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BARRETO, Abílio, 1883- A noiva do tropeiro: romance de .. . M 8869.93 BARnoi 1942 Reg. 007 43 06/09/1 999 -ABILIO BARRETO A NOIVA DO TROPEIRO Romance de costumes mineiros a Edição da Sociedade Brasileira de Difusão Cultural Rio de Janeiro Biblioteca Antônio T crr ~ s N° de Regislrú: 00 7J.I 3 Data 06 I 09 J. . .J!L -A' m111ha Espo3a, a me,u-s Filho, é a mew Irmão.~. O. D. e C. Ao me•u, A.migo Dr. A.àhemM B. F. de Â.8Btunpção - perfeito co~ sorci o de cot·ação e e1Jpfnfo. EM POUCAS PALAVRAS 11 1 Ojcreccn.d-0 ás s1tas ·muitas centenas de a8Bociados '' A Noiva do '11ropeiro" como a p·rfmeira das obras que . se propôs editar, objeti1,ou a Sociedade Brasileira de Difu.9ão Oultural proporciona,r-lheg o r:onhecimento de Jo·rmoso trabalho de um dos 1W,'JlWB ma,i8 fortes escri- tores nativistas. Abílio Barreto, q·uc honra corn o f'utgor do seu ta- lento e do 8CU civismo eminent81')iente construtvvo os quadro,'j da Administração Mineí,ra,, a que empresta pro- ficiente coopera,ção no Arqwivo tMwnici7ml ,lc B elo Ho- '. rizonte e na, organização do seu M1use·u Histórico, sou- ' be fazer do âmbito aparentemente acmihado onde teria de desenvolve~> q, s·u,a ação funcional um m.agn1ifico campo de peBquizas hiltór·icas, que lhe permitisse di- , zer ás novas gerações, com a incontestarvcl autor·idade qu,e decorre da su.a invulgar eri1,di,ção, o qu,e era a l,"Ua, velha e legendária Minas no Passado. Neste seu romcvnce em qi1,e, co,,n rara feUo-idade1 el<' fa.z reviver velhos hábifos e costumes norte-mineiros que, pelas suas caracterist-icas mesmo, se revestem de tão acentuado espírito de bras-ilidade, Abílio Barreto 8 .ABILJ0 BA.RRETO crea wn ambiente de tão <mvolve,11,te tcr,wra nos 91'4-j dros q1te deBareVf, imprime wrn <Jf.1tnko de tã,o sruwe cn,..~ levo ás cenas cn qu.e agita os personagens a que d6 1 lda, q1ie o sc11, em·edo persiste em conaerv'a,r-se -inde- levelmente ·na M.Ysa, memória, ' como se tambem nó,'. houvessem.os dele participad-0 direta,rnetite, como teste- munlws oculares de todas a,8 s~s fases. j A grmuJ,e bagagem Werária e o re,iome do autor! di.spensa1m a 811,(], apresentação ou o elogio da sua obra. 1 lJJtCimimo-nos, 'J)Orla,nto, des.qc encatrgo, inteiràmcntc- 1 iti,tUil; mesmo porque - e d-i.sso estamo8 plenamente aeguros - a, verdadeira, a legítüna, a gloriosa con.1a- gração diste rom.a,we se f an·á 11.os corações dos sea,, , leitores. A -EDITORA. CONSIDERAÇÕES PRELIMl'NARF.S Este romance, escrito há muitos anos , denominou- se primitivamente O Tropeiro. Tempos depois, relendo-o, julguei acertado dar~ he por título o nome de uma das suas principai (i- uras - Sinhaninha - e assim o relacionei entre os méus trabalhos inéditos, nas capas de alguns li vros ue publiquei até certo período de tempo. Agora, ao lançá-lo à publicidade, concluí que ne- huma denominação lhe fica melhor do que A Noiva o Tropeiro, e assim o batizo ... Notarei ainda que as paisagens , os logares e O!- costumes aí descritos são reai s, como os conheci na inha infância. Desse fáto é documento a seguinte carta que, cs- ontânca e bondosamente, me escreveu o ilustre mé- ico Sr. Dr. Jo:,é Raimundo Teles de Menezes, qu~ alí viveu durante 40 anos e viajou palmo a palmo odo o município de Diamantina nos serviços de sua rofissão e que me concedeu a honra de ler o on- deste livro: 10 ABJLIO UARRETO "Belo Horizonte, 3 de Março de 1938 Meu caro Abílio Barreto: - Cordiais Saudações. De um fôlego lí o seu lino "A NOIVA D0 1 TROPEIRO" e devo desde já dizer-lhe que a !-iUa leitura me produziu a mais agradavel das impressões. Sertanista apaixonado, é com grande interesse e s impatia que leio tudo quanto se refere a lugares, ' pessoas e cousa da zona norte-mineira . 1 Você consegu iu fazer um romance da vida real 1 de paragens do sertão, sem descer à s cenas escanda- ; Josas, como é geralmente costume nos nossos roman- : ces reali s tas. Os lugares descritos no seu. livro são 1 todos por mim conhecidos, tendo-os palmilhado em; lombo de burro, no aían árduo da profissão de mé- clico da roça. 1 Calhau, cidade situada à margem direita do ca~- j daloso Arassuaí, onde residí por alguns anos e dei- 1 xei ótimos amigos, que já lá se foram na viagem de 1 onde não se volta mais ; Itinga, pitoresco arrabalde! à margem direita do escachoeirado Jequitinhonha; o Gravatá, onde estive algumas vezes no exercício da profissão, na fazenda do ccl. Antonio dos Santo<, Neiva, Barão de Minas Novas; o Setubal, rio cauda- loso e encachoeirado, onde de uma feita estive na imi- nência de afogar-me, atravessando-o a nado em uma possante e vigorosa besta; a f~r:enda · do Itanguá, onde Auguste de Saint Bila.ire v·iu e admirou um enorme cocho, feito sem emendas de um pedaço de tronco de Ipé, e que era o depósito para JOO alqueires A NOIVA DO TROPEIRO 11 ,de 80 litros de arroz, ou sejam 24.000 litros; a fa- zenda da Canastra, junto ao fe rtil vale <lo Bom fim; e, pitoresco arraial do Rio P reto; o Rio das Pedras , de águas puras cristalinas e onde na fazenda qu~ você descreve ·como sendo a do cel. Leonel, tome, muitas vezes café cm casa do Pedro Rabelo ; o Rio Manso com o seu belíss imo largo de Matozinhos ; o .Mendanha, onde você foi admiravel na descrição da alcantilada serra que liga o arraial a Diamantina; em- fim, a Diamantina . A lembrança de todos esses luga· res por mim percorridos me despertou as mais infin- das saudades. Em Diamant ina, a sua memória prodi- giosa só comparavel à de Ciro Arno - Cícero Cal- deira Brant - fez reviver até tipos como o do João Coatí , com os seus famosos cigarros confeccionados com os ótimos fumos ele Guanhães e da Capelinha , que muitas vezes apreciei; e o da Tia Plácida, com as suas saborosas almôndegas, recurso providencial dos notívagos Batedores de Castelos nas noites es- plendorosos do luar de Diamantina, talvez o mais belo do mundo. Você soube descrever com maestria admiravel 1 imensa vastidão das campinas verdejantes elo municí- pio da Diamantina, com o rumorejar das águas cris- talinas cios seus regatos, a profundeza dos seus vales e as eminências das s uas montanhas, t esouro ineguala- vel que despertou a cobiça de todo mundo e armou o bra_ço do aventureiro ousado, dominado por sede in- domavel de conquis tas . Os personagens que giram 14 ABILIO BAR.RETO As longas caminhadas, sob a canícula impiedo do sertão, ouvindo, alem dos rumores da natureza,, apenas, de quando em vez, a evocadora sonoridade dos ci11cer.ros das tropas fatigadas, ens inara.m-me a. admirar as paisagens que contemplava sempre nof mais doce enlevo. E naquel a moldura tranquila pús-me de novo elll l contato com as populações rurais, c-om que convivera, em épocas distantes oe minha adolescência. Foi, então, que melhor pude compreender a iti- geleza de coração daquela boa gente em que impe-: ram, na maioria, os sentimentos de lealdade que você revelou, em cores inconfundíveis , no carater de João! 1vfacota e Pretinha. Nas páginas do seu livro percorre-se sofregamen-1 te o panorama atraente do longínquo sertão norte . \ mineiro, sentindo que você casou, num encanto sin-. guiar, a emoção da terra, desataviada e simples, com: a paisagem humana, rica dos complexos sentimentos que a sua sensibilidade, com um lavor de artista, nos , soube desfnhar. A psicologia do habitante do sertão só pode ser traçada por quem possua, como você, alem do "e_s- prit de finesse' ' o seguro conhecimento de como bro• tam e se expandem, na serena qµie ude dos povoados e fazendas, a clara flor dos sentimentos que, na sua 1 profundidade, levam até ao sacrifício e à loucura, co- ' mo no episódio sugestivo e melancólico de Sinhaninha. O patrimônio intelectual mineiro tem em você, ' meu caro Abílio, uma de suas mais fúlgidas exprcs· ~. ~ A NOlVA. DO TROPEIRO 15 t aõ ; e os belo-horizont inos que sentem grande or- 1 :éµ,lho e carinho pelo creador da sua História,maio• i e homenagens espiritua i lhe tributariam ainda, e 1 ·fbes' fosse dado o prazer da leitura que você, ontem, J I e proporcionou e pelo qual lhe envio, alem de ca- lÓrosas feJicitações, o mais cordial agradecimento. O admirador e •amigo - (a) Juscelino Kubitschek". D e se tempo de memória tão saudo a, passado em distritos de Diamant ina e nessa própria cidade . rmeu berço natal, ficaram-me no espírito e no corn-;ão ·ndeléveis recordações, de envolta com as quais re~ · tive cenas, impressões de costumes e de paisagens : q.ue procurei fixar nas páginas deste romance para · que não se perdessem. Recordo-me, por exemplo, que nesse tempo, em Diamantina, se falava muito do Calhau, depois Aras- :;uaí , onde residia um tio meu, e a s referências que c011stautb n ente se faziam à natureza, aós costumes e 'J>rincipalmente à navegação do dois grandes rio que !banham esse município impressionaram-me fo rtemen- te, razão pela qual o fi o novelesco deste li vro se ex- tt-nde até aq uelas paragens, que mai s tarde pude . estudar melhor, percorrendo a cavalo grande parte • 'delas, em 1924. D e sorte que, neste livro, bom ou mau, exceção feita do fio romane co que anima o cená rio e dos pcPsonagens aí figurantes, que são pura imaginação 16 ABILIO BAJlll&· XO . . ' do autor, tudo mais nele é real, é exato e poderá identificado por quem viajar por aquelas regiões beleza sem par . Entre outros, dois motivos principais impelira me a escrever este livro. Bm primeiro Jogar o de satisfazei- o de I ejo n, tural de render justa homenagem à minha cida natal. a essa inegnalavel Diamantina, pintando e prosa alguma cousa da sua vida de outros temp das suas miríficas paisagens e dos seus interessantí . simos costumes. Depois; vieram-me ao pensamento as tropas e 1» tropeiros, benemérita instituição que, durante mais dois séculos, havia sido a veiculadora de toda a ía tuna que circulou eni nossa terra e que começou desaparecer à proporção que foram avançando as C! .tradas de ferro e, ultimamente, está quasi extinta cót 1 o predomínio dos caminhões auto-motores penetranfli ,. pelos nossos sertões . · • Julguei ser de justiça fazer da tropa peiro figuras centrais de um livro, em que guardas algu1:1-5 traços da sua , vida, qo seu l~bor, dos se11: . prazeres, dos seus sofrimentos e do seu hérbisrn~ • an~nimo'. ,.com? uma homenagem agradecid~. E aqu esta outra razao de set deste livro. , Si,. ltjgrei alcançar com felicidade esses dois objc tivos essenciais dirá o leítor inteligente. . . 