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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS 
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS 
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO REGIONAL 
 
 
 
 
 
Leandro Alves Silva 
 
 
 
 
TENSÕES E CONEXÕES: 
Um Estudo Sobre Multinacionais E Sistemas Nacionais De Inovação  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2014 
   
Leandro Alves Silva 
 
 
 
 
 
 
TENSÕES E CONEXÕES: 
Um Estudo Sobre Multinacionais E Sistemas Nacionais De Inovação 
 
Tese de Doutorado 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Centro de Desenvolvimento 
e  Planejamento  Regional,  da  Universidade 
Federal  de  Minas  Gerais  (CEDEPLAR/UFMG), 
como requisito parcial para a obtenção do título 
de doutor em economia. 
 
Orientador: 
Prof. Eduardo da Motta e Albuquerque 
 
Coorientador: 
Prof. Gustavo de Britto Rocha 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2014 
   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ficha Catalográfica 
 
 
S586t 
2014 
 
Silva, Leandro Alves. 
  Tensões e conexões [manuscrito]: um estudo sobre 
multinacionais e sistemas nacionais de inovação  / Leandro Alves 
Silva. – 2015.  
 200 f. : il., gráfs e tabs.   
 
 Orientador: Eduardo da Motta Albuquerque. 
 Coorientador: Gustavo de Britto Rocha. 
 Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro 
de Desenvolvimento e Planejamento Regional. 
Inclui bibliografia (f. 153 ‐162) e apêndices.  
 
1. Empresas multinacionais – Teses. 2. Desenvolvimento 
econômico – Teses. 3. Economia evolucionária – Teses. 
I. Albuquerque, Eduardo da Motta. II. Rocha, Gustavo de Britto. 
III. Universidade Federal de Minas Gerais. Centro de 
Desenvolvimento e Planejamento Regional. IV Título. 
 
        CDD: 338.88  
                         Elaborada pela Biblioteca da FACE/UFMG – NMM031/2015 
 
   
FOLHA DE APROVAÇÃO 
 
Candidato: Leandro Alves Silva 
Título da Tese: Tensões e Conexões: Um Estudo Sobre Multinacionais E Sistemas Nacionais 
De Inovação 
Tese apresentada ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, da Universidade 
Federal de Minas Gerais (CEDEPLAR/UFMG), como requisito parcial para a obtenção do 
título de doutor em economia. 
Data: 07 de agosto de 2014 
Membros da banca de avaliação: 
 
 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. Dr. Eduardo da Motta e Albuquerque (Orientador) 
 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. Dr. Gustavo de Brito Rocha (Coorientador) 
 
 
 
 
______________________________ 
Prof. Dr. Marcelo Silva Pinho 
 
 
 
 
 
______________________________ 
Prof. Dr. Leonardo Costa Ribeiro 
 
 
 
______________________________ 
Profª. Dr. Catari Vilela Chaves 
 
 
 
 
 
______________________________ 
Profª Dr. Márcia Siqueira Rapini 
 
 
   
 
 
 
 
 
 
Para Luísa 
 
   
Palavras nunca  serão  suficientes. No entanto eu as uso na esperança de que elas possam 
transmitir a minha mais profunda gratidão àqueles “que roubaram um pouquinho e ajeitaram 
seu caminho para encostar no meu”. 
Ao Duda, por tudo, mas principalmente por toda paciência de anos. 
Ao Gustavo, pelo apoio e incentivo. 
Aos meus amigos de Cedeplar, “cedeplarianos” de todas as gerações. 
Às minhas amigas Márcia, Catari e Sara que me acompanham e incentivam desde sempre. 
Aos meus pais, pois sem eles eu literalmente não estaria aqui, mas também porque sempre 
viram em mim o melhor que eu poderia ser. 
Aos meus irmãos que não precisam ser mais nada e ainda assim são muito mais. 
A Deus, que eu sei que não se importa com a ordem dos agradecimentos. 
Aos meus professores, que sempre serão meus mestres. 
À Sahra, que muito me emprestou seus ouvidos e me deu novos amigos tão grandes quanto 
ela: a “turma do Morais & Cia”. 
A todos os meus familiares que esperavam tanto quanto eu por esse momento. 
À minha tia Josefa, nunca agradecerei o bastante. 
Ao Raul que em boa hora veio renovar sorrisos e esperanças. 
À Luísa, que me inspira a ser melhor todos os dias. 
E duplamente àqueles que não pude citar aqui, mas que agradeço também por perdoarem 
meu lapso. 
A todos, o meu sincero muito obrigado! 
 
