eram todas as vozes que e n tituem a v iva 
mani f stação da alma complexa e ária da natureza ser-
taneja e que lhe animavam a alma, ompl tando o 
r estar que sentia. 
III 
oh,da a colina que pende para R.i o das P ed ras, 
d i: à direita a trada particula r que ia l r à fazenda 
de Leonel Gr ór io foi <l e 11 dn pela e:t rada r eal 
à uerda, margeando a enco ta. Rio das P 1ra era 
um lugar triste, ilencioso, no val , n tre colinas e matas. 
0 a fazenda ref r ida, que J o·é Luca a vi tava , punha 
um pouro de rumor naquelas pa ragen s, com o seu ma-
quinismo rúsúc . Ele nunca hcgara até àquela fazenda 
ó de nom nhccia o s u p ropr ietár io, o clho Leonel 
·m. dt preocupadam nte ia o jove.n tropcír d nqo 
e margt:ando a enco ta. Pou ant de atingir uma ca-
inha de t lha , um riacho e um ra nc h o, n lugar m 
qu as dua e trad de n vo se nc ntram onde can-
tava uma rola ''fogo-apagou" d e oz <l mulhe-r 
chegou-lhe ao ouvidos cantarolando uma toada _u1 .. 
gel , muíto sua conhecída, que t e rminava por e t ,.. 
tribilha: 
Todo mundo /cm seu bem, 
Só pobre de num não tem . . . 
Ai! . . . 
' d , atento o ou ido 
para 
já cuno 
nSJgo mesmo, pr -
de conhecer quem 
canta,,. 
'ão tardou muito a tor. tis f ita 
Prosarorntc do po to cni qu a dua 
no o, olhar J)(!rquiridor d 
ua uri idnd . 
lrada liga· 
briu, a dir 'ta 
A N'O l A 00 TROP RO 35 
a po uca cli táncia d., ncruzi lhad , uma linda 111nrm 
múr na, ')IH:: não teria mai , d 18 a.no · • llU r ur alí n-
da, a !-ipair e ndo, a ollwr [lor · pcla 6 ma r en~ u 
<· t r :tdinha 'l_LI ia dar à faz nda. 
urprc '<), admirado, e., m ri . viar Ih r de obr 
l a, riu e cl ixava cJ • ran lar ao v • I , to ¼a muaraçada, o 
rn ç liruu ·h a p · u ·m r · p it o . a ::-a ida ; o , 1 rran<io 
a vt'n lura d ~ r orrespond1<l 1 ,r um h"<.:iro accuo de 
cab a, e mpl ta.do por graci · n 1 d tran.lw 
fl rz inh humana, que lá <mlinu va para,la, a { í á-1, 
lam b ·m ndmira<la, a 1tand e m uma ,. rinh 
arbu~ lo d em torn . 
, ar em frcnt cas iuha de h:lhn , que 
t •a a i r ta, à . ·qu rua, J si: Lu · ~ n.1. \ <.: n I aí nín -
gu m 1v ·u d· nov o Jhar para , 111 0 a, eu ind · 
n ant d ao .mpPc nd ·r que ·la o ~l'guia l 111 
b 1r om lhnr ·u ri ~o inter ado . T • • ímp lo· 
d 1r at nd la ta a, diz r-lh lgurua~ la r 
uvír-lhe ut rn , e nh cê•la m lhor, 't1Íim . M · ta l 
p r ·~d r par · u -lh · imprud·ncia d 1 dt' ' Í li u C' 111 
p r, p r uind p, a té r ia ·h o, u nde n ~u · 
ta I ara ra a b b r águL . Aí, ltou-se d n , 
f r o a.rr ,o~ , nq u nl "ru na" . · <l s ·cd nt 
anda n<l , p ro u i-ando h r nd a água lb 
1n ai ura m ll1 r, J U s d •u lar a · 
qu .nlla m nt mplar cn antaclor dà 
d nh ·i l~ qu 1h r · iht1i s lho.re :, m mu"' 
d p 1çã , pr ur, n n li. r c· r u in-
a · ua u riu: i<l· d 
fra d o ri eh , o l r pe Ir u · dir 1ta 
36 A.IllLJO DARRETO 
rancho de tropas, que e tava deserto . e começou a galgar 
a encosta fronteira., íngreme, pedregosa, de onde ia avis-
tando aos pouco todo o vale aberto de norte para sul 
e avi tand sempre o vulto da moreniuha, que agora se 
ajeitava por entre a folhagem, mudando ele posição para 
ve-lo melhor. 
Atingido o alto, de onde a iria perder de vista, José 
Luca refreou o animal, volveu-o, parou , ficou de frente 
para O vale. Uma atração estranha prendia-o alí, quasi 
0 arra tan para trá e ele bem compreendia que outra 
cousa não era senão a irresistivcl simpat ia pela encanta-
dora desconhecida, naquela fonnosa manhã de sol. Bem 
compreendia que assim era porque nunca lhe parecera a 
ida tão feliz e tfio bela como naquele momento e porque 
nunca sentira o coração pulsar tão alegre e acelerada-
mCJl tc como agora, a vista de qualquer outra mulher, vir-
gem ou não. 
Voltou-lhe de novo a idtia de retroceder, ir até onde 
ela e tava, principalmcnt para verif icar se tamanha be-
leza não era 11111a ilu ·ãu de seus olhos e de seu coração. 
Depoís - quem sabe? - talvez pudesse trazer no cora-
ção uma primeira promcs a. . . Ma ainda desta vez con- ' 
teve-o aquele seu firme b m sen. o, que lhe não deixava 
nunca ser de arrazoado e imprudente. E continuou ali 
eslalico, absorto, como imantado ao solo, na contemplação 
do gracioso vultozi.nho que se mo. trava [>ür entre as. ár-
vores, a espreitá-lo. 
O casal de rolas "fogo a~gou" continuava. cantando 
nas moutas, em baixo. O sol tornara-se agora mais ' 
quente e incómodo e Jo é Lucas, receoso de que · a for- . 
A NOTVA DO TROPEIRO 37 
mosa moreninha o julgas. e importuno, deliberou partir, 
tanto mais quan to lhe parecera ouvi r um tr pel na es-
trada. Assim, contrariando embnra o seu desejo de per~ 
manccer alí, num arruubo de emr1ti vidade, tiroll o lenço 
de seda do pescoço, ag itou-o muitas \'ezes no e pa~o <' 
sentiu- e trêmulo de e ,ntentamento au \ 'C;- que uin outro 
lencinho branco se agitava para ele. por entre a nun.aria 
do vale, dizendo-lhe um adeus que era uma encantadora 
promessa ... 
Num arreme so, e ·pareou a he ta, fê-la volver nas 
patas tra eiras, tirou o chapéu numa ú1tima despedida e 
partiu, desaparecendo num instan te obre o cabeço da 
colinà, onde encontrou logo um cavaleiro <l sconheci<lo 
que demandava Rio Preto. 
Agora, percorrendo a légua e n1eia que vai <le Rio 
das Pedras a Rio Manso, com a alma e o coração num 
tumulto de cmoçõe · nunca sentidas, experimentava um 
contentamento inédito e começava a ca telar out ros mo-
mentos como aqueles tle pouco antes ou talvez melho-
res ... 