1 ·Belo Horizonte - 1941. ' 11 Abilio Barreto. A Noiva do Tropeiro I O sino da capela badalava pausadamente as Ave- Maria. Padre João do Espírito Santo ergueu-se da ca- deira, as mãos postas, e ficou a orar alguns instantes. ~ Igual gesto tiveram as pessoas que o cercavam. Finda à- oração, todos sentaram-se de novo, a conversar. Era em llio Preto, dist rito de Diamantina, ao cre- pusculcjar daquele belo e frio dia de fin s de julho, ,•~ª ampla sala de visitas ci o major José Fulgêncio, on ~e estava reunida, como era de costume, aquela roda ãmiga, no cavaco habitual. Naquela tarde, padre João e o major Fulgêncio, am- bos naturais do Calhau, comentavam fatos atuais e re- memoravam antigos tempos vividos em sua terra natal . E Venâncio Murta, que havia percorrido, palmo a palmo, toda a região norte e nordeste de 'Minas, animava a con- versação, contraditando asserções menos just..s de seus amigos, ao passo que D. Isabelinha, esposa de Fulgên- •cio', s6 de longe em longe arriscava uma opinião ou fazia um comentário. / Argttmentava-se que a animação reinante, por aque- 18 ABJLIO BARRETO les dias, no Calhau, era uma revivescência dos anos sein. pre lembrados de 1880 a 85, ao tempo da descoberta do , Salobo, à margem do Rio Pardo, quando para ali eram atraídos, assim como para Cana vieiras e Belmonte, na , Baía, levas e levas de aventureiros, à cata de diamantes. Dizia-se que o Calhau entrara numa nova era de , navegação igual à daqueles belos tempos, em que o rio Jequitinhonha, povoado de canoas, indo e vindo, levando os produtos da terra e trazendo o que faltava à região, . lembrava imenso carreiro de formigas. O padre e o dono 1 .cfa casa eram otimistas, ao passo que Venâncio via na- quele surto de animação um esforço passageiro que re- 1 sultaria inútil, porque não tinha base segura. _ Bons tempos aqueles, meus amigos - disse Fu\. gêncio - quando eu via as canoas _descendo e subindo o Jequitinhonha, cujas águas se fundiam com as do Aras. suai na Barra do P ontal. Os canoeiros . cantando à proa, levavam para Canavieiras os nossos produtos e de lf traz-iam-nos sal, cocos, fazendas e mercadorias estran• · _geiras, importadas pela Baía. Calhau era o entrepost co.r;nercial éle todo este norte e nordeste. - · O que era aquela arriscada navegação! - excla· mou Venâncio Murta. - Um prodígio de coragem, destreza e vontade ajuntou padre João. • > - , N.:J. descida - prosseguiu Fulgêncio - pelo Jej 'empedrado do grande rio, os canoeiros, governando cdn: o varejão. as ..,embarcaçõcs carregadas, precisavam ser dl uma firmeza absoluta de olhar e de movimentos, pa A NO J \IA no T R OPE IR O 19 n;" p atirarem a s canoas de encontro aos rochedos de qµe está eriçada a caudal. Era de ver como se desviavam, velozes, por entre os sucessivos estreitos rochosos. manobrando prodigiosa- mente, à voz enérgica <lo piloto . Muitos, a-pesar-de ttldo isso, lá f icararn sepul tados. Mas o perigo não tirava a ca.lma à.q eles homens extraordinários, nem lhes arrefe• eia o bom humor. O caldeirão da feijoada com toucinho fervendo à popa, ao fog-acho feito sobre lastro de areia, mal passados os momentos perigo os, lá iam conversando e cantando, atirando adeuses aos moradores das palhoças ribeirinhas , descendo sobre as águas, vendo fugir espa• voridas, nívcas garça , a rirís, marrecos, socó , ouvindo gemer nas matas marginai s as pombas verdadeiras e fa- zendo mergulharem- e, temerosos, os grandes jacarés que andavam f areja.ndo à flor das águas. O almoço era sim- ples, mas abundante e alegre. Nele não en trava o álcool, embora fossem todos grandes bebedores. A severa. d isci- plina .dos canoeiros não o permitia nas horas de trabalho. 'Quando a noite caía, então, sim, abarracavam-se nas pitoi-cscas ilihas e após o jantar · bem regado pela caninha, trovando ao som <la viola, não raro en tre amáveis com- panheiros de vida boêmia, que levavam para a Ba ía e de lá t raziam, quebravam a quietude daquelas paragens bárbaras com a sua a legria ruido a, para, ao a lvorecer do dia seguinte, recomeçarem a mesma labuta. Eram ho- mens semibárbaros, que comiam muito, donniarn pouco, amavam à lei da natureza e morriam cedo, devido à ali- mentação contínua de carnes, gordura e outras comidas muito azotadas. 20 AHI L IO BAR Hí:: T O Belos tempos aqueles das minhas viagens com tropa do Calhau por esses sertões a fora - ajuntou Ve- nâncio - onde não se falava senão na.._ chitas, nos cola- res, na "iaiá de ouro", nos grandes lenços estampados, nas reudas de bilros, da Baía, no pano da Costa e ern mil outr:is cousas que nos traziam os canoeiros. Ao Calhau vinha t<:r tudo isso e clalí carregava eu tudô isso por estes mundos ... _ Éramos, como disse o Fulgê.ncio, um grande en- treposto comercial do norte de Minas e do Sul da Ba!a _ afirmou padre João. Imensa fortuna desceu e subm pela itguas do nosso grande rio, sendo para se lamentar que de todo esse tesouro não nos tenha ficado um bene- ficio, uma obra Juradoura. Eram rios de dinheiro que iam e rinham, numa prodigalidade fantástica, de mão em mão, sem que alguern se lembrasse ele erguer um belo templo, uma casa de caridade, um asilo para necessi- tados. Foram esforços dispers ivos de que só nos res- tam a lembrança e a saudade. - Lamcntavcl dissipação! - exclamou D. Isabe- linha. - Com a extinção da fama da descoberta do Salobo, com o desenvolvimentoda cultura de cereais no sul da Baía, com o avançamento da estrada de ferro Baía e Minas pelo vale do Mucurí, rumo Teófilo Otoni, e com os progressos da Central no territ6rio mineiro, as cousas foram-se mudanclo, o nosso comércio foi -se deslocan- do . . . - acrescentou Fulgêncio. - Caprichos do progresso. . . - ironizou Venâncio - Que vimos nós desde então? A pobreza, o êxodo, a A l's ll!VA DO T ROP E IRO 21 di sper são, a lamúria , as tragédias cios r,t· tira.ntcs pelas es- trad as, nas seca s bra vias , em dema nda de vi<l a menos ing rata e de terras mai s dadivosas . Padre J oão, sorvendo uma pitada de rapé e asso- ando-se com fragor no lenço de alcobaça, protestou: - .l\fonos essa de atribuir ao progresso a decadência atual do Calhau. Grande cousa é o progresso e é dele qu e precisamos . com a breca! O que fo i, tinha d e ser. Neste mundo tudo tem a sua fase de evolução, apogeu e decadência. Não nos revoltemos cuntra as leis naturais ... - D e acordo, J >adre Mestre, de acordo, - apazi- gou V cnâncio. Mas . . . Fulgência, porem, retomou o fi o da conversa: - Disse muito Lem o Padre Mestre, meu caro Vf.!- nâncio: tinha de ser, JXJÍs com o avançar daquelas ferro- vias pelo território mineiro, cessou a razão de ser da navegação intensa do J equitinhon!ia: os munidpios que comerciavam conosco e com a Baía por nosso intermédio, encontrado mercado.- mais accessívcis, abandonaram- nos e, alem d e nos abandonarem, começaram a atrair os nossos homens ; consequentemente, decaíu o Ca- lhau, desenvolveu-se a emigração, e m debandada para as matas do Peçanha e outros pontos; as tropas que, anteriormente, vinham para o norclcs tc, rumaram para outras plagas ... - E caímos para se mpre na apatia - acrescentou triunfalmente V cnâncio. E' o que eu digo . . . - Para sempre, não! - protestou ~dre João, en- direitando-se na cadeira. Isso foi uma crise, como todas Z2 ABILIO BARRETO as crises . .. Mas veio a reação e da boa. Aí temos a~ora ci município outra vez animado . .. - Fogo de palha, padre João - argumentava Ve- oàncio. Não há base séria para um recrguimento. Isso que aí está não passa de entusiasmo efémero. Vai ver. - Não -erei - atalhou o sacerdote. Se não ressur- gir a nossa navegação fluvial, lá irão nossas tropas a Teófilo Otoni, Diamantina, Minas Novas, a t odo o norte, levar nossos produtos ao encontro das ícrroviás e trazer-nos o de que carecemos. Venâncio Murta não se deu por vencido. Mostrou ainda que o Calhau pouco tinha para exportar e que 3 export.1ção desse pouco, em lombo de burro, era impra- tica\·el. Padre João discordava com novos argumentos, quando D. Isabelinha se levantou e foi ver o café das Ave-Maria. Fulgêncio classificou o amigo Venâncio de pessimista e terminou apelando para a estrada de ferto, que um dia não longínquo, revolucionaria com o (>nl· g,-esso aqueles chapadões. O padre aplaudiu, num tri- unfo, aquele vaticínio e Venâncio concordou que a ferro- -ria resolveria o problema do Calhau, mas a.chava que ttld seria para seus netos a realização daquele sonho. 11 A conversa. JX>rem, foi interrompida pela chegada. Je um moço de seus vinte e oito anos, alto, moreno-claro, ombros largos, cabelos e bigodes negros, ol,hos castanho escuros, muito simpático. A sua entrada na sala todos se levantaram. - Ora viva, José Lucas! - saudou Fulgêncio, abra· çando-o, no que foi imitado pelos outros amigos. Voe.e por aquí ! . . . Quando chegou? - Agorinha m esmo. Bati cargas na rancharia do Venâncio e, sem perda de tempo, mal petisquei qualquer cousa, vim aproveitar um pouco da prosa ... - E filar o delicioso café da Sra. O. Isabel, mar- reco! - gracejou padre João. - Assim como há de filar, amanhã, o meu al- moço - ajuntou Venâncio . - Perfeitamente - respondeu o moço. Isso assim, logo ao chegar, uma prosa, um café e um convite para almoço já é ter entrado com o pé direito ... Veio o café e D. Isabelinha. fez uma festa ao ver José Lucas, querendo saber que sumiço era aquele do moço arrieiro. - Arrieiro, não, D. Isabelinha - protestou o re- cem-chegado. Fui arrieiro, mas hoje sou dono de tropa e viajo por conta própria. Levo aí um carregamento de toucinho para Diamantina e outro de algodão para Beri- berí e S. Roberto. Realizei, afinal, o meu sonho ... 