   
RESUMO 
 
As empresas multinacionais têm historicamente colocado os sistemas nacionais de inovação 
(SNI) sob tensão. Para compreender essa tensão é preciso entender a natureza da empresa 
multinacional e seu papel dentro do sistema nacional de inovação. Por sua vez, dos sistemas 
nacionais de inovação demanda‐se mais precisão conceitual para que a firma multinacional, 
enquanto um de seus elementos, e sua estrutura possam ser aplicados à compreensão dessa 
tensão.  A  presente  tese  constitui  uma  tentativa  de  associar  a  análise  da  empresa 
multinacional e a análise dos sistemas nacionais de inovação, com vistas ao entendimento da 
influência mutua  que  exercem.  De modo  geral,  a  empresa multinacional  aparece  como 
dependente  de  contexto,  seja  na  sua  emergência  (origem)  ou  na  sua  atuação  (destino), 
enquanto  o  sistema  nacional  de  inovação  é  assumido  como  o  ambiente  (contexto)  da 
multinacional na origem e no destino. Dessa forma, o SNI é tomado como fonte de vantagens 
de propriedade para as  firmas multinacionais e  como  vantagem  locacional dos países. Os 
resultados centrais dessa tese são que 1) a tensão gerada pela empresa multinacional sobre 
o  sistema  nacional  de  inovação  trona‐se  endógena,  na  medida  em  que  2)  a  empresa 
multinacional emerge de um SNI particular e atua em múltiplos SNI, os quais ela  conecta 
dentro e fora de sua hierarquia. 
 
 
 
 
 
PALAVRAS‐CHAVE:  Empresa Multinacional; Sistema Nacional de Inovação; Teoria Geral dos 
Sistemas; Desenvolvimento Econômico; Economia Evolucionária. 
CLASSIFICAÇÃO JEL: F23; O33; O31; O10 
   
ABSTRACT 
 
Multinational companies have historically placed the national innovation systems (NSI) under 
strain. To understand that strain is necessary to understand the nature of the multinational 
corporation  and  its  role  within  the  national  innovation  system.  In  turn,  from  national 
innovation system is expected more conceptual accuracy in order to multinational firm (while 
one of its elements) and the structure of system can be applied to the understanding of this 
tension. This  thesis  is an attempt  to  combine  the analysis of multinational enterprise and 
analysis of national innovation systems, in order to understanding the mutual influence they 
exert each other.  In general, the multinational company appears as dependent on context, 
either in its emergence (origin) or in its operations (destination), while the national innovation 
system is taken as the environment (context) of the multinational in the origin and destination. 
Thus, the NSI is assumed as a source of ownership advantages for multinational firms and as 
a locational advantage of countries. The central results of this thesis are that 1) the tension 
generated  by  the  multinational  company  on  the  national  innovation  system  becomes 
endogenous, to the extent that 2) the multinational company emerges from a particular NSI 
and operates in multiple national innovation systems, which it connects inside and outside its 
hierarchy. 
 