Mas uma série de intcrrogaçõe não Ih saía do 
· pensamento. Quem seria aquela formo sí ·ima criatura/ 
Qual seria o seu nome ? A que família pertenceria? 
E coordenando as :mas idéias, argumentava ele si para 
' 
consigo: Se erc1 verdade que nunca arranchara nu Rio 
das Pedras, sabia mttilo bem que naquela fazenda à di-
reita da estrada habitava o velho Leonel, ma ii.:-norava 
que em sua casa existi . e uma mo~a t~o linda . Sim, ra 
'16, que elamorava pnrq ue ·e fosse na cas inha junto cio 
riacho já a teria vi sto ao pas ar pur ali nas ::.tia · viagen . 
3 A B I L J O B .1\ R R E T O 
D r to, nã lhe con. a ·a a existém·ia, por alí. de outra 
família a que ela puue~. e p rt en er. Enfim, no seu re-
. , ha,ia df' apurar tudo aq uilo ... 
1a a wrc/ade fc,i que. dali por rlian t~. já rle~ccndo 
a colma que p ndr p-J ra , R ·o Ma11 ·o. e ·p ra iando lhar 
pelo~ rale e (Trota de um laclu e d 1 untro d a trada. 
encia YÍrida e bela no pen arnent a ·ma n da more.ni-
nha e bcni cumpreendia p1e . não era aquil ainda 
inc~ndin de urna pab,ão, era. pelo m en . a faulha 1Y a 
caída na palha ~eca do cora 5o virgem de q u in1ada .. 
IV, 
Uma casa grande, antiga, caiada, coberta de telha , 
dando fren te para o oe te, mergulha.ela em ext n o p mar, 
no f un<lo do vale do füo das Pedras, com o seu pedral 
em fon11a d banqueta e uma escadinha de pedra de- três 
degraus, ra a fazenda de Leon l regório. 
Para al m do pomar e tendia- e a mata, ainda de 
ua propriedade, por onde passa. va a estrada particular 
que, partindo ela casa, ia pelo fundo até encont rar no 
alto a estrada pública do Rio Preto. 
Em frente à casa, grande terreiro e reado de achas 
de a roeira e barauna era limitado, à e querda, por uma 
fila de cômodos baixo , que con tituam paiol, a co-
berta para arreios , ferramenta e outros uten ílio da 
1a ura. Pouco a_çliant de e t rr iro, e reada igual-
ment d madeira iceja.va bem cuidada horta, que 
ra tambem jardim, po to em comunicação com a 
casa por um portão de tábuas t scas. 
A tUreita da ca a, mais ao alt , ficava a grande co-
berta de telhas que abrigava o engenho. o alambique, 
a tacha d fabricar rapaduras. 
O mais eram a roças canaviai v rde . ondulante 
ao v nto, ala trando-se pelo e 1 igão, de ,cendo pelo vale, 
con(undindo-se com a mata. 
Entre a casa e o en enho pro eguia a trada par-
ticular interceptada alí por duas g randes p rt iras. a 
e tra.da, descrevendo uma curva de cia até o riacho qu 
dá notn ao lugar e seguia 1nargean<lo-0J por entre uma 
ABJLIO .B RRl!TO 
3 poeira fechada, :ité alcançar de n v a e t rada púbica 
unto à ca inha ele telha e ao rancho a q uc j á no re-
f rimo. e onde Jo é Luca ncontrou a formosa mo-
rena de conhecida . 
Naquela fazenda antig'l e o egada vivia Leonel 
Gregório da ~il\'a, havia eg-uram nte un. trinta ano . 
Contando já o seus ~e senta, alí pe r lera pai e mãe, as-
sim como tambcm a primeira mulhe r. que lhe não 
eixara filhos. 
C.ontraidas seg11nda núpcias com a formosa e santa 
criatura que se clu1.mara D. :Maria Luiza, a qual mor-
rera - diziam - em consequência de mau tratos do 
marido ciumento e grosseirão, deixanrlo-lhe uma f ,lhinha 
ainda en alta na. faixa infantís, alí continuara resi-
dindo até o dias em que e deram os fatos de que nos 
ocupamos. 
' Quem poc.Icria bem contar a histó ria pormenorizada 
daquela casa e daquela gente era l\!Iaria Tapanhuna, mai 
conhecidn por Maria Preta ou Pretinha. que para alí 
viera como escrava dos pais de Leonel ante do primeiro 
casamento de te e ali pas ara a metade da ua vida, inte-
grada na família como se a ela pertence e pelo anguc. 
Tivera nos primiti os enhor - erdadeiros pais .e 
por i o os servira com dedicação e prazer até que cerra-
ram os olhos para sempre. Morto e tcs. pas ara, por 
d!reito hcredüário. a Leonel, filho único do casal, já en-
ta.o casado. De de e a 'poca tornara-. e-lhe a existência 
pior. 
Mau marido e mau s nhor, Leonel divi lia entre a 
e posa, D. Isaura, e ela, Pretinha, os maus trato •natu-
A NOIVA DO TROPEIR O 41 
rais do eu gênio autoritário, impulsivo e grossei rão . . até 
qu um dia a pohre senhora tambcm s ucu mbira, dei-
xando-a só com o amo. Escra va que era, ia sofrendo \ 
pacientemente, na só e!iperança de que tudo neste rnund 
tem fim ... 
Apó o evento da abolição da escravatura, quando 
Leonel já estava de novo casado com a. santa enhora 
que fora D. Maria Luiza, por mai de uma vez formara 
propósito de deixar a fazenda, ir viver noutra. pnrte. 
onde tivesse uma existência menos sofredora. e af im de 
não te temunhar as continuas maldades que seu amo 
inflig ia, injustam ente à nova esposa, encerrando-a dia~ 
inteiros num quarto, não permitindo que ela saísse a 
passeios ou que mantivesse relações de amizade, atiran-
do-lhe repelões e asperezas, movido pelo seu mau gênio 
e por · injustificável ciúme. 
Enquanto Luiza vivera (assim era tratada intima-
mente a segunda · e po a de Leonel) parecera a Maria 
Preta. uma· ingratidão arondoná-la deixá-la só. entr gu 
àquele marido impiedoso. que lhe amargurava os dia . 
sem dar o devido valor à preciosa joia de beleza de 
bondade que tinha por esposa. 
Não a d ixara, portanto ; uportara com la, pacien-
temente todos os <li sabores, até que a enh ra, m e rta 
noite ternp ·tuosa e lúgubre ele ' ckzembro. h ra <lepoi 
elo primei ro parto, morrera em s u bruços. suplicando-
lhe, ao exp irar, que z la se pela filhinh a ,·ec •m-na cid;i, 
que a não abandonas e entregue ao pai, qu lhe fizes e 
as v zes de mãe. 
Tal pedido "in oxtrcmis" chumbara-a d f initi a· 
42 AR I L f O BA RR l': TO 
mente naquela casa, mau grado todo:. o so f r irncntns que 
aJí vinha curlindo, desde longos anos. 
Por um movimento natura!, c. pnntánco ele . cu cora -
"'o, quanto mai.~ o í ria da lí f.lOIº diante, quant() mais era 
malt rarada. ta11to 1nais e cxt re1mn·a cm carin lios , afetos 
e dc:d1caçáo para com a filh in !ia de eu ani , com o se na-
quel(·S movimento. de bondade CJ1comra e o melhor bál-
samo a _ Wil> magua . 