24 ABILJO D ARRETO Bra\'o ! - aplaudiram todos. E bem depressa você o realizou, disse Fulgôncio. - O ra, com vontade e trabalho tudo se consegue _ volveu o moço. - Tudo, até o reino do céu - ajuntou padre J oão. - Coote-nos Já isso - pediu D. I sabel. E J osé Lucas, acendendo um cigarro de palha, con- tou o seu caso. que era um caso pe rfeito de vocação. Como sabiam, d esde pequeno sempre tivera decidida incli- nação pa ra a vida aventurosa ele tropeiro. E m Montes Oaros, onde nascera e fizera o seu curso primário, não havia nada mais encantador para ele do_ que estar no ran- d10, vendo chegar e sair as tropas. Chegava mesmo a ter inveja do cozinheiro, quando o via. no rancho, prepa- rando a comida, ou ia montado no cavalo-madrinha acom-, panhando a tropa. Aos 1 O anos o pai mandara-o para 0 Seminário de Diamantina, no desejo de fazê-lo padre, Fora contrariado e ali estivera an os, como um pri- sioneiro, que só tem um sonho - a sua liberdade. Morto o pai, voltara, aos 14 anos, para a terra natal, sendo logo forçado a trabalhar para prover a subsistência pró- pria e da velha mãe, que ficara paupérrima. Emprega- ra-se então no comércio e não ia mal, porém a vocação em breve o arrastara para a vida de tropeiro, ainda que contrariando a vontade materna. Cortara aqueles sertões de fora a fora, até que, atraído pela fama do Calhau, abalara-se com a velha mãe para I tinga, onde passara a dirigir três lotes de burros da firma Vargas & Salgado, em constantes viagens por Teófilo Otoni, Minas Novas, Diamantina, Grão Mogol, Salinas, por todo aquele ser- A NúI V A DU TROP E IR O 25 tão, e.n fim. Ultimamente, com as ccvnomias que tinha depositadas em mãos dos patrões e mais cmpr ··stimo- zinho que estrs Ule fizeram em boas condições, comprara trés lotes de bes tas <lc ponta de <ledo e um ca \'alo- ma- ~~ 1 t " " <l . drinha, sem con=r a va en e ruana e sua monta na, que valia uma fortuna. Vira realizado o seu velho sünho e alí estava agora, feito dono de tropa, na sua pri- meira viagem por conta pró pr ia. - Simples e interessante história ! - comentou D. Isal)elinha. com aprovac;ão dos demais. - Realmente, quem nasceu para tropeiro num:a che- garia a ser um bom padre - sentenciou padre João. A vocação é um fato. T odos concordaram que a vocação era t1111 fatu e D . Isabel mostrou-se interessada em saber que pensava 0 Sr. José Lucas a respeitá de casamento, se já havia feito a escolha ... - Contínuo a depender da noiva, D. Isabcl inha. A-pesar desta minha vida de judeu errante, ainda não encontrei uma moça que me fizesse pensar em casamento e creio que, embora não me tenha feito padre, morrerei solteiro ... - Não há de ser entre essas lindas mo renin(1as do norte de Minas que V. escapará - gracejou Venàncio. - São favas contadas . . . N ing uem as res i ·te . • . acrescentou Fulgêncio. - Pode ser . . . pode . . . - respon<le11 José LuL-as . E padre João, batendo a caixa de encontro à mão para juntar o rapé, aconselhou : _ . - Pois é escolher o amigo José Lt1cas essa Jl11a e 26 A.BILIO BARRETO trazê-la aos banhos ... Cá estamos para o conJugo e para os doces ... _ E por falar em doces, Sr. José Lucas, fique con- vidado para uma festinha que vamos fazer de hoje a li dias pelo aniversário do Fulgêncio - convidou D. lsa- belinha. _ E' verdade - disse Fulgêncio - Regule bem os dias da sw viagem e esteja aqui no dia -30, para parti- cipar de uma leitoa, um perú, algumas garrafa_s de vinho do Palácio de Diamantina e um rasta-peztnho, que a Isabel está preparando. Contamos com você. _ Farei O possível para não faltar. Salvo força maior. garanto mesmo que não faltarei- concluiu o moço, <lepois de ter agradecido o convite. A palestra ainda se aloogou por algum tempo, sal- tando de assunto a assunto, na maior jovialidade. Fala- ram do tempo, que corria bem, dos preparativos para as roças, de negócios, etc. José Lucas fez o elogio da sua trOJXl, que viera de Itinga até alí folgadamente, com 12 arrobas cada besta. Mas tambem quem ' tinha como ele um camarada do valor, da experiência e da dedicação do Jofió Macola, podia e tar descansado. Partiria no dia imediato para Diamantina e, no dia 30, pretendia bater cargas de novo no Rio Preto para tambem festejar o aniversário do amigo Fulgêncio. - Vai ser um festão - asseverou padre João. D. lsabel tem dedo para a cousa. E cotn esta vou-me raspando, que amanhã tenho de celebrar cedo. Boa noite, mtus amiros. A NOIVA DO TROPEIRO 27 - Boa noite, padre João - responderam todos, acompanhando-o até à porta. Venâncio Murta e José Lucas tambem se despedi- ram e saíram logo, descendo, juntos, pelo largo da igreja, que estava quasi deserto. Pelas casas baixas que o circu- lavam. apenas uma ou outra vozeava ainda iluminada. As demais estavam fechadas e em silêncio. Tosando a grama do largo alguns animais pastavam, bufando, no silêncio da noite. Uma toada monótona e triste de san- fona vinha. de rua afastada e punha uma nota dolente· no ar parado. Os dois amigos iam conversando e fumando. A casa de Venâncio ficava próxima ao ran cho, pouco alem do târgo. Quasi ao chegarem ali, surgiu-lhes pela frente o Maneco Sirirí, azafamado, mastigando uma ponta de cigarro, o chapéuzinho de capim no alto da gaforinha, arrastando uma. espora só, contando que o Nenê Roldão acabava de fazer mais uma desordem na rua de trás, ' sovando o Bento Inácio a rabo de tatú, por via de uma mulatinha assanhada que era "moça" deste. Sirirí dizia que a mulatinha era mais homem do que o Bento Inácio. Se não f ôsse ela o porq1wra. do Ilento estaria nó outro mundo. O Bento não reagiu, Sirirí? - perguntou Ve- nâncio. Quá ,-eagiu> quá 1rada! O Be,ito é um patife. A.rengot,, arengo"> mais pr>tem, quando provou o rabó de tatú, untou tcbo nas ca1telas, usou das armas de veado e virou arcanfô. . . A nwrena, a Chiquinha Piabá, I que 2 ... IIJLJ O BARRETO reagiu, mais lambem e11tro" uo rabo de tatú. O Nenê é timfr.•e I E' l1om1t como tri,tta ! - E a polícia? - perguntou José Lucas. - Aqr,r./r cabra argu,m dia coutou com, s ordado, meço? - dissP .Manrro. As í11turid-ades inté tem medo ckle. Preg,mfc aí a sô Venamço que-ni é N en ê Roldão. - E' a maior peste que há nestas rodondeza confirmou Venâncio. E' um desordeiro <la pior e s pécie, difamador e a sas ino. Dizem que já praticou várias mortes e, ao que me consta, nunca foi preso. _ Nut1ca! - co11fir111ou Sirirí. - Co·ni aquclr s6 churnbo e chumbo pcrdigôto. Tá bão, inté m11i.11>hã pr'a11rês. - Até amanhã, Sirirí - responderam os doí !-, que se puseram de novo a andar, até a esquina, onde Venân- cio se despediu do seu amigo, dizendo-lhe: -Não falte ao almoço. - Promessa é dívida. Lá estarei - respondeu José Lucas, apertando-lhe a mão, recolhendo-se ao rancho. No rancho, mal aclarado pelo fogo mortiço de alguns tições, João Macota assentado sobre um couro abertg num dos corredores fonnados pelas cargas e cangalhas, "ponteava a inhuma" na sua viola, de Queluz. Nt> dia seguinte cedo foi com verdadeiro entusi- ' 1 asmo que José Lucas assistiu à partida de sua tropa, de pé, na esplanada do rancho, dizendo ao João Macota que fo e tocando devagar. Ele, José Lucas, iria almoçar com 0 Venâncio e receber uma carta que este ficara de escre- ver a.o Mota, do Gratide Empório do Norte, na Diaman- A ~ O I V .\ D O T R O P F. 1 R O 29 tina. Talvez não o alcançasse antes do pouso no Rio Manso. Mal os camaradas soltaram o burro <lo couce J , 1 " , ase cava gou a sua ruana", que girava impaciente cm torno da estaca, e foi apear-se à porta d V · · o enanc10 dizendo a este, que o veio receber à entrad.a. ' -Olhe só por gosto Venâncio <l. · • . ' , e 1ga-me se com esses tres lotes de f1arn;a não fare · · 1 · d • . 1 a min 1a 1n epcn- denc1a. - Não há dúvida - aprovou o outr d d f ·1 1 , 1 . o, ven o a tropa es I ar pe as u tunas ruas do arra· 1 . , b. E, . 1ª , Jª em 1cando na estrada. <las mai s belas tropas t , •. , que eem pa. sa<lo por aqu1 e com ela voce Ira longe segu , ramcnte - Depois, Venâncio _ prosseo,iiu J o : L • 1:,~ se ucas, apon- tando para a figura varonil do camar d d • ~ a a e confiança que se afastava nas pégadas da bt d . _ trra a - camarada como o J oao Ma cota não há Tem a forç 1 • . · a, a va entia e a coragem de um tigre e é um corar:- d b -. "ªº e pom a. Nao sabendo sequer assu1ar o nome é de um ·d d . . • . • a sagac1 a e e rntehgenc1a raras. N,ão há situações d. fi' · -1 ce1s que nao re- sol ~a, ne~ reveze~ ~ue lhe tirem a calma. A sua fi- de11dadc nao tem limites e confio mais nel d • , • e - e o que em mim proprio. - A quem o diz. . . - observou Venâncio. 