Como era natural, a Jucla clcdicaçãn extremada de 
fari a , entre out ro .-. <l era e · te e . e ·le nte res u lta do: 
ado, ara dr rcrtn modo o ma u gé11ío de: L eon el , em 
quem a mor te da ~cg unda e po a p rnd 11z ira surpreen-
drnl abalo moral . 
De irascível prepotente q11 c em, t0 rnara-s e s u-
ruml át ico, m lancóli o e ombri o, com o . e o perse-
guis ·e o olho in !emen te de u m rema r o . D cscl c e ntão, 
pou o falava. dormia mal, qua e não e a limentava '! 
procurnva ab orver-sc no. trabalhos da la oura como , 
a buscar um deriYativo ao !:> u mal esta r íntimo. 
D uma feita, por aca o, Pretinha fora encontrá -lo 
nl' mo em frente a uma gaveta aberta, com os olhos ba-
nhados de lágrirna . cont mpla11do uma fotogra fia . um 
r ttato que Maria Lui2a lhe ofcr •cera ao t mpo de noiva 
lhido de urprcsa, fechou a gaveta " di . se à riada : 
- Você não pode' imaginar, P r t inha, quanto me 
doi ler ido tão severo para com a Lu íza ! H oje é que 
reconheço que la não m r eia. Mas . . . qu quer ? N unca 
J)u<l e d ·ixar <lc t r ciumes <l eia . .. 
- ha l.uir.a •ra uma anta, m ·1.1 amo, e foi por 
\ ia dí s.o que D Ub ·osso S nhor lcv u ela p' ro céu. 
A N n I V A D O T R OP E IR O 43 
- Fui, Pret inha, foi . .. E u fiquei ne te in fcrn 
do mundo . .. 
- Ora, meu amo, u que pas nu, passou. . . E la tá 
n o éu, tá n o bom. ::;ora vamn cuidá da me.nina. O ciue 
mrê í izé por ela tá fazcnd para a -ama que 1 e lS levou. 
- S im, Maria , tem razão : amos cu idar da fi lhin' a. 
E dal í por dian te I onel toraara◄se mais brando, 
mais solícito e P retinha mais t ranr1uila e. e m m.ai liber-
dade ele ação, cledicnra-s · ele C(>q)(J e alma a s uidad 
om a pc:quena., qu lhe nfü.i aLa d s 1 r aços, dorn1ia om 
ela no m mo leito e hamava-lhl' ''Maq1ÍL" Pretinha' ' . 
E era com razão que as im a con ·iderava, porriuc Preti-
nha a.ma.va-a como a melhor das mii.c . 
V 
Ana Angélica era o nome da menina que Pretinha 
vira na.scer, que levara à pia bati smal de Rio Preto, 
onde Fulgêncio e D. I sabel, com o padre João, fizeram-
na cri tã e que agora constituía toda a ua preocupa-
ção, todo O eu l.lem na vida, chaman lo-a pelo gracio-
0 nome de Sinhaninha. 
De tri tcs e amargurados que tinham sido, os seus 
dia tomaram-se alegres, iluminados por um sol de afe-
tos em céu de esperanças. 
Sinha.ninha era um grande tesouro que Deus lhe 
dera, corno recompensa a tod s os seus anteriores pade-
cimentos. 
Sozinhano mundo, ignorando a existência de um 
parente sequer, porque todos como e cravos que eram, 
tinham desaparecido, andando de senhor a senhor, como 
uma cousa de negócio; descrente pela própria condição 
e pela vida espesinhada que levara, de não contar um só 
coração que lhe pudesse tributar um pouco de afeto, 
Maria Preta res urgira para a e..-xistência, desde que lhe 
caira nos 1 raço aquela menina, que entrava risonha 
pela vida, ao fechar- e o túmulo qüe guardava, para 
ernpre, sua mãe . 
Tornada, por assim dizer, a senhora · da ca ·a, levan-
tava-se ante de nasc r o sol. executava todos os traba-
lho domésticos com o maior zelo, critério e economia, 
<le forma a não dar en anchas ao rccnidc cimento do 
mau gênio de LeoneJ. 
A NOIVA DO TRÓPEIRO 45 
Nas suas poucas horas vagas brincava co111 a menina 
pas cava-a pelo pomar, pelas circunjacências, fazia-Ih~ 
roupinhas, bonecas de pano ... um encanto! 
Pelas fes tas religiosas em Rio Preto e Rio Man 0 , 
quando ia fazer a sua comunhão, com licença do amo. 
levava a pequena ao colo, mostravà-lhe os atrativos do 
arraial, comprava-lhe vestidinhos, brínqued s, gi;1osei-
mas, missangas, em mãos dos turcos. 
Em Rio Preto, às vezes, dormia me mo em casa ele 
Fulgêncio. A Semana Santa, por exemplo, passava-a 
toda alí, acompanhando os cerimoniais. Até is o con-
seguia do velho amo, agora mais solícito e razoavel. 
Todos a estimavam, todos a consideravam pela sua 
bondade inata pelo seu critério, pela sua lealdade e 
sobretudo pelo extremado afeto maternal que votava. 
à filhinha de criação. 
Referindo-se a ela, todos diziam: 
-
11 E' preta na cor, mas branca em tudo ma1 
E' o braço direito de Leonel." 
A proporção que Sinhaninha crescia e se fazia mai 
travessa, mais bela, maior era o seu orgulho, mais extre 
macios eram os seus ca.rinhos, de mais belas esperanças 
se povoava sua alma quasi virgem de gratas emoç5es. 
Quando havia visitas em casa ou onde quer que e -
tivesse junto de outras pessoas, sempre que elogiavam 
a beleza e vivacidade da criança, o maior gozo de 
Pretinha er;i perguntar-lhe, acariciando-lhe o rostinho 
corado como a corola de uma rosa: 
- De quem é só, só, a fulôzinha? De quem é ? 
4ó ABILIU DARRETO 
Para ouvir a criança responder, damlo-lhe um beijo 
na face preta : 
- E' só. ó de mamãe Pretinha! " 
De uma fei ta qu:1si morrera de susto. Pela manhã 
inlianinha ard ia em f cbrc, prostrad:-i , ~011o lenta. Dado o 
alam,e, Leonel fora de opinião que aqu ilo 11 .io tinha im-
portância e ra, de certo, consequência de algum de -
cuido. ue lhe de se uma mezinha case ira, seria o bas-
tante. 
~laria, porc111. chorosa e afl ita. não 'SLi vera pela 
opinião do amo. 'om pcrrni. ão deste. abafando a cn-
ança em agasalho . orrera com eb a,ç arraial, const; l-
lara ao Vicente boticário, que a tranquilizara, dizendo 
tratar-se de arampo, m lé tia andeja, do tempo, . em im-
portância. Que Maria lhe desse um uadouro de flor de 
sahugu iro a abafasse bem. ss1m que o sarampo lhe 
" ntabu e" a pelt, a menina e ta ria em vias de cura. 
E as ím fora. Naquela noite, Maria não dormira, obser-
vando e z lando a criança, que, 110 dia seguinte, e stava 
toda pintalgada de manchas vermelha e, dentro de pou-
cos ruas mais, e tava complelamc1Jte sã, graças à sua 
medicína <le chá. de sabugueiro, congon ha de bugre e pa -
paconha. 
Mais tarde foi a coqueluche qLte veio martirizar a 
pequena e por em aflições a bondosa preta. Desta ve-z, 
porfJJI, Pretinha não tivera necessidade de recorrer à 
sabedoria do Vicente botí ário. Com embroca.çoes de 
caldo de limão meudo, feita duas v z s ao dia na gar-
garganta de Silrnaninha, curara-a d ntro ele um. mê . 
E os dias assim foram- se escoanclo, com as alterna-
A NOTV A DO T'R.ôJ:> E JRO 4i 
tivas naturais da existência humana, quando é feliz , 
até que wn dia, quando Sinhani.nha ating iu os seus oito 
anos, Leonel lhe dis e à me a: 
- M inha filha, j á combinei com os seus pa.cl rinhos : 
vrncê va i morar com le alg um t mpo, afim <l stuclar 
com a mestra Generosa. E' precí o e tuclar um pouco, 
porque a moça que nada aprende não consegue um casa-
t " ta ' " rnen o van J oso . .. 
- Sim, papai - respondeu a menina. Ma Pretinha 
não vai comigo? 
- Ora essa! -- ponderou o Yclho. De certo que 
não. Quem ficaria fazendo os crviço, da ca. a? 
Efetivamente, dias <lepois, Sinhaninhu eguia para 
Rio P reto, deixando P retinha ém lágrimas . d escon-
solo da pobre velha foi inexprimível ao vê-la a cavalo, 
com o pai, acompanhados por um cargueiro com as canas• 
trínhas de roupa, galgando a encosta pelo meio da mata. 
Os primeiros ten1po alí pa a<los s m a sua menina 
foram horrív is ; mas com o correr do <lias, ainda qu 
sempre tocada pela mais profunda saudad , fora- ha-
bituando ao novo esta.do de cousas, tan to mais quanto 
ia todos os domingos ver Sinhanin ha que, por sua vez, 
vinha passar sempre as fétiàs na fazenda. 
Ali no Rfo Preto, no convívio de coleguinha , filha 
das mais djstintas famJlia s, s b a direção de um ca al 
bem constituído, como eram seus padrinho , atenta ao 
en ·ioameutos e conselho da bondo 'a n1e tra Genero a, 
Sinhaninha tornou- e mais viva, p r pícaz, gracio a 
cativante sendo considerada por todo como a primeira 
' aluna da e .cola e a figurinha de maior de taque nas [e.s-
4 A B ILIO DARR ETO 
ta e reuo1ões infantis da localidade. Tanto assim era 
que mestra Generosa mais de uma vez dissera a Leonel : 
_ Sinceramente lhe r ecomendo, Sr. Leonel : não 
d eixe de mandar a pequena completar os estudos cm um 
bom colégio. A sua rara inteligência bem o merece. 
_ Qual, mestra Generosa - respondeu Leonel 
basta-lhe O curso primário. I sso de 1~1oça muito "sabida" 
não convem ... 
- Sabida, não, Sr. Leonel - corrigia a preceptora 
Deve dizer "instruída". 
_ Sabida" ou " instruída" vem a dar na mesma , . 
cousa - retrucou O velho. Enfim, hei d e pensar msso 
depois. ' 
Aos 10 anos Sinhaninha, conduzida por D. Isabel, 
fizera a primeira comunhão com o padre João do 
Espírito Santo e, aos 12, pelo. mês de Janeiro, tendo 
concluído o seu curso com as notas mais di tintas, 
despedira-se do arraial, regressando à fazenda, chorosa 
e cheia de, saudades dos dias tão alegres e felizes alí 
vividos com os padrinhos que a prezavam como filha. 
Estes, no momento da partida, insistiram com Leo-
nel para que levasse a menina o quanto antes para o Co-
légio de Diamantina. Seria um crime não completar a 
educação de uma criança tão inteligente. E o velho afir-
mou que já havia pensado naquilo. Era mesmo cousa 
resolvida. 
Indescritível foi a alegria que reinou na fazenda do 
Rio das Pedras à chegada de Sinhaninha. Maria Preta 
/\ N OI\" A DO TROP E IRO 49 
tirando-a de soLre o animal, numa inconti da expio ão de 
lágrimas de contenlaillcnto mescladas de orr iso . aper-
tava-a de encontro ao seio descarnado, envolvendo-a toda 
numa carícia infinita, balbuciando: 
- Minha menina , m inha menina ! Como está bonita 
e vistosa ! Louvado seja Deus, agora é de mamãe Pre-
tinha, outra vez, só, só, não é ? 
- Só, só de mamãe Pretinha r e pondia a pe-
quena, abraçada ao pe.c.oço da preta_, trêmula de emoção, 
imitando a sua maneira de falar quando era pequena. 
Para recebê-la, Pretinha havia dado um arranjo gra-
cioso na casa, pondo flores nas jarras da sala e do ora-
tório e esparzido pétalas de rosa sobre o seu leitozi-
nho, que compusera fofo e macio, com a s melhores pe-
ças, de uma alvura imácula. 
E naquele ambiente de reparadora alegria, passa~ 
ram-sc alguns dias. 
O próprio Leonel, naturalmente secarrão como era, 
sentiu-se algumas ve;es comovido ante os transportes de 
afetuosidade entre a preta velha e a filha e teve pesar 
de não ser capaz de iguais demonstrações carinhosas. 
Com o avançar da idade, com o alquebramento natural 
das suas energias, com as provações peculiare à vida, 
.estava, corno dissemos, bastante mudado, desde a morte 
ela esposa, mas ainda era o mesmo homem orgulhoso, 
autoritário. As vezes, quando a1guem elogiava emsua 
presença os predicados da menina, vaticinando para ela 
um bom casam ento, ele observava: 
- E ' verdade. Aninha está se enfeitando feito laran-
jeira nova. Daquí a pouco vão aparecer por aí os li assa-
50 BTLf O BARR ETO 
nhaços'' e "sabiás.. . . . Por isso j á estou preparando a 
''picapau" com churnho e.comilha ... A n inha nã o há <lt 
ser para o bico de qualquer pé rapado. quando eu resol-
ver casá-la_ Agora vou mandá-la complet.ar os estudos no 
Colégio 1\°o :,a Senhora da - Dures e ·e algu111 dia t i\'c r 
de casar, não há de ser com •·gentinha''. nem com CJi-
pira . . . 
Efetivamente, um mês depois, ia a Diamantina e de 
lá trazia não só a deliberação de internar a filha no co-• légio, como o neces ário enxoval para esta. 
Tal notícia entri teceu de novo a faze11da e foi no 
meio de um pesar imenso que se fizeram os preparativos 
para a viagem, -q_ue se realizou, dias depois, ao alvorecer 
de uma segunda-{ eira. 
Desta vez a dor de I\faria Preta e de inhaninha era 
bem maior em virtude da distância que as ia separar. 
A maço, porem, na fa e ró ea dos son hos, das ilu-
. ões e esperanças, compensa\'a-sc, prelibanuo o encanto 
de conhecer Diamantina, de estudar entre outras moça~ 
e meninas, de fazer novas amizades. 