011 heço o Macota não é de hoje. Não há outro igual nestes ser- tões. Nem sei como você conseguiu contratá-lo. - Pois não tive a n1enor <li f iculdadc - explicou José Luc~. Conheço-o há muitos anos, <lesde quando fui para !tinga e me fiz arrieiro. De tanto viajannos juntos, fizemos-nos amigos, até que, de uma feita, ele JO A D I L fO BAR R ETO me disse: - "No dia em que m ecê comprá uma tropa pode contá comigo p'ra camara<la". E ele que nunca faltou à sua palavra, aí está. Garanto que, por dinhei- ro algum, me deixará . Tambem não o trato co mo camarada, mas como. o melhor dos amigos . _ E ele bem O merece - afirmou Veuâncio, con<lu- zindo O anugo para a sua sala de visitas, onde prossegui- ram a p.1Jestra, até que D. Constança, esposa de Venân - cio, veio chamá-los para o almoço, dizendo que este havia sido abreviado porque o Sr. José Lucas tinha de viajar. E durante O almoço, a bondosa matro na, p rod iga- lizando ao convidado as maiores amabilidades, quís sa- ber por que motivo ele estava ainda solteiro, sendo. co- mo era, um moço "tão aparecido e <le tão bons modos,, - - E' curio o - respondeu José, pilheriando, a sor- rir. Parece-me que todas as senhoras são devotas de Santo António ... Ainda ontem era D. l sabelinha do Fut- gêncio e hoje é a Sra. D. Constança a querer saber por- que ainda não me casei Ora, a razão é muito simples, minha senhora: ainda não encontrei a criatura que o, destino me tem reservado, se é que ela existe ... - Pois olhe, Jo é - observou Venâncio - es iniciati,,a das senhoras significa apenas que você é · ui bo ºd m parti o ... - Ora, mais esta. . . - comentou o moço, lison:. • jeado. - Exatamente - volveu D. Constança. E a prova ' que não dizemos o mesmo de uns tais que temos por aí, como o Quincote, filho d.o Coronel Juca do Mulungú, A NOIVA DO TROP EIRO 31 um perdido, que só nasceu para fazer a desgraça de po- bres moças inexperiente ... José Lucas , porem, não conhecia O Quincote e li- mitou-se a agradecer à bondosa enhora os elogio - que lhe fazia, ouvindo depois o Venâncio dizer: - Já vê você, José, que a sua reputação está f ir- m acla tamb ·m entre a ~enhora , que são todos d evo- ta de Santo Antônio ... - Bravos - galhofou o moço. Agora só m~ falta firmar a reputação entre a s moças ... O melhor. po- rem é não pen_ ar em casamento, por enquanto. Quan- do eu e ti ve r bem ri co ... 1 Findo o almuço, o nosso jovem tropeiro, ag rade- cido aos donos da casa, que o vieram trazer ú porta , despediu-se e, ca valgan<lo a sua be ta de ela, partiu nas pegadas de s ua tropa. Enveredou pela estrada do Rio Man. o, o grande chapéu de lebre desabado, lenço de eda creme ao pes- coço, pemeiras de couro de porco, tilintando as rosetas das chilenas e fazendo estalar na tábua do pescoço <la "ruanaº" as t a las larga do chicote. A manhã fora fr ia, · mas àquela hora o lindo sol de inverno era uma delícia, convidava a viajar e produzia em José Luca omaior bom humor. Sem pre sa, na certeza de que não alcançaria mais a st~a tropa senão no rancho, não quis força r a marcha da sua montaria: deixou-a seguir naquele µicado estradeiro, que lhe lembrava O . balanço ama.vel de uma rede . E lá se foi , apreciando a paisagem que não via desde longa data, a chupar vastas fumaças do seu I ngo J .. ABJLlO BARRETO cigarro de palha. Por a lí , como ern todo o ertão, ]avra- am as queimadas e le a ssis tia aquí e acolá, sem admi- ração, às renas va11dálicas de formidáveis incêndios atea- dos pela mão <lo homem , nas matas. capoeiras, campos e colina , à~ ,·ezes com o fim util de preparar terra:s pan1 a lavoura e outras veze pelo mero prazer diabólico do espetáculo sinistro que as queimadas proporcionavam. Era-lhe aq t1ilo uma cena familiar e até agradavel ver as labareda , verdadeiras cortinas de fogo, i rrompcrem da moitas mai ecas e cerradas, produzindo estalos e· estouro ou lavrando pelos campos e colinas ao sopro da riração. O e paço toldado de negro fumo, p onti- lhado de milhões de arguei~s, era de vez em quando ris- cado pelo voo de um gavião cará-cará, que descrevia circunferências .nas alturas) caçando presas para o seu repa to. Adiante, pelos terreiros de pequenas e humildes habitações marginais, onde algum cão escani frado la• drava à sua pa agem, havia ainda vestígios de fogu ei- ras, arcada de bambús enfeitadas com flores de papa- gaio (alegria de salão) e os infalíveis mastros com ban- deiras de S. João, S. Pedro, Santo Antônio e Sant'Ana festejado pouco antes. Aqueles aspectos que lhe eram tão famil iares desde a meninice, despertavam-lhe reeor- dações, saudades. Aquí, cruzava uma tropa, sau?ava alegremente os tropeiros, que lhe diziam: boa viagaJ inté a vorta! Alí, via um carro de bois gemendo, morro acima - "annn ... " Alem, era uma porteira que rangia - "inhem ... " - da a no~ batentes - "pá ! " Era um munjolo na grota, pilando, pilando - "in ... tan !" Era um • moínho, no fundo de um sítio - ' ' rum ... rum . . , A () J VA DO TROP EIRO 3 rum ... " Eram as cigarras zi11inc.lo. Eram os pa aro'3 · cantando, eram todas as vozes que e n tituem a v iva mani f stação da alma complexa e ária da natureza ser- taneja e que lhe animavam a alma, ompl tando o r estar que sentia. III oh,da a colina que pende para R.i o das P ed ras, d i: à direita a trada particula r que ia l r à fazenda de Leonel Gr ór io foi <l e 11 dn pela e:t rada r eal à uerda, margeando a enco ta. Rio das P 1ra era um lugar triste, ilencioso, no val , n tre colinas e matas. 0 a fazenda ref r ida, que J o·é Luca a vi tava , punha um pouro de rumor naquelas pa ragen s, com o seu ma- quinismo rúsúc . Ele nunca hcgara até àquela fazenda ó de nom nhccia o s u p ropr ietár io, o clho Leonel ·m. dt preocupadam nte ia o jove.n tropcír d nqo e margt:ando a enco ta. Pou ant de atingir uma ca- inha de t lha , um riacho e um ra nc h o, n lugar m qu as dua e trad de n vo se nc ntram onde can- tava uma rola ''fogo-apagou" d e oz <l mulhe-r chegou-lhe ao ouvidos cantarolando uma toada _u1 .. gel , muíto sua conhecída, que t e rminava por e t ,.. tribilha: Todo mundo /cm seu bem, Só pobre de num não tem . . . Ai! . . . ' d , atento o ou ido para já cuno nSJgo mesmo, pr - de conhecer quem canta,,. 'ão tardou muito a tor. tis f ita Prosarorntc do po to cni qu a dua no o, olhar J)(!rquiridor d ua uri idnd . lrada liga· briu, a dir 'ta A N'O l A 00 TROP RO 35 a po uca cli táncia d., ncruzi lhad , uma linda 111nrm múr na, ')IH:: não teria mai , d 18 a.no · • llU r ur alí n- da, a !-ipair e ndo, a ollwr [lor · pcla 6 ma r en~ u <· t r :tdinha 'l_LI ia dar à faz nda. urprc '<), admirado, e., m ri . viar Ih r de obr l a, riu e cl ixava cJ • ran lar ao v • I , to ¼a muaraçada, o rn ç liruu ·h a p · u ·m r · p it o . a ::-a ida ; o , 1 rran<io a vt'n lura d ~ r orrespond1<l 1 ,r um h"<.:iro accuo de cab a, e mpl ta.do por graci · n 1 d tran.lw fl rz inh humana, que lá <mlinu va para,la, a { í á-1, lam b ·m ndmira<la, a 1tand e m uma ,. rinh arbu~ lo d em torn . , ar em frcnt cas iuha de h:lhn , que t •a a i r ta, à . ·qu rua, J si: Lu · ~ n.1. \ <.: n I aí nín - gu m 1v ·u d· nov o Jhar para , 111 0 a, eu ind · n ant d ao .mpPc nd ·r que ·la o ~l'guia l 111 b 1r om lhnr ·u ri ~o inter ado . T • • ímp lo· d 1r at nd la ta a, diz r-lh lgurua~ la r uvír-lhe ut rn , e nh cê•la m lhor, 't1Íim . M · ta l p r ·~d r par · u -lh · imprud·ncia d 1 dt' ' Í li u C' 111 p r, p r uind p, a té r ia ·h o, u nde n ~u · ta I ara ra a b b r águL . Aí, ltou-se d n , f r o a.rr ,o~ , nq u nl "ru na" . · <l s ·cd nt anda n<l , p ro u i-ando h r nd a água lb 1n ai ura m ll1 r, J U s d •u lar a · qu .nlla m nt mplar cn antaclor dà d nh ·i l~ qu 1h r · iht1i s lho.re :, m mu"' d p 1çã , pr ur, n n li. r c· r u in- a · ua u riu: i<l· d fra d o ri eh , o l r pe Ir u · dir 1ta 36 A.IllLJO DARRETO rancho de tropas, que e tava deserto . e começou a galgar a encosta fronteira., íngreme, pedregosa, de onde ia avis- tando aos pouco todo o vale aberto de norte para sul e avi tand sempre o vulto da moreniuha, que agora se ajeitava por entre a folhagem, mudando ele posição para ve-lo melhor. Atingido o alto, de onde a iria perder de vista, José Luca refreou o animal, volveu-o, parou , ficou de frente para O vale. Uma atração estranha prendia-o alí, quasi 0 arra tan para trá e ele bem compreendia que outra cousa não era senão a irresistivcl simpat ia pela encanta- dora desconhecida, naquela fonnosa manhã de sol. Bem compreendia que assim era porque nunca lhe parecera a ida tão feliz e tfio bela como naquele momento e porque nunca sentira o coração pulsar tão alegre e acelerada- mCJl tc como agora, a vista de qualquer outra mulher, vir- gem ou não. Voltou-lhe de novo a idtia de retroceder, ir até onde ela e tava, principalmcnt para verif icar se tamanha be- leza não era 11111a ilu ·ãu de seus olhos e de seu coração. Depoís - quem sabe? - talvez pudesse trazer no cora- ção uma primeira promcs a. . . Ma ainda desta vez con- ' teve-o aquele seu firme b m sen. o, que lhe não deixava nunca ser de arrazoado e imprudente. E continuou ali eslalico, absorto, como imantado ao solo, na contemplação do gracioso vultozi.nho que se mo. trava [>ür entre as. ár- vores, a espreitá-lo. O casal de rolas "fogo a~gou" continuava. cantando nas moutas, em baixo. O sol tornara-se agora mais ' quente e incómodo e Jo é Lucas, receoso de que · a for- . A NOTVA DO TROPEIRO 37 mosa moreninha o julgas. e importuno, deliberou partir, tanto mais quan to lhe parecera ouvi r um tr pel na es- trada. Assim, contrariando embnra o seu desejo de per~ manccer alí, num arruubo de emr1ti vidade, tiroll o lenço de seda do pescoço, ag itou-o muitas \'ezes no e pa~o <' sentiu- e trêmulo de e ,ntentamento au \ 'C;- que uin outro lencinho branco se agitava para ele. por entre a nun.aria do vale, dizendo-lhe um adeus que era uma encantadora promessa ... Num arreme so, e ·pareou a he ta, fê-la volver nas patas tra eiras, tirou o chapéu numa ú1tima despedida e partiu, desaparecendo num instan te obre o cabeço da colinà, onde encontrou logo um cavaleiro <l sconheci<lo que demandava Rio Preto. Agora, percorrendo a légua e n1eia que vai <le Rio das Pedras a Rio Manso, com a alma e o coração num tumulto de cmoçõe · nunca sentidas, experimentava um contentamento inédito e começava a ca telar out ros mo- mentos como aqueles tle pouco antes ou talvez melho- res ... Mas uma série de intcrrogaçõe não Ih saía do · pensamento. Quem seria aquela formo sí ·ima criatura/ Qual seria o seu nome ? A que família pertenceria? E coordenando as :mas idéias, argumentava ele si para ' consigo: Se erc1 verdade que nunca arranchara nu Rio das Pedras, sabia mttilo bem que naquela fazenda à di- reita da estrada habitava o velho Leonel, ma ii.:-norava que em sua casa existi . e uma mo~a t~o linda . Sim, ra '16, que elamorava pnrq ue ·e fosse na cas inha junto cio riacho já a teria vi sto ao pas ar pur ali nas ::.tia · viagen . 