_o contrário exatamente se dava com Pretinha que, 
abatida ao peso dos anos, de iludida e experimentada nas 
falsidades da vida, só tendo por consolo e arrimo de seu 
coração descrente o amor, os carinhos, a graça e a moci-
dade radiosa da · sua menma, acabrunhava-se ao pensar 
naquela seoimda · . · f o· auSéncia, com a qual não s podia con-
0nnar o seu c - p 
d 
oraçao. arecia-lhe que aquele egun.do 
Mo a sua avezinha mal 
l . . . emplumada ra o início do ·voo 
argo, def 1rutivo 1 ' parn onge de seus braços . .. 
Isso rnesmo la e· e tzera sentir à Sinhaninha, no mo-
A . ·o , v A ºº TRO P E IRO 
51 
men tn dorido da pa ri ida , e: . lrcitand.-.-a ,i,. ,.,11cn n t rq ao 
cio, ent re lágri111ac; . o u v indo-a d izt' r ta 111l.><::n a ~-hnrar 
::,c11 Lidamentc: 
- Não chore. ma111: e Pre tinha! Hr ,•e hei ele , ·ulta r 
para 11 n11ca mais apartar -m e de vo e, 
, 
VI 
inhaninha partiu. por uma Lela e f r c.sca manhã de 
n -feira. em companhia e.lo pai, . · 1 uídrJ~ pur l m 
··camar.u.ia •· a ~- ung ndo urna besta com n par ,lt: 
cam.strinha.s . Maria Preta, com o olho pi~(W d.e t nto 
chorar, acom hou-o a t: o alto da cfJlína fronteira, e 
dali, em uço iu com o olhar a sua querida filhinha 
de criação até \C-la desaparecer ao longe, na curva da 
estrada. Ao r sar para a faz da. trazia u m in f inito 
<k-s:a.Jen.to na a e no cora ão. como St' lhe h uvessc 
acontecido aJ ia grande desgraça. 
A moçoila tambern fez toda a viagem chorosa e aca-
bnmhada e maL ri te ainda se sentiu quando, já no 
(oi ' · , se despediu do pai. de :s de pedir-lhe que ti-
paciência com Pretinha e que lhe de muita lem-
brança.3. llivia d e.ser ,.,.er sempre a eJa por seu inter-
médio e queria que ele promete ler-lhe toda a carta . 
- im, minha filha. Fique de sada. Farei tudo 
o~ vmrê ped - respondeu U onel. deixando a filha 
no parlató ·o. entregue à Irmã uperiora, e, descendo 
J)'1a rua da Glória, pelo • facau <lo mei . até a ca elo 
otl, oa rna da Quitanda. onde f 2 uma compra , mon-
a. Q\-a!O e regre ~ à fazenda . 
" primeiro dias de m =nha no ol ' ·o foram 
1 ~-lhe irre. isrí \· · a udad da 
fazenda, d~ ãc Pret:inh:1 e até de seu pú, e-
c:amio e indiftrtnte. la a bondade d . [rmã , of pa -
·os ao aunpo1 cm bre e di íram-na até que con-
I" O 1 \ . A D O T ll O P E I tl O 53 
í m10u com a ua. nova 1tuação, tanto mai , qua.ntn at.ra-
vé d corr po-nd -:nc-:a que man.linha semanalmente m 
~ pai, [icara ornbtna.d que 1na 1~sar a í~na · na 
fazenda. 
E o que ram de 3\ la para o ~ cora.<; a JU~las 
f ' rias! O dia da partida., a nagcm. a e egada c.,m ca 
pareciam-lhe um 1ho . . \o cair. do i hãozinho em uc 
montava , n braços trêmulos de .Mari Preta, am 
d faziam em lágrima entre sorrÍ!>Q e era um nunca 
mais aca 1 r de tú tóna.s. de alegrias, de rre-r 
curr · , pelo pomar, ptl s ití fa orit \ acompran 
pela mã ck criaçã . que ~ recia uma criança a u lado. 
he, mamãe Pr tinha - dizía ela - CoJ · · 
é na rua da Glória, uma rua muito larga e tensa, r'Oda 
calçana. - duas ca enorrn de um lado e do outro 
da rua ligada por wn di, . e péci d pon · , f e-
chada, m janelinhas. quai se a qu~ pa 
Ao fwidos de uma e outra casa há rrrandes pcnnare 
muito benJ tratad . por onde T rmã n 1 • m prc 
a ~ r . Tôdas a seman damo · tambem pa:ssc1os 
campo ao r ião, à Pedra Grande. ra lad do 
Beriberí. Ah ! se você vi qu campinas . rra lindas 
h' por alí . . . . arrendo pcJo cam do fru 
e flor n · meruna parecemo um r·~·-.. .,,.. 
bon osa pa ~tora d alg,nna.s horas de libeT<b.dc. 
Irmã Pretinha, como - bond Irmã Toin tte~ 
a Irmã Eugên~ a u riora.. todas· - \' rdade:i mães 
ue a1í ttm . não f o. sa,u que ntia. - . 
tll'"ia ali rompi tamente feliz. D.i . ddad . retinha. 
JldD í dtprimir a • a ''catita.a''. E ce da ixla 
54 A D 1 L I O n .\ R íl E T O 
erra n rme d "ri:itai ·, que J arccc um pr ·epe. Tam-
bem só :i coulieço por a to. porque o J pí\.i não t~m tido 
tempo ele rne levar a pa eio quan do vou pa ra o cok½:,rio 
ou quando . aio 111 férias. 
Maria. num enl vo imeu~o, nclmirava-sc <le tudo, 
tiuha tml:i exclamação a propó ito de tudo que a pequena 
< izia, orrindo. como e ou v i e a h i tó ria mais b ela 
d ~te mundo . Sentia, porem, uma e. pécie de cium e do 
Colégio, que lhe rou bava tanta veze aquele en t ezinho 
querido ao seu coração. 
1 to durou t rês ano . Em meado do quarto, Leon el 
recebeu uma carta da Superiora, cha mando-o com ur-
gência, porq ue Si11haninha e tava g ra e m ente enfe rma 
com terriYel febre tií . Tal n o tScia qua. i enlouqueceu 
Maria Pr la que, no dia eguinte, em companhia do amo, 
s guia para Diamantina, rom o coração e a a lma convul-
sionado por maus presságios e aflições. 
Alí chegado , abeirando-se do leito em que a m~-
nino ofria, Leonel ficou trêmulo e Maria começou a 
chorar baixinho, de joelhos, a rezar, durante longo tempo. 
Sinhaninha modorrava. dizendo incongruências, "va-
riando", à excitação da íebre. Durante todo e e dia não 
reconheceu a mãe de criação nem o pai. Estava comple-
tamente mudada, desfeita. Para dar a impre são com-
i) eta de uma defuntinha, ó faltava cerrar os olho . No 
dia eguinte, porém, reconheceu o rccem-chega<los e. 
oltando- e para Mar.ia di e : 
- E' vncê, Pretinha? 
- Sou eu, nlrassim, f itl ô~in/ia - re JX>ndeu ·a preta 
om a voz cortada ·pela comoção. 
A NO l VA DO TROPE I RO 55 
- Ah! então vou sarar num instante . . . Olha . ali 
tá tambern o papai ! Sua bênção, papai ! Qur. bom! Vou 
sarar depressa ... 
.Mas dentro em pouco voltava a delirar, a ninguem 
mais reconhecia. O Dr. Teles e o Dr. Alexandre estavam 
desanimados, depois de tré conferências com o Dr. Maia. 
As Innãs e as enfermeiras já e lavam exhaustas e Pre-
tinha obteve permissão para tratar da doentinha~ entre-
gando-se de corpo e alma aos cuidados reclamados pela 
enferma, não se afastando tun só instante de junto do 
seu leito, quasi sem dormir e sem se alimentar, com 
admiração de todos, que logo a ficaram estimando. 
Leonel, hospedado em casa do amigo Necõ do Corte., 
na rua do Amparo, vinha todos os dia ao Colégio e 
andava nervoso, descrente da salvação da filha e preju~ 
dicado nos interesses na fazenda. Procurava ·de conti-
nuo o médico e pedia-lhe franqueza. 
- Sua filha está mal - afirmava o Dr. Teles -• mas tenho esperança em que o seu 6timo organismo reaja 
e vença a pertinaz infecção. Tenhamos um pouco mais 
de paciência. A moléstia segue a marcha natural. 
Dois m~ses depois,. o médico declarou Sinhaninha 
em convalescença, permitindo que o pai, dentro de duas 
semanas, a levasse para a fazenda, recome:ndàndo os 
maiore cuidados para se e itar uma recaicla. 
•- E' preciso reconstituir o seu organismo depaupe-. 
radíssirno - ob ervou o facultativo. Deve seguir rigoro-
amente as minhas prescrições e oregime que estabeleci. 
Assim que estiver mais animada deverá dar pequenos 
passeios pelo campo. N:ão deverá ser contrariada etn cou-
5 ADlLIO B.ARR E·ro 
razoáveis e não poderá. ter de gosto . Se assim fi zer, 
daqui a doi me e a menina estará o utra , ez robu ta e 
linda e mo dante_, concluiu, a ariciando o ro tiuho 
de feíto da n ferma. 
Sinhaninha . orria tristement , agradcc n do a dedi -
cação e bondade do médico. E ta a de figurada. extre-
mament e pálida magra, os olhos fundo,, a v z sumida, 
nen·osa, rambaleant o andar. Perdera qua~i todo o seu 
lindo cabelo. não sabía dizer muitas palavras e squecia 
frequentemente o nome da pe soa e das e u a . 
Maria Preta, conquanto acabada pelas aflições e o-
frimento daquele dia horrívci não cabia em si de con-
tente por ver a ua filhinha ele criação salva, permane-
cendo com ela no Colégio até o dia do regr s o à fazenda. 
E era de ver e mo a e timavam, como confiavam nela 
Irma e educanda . cercando-a d con ideraçõe 
_ peçfai , p r veri ficarem que, naquela carca a de 
velha. ex-escrava vh·ía, grandiosa e bela, uma alma 
branca e pura como um lírio, capaz de todos os sacri• 
ftcios, desprendidamente. 
VII 
Foi um dia pe grande tri teza no Colégio o da par-
tida de Sinhaninha e de Maria Preta para a faze.nda, 
tant mais quanto Leonel havia <l clarado que a filha 
não tornaria mais àquele e tab 1 cimcnt . 
Era de manhã, linda. manhã lumino a. D1ama.ntina 
parecia sorrir aos doces afagos daqucl doí rad sol de 
iuvern . As Irnlãs e as educanda tinham o olho lac • .. 
mcjantes e as que ian1 partir choravam copiosam ot , 
quando se d pediram no parlat · rio e t maram a e n-
dução que as esperava à porta. 
A viagem foi feita vagaro amente, em tr· -~ ·-·· com 
pernoites em Mendanha e Rio Manso, af . 
convale cente não se fatigasse muito, ,.,. ... ..,.,do reco-
mendações do Dr. Teles. Leonel mo trava~se muito paci-
ente com a filha. 
Chegados à fazenda, graças aos cuidadÓ exc pdo-
nai de Pretinha, Sinbaninha começou a recuperar em 
breve as suas energias perdidas. 
Ao fim de três meses, a coloração de rosa fte ca 
começou a estampar-se-lhe nas íaces, ao pas que o 
seu gracioso corpo readquiria a robustez de outro tem-
pos; o cabelo renascia-lhe negro e ondulo o ; os olh 
reton\avam o brilho, a expressão e a magia naturai ; 
lábios coloriam-se e os sei vinham urgind empina-
dos e túrgidos como duas pera madura . Oi ·ip.-ira-se- 1 
lhe todo o nervosismo e ela recuperava e mpletamcnte a 
D JL I0 llARR ETO 
radio alegria.. E . tava ng-ora m ça. na plen itude franea 
d ·plênd ida fo·mo ura . 
:\lariu P reta maraxilha a-sr , mi1·a11cl0 a moreni nha 
dn pé~ à cabeça e mn r ~ceio long ínquo começnu a rles-
p ntar-lhe nas profundezas do e raç5n: aq1 wla f urmo-
. :.ur.:i e graça da m0<oila já cumeçava Ul<JUietanJu o rap:uio 
do Jrrniai · e cirrunj;1ct·ncia.s. e daria cm resultado q ue 
inhaniuhu lbe fo . e em breve roubndu pur via de ca a· 
111ento com algum f lizardo, mau graJ 1 a bem pr, vavel 
iç-5o do pai. 
ío fundo. por 111, Maria não era contrá r ia a 
bom casam nto para a filha de criação ; bem ·abia 
lei natu ra l e indi ·pen. ave! a união cio dois ·ex 
Ulll 
ser 
E aceitando a id 'ia de ca amc11to, não ambicionava para 
a m!>ça ...wn marido rico u de levada po içã , porque, 
· il,J· , riquezn e po iç10 p r s, ós a n ingucm 
cidade. Que Deu · lhe des · um esposo t rabalhador, 
hoilrado. af tivo e delirado. que a soube se amar e tratar 
m o carinho que merecia. ram . · u de e jo . 
e te respeito não perdia n ejo para dar con e-
lho à filh:i de criação. dizendo-lhe que não e iludiss 
nunca com os tai ''vidrinho de eh iro do arraial" ess s , 
mocinhos P !intra. , ''pontada e roupa ó", que não valiam 
d i vinten de mel coa.do. inharunha arria. achava en-
graçado, dizia que " im · . 
Leonel, porem, não lia pela mesma. cartilha. con-
íorme. ~ larara um dja, na sala, m conversa com algu-
ma. VI SJ.ta: • 
o eu atender, criar um homem 1.una filha com 
grand • · trabalho e dis~dios, fai r dela uma perfeita 
AN O JA DO TROP F. 11{ 0 
~c-nhora e dona de asa para I l 10i · l'nt rc·'~,Ha n nm 
"]não-qualquer", era n:matada a ·1l<'i r·• N•i,... e
0
·t i1 . ·1 u. ......, :.. , V,l :.lí)Ul () 
no eu planos de vida. Na <.:asa e ahrum clia 5 , i:, e pen. a e 
clll c::i amcnto para a f il !,a, ele a l,cria e colher O noi 
conveniente, depois ele saber quanto e~t contava de eco-
nomia · e que po i ão ocupava na sucied·ide . , •· , , moça , 
em geral - a rescentava - não ~ b;am anel t· 1 _ • . e m 1am o 
. JJnn z e pensavam que amor era meio de vida... Para 
l~s qualquer troca~ti'.1tas , crvia para marido, d de que 
nao fo se de todo 1d1ota e ·oub · e comover-lhe O cora..-
ção com meia dúzia de palavras doce . . . . 'ã : na sua 
ca a a cou a havia de er feita de outra forma. 