3 A B I L J O B .1\ R R E T O D r to, nã lhe con. a ·a a existém·ia, por alí. de outra família a que ela puue~. e p rt en er. Enfim, no seu re- . , ha,ia df' apurar tudo aq uilo ... 1a a wrc/ade fc,i que. dali por rlian t~. já rle~ccndo a colma que p ndr p-J ra , R ·o Ma11 ·o. e ·p ra iando lhar pelo~ rale e (Trota de um laclu e d 1 untro d a trada. encia YÍrida e bela no pen arnent a ·ma n da more.ni- nha e bcni cumpreendia p1e . não era aquil ainda inc~ndin de urna pab,ão, era. pelo m en . a faulha 1Y a caída na palha ~eca do cora 5o virgem de q u in1ada .. IV, Uma casa grande, antiga, caiada, coberta de telha , dando fren te para o oe te, mergulha.ela em ext n o p mar, no f un<lo do vale do füo das Pedras, com o seu pedral em fon11a d banqueta e uma escadinha de pedra de- três degraus, ra a fazenda de Leon l regório. Para al m do pomar e tendia- e a mata, ainda de ua propriedade, por onde passa. va a estrada particular que, partindo ela casa, ia pelo fundo até encont rar no alto a estrada pública do Rio Preto. Em frente à casa, grande terreiro e reado de achas de a roeira e barauna era limitado, à e querda, por uma fila de cômodos baixo , que con tituam paiol, a co- berta para arreios , ferramenta e outros uten ílio da 1a ura. Pouco a_çliant de e t rr iro, e reada igual- ment d madeira iceja.va bem cuidada horta, que ra tambem jardim, po to em comunicação com a casa por um portão de tábuas t scas. A tUreita da ca a, mais ao alt , ficava a grande co- berta de telhas que abrigava o engenho. o alambique, a tacha d fabricar rapaduras. O mais eram a roças canaviai v rde . ondulante ao v nto, ala trando-se pelo e 1 igão, de ,cendo pelo vale, con(undindo-se com a mata. Entre a casa e o en enho pro eguia a trada par- ticular interceptada alí por duas g randes p rt iras. a e tra.da, descrevendo uma curva de cia até o riacho qu dá notn ao lugar e seguia 1nargean<lo-0J por entre uma ABJLIO .B RRl!TO 3 poeira fechada, :ité alcançar de n v a e t rada púbica unto à ca inha ele telha e ao rancho a q uc j á no re- f rimo. e onde Jo é Luca ncontrou a formosa mo- rena de conhecida . Naquela fazenda antig'l e o egada vivia Leonel Gregório da ~il\'a, havia eg-uram nte un. trinta ano . Contando já o seus ~e senta, alí pe r lera pai e mãe, as- sim como tambcm a primeira mulhe r. que lhe não eixara filhos. C.ontraidas seg11nda núpcias com a formosa e santa criatura que se clu1.mara D. :Maria Luiza, a qual mor- rera - diziam - em consequência de mau tratos do marido ciumento e grosseirão, deixanrlo-lhe uma f ,lhinha ainda en alta na. faixa infantís, alí continuara resi- dindo até o dias em que e deram os fatos de que nos ocupamos. ' Quem poc.Icria bem contar a histó ria pormenorizada daquela casa e daquela gente era l\!Iaria Tapanhuna, mai conhecidn por Maria Preta ou Pretinha. que para alí viera como escrava dos pais de Leonel ante do primeiro casamento de te e ali pas ara a metade da ua vida, inte- grada na família como se a ela pertence e pelo anguc. Tivera nos primiti os enhor - erdadeiros pais .e por i o os servira com dedicação e prazer até que cerra- ram os olhos para sempre. Morto e tcs. pas ara, por d!reito hcredüário. a Leonel, filho único do casal, já en- ta.o casado. De de e a 'poca tornara-. e-lhe a existência pior. Mau marido e mau s nhor, Leonel divi lia entre a e posa, D. Isaura, e ela, Pretinha, os maus trato •natu- A NOIVA DO TROPEIR O 41 rais do eu gênio autoritário, impulsivo e grossei rão . . até qu um dia a pohre senhora tambcm s ucu mbira, dei- xando-a só com o amo. Escra va que era, ia sofrendo \ pacientemente, na só e!iperança de que tudo neste rnund tem fim ... Apó o evento da abolição da escravatura, quando Leonel já estava de novo casado com a. santa enhora que fora D. Maria Luiza, por mai de uma vez formara propósito de deixar a fazenda, ir viver noutra. pnrte. onde tivesse uma existência menos sofredora. e af im de não te temunhar as continuas maldades que seu amo inflig ia, injustam ente à nova esposa, encerrando-a dia~ inteiros num quarto, não permitindo que ela saísse a passeios ou que mantivesse relações de amizade, atiran- do-lhe repelões e asperezas, movido pelo seu mau gênio e por · injustificável ciúme. Enquanto Luiza vivera (assim era tratada intima- mente a segunda · e po a de Leonel) parecera a Maria Preta. uma· ingratidão arondoná-la deixá-la só. entr gu àquele marido impiedoso. que lhe amargurava os dia . sem dar o devido valor à preciosa joia de beleza de bondade que tinha por esposa. Não a d ixara, portanto ; uportara com la, pacien- temente todos os <li sabores, até que a enh ra, m e rta noite ternp ·tuosa e lúgubre ele ' ckzembro. h ra <lepoi elo primei ro parto, morrera em s u bruços. suplicando- lhe, ao exp irar, que z la se pela filhinh a ,·ec •m-na cid;i, que a não abandonas e entregue ao pai, qu lhe fizes e as v zes de mãe. Tal pedido "in oxtrcmis" chumbara-a d f initi a· 42 AR I L f O BA RR l': TO mente naquela casa, mau grado todo:. o so f r irncntns que aJí vinha curlindo, desde longos anos. Por um movimento natura!, c. pnntánco ele . cu cora - "'o, quanto mai.~ o í ria da lí f.lOIº diante, quant() mais era malt rarada. ta11to 1nais e cxt re1mn·a cm carin lios , afetos e dc:d1caçáo para com a filh in !ia de eu ani , com o se na- quel(·S movimento. de bondade CJ1comra e o melhor bál- samo a _ Wil> magua . Como era natural, a Jucla clcdicaçãn extremada de fari a , entre out ro .-. <l era e · te e . e ·le nte res u lta do: ado, ara dr rcrtn modo o ma u gé11ío de: L eon el , em quem a mor te da ~cg unda e po a p rnd 11z ira surpreen- drnl abalo moral . De irascível prepotente q11 c em, t0 rnara-s e s u- ruml át ico, m lancóli o e ombri o, com o . e o perse- guis ·e o olho in !emen te de u m rema r o . D cscl c e ntão, pou o falava. dormia mal, qua e não e a limentava '! procurnva ab orver-sc no. trabalhos da la oura como , a buscar um deriYativo ao !:> u mal esta r íntimo. D uma feita, por aca o, Pretinha fora encontrá -lo nl' mo em frente a uma gaveta aberta, com os olhos ba- nhados de lágrirna . cont mpla11do uma fotogra fia . um r ttato que Maria Lui2a lhe ofcr •cera ao t mpo de noiva lhido de urprcsa, fechou a gaveta " di . se à riada : - Você não pode' imaginar, P r t inha, quanto me doi ler ido tão severo para com a Lu íza ! H oje é que reconheço que la não m r eia. Mas . . . qu quer ? N unca J)u<l e d ·ixar <lc t r ciumes <l eia . .. - ha l.uir.a •ra uma anta, m ·1.1 amo, e foi por \ ia dí s.o que D Ub ·osso S nhor lcv u ela p' ro céu. A N n I V A D O T R OP E IR O 43 - Fui, Pret inha, foi . .. E u fiquei ne te in fcrn do mundo . .. - Ora, meu amo, u que pas nu, passou. . . E la tá n o éu, tá n o bom. ::;ora vamn cuidá da me.nina. O ciue mrê í izé por ela tá fazcnd para a -ama que 1 e lS levou. - S im, Maria , tem razão : amos cu idar da fi lhin' a. E dal í por dian te I onel toraara◄se mais brando, mais solícito e P retinha mais t ranr1uila e. e m m.ai liber- dade ele ação, cledicnra-s · ele C(>q)(J e alma a s uidad om a pc:quena., qu lhe nfü.i aLa d s 1 r aços, dorn1ia om ela no m mo leito e hamava-lhl' ''Maq1ÍL" Pretinha' ' . E era com razão que as im a con ·iderava, porriuc Preti- nha a.ma.va-a como a melhor das mii.c . V Ana Angélica era o nome da menina que Pretinha vira na.scer, que levara à pia bati smal de Rio Preto, onde Fulgêncio e D. I sabel, com o padre João, fizeram- na cri tã e que agora constituía toda a ua preocupa- ção, todo O eu l.lem na vida, chaman lo-a pelo gracio- 0 nome de Sinhaninha. De tri tcs e amargurados que tinham sido, os seus dia tomaram-se alegres, iluminados por um sol de afe- tos em céu de esperanças. Sinha.ninha era um grande tesouro que Deus lhe dera, corno recompensa a tod s os seus anteriores pade- cimentos. Sozinhano mundo, ignorando a existência de um parente sequer, porque todos como e cravos que eram, tinham desaparecido, andando de senhor a senhor, como uma cousa de negócio; descrente pela própria condição e pela vida espesinhada que levara, de não contar um só coração que lhe pudesse tributar um pouco de afeto, Maria Preta res urgira para a e..-xistência, desde que lhe caira nos 1 raço aquela menina, que entrava risonha pela vida, ao fechar- e o túmulo qüe guardava, para ernpre, sua mãe . Tornada, por assim dizer, a senhora · da ca ·a, levan- tava-se ante de nasc r o sol. executava todos os traba- lho domésticos com o maior zelo, critério e economia, <le forma a não dar en anchas ao rccnidc cimento do mau gênio de LeoneJ. A NOIVA DO TRÓPEIRO 45 Nas suas poucas horas vagas brincava co111 a menina pas cava-a pelo pomar, pelas circunjacências, fazia-Ih~ roupinhas, bonecas de pano ... um encanto! Pelas fes tas religiosas em Rio Preto e Rio Man 0 , quando ia fazer a sua comunhão, com licença do amo. levava a pequena ao colo, mostravà-lhe os atrativos do arraial, comprava-lhe vestidinhos, brínqued s, gi;1osei- mas, missangas, em mãos dos turcos. Em Rio Preto, às vezes, dormia me mo em casa ele Fulgêncio. A Semana Santa, por exemplo, passava-a toda alí, acompanhando os cerimoniais. Até is o con- seguia do velho amo, agora mais solícito e razoavel. Todos a estimavam, todos a consideravam pela sua bondade inata pelo seu critério, pela sua lealdade e sobretudo pelo extremado afeto maternal que votava. à filhinha de criação. Referindo-se a ela, todos diziam: - 11 E' preta na cor, mas branca em tudo ma1 E' o braço direito de Leonel." A proporção que Sinhaninha crescia e se fazia mai travessa, mais bela, maior era o seu orgulho, mais extre macios eram os seus ca.rinhos, de mais belas esperanças se povoava sua alma quasi virgem de gratas emoç5es. Quando havia visitas em casa ou onde quer que e - tivesse junto de outras pessoas, sempre que elogiavam a beleza e vivacidade da criança, o maior gozo de Pretinha er;i perguntar-lhe, acariciando-lhe o rostinho corado como a corola de uma rosa: - De quem é só, só, a fulôzinha? De quem é ? 