De outra f it.a, quando J o é Fulgêncio e D. I bel 
vi~ram vi itar Sinhaninha, pouco d 1x>is e.lo en regresso, 
sa.Jra-se com os mesmo. argumentos, mas fot"â. tOQt stado 
p los compadr , que di cardaram abs lutamente dàquele 
ponto de vista do v Jho fazend iro. Para l~ulgéncio e 
D. I ·ab l a primaciai · e ndiçõe ex igidas para um 1J m 
marido eram er honrado. adio e t rabalhador . em ser de 
ducação muito in f rior a da moça. Oaro que e o noivo 
fo e rico e de elevado po iç-âo socia l, eria ouro sobre 
azul, ma e não {o e, não seria meno digno só por 
isso. Posição e fortuna adgufrfam- i bondade e honra-
dez eram prendas naturais e as única ca,paz · de faz r 
um lar f eJiz. Os pai só deveriam int rvir na colha 
de noivo para. a filha · quanto à saude e à qualida,des 
morais dos pret ndentes. Fora daí, a escolha ra tun caso 
puramente ele .coração. re olvirl pelo am r mútuo. 
iuhaninha, conquanto d inteiro acordo çom o 
62 ADJLJO D.ARRETO 
daH po r diante, na mi. sa. na _· ic. i .'.ls rcl ig-insas nu cm 
ca amiga:. onde quer que enconLras · 0 111oçu íazen· 
d iro, da ,·a -lhe o mai:-; pos it i , 0 d e:- prc:za, chcgarnJri 
me 1n o, _em quebra dos devere de hua educação, a f iw 
gi r que o não ,·ia, afim d • 11."lo r etJ·:huir-!JlC' u · curn1m· 
mentas. 
Ju tamen te por i_ o, por . C' entir de. prezado e, pela 
primeira ,·ez, repud iado por aquela maneira . o moço. fe -
rido no seu capricho o orgulho. a _scntou a íirme ddihc-
raç.ão de vencer o indiferentismo da linda moi· na . que 
lhe acendera violenta paixão ... 
Impelido por aquele capricho. dispos to mesmo a 
casar. e fir se preciso. para te r a ufan ia de se mostrar 
mai s um a Yez irrc is ti n~I n a s ua , c on q11 i: ta . , lança,·a 
mão de todo os ardis pos íveis para cativar o cora ã, 
da moçoila. BaJdado intento! e a segu ia nas proci sõe . 
nos passeios . 110 arraial. ela, sob qua lquer pretes to, t -
mava rumo da casa de seus padrinho . desapa1·ecia. Se ·e 
acontravam em algum baile. fingia sentir-se doente e 
nii,o ,·inha maí à ala . Se ele a colhia de s urpre a ern 
alguma reunião familiar, limita\·a- e a responder por 
'1)0rJo íJauo ine..,pres. i,·o ao que lhe diz ia. e · ele vinha 
ao Rio das P dra , como veio alguma \'Cze ·, não lhe 
;ipar ia & vário pretesto . Nunca lhe concedia. por-
tanto, en ejo de lhe declarar o seu amor. Ma o _111u -
cote não e dava por v ncido ... 
Estavam a cousas ne· te pé, quando naquele for-
moso dia de julho, achando-se Maria Pr ta a cuidar do 
jantar, viu Sinhaninha entrar corr udo pela cozinha" al-
o [ \' D O T R () P F. T R O (,. 
tar-lhc ao pescoço, dizcnd ' numa a k rr r ia ,, •llca . '! ·p n i 
de c rti í icar-se de qut> não era ou , ·ida 1,, Jr 1,i~:., n .ngu, 111 : 
- P retinha.! Pretinha! P onha a mão 11u llh.:U cura-
ção ... 
- Que foi ? Que i ui: - pergu 11 l11u -l i e :i. p1 ta, a ::.-
su tada, pondo-lhe a mão obre os . eia=> duro · e ofe -
gantes. 
- Veja como ele bate, Pretinha!. .. 
- Poi · com certeza q ue ele há de ba.fi• d e ·se geito . 
Maci veio nwna des filada feito veadiuha as u stada ... 
Que foi que aconteceu? 
- V;i, agor inha mesmo, passando na estrada, para 
Rio Manso, um moço que me fez sentir o que nunca 
senti pornenhum outro. . . Se o coração da gente n ão 
se engana, Pretinha, é aquele o meu escolhido. . . Se 
você vi se que impatia e que m odos e le tem ! ... 
E sem dar tempo à preta de fazer qµa lqucr con i-
cleração, descreveu-lhe açocladamente, com calor. pr ci-
são e entusiasmo a passagem do viajante desconhecido, 
o cumprimento trocado, os olhares e a d pedida com os 
lenços, acrescentando que se ele fo se hom em d bem. 
olta se, fo se constante, qní sesse ca ' ar com ela e 
co1 eguis, e o consentimento de . cu pa i, ria fel iz. 
Maria interrompeu o l:ll trab, lho. estupefacta e. me-
nt.ando a cabeça filo oficamente, 0 111 um o:-r iso de dú- · 
vida nos lábios gros o , respondeu-lhe qu nã0 anda s e a 
correr atrás .da felicidade . . . A felicidade era. qua I sem-
,pre uma nota falsa, dada como legíLinu, e JX) ta na panca 
de um pau de lJo, em dia de íc ta ... o oração d a 
· mocidade enganava-se mais do que acertava. O casa-
nILIO D.AR.R • TÓ 
menta ra obra do de tin . Q uem pod ria d i7.Cr o qu 
fos~c aqnele moço que ela :icabaYa 1 , r pas~;ir na 
strada, por aca o, pela primei ra vez ~ Pou ·ria s r um 
. anto, mas t ambrrn poderia e r um <l en1<Jn10. O s s an-
to , por m, n::iquele. t empo. eram m u i1.o · rar . .. . 
Enfim, e le oltas e, fo ·e digno d ela . . Havia de 
er o qu Deus quisc se . Ias o m elhor era n ão pen-
ar mai. naquilo e n nt andar dize ndo ad us a quem 
p ava na e trada. em conhecer .. . 
inhaninha, um tanto desconsolada, oncordou, ma 
no íntimo achava impossivel não pensar no desconhecido 
que tá.o forte impressão lhe causara. . . E feti vam en tc 
não o eS(jueceu. Ao contrário, todos o d ia , à m sma 
hora m que o vira passar, lá tava na e t radinha par-
ticular da fazenda , junto à cabinha de tel ha , o lhand 
a e trada, numa e pcrança vaga . .. 
Tanto ia alegre1 como voltava tr_iste , po r que o d s~ 
conhecido nã.o tornava a pas ar. 
Quant vez. ' onho u om e le, ven do-o noites in-
t ira , ada di o conta a à Maria P r ta 1 afim de não 
aborr cê-la. E ta, porem, t udo compreend ia , arguta ~ 
xperirnentada que era, mas fazia-se d e d esen ten d i a . 
E os dias e foram pa sando, sem que I.eonel nada 
1 rcebc 
VIH 
Em Diamantina, José Luca e seu camaradas, no 
rancho, haviam acabado rle jantar, um janlar ap t ito de 
feijã da onze hora com turr i.m s cl t u inh magro, 
:trroz d papa e carne cca assada no !iipe.to . onv r· 
ea,•am cntados sobre o ur e arg-as j á ale atlas , 
jWJtO ao fo o, à es pera do café qu o Quinquim t inha 
acabado de coar e agora Ih ~ c rv ia em coité . 
aborcando v café, i acota alisou m o lomb da 
fac.a uma palha de milho, ntalou-a atrás <la or lha e ia 
rtar f WlJO para ci arr , quando J . é Lucas lhe o f rc-
c.cu um já feito, dizC!Dd : 
- Exp rim enl <le · t . 1u é fa ma o: é do (:.Juati 
ali no B o do .Nf ola. 
- Já ouvi {lav á cs a. ma rca. Tá. se v cn-o que é boa.! 
brigado, meu amo! - <lib ·e o camar:i la, ele nrolando 
nrolando d no o o igarro, deitando-lhe I go com um 
tição, tirando dua baf radas <le fumaça e concluind : 
- E' p cial 1 
D pai nquanto o Quinquim arranjava os uten í-
lío da. ozinha, rf o e olhercs de estanho e prato 
í lha d . F lan Ire e e t rta.va uns láte · d cabr -
t , J é Lu foi rec tar-se à ua rc<l t: Mac ta, ti-
rando a i la d ueluz <la caixa, a.f inou-a e começou a 
nteá-la baixinho. 
Esta am d can ad s, tinham ntr roe todas a car~ 
em Diamantina, rn ão Robert e B riberi · ta, 
t-am çom nov carr gam nt pronto para Calhau e 
ABILIO BARRETO 
ltinga. Só lhes faltavam uns caixotinhos com miüdezas 
que o (.adete entregaria ao Querino naquela noite. Par-
tiriam na manhã seguinte. 
A tarde ia descendo serena e límpida. sobre a gran<le 
cidade lendária, evocativa e dona de uma história majes-
tosamente cheia de glórias. 
No largo da Cavalhada Nova, onde ficava o Mer-
cado, ao me mo tempo rancharia de tropas e ao qual 0 
povo denominava "barracão", palpitava a vida animada 
de todos os dias. 
O rancho era urna grande coberta de telhas vã. , 
fechadas por paredes baixas, com cancelas para o Largo. 
para a rua Espírito Santo e para o Burgalhau. Compunha-
se de 2 planos: um, baixo, calçado de pedras, onde os tro-
peiros batiam cargas e cozinhavam; outro, pouco mais 
a.lto, assoalhado, que se destinava a depósito das cargas 
e onde se efetuavam as negociações. A-pesar-de já re-
pleto, de vez em quando chegavam tropas retardatárias. 
que iam $Cndo descarregadas por alí, enquanto outros 
tropeiro amilhavam e ra pavam a burrada, presa à esta-
caria, em frente. 
Lá pelas proximidades da casa do Manoel Cc ar, 
mulheres do povo, de pote e ancarote à cabeça, apanha-
vam água no chafariz, tagarelando ... 
Pela rua do Espírito Santo, um bando de garotos 
per eguia o Tiú, entre chufas e assuadas , exasperando o 
pobre preto, que habitava uma loca para as bandas do 
Areão. O administrador do rancho, o Joviano, baixinho, 
curvo e simpático, pa. eava a cada momento revi tanclo 
as tropas que che&ravam. 
A , O IV A DO T ROr E I RO 67 
José Luca que, de vez em quando, de ua rede. sol-
tava profundos suspiros, por volta de 5 horas ergueu-se 
e convidou Macota para o pa seio que haviam combinado 
O moço tropeiro não via Diamantina fazia muit, 
temJX) e emprazara o camarada de confiança para aqueh 
passeio, afim de r evê-la e de desabafar-se com ele so• 
bre a cena feliz do Rio das Pedras, que lhe relatara 
minudentemente. 
Rememorar aquela cena, deter-se a falar daquele a -
sunto, imaginar as consequencia.s que poderiam advir da-
quele primeiro encontro com a formosa moreninha de -
conhecida era necessidade para o seu coração enamorado. 
. - Pois é assim, M acota : nã sei que feitiço pó em 
mim a linda criaturinha, qu j á não passo mai um mo-
mento sem pensar nela - fo i dizendo Jo t! Lucas. mal 
haviam saido do rancho. 
- E' devera, meu amo : desta vêis a móde que merê 
tomou chumbo gros o na asa, poi u nunca lhe vi al-iddo 
ansim, - respondeu Macota. naquela sua voz pau • da. 
- Mas se você a vi se, Macota, ha ia de m dar 
toda razão. E' uma beleza . uma grac inha I ão pode 
haver outra igual e o que into por ela nunca enti 
por mais ninguem ... 
Eh l T ' v •no Mais porem não - meu amo. . . a so e ... 
vale- a pena se aftigL . . o qu" i-ivé de sê tem fôrça. · · 
- Mas então você t am bem é de opinião que ela 
"não pod~ deixar de ser filha do velho Leonel? 
- Uai/ Tá sa veno que é. ·Maü ta,n1bom pode e 
<wc não. . . Na vorta . . • 
- Sim, ·você tem razão: na volta, por estes dia , 
68 
b i de tirar isso a limpo. E você não pode imaginar. Ma-
ota, como an · io por e. e momcn to ... 
- Cumo ,úio! Pois tá se ve110, meu amo - rematou 
0 camarada. batendo a. bin_ga para acender o cigarro 
Haviam subido pela ma do Amparo, seguido pela do 
Ílomfim, pro guido pelas do Contrato e do Carn10, até 
a dn Quitanda. í ntraram J1a casa do Mota, a f im de 
comprar algumas ncomenda , um , "cabe " de diagonal, 
uns par 5 d "botins '' e outros de ' 'carpins", qtlf: pagaram 
com uma porção de "burrusquês" do Bi po. 
Depois desceram por detrás da Sé, entraram pelo 
Macau elo Meio, subiram pela rua da Glória.. 
No Colégio de ~o a . enhora. das Do,~e uma sineta 
bateu. Pararam em freute ao edjfício, admirando-o, sem 
que José Lucas nem de leve imagina se que a linda mo-
reuinha do Rio das Pedras havia estudado aH. 
Prosseguindo no passeio, agora, no alto da Cru1i c1'1s 
Almas, admiraram o majestoso ·panorama da cidad atra-
vés da luz violácea do cr púsculo. 
DaU avi tavam em frente, ao fundo da cidade, litni-
tando-a, as enegrecidas fráguas da Serra do ristais, 
para alem do Rio Grande, alcan til sob erbo qu recor-
ou a Jo é Lucas aqu le versos de Aur liano L a · 
"V . lá na enco ta do mónte . .. " 
A uc.rda e t ndiwn-se os b los campos arenosos 
da l?'edra Grande, do Tombad uro, singrad s pela 
t.tadá do Bcriberi. . 
A dir it:a., eram as "Biquioh.a '1, o "Pururu a'' e .lá 
cm baixo, colcant ntr pedr . o Rib irão da Prata. 
" 
Pa..;._ oeste, eram as lindas e extensas crurtpioas da 
A NOI VA DO TROPEIRO

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