4ó ABILIU DARRETO Para ouvir a criança responder, damlo-lhe um beijo na face preta : - E' só. ó de mamãe Pretinha! " De uma fei ta qu:1si morrera de susto. Pela manhã inlianinha ard ia em f cbrc, prostrad:-i , ~011o lenta. Dado o alam,e, Leonel fora de opinião que aqu ilo 11 .io tinha im- portância e ra, de certo, consequência de algum de - cuido. ue lhe de se uma mezinha case ira, seria o bas- tante. ~laria, porc111. chorosa e afl ita. não 'SLi vera pela opinião do amo. 'om pcrrni. ão deste. abafando a cn- ança em agasalho . orrera com eb a,ç arraial, const; l- lara ao Vicente boticário, que a tranquilizara, dizendo tratar-se de arampo, m lé tia andeja, do tempo, . em im- portância. Que Maria lhe desse um uadouro de flor de sahugu iro a abafasse bem. ss1m que o sarampo lhe " ntabu e" a pelt, a menina e ta ria em vias de cura. E as ím fora. Naquela noite, Maria não dormira, obser- vando e z lando a criança, que, 110 dia seguinte, e stava toda pintalgada de manchas vermelha e, dentro de pou- cos ruas mais, e tava complelamc1Jte sã, graças à sua medicína <le chá. de sabugueiro, congon ha de bugre e pa - paconha. Mais tarde foi a coqueluche qLte veio martirizar a pequena e por em aflições a bondosa preta. Desta ve-z, porfJJI, Pretinha não tivera necessidade de recorrer à sabedoria do Vicente botí ário. Com embroca.çoes de caldo de limão meudo, feita duas v z s ao dia na gar- garganta de Silrnaninha, curara-a d ntro ele um. mê . E os dias assim foram- se escoanclo, com as alterna- A NOTV A DO T'R.ôJ:> E JRO 4i tivas naturais da existência humana, quando é feliz , até que wn dia, quando Sinhani.nha ating iu os seus oito anos, Leonel lhe dis e à me a: - M inha filha, j á combinei com os seus pa.cl rinhos : vrncê va i morar com le alg um t mpo, afim <l stuclar com a mestra Generosa. E' precí o e tuclar um pouco, porque a moça que nada aprende não consegue um casa- t " ta ' " rnen o van J oso . .. - Sim, papai - respondeu a menina. Ma Pretinha não vai comigo? - Ora essa! -- ponderou o Yclho. De certo que não. Quem ficaria fazendo os crviço, da ca. a? Efetivamente, dias <lepois, Sinhaninhu eguia para Rio P reto, deixando P retinha ém lágrimas . d escon- solo da pobre velha foi inexprimível ao vê-la a cavalo, com o pai, acompanhados por um cargueiro com as canas• trínhas de roupa, galgando a encosta pelo meio da mata. Os primeiros ten1po alí pa a<los s m a sua menina foram horrív is ; mas com o correr do <lias, ainda qu sempre tocada pela mais profunda saudad , fora- ha- bituando ao novo esta.do de cousas, tan to mais quanto ia todos os domingos ver Sinhanin ha que, por sua vez, vinha passar sempre as fétiàs na fazenda. Ali no Rfo Preto, no convívio de coleguinha , filha das mais djstintas famJlia s, s b a direção de um ca al bem constituído, como eram seus padrinho , atenta ao en ·ioameutos e conselho da bondo 'a n1e tra Genero a, Sinhaninha tornou- e mais viva, p r pícaz, gracio a cativante sendo considerada por todo como a primeira ' aluna da e .cola e a figurinha de maior de taque nas [e.s- 4 A B ILIO DARR ETO ta e reuo1ões infantis da localidade. Tanto assim era que mestra Generosa mais de uma vez dissera a Leonel : _ Sinceramente lhe r ecomendo, Sr. Leonel : não d eixe de mandar a pequena completar os estudos cm um bom colégio. A sua rara inteligência bem o merece. _ Qual, mestra Generosa - respondeu Leonel basta-lhe O curso primário. I sso de 1~1oça muito "sabida" não convem ... - Sabida, não, Sr. Leonel - corrigia a preceptora Deve dizer "instruída". _ Sabida" ou " instruída" vem a dar na mesma , . cousa - retrucou O velho. Enfim, hei d e pensar msso depois. ' Aos 10 anos Sinhaninha, conduzida por D. Isabel, fizera a primeira comunhão com o padre João do Espírito Santo e, aos 12, pelo. mês de Janeiro, tendo concluído o seu curso com as notas mais di tintas, despedira-se do arraial, regressando à fazenda, chorosa e cheia de, saudades dos dias tão alegres e felizes alí vividos com os padrinhos que a prezavam como filha. Estes, no momento da partida, insistiram com Leo- nel para que levasse a menina o quanto antes para o Co- légio de Diamantina. Seria um crime não completar a educação de uma criança tão inteligente. E o velho afir- mou que já havia pensado naquilo. Era mesmo cousa resolvida. Indescritível foi a alegria que reinou na fazenda do Rio das Pedras à chegada de Sinhaninha. Maria Preta /\ N OI\" A DO TROP E IRO 49 tirando-a de soLre o animal, numa inconti da expio ão de lágrimas de contenlaillcnto mescladas de orr iso . aper- tava-a de encontro ao seio descarnado, envolvendo-a toda numa carícia infinita, balbuciando: - Minha menina , m inha menina ! Como está bonita e vistosa ! Louvado seja Deus, agora é de mamãe Pre- tinha, outra vez, só, só, não é ? - Só, só de mamãe Pretinha r e pondia a pe- quena, abraçada ao pe.c.oço da preta_, trêmula de emoção, imitando a sua maneira de falar quando era pequena. Para recebê-la, Pretinha havia dado um arranjo gra- cioso na casa, pondo flores nas jarras da sala e do ora- tório e esparzido pétalas de rosa sobre o seu leitozi- nho, que compusera fofo e macio, com a s melhores pe- ças, de uma alvura imácula. E naquele ambiente de reparadora alegria, passa~ ram-sc alguns dias. O próprio Leonel, naturalmente secarrão como era, sentiu-se algumas ve;es comovido ante os transportes de afetuosidade entre a preta velha e a filha e teve pesar de não ser capaz de iguais demonstrações carinhosas. Com o avançar da idade, com o alquebramento natural das suas energias, com as provações peculiare à vida, .estava, corno dissemos, bastante mudado, desde a morte ela esposa, mas ainda era o mesmo homem orgulhoso, autoritário. As vezes, quando a1guem elogiava emsua presença os predicados da menina, vaticinando para ela um bom casam ento, ele observava: - E ' verdade. Aninha está se enfeitando feito laran- jeira nova. Daquí a pouco vão aparecer por aí os li assa- 50 BTLf O BARR ETO nhaços'' e "sabiás.. . . . Por isso j á estou preparando a ''picapau" com churnho e.comilha ... A n inha nã o há <lt ser para o bico de qualquer pé rapado. quando eu resol- ver casá-la_ Agora vou mandá-la complet.ar os estudos no Colégio 1\°o :,a Senhora da - Dures e ·e algu111 dia t i\'c r de casar, não há de ser com •·gentinha''. nem com CJi- pira . . . Efetivamente, um mês depois, ia a Diamantina e de lá trazia não só a deliberação de internar a filha no co-• légio, como o neces ário enxoval para esta. Tal notícia entri teceu de novo a faze11da e foi no meio de um pesar imenso que se fizeram os preparativos para a viagem, -q_ue se realizou, dias depois, ao alvorecer de uma segunda-{ eira. Desta vez a dor de I\faria Preta e de inhaninha era bem maior em virtude da distância que as ia separar. A maço, porem, na fa e ró ea dos son hos, das ilu- . ões e esperanças, compensa\'a-sc, prelibanuo o encanto de conhecer Diamantina, de estudar entre outras moça~ e meninas, de fazer novas amizades. _o contrário exatamente se dava com Pretinha que, abatida ao peso dos anos, de iludida e experimentada nas falsidades da vida, só tendo por consolo e arrimo de seu coração descrente o amor, os carinhos, a graça e a moci- dade radiosa da · sua menma, acabrunhava-se ao pensar naquela seoimda · . · f o· auSéncia, com a qual não s podia con- 0nnar o seu c - p d oraçao. arecia-lhe que aquele egun.do Mo a sua avezinha mal l . . . emplumada ra o início do ·voo argo, def 1rutivo 1 ' parn onge de seus braços . .. Isso rnesmo la e· e tzera sentir à Sinhaninha, no mo- A . ·o , v A ºº TRO P E IRO 51 men tn dorido da pa ri ida , e: . lrcitand.-.-a ,i,. ,.,11cn n t rq ao cio, ent re lágri111ac; . o u v indo-a d izt' r ta 111l.><::n a ~-hnrar ::,c11 Lidamentc: - Não chore. ma111: e Pre tinha! Hr ,•e hei ele , ·ulta r para 11 n11ca mais apartar -m e de vo e, , VI inhaninha partiu. por uma Lela e f r c.sca manhã de n -feira. em companhia e.lo pai, . · 1 uídrJ~ pur l m ··camar.u.ia •· a ~- ung ndo urna besta com n par ,lt: cam.strinha.s . Maria Preta, com o olho pi~(W d.e t nto chorar, acom hou-o a t: o alto da cfJlína fronteira, e dali, em uço iu com o olhar a sua querida filhinha de criação até \C-la desaparecer ao longe, na curva da estrada. Ao r sar para a faz da. trazia u m in f inito <k-s:a.Jen.to na a e no cora ão. como St' lhe h uvessc acontecido aJ ia grande desgraça. A moçoila tambern fez toda a viagem chorosa e aca- bnmhada e maL ri te ainda se sentiu quando, já no (oi ' · , se despediu do pai. de :s de pedir-lhe que ti- paciência com Pretinha e que lhe de muita lem- brança.3. llivia d e.ser ,.,.er sempre a eJa por seu inter- médio e queria que ele promete ler-lhe toda a carta . - im, minha filha. Fique de sada. Farei tudo o~ vmrê ped - respondeu U onel. deixando a filha no parlató ·o. entregue à Irmã uperiora, e, descendo J)'1a rua da Glória, pelo • facau <lo mei . até a ca elo otl, oa rna da Quitanda. onde f 2 uma compra , mon- a. Q\-a!O e regre ~ à fazenda . " primeiro dias de m =nha no ol ' ·o foram 1 ~-lhe irre. isrí \· · a udad da fazenda, d~ ãc Pret:inh:1 e até de seu pú, e- c:amio e indiftrtnte. la a bondade d . [rmã , of pa - ·os ao aunpo1 cm bre e di íram-na até que con- I" O 1 \ . A D O T ll O P E I tl O 53 í m10u com a ua. nova 1tuação, tanto mai , qua.ntn at.ra- vé d corr po-nd -:nc-:a que man.linha semanalmente m ~ pai, [icara ornbtna.d que 1na 1~sar a í~na · na fazenda. E o que ram de 3\ la para o ~ cora.<; a JU~las f ' rias! O dia da partida., a nagcm. a e egada c.,m ca pareciam-lhe um 1ho . . \o cair. do i hãozinho em uc montava , n braços trêmulos de .Mari Preta, am d faziam em lágrima entre sorrÍ!>Q e era um nunca mais aca 1 r de tú tóna.s. de alegrias, de rre-r curr · , pelo pomar, ptl s ití fa orit \ acompran pela mã ck criaçã . que ~ recia uma criança a u lado. he, mamãe Pr tinha - dizía ela - CoJ · · é na rua da Glória, uma rua muito larga e tensa, r'Oda calçana. - duas ca enorrn de um lado e do outro da rua ligada por wn di, . e péci d pon · , f e- chada, m janelinhas. quai se a qu~ pa Ao fwidos de uma e outra casa há rrrandes pcnnare muito benJ tratad . por onde T rmã n 1 • m prc a ~ r . Tôdas a seman damo · tambem pa:ssc1os campo ao r ião, à Pedra Grande. ra lad do Beriberí. Ah ! se você vi qu campinas . rra lindas h' por alí . . . . arrendo pcJo cam do fru e flor n · meruna parecemo um r·~·-.. .,,.. bon osa pa ~tora d alg,nna.s horas de libeT<b.dc. Irmã Pretinha, como - bond Irmã Toin tte~ a Irmã Eugên~ a u riora.. todas· - \' rdade:i mães ue a1í ttm . não f o. sa,u que ntia. - . tll'"ia ali rompi tamente feliz. D.i . ddad . retinha. JldD í dtprimir a • a ''catita.a''. E ce da ixla 54 A D 1 L I O n .\ R íl E T O erra n rme d "ri:itai ·, que J arccc um pr ·epe. Tam- bem só :i coulieço por a to. porque o J pí\.i não t~m tido tempo ele rne levar a pa eio quan do vou pa ra o cok½:,rio ou quando . aio 111 férias. Maria. num enl vo imeu~o, nclmirava-sc <le tudo, tiuha tml:i exclamação a propó ito de tudo que a pequena < izia, orrindo. como e ou v i e a h i tó ria mais b ela d ~te mundo . Sentia, porem, uma e. pécie de cium e do Colégio, que lhe rou bava tanta veze aquele en t ezinho querido ao seu coração. 1 to durou t rês ano . Em meado do quarto, Leon el recebeu uma carta da Superiora, cha mando-o com ur- gência, porq ue Si11haninha e tava g ra e m ente enfe rma com terriYel febre tií . Tal n o tScia qua. i enlouqueceu Maria Pr la que, no dia eguinte, em companhia do amo, s guia para Diamantina, rom o coração e a a lma convul- sionado por maus presságios e aflições. Alí chegado , abeirando-se do leito em que a m~- nino ofria, Leonel ficou trêmulo e Maria começou a chorar baixinho, de joelhos, a rezar, durante longo tempo. Sinhaninha modorrava. dizendo incongruências, "va- riando", à excitação da íebre. Durante todo e e dia não reconheceu a mãe de criação nem o pai. Estava comple- tamente mudada, desfeita. Para dar a impre são com- i) eta de uma defuntinha, ó faltava cerrar os olho . No dia eguinte, porém, reconheceu o rccem-chega<los e. oltando- e para Mar.ia di e : - E' vncê, Pretinha? - Sou eu, nlrassim, f itl ô~in/ia - re JX>ndeu ·a preta om a voz cortada ·pela comoção. A NO l VA DO TROPE I RO 55 - Ah! então vou sarar num instante . . . Olha . ali tá tambern o papai ! Sua bênção, papai ! Qur. bom! Vou sarar depressa ... .Mas dentro em pouco voltava a delirar, a ninguem mais reconhecia. O Dr. Teles e o Dr. Alexandre estavam desanimados, depois de tré conferências com o Dr. Maia. As Innãs e as enfermeiras já e lavam exhaustas e Pre- tinha obteve permissão para tratar da doentinha~ entre- gando-se de corpo e alma aos cuidados reclamados pela enferma, não se afastando tun só instante de junto do seu leito, quasi sem dormir e sem se alimentar, com admiração de todos, que logo a ficaram estimando. Leonel, hospedado em casa do amigo Necõ do Corte., na rua do Amparo, vinha todos os dia ao Colégio e andava nervoso, descrente da salvação da filha e preju~ dicado nos interesses na fazenda. Procurava ·de conti- nuo o médico e pedia-lhe franqueza. - Sua filha está mal - afirmava o Dr. Teles -• mas tenho esperança em que o seu 6timo organismo reaja e vença a pertinaz infecção. Tenhamos um pouco mais de paciência. A moléstia segue a marcha natural. Dois m~ses depois,. o médico declarou Sinhaninha em convalescença, permitindo que o pai, dentro de duas semanas, a levasse para a fazenda, recome:ndàndo os maiore cuidados para se e itar uma recaicla. •- E' preciso reconstituir o seu organismo depaupe-. radíssirno - ob ervou o facultativo. Deve seguir rigoro- amente as minhas prescrições e oregime que estabeleci. Assim que estiver mais animada deverá dar pequenos passeios pelo campo. N:ão deverá ser contrariada etn cou- 5 ADlLIO B.ARR E·ro razoáveis e não poderá. ter de gosto . Se assim fi zer, daqui a doi me e a menina estará o utra , ez robu ta e linda e mo dante_, concluiu, a ariciando o ro tiuho de feíto da n ferma. Sinhaninha . orria tristement , agradcc n do a dedi - cação e bondade do médico. E ta a de figurada. extre- mament e pálida magra, os olhos fundo,, a v z sumida, nen·osa, rambaleant o andar. Perdera qua~i todo o seu lindo cabelo. não sabía dizer muitas palavras e squecia frequentemente o nome da pe soa e das e u a . Maria Preta, conquanto acabada pelas aflições e o- frimento daquele dia horrívci não cabia em si de con- tente por ver a ua filhinha ele criação salva, permane- cendo com ela no Colégio até o dia do regr s o à fazenda. E era de ver e mo a e timavam, como confiavam nela Irma e educanda . cercando-a d con ideraçõe _ peçfai , p r veri ficarem que, naquela carca a de velha. ex-escrava vh·ía, grandiosa e bela, uma alma branca e pura como um lírio, capaz de todos os sacri• ftcios, desprendidamente. VII Foi um dia pe grande tri teza no Colégio o da par- tida de Sinhaninha e de Maria Preta para a faze.nda, tant mais quanto Leonel havia <l clarado que a filha não tornaria mais àquele e tab 1 cimcnt . Era de manhã, linda. manhã lumino a. D1ama.ntina parecia sorrir aos doces afagos daqucl doí rad sol de iuvern . As Irnlãs e as educanda tinham o olho lac • .. mcjantes e as que ian1 partir choravam copiosam ot , quando se d pediram no parlat · rio e t maram a e n- dução que as esperava à porta. A viagem foi feita vagaro amente, em tr· -~ ·-·· com pernoites em Mendanha e Rio Manso, af . convale cente não se fatigasse muito, ,.,. ... ..,.,do reco- mendações do Dr. Teles. Leonel mo trava~se muito paci- ente com a filha. Chegados à fazenda, graças aos cuidadÓ exc pdo- nai de Pretinha, Sinbaninha começou a recuperar em breve as suas energias perdidas. Ao fim de três meses, a coloração de rosa fte ca começou a estampar-se-lhe nas íaces, ao pas que o seu gracioso corpo readquiria a robustez de outro tem- pos; o cabelo renascia-lhe negro e ondulo o ; os olh reton\avam o brilho, a expressão e a magia naturai ; lábios coloriam-se e os sei vinham urgind empina- dos e túrgidos como duas pera madura . Oi ·ip.-ira-se- 1 lhe todo o nervosismo e ela recuperava e mpletamcnte a D JL I0 llARR ETO radio alegria.. E . tava ng-ora m ça. na plen itude franea d ·plênd ida fo·mo ura . :\lariu P reta maraxilha a-sr , mi1·a11cl0 a moreni nha dn pé~ à cabeça e mn r ~ceio long ínquo começnu a rles- p ntar-lhe nas profundezas do e raç5n: aq1 wla f urmo- . :.ur.:i e graça da m0<oila já cumeçava Ul<JUietanJu o rap:uio do Jrrniai · e cirrunj;1ct·ncia.s. e daria cm resultado q ue inhaniuhu lbe fo . e em breve roubndu pur via de ca a· 111ento com algum f lizardo, mau graJ 1 a bem pr, vavel iç-5o do pai. ío fundo. por 111, Maria não era contrá r ia a bom casam nto para a filha de criação ; bem ·abia lei natu ra l e indi ·pen. ave! a união cio dois ·ex Ulll ser E aceitando a id 'ia de ca amc11to, não ambicionava para a m!>ça ...wn marido rico u de levada po içã , porque, · il,J· , riquezn e po iç10 p r s, ós a n ingucm cidade. Que Deu · lhe des · um esposo t rabalhador, hoilrado. af tivo e delirado. que a soube se amar e tratar m o carinho que merecia. ram . · u de e jo . e te respeito não perdia n ejo para dar con e- lho à filh:i de criação. dizendo-lhe que não e iludiss nunca com os tai ''vidrinho de eh iro do arraial" ess s , mocinhos P !intra. , ''pontada e roupa ó", que não valiam d i vinten de mel coa.do. inharunha arria. achava en- graçado, dizia que " im · . Leonel, porem, não lia pela mesma. cartilha. con- íorme. ~ larara um dja, na sala, m conversa com algu- ma. VI SJ.ta: • o eu atender, criar um homem 1.una filha com grand • · trabalho e dis~dios, fai r dela uma perfeita AN O JA DO TROP F. 11{ 0 ~c-nhora e dona de asa para I l 10i · l'nt rc·'~,Ha n nm "]não-qualquer", era n:matada a ·1l<'i r·• N•i,... e 0 ·t i1 . ·1 u. ......, :.. , V,l :.lí)Ul () no eu planos de vida. Na <.:asa e ahrum clia 5 , i:, e pen. a e clll c::i amcnto para a f il !,a, ele a l,cria e colher O noi conveniente, depois ele saber quanto e~t contava de eco- nomia · e que po i ão ocupava na sucied·ide . , •· , , moça , em geral - a rescentava - não ~ b;am anel t· 1 _ • . e m 1am o . JJnn z e pensavam que amor era meio de vida... Para l~s qualquer troca~ti'.1tas , crvia para marido, d de que nao fo se de todo 1d1ota e ·oub · e comover-lhe O cora..- ção com meia dúzia de palavras doce . . . . 'ã : na sua ca a a cou a havia de er feita de outra forma. De outra f it.a, quando J o é Fulgêncio e D. I bel vi~ram vi itar Sinhaninha, pouco d 1x>is e.lo en regresso, sa.Jra-se com os mesmo. argumentos, mas fot"â. tOQt stado p los compadr , que di cardaram abs lutamente dàquele ponto de vista do v Jho fazend iro. Para l~ulgéncio e D. I ·ab l a primaciai · e ndiçõe ex igidas para um 1J m marido eram er honrado. adio e t rabalhador . em ser de ducação muito in f rior a da moça. Oaro que e o noivo fo e rico e de elevado po iç-âo socia l, eria ouro sobre azul, ma e não {o e, não seria meno digno só por isso. Posição e fortuna adgufrfam- i bondade e honra- dez eram prendas naturais e as única ca,paz · de faz r um lar f eJiz. Os pai só deveriam int rvir na colha de noivo para. a filha · quanto à saude e à qualida,des morais dos pret ndentes. Fora daí, a escolha ra tun caso puramente ele .coração. re olvirl pelo am r mútuo. iuhaninha, conquanto d inteiro acordo çom o 62 ADJLJO D.ARRETO daH po r diante, na mi. sa. na _· ic. i .'.ls rcl ig-insas nu cm ca amiga:. onde quer que enconLras · 0 111oçu íazen· d iro, da ,·a -lhe o mai:-; pos it i , 0 d e:- prc:za, chcgarnJri me 1n o, _em quebra dos devere de hua educação, a f iw gi r que o não ,·ia, afim d • 11."lo r etJ·:huir-!JlC' u · curn1m· mentas. Ju tamen te por i_ o, por . C' entir de. prezado e, pela primeira ,·ez, repud iado por aquela maneira . o moço. fe - rido no seu capricho o orgulho. a _scntou a íirme ddihc- raç.ão de vencer o indiferentismo da linda moi· na . que lhe acendera violenta paixão ... Impelido por aquele capricho. dispos to mesmo a casar. e fir se preciso. para te r a ufan ia de se mostrar mai s um a Yez irrc is ti n~I n a s ua , c on q11 i: ta . , lança,·a mão de todo os ardis pos íveis para cativar o cora ã, da moçoila. BaJdado intento! e a segu ia nas proci sõe . nos passeios . 110 arraial. ela, sob qua lquer pretes to, t - mava rumo da casa de seus padrinho . desapa1·ecia. Se ·e acontravam em algum baile. fingia sentir-se doente e nii,o ,·inha maí à ala . Se ele a colhia de s urpre a ern alguma reunião familiar, limita\·a- e a responder por '1)0rJo íJauo ine..,pres. i,·o ao que lhe diz ia. e · ele vinha ao Rio das P dra , como veio alguma \'Cze ·, não lhe ;ipar ia & vário pretesto . Nunca lhe concedia. por- tanto, en ejo de lhe declarar o seu amor. Ma o _111u - cote não e dava por v ncido ... Estavam a cousas ne· te pé, quando naquele for- moso dia de julho, achando-se Maria Pr ta a cuidar do jantar, viu Sinhaninha entrar corr udo pela cozinha" al- o [ \' D O T R () P F. T R O (,. tar-lhc ao pescoço, dizcnd ' numa a k rr r ia ,, •llca . '! ·p n i de c rti í icar-se de qut> não era ou , ·ida 1,, Jr 1,i~:., n .ngu, 111 : - P retinha.! Pretinha! P onha a mão 11u llh.:U cura- ção ... - Que foi ? Que i ui: - pergu 11 l11u -l i e :i. p1 ta, a ::.- su tada, pondo-lhe a mão obre os . eia=> duro · e ofe - gantes. - Veja como ele bate, Pretinha!. .. - Poi · com certeza q ue ele há de ba.fi• d e ·se geito . Maci veio nwna des filada feito veadiuha as u stada ... Que foi que aconteceu? - V;i, agor inha mesmo, passando na estrada, para Rio Manso, um moço que me fez sentir o que nunca senti pornenhum outro. . . Se o coração da gente n ão se engana, Pretinha, é aquele o meu escolhido. . . Se você vi se que impatia e que m odos e le tem ! ... E sem dar tempo à preta de fazer qµa lqucr con i- cleração, descreveu-lhe açocladamente, com calor. pr ci- são e entusiasmo a passagem do viajante desconhecido, o cumprimento trocado, os olhares e a d pedida com os lenços, acrescentando que se ele fo se hom em d bem. olta se, fo se constante, qní sesse ca ' ar com ela e co1 eguis, e o consentimento de . cu pa i, ria fel iz. Maria interrompeu o l:ll trab, lho. estupefacta e. me- nt.ando a cabeça filo oficamente, 0 111 um o:-r iso de dú- · vida nos lábios gros o , respondeu-lhe qu nã0 anda s e a correr atrás .da felicidade . . . A felicidade era. qua I sem- ,pre uma nota falsa, dada como legíLinu, e JX) ta na panca de um pau de lJo, em dia de íc ta ... o oração d a · mocidade enganava-se mais do que acertava. O casa- nILIO D.AR.R • TÓ menta ra obra do de tin . Q uem pod ria d i7.Cr o qu fos~c aqnele moço que ela :icabaYa 1 , r pas~;ir na strada, por aca o, pela primei ra vez ~ Pou ·ria s r um . anto, mas t ambrrn poderia e r um <l en1<Jn10. O s s an- to , por m, n::iquele. t empo. eram m u i1.o · rar . .. . Enfim, e le oltas e, fo ·e digno d ela . . Havia de er o qu Deus quisc se . Ias o m elhor era n ão pen- ar mai. naquilo e n nt andar dize ndo ad us a quem p ava na e trada. em conhecer .. . inhaninha, um tanto desconsolada, oncordou, ma no íntimo achava impossivel não pensar no desconhecido que tá.o forte impressão lhe causara. . . E feti vam en tc não o eS(jueceu. Ao contrário, todos o d ia , à m sma hora m que o vira passar, lá tava na e t radinha par- ticular da fazenda , junto à cabinha de tel ha , o lhand a e trada, numa e pcrança vaga . .. Tanto ia alegre1 como voltava tr_iste , po r que o d s~ conhecido nã.o tornava a pas ar. Quant vez. ' onho u om e le, ven do-o noites in- t ira , ada di o conta a à Maria P r ta 1 afim de não aborr cê-la. E ta, porem, t udo compreend ia , arguta ~ xperirnentada que era, mas fazia-se d e d esen ten d i a . E os dias e foram pa sando, sem que I.eonel nada 1 rcebc VIH Em Diamantina, José Luca e seu camaradas, no rancho, haviam acabado rle jantar, um janlar ap t ito de feijã da onze hora com turr i.m s cl t u inh magro, :trroz d papa e carne cca assada no !iipe.to . onv r· ea,•am cntados sobre o ur e arg-as j á ale atlas , jWJtO ao fo o, à es pera do café qu o Quinquim t inha acabado de coar e agora Ih ~ c rv ia em coité . aborcando v café, i acota alisou m o lomb da fac.a uma palha de milho, ntalou-a atrás <la or lha e ia rtar f WlJO para ci arr , quando J . é Lucas lhe o f rc- c.cu um já feito, dizC!Dd : - Exp rim enl <le · t . 1u é fa ma o: é do (:.Juati ali no B o do .Nf ola. - Já ouvi {lav á cs a. ma rca. Tá. se v cn-o que é boa.! brigado, meu amo! - <lib ·e o camar:i la, ele nrolando nrolando d no o o igarro, deitando-lhe I go com um tição, tirando dua baf radas <le fumaça e concluind : - E' p cial 1 D pai nquanto o Quinquim arranjava os uten í- lío da. ozinha, rf o e olhercs de estanho e prato í lha d . F lan Ire e e t rta.va uns láte · d cabr - t , J é Lu foi rec tar-se à ua rc<l t: Mac ta, ti- rando a i la d ueluz <la caixa, a.f inou-a e começou a nteá-la baixinho. Esta am d can ad s, tinham ntr roe todas a car~ em Diamantina, rn ão Robert e B riberi · ta, t-am çom nov carr gam nt pronto para Calhau e ABILIO BARRETO ltinga. Só lhes faltavam uns caixotinhos com miüdezas que o (.adete entregaria ao Querino naquela noite. Par- tiriam na manhã seguinte. A tarde ia descendo serena e límpida. sobre a gran<le cidade lendária, evocativa e dona de uma história majes- tosamente cheia de glórias. No largo da Cavalhada Nova, onde ficava o Mer- cado, ao me mo tempo rancharia de tropas e ao qual 0 povo denominava "barracão", palpitava a vida animada de todos os dias. O rancho era urna grande coberta de telhas vã. , fechadas por paredes baixas, com cancelas para o Largo. para a rua Espírito Santo e para o Burgalhau. Compunha- se de 2 planos: um, baixo, calçado de pedras, onde os tro- peiros batiam cargas e cozinhavam; outro, pouco mais a.lto, assoalhado, que se destinava a depósito das cargas e onde se efetuavam as negociações. A-pesar-de já re- pleto, de vez em quando chegavam tropas retardatárias. que iam $Cndo descarregadas por alí, enquanto outros tropeiro amilhavam e ra pavam a burrada, presa à esta- caria, em frente. Lá pelas proximidades da casa do Manoel Cc ar, mulheres do povo, de pote e ancarote à cabeça, apanha- vam água no chafariz, tagarelando ... Pela rua do Espírito Santo, um bando de garotos per eguia o Tiú, entre chufas e assuadas , exasperando o pobre preto, que habitava uma loca para as bandas do Areão. O administrador do rancho, o Joviano, baixinho, curvo e simpático, pa. eava a cada momento revi tanclo as tropas que che&ravam. A , O IV A DO T ROr E I RO 67 José Luca que, de vez em quando, de ua rede. sol- tava profundos suspiros, por volta de 5 horas ergueu-se e convidou Macota para o pa seio que haviam combinado O moço tropeiro não via Diamantina fazia muit, temJX) e emprazara o camarada de confiança para aqueh passeio, afim de r evê-la e de desabafar-se com ele so• bre a cena feliz do Rio das Pedras, que lhe relatara minudentemente. Rememorar aquela cena, deter-se a falar daquele a - sunto, imaginar as consequencia.s que poderiam advir da- quele primeiro encontro com a formosa moreninha de - conhecida era necessidade para o seu coração enamorado. . - Pois é assim, M acota : nã sei que feitiço pó em mim a linda criaturinha, qu j á não passo mai um mo- mento sem pensar nela - fo i dizendo Jo t! Lucas. mal haviam saido do rancho. - E' devera, meu amo : desta vêis a móde que merê tomou chumbo gros o na asa, poi u nunca lhe vi al-iddo ansim, - respondeu Macota. naquela sua voz pau • da. - Mas se você a vi se, Macota, ha ia de m dar toda razão. E' uma beleza . uma grac inha I ão pode haver outra igual e o que into por ela nunca enti por mais ninguem ... Eh l T ' v •no Mais porem não - meu amo. . . a so e ... vale- a pena se aftigL . . o qu" i-ivé de sê tem fôrça. · · - Mas então você t am bem é de opinião que ela "não pod~ deixar de ser filha do velho Leonel? - Uai/ Tá sa veno que é. ·Maü ta,n1bom pode e <wc não. . . Na vorta . . • - Sim, ·você tem razão: na volta, por estes dia , 68 b i de tirar isso a limpo. E você não pode imaginar. Ma- ota, como an · io por e. e momcn to ... - Cumo ,úio! Pois tá se ve110, meu amo - rematou 0 camarada. batendo a. bin_ga para acender o cigarro Haviam subido pela ma do Amparo, seguido pela do Ílomfim, pro guido pelas do Contrato e do Carn10, até a dn Quitanda. í ntraram J1a casa do Mota, a f im de comprar algumas ncomenda , um , "cabe " de diagonal, uns par 5 d "botins '' e outros de ' 'carpins", qtlf: pagaram com uma porção de "burrusquês" do Bi po. Depois desceram por detrás da Sé, entraram pelo Macau elo Meio, subiram pela rua da Glória.. No Colégio de ~o a . enhora. das Do,~e uma sineta bateu. Pararam em freute ao edjfício, admirando-o, sem que José Lucas nem de leve imagina se que a linda mo- reuinha do Rio das Pedras havia estudado aH. Prosseguindo no passeio, agora, no alto da Cru1i c1'1s Almas, admiraram o majestoso ·panorama da cidad atra- vés da luz violácea do cr púsculo. DaU avi tavam em frente, ao fundo da cidade, litni- tando-a, as enegrecidas fráguas da Serra do ristais, para alem do Rio Grande, alcan til sob erbo qu recor- ou a Jo é Lucas aqu le versos de Aur liano L a · "V . lá na enco ta do mónte . .. " A uc.rda e t ndiwn-se os b los campos arenosos da l?'edra Grande, do Tombad uro, singrad s pela t.tadá do Bcriberi. . A dir it:a., eram as "Biquioh.a '1, o "Pururu a'' e .lá cm baixo, colcant ntr pedr . o Rib irão da Prata. " Pa..;._ oeste, eram as lindas e extensas crurtpioas da A NOI VA DO TROPEIRO
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