 
 
 
 
 
 
 
KEY‐WORDS:  Multinational Enterprise; National Innovation System; General Systems Theory; 
Economic Development; Evolutionary Economics 
JEL CLASSIFICATION: F23; O33; O31; O10   
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
Figura 4.1  Índices de Infraestrutura Científica e Tecnológica (1980) .............................. 109 
Figura 4.2  Índices de Infraestrutura Científica e Tecnológica (2010) .............................. 110 
Figura 4.3  Esquema  da  estrutura  de  controle  para  definição  de  subsidiárias  e 
proprietários finais .......................................................................................... 117 
Figura 4.4  Conexão entre países das GUO na Europa e Ásia Central e subsidiárias no resto 
do mundo ........................................................................................................121 
Figura 4.5  Conexão  entre  países  das  GUO  nos  Estados  Unidos  e  subsidiárias 
no resto do mundo ......................................................................................... 122 
Figura 4.6  Conexão entre países das GUO no Japão e subsidiárias no resto do mundo 122 
Figura 4.7  Conexão entre países das GUO na América Latina e Caribe e subsidiárias no 
resto do mundo .............................................................................................. 123 
Figura 4.8  Conexão  entre  países  das  GUO  na  Ásia  Oriental  e  Pacífico  (sem  Japão)  e 
subsidiárias no resto do mundo ..................................................................... 123 
Figura 4.9  Conexão entre países das GUO no Sul da Ásia e subsidiárias no resto do mundo
......................................................................................................................... 124 
Figura 4.10  Conexão  entre  países  das  GUO  no  Oriente  Médio  e  Norte  da  África  e 
subsidiárias no resto do mundo ..................................................................... 124 
Figura 4.11  Conexão entre países das GUO na África Subsaariana e subsidiárias no resto do 
mundo ............................................................................................................. 125 
Figura 4.12  Conexão entre países das GUO no Canadá e Bermuda e subsidiárias no resto do 
mundo ............................................................................................................. 125 
Figura 4.13  Índice de Expansão Global e Índice HH........................................................... 131 
Figura 4.14  Índices de Associação Setorial ........................................................................ 136 
Figura 4.15  Representação Geométrica das conexões ...................................................... 140 
 
   
LISTA DE TABELAS 
 
Tabela 4.1  Cobertura da base Orbis em julho de 2013 .................................................... 114 
Tabela 4.2  Cobertura  dos  dados  extraídos  da  base  Orbis  na  primeira  fase  (julho,  2013)
......................................................................................................................... 116 
Tabela 4.3  Trinta  maiores  proprietários  finais  industriais  extraídos  da  base  Orbis  por  
média  de  lucro  e  suas  classificações  por  média  de  empregados  e  receita  
operacional  nos  anos  de  2010‐12  e  número  de  subsidiárias  totais  e  no  
exterior ............................................................................................................ 119 
Tabela 4.4  Distribuição dos Proprietários Finais (GUO) e Subsidiárias por origem e destino, 
segundo Orbis (2013) ...................................................................................... 127 
Tabela 4.5  Resumo das Subsidiárias por origem e destino .............................................. 135 
Tabela 4.6  Valores para ICA .............................................................................................. 141 
Tabela 4.7  Coeficientes  de  correlação  para  Média  de  Artigos  por  milhão  de  habitantes  
(2008‐2010)  (Aph),  Média  de  Patentes  por  milhão  de  habitantes  (2008‐
2010)  (Pph),  Poder  de  Nó  de  Conexão  (PNC)  e  Poder  para  Estabelecer  
Conexão  (PEC) ................................................................................................ 145 
Tabela A1  Ranking das 500 maiores empresas não financeiras da base Orbis por média de 
lucro, número de empregados e  receita nos  anos de 2010‐12 e número de 
subsidiárias totais e no exterior ...................................................................... 163 
Tabela A2  Distribuição dos Proprietários Finais (GUO) e Subsidiárias por origem e destino, 
segundo Orbis (2013) ...................................................................................... 193 
 
 
 
   
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS 
 
EMN – Empresa Multinacional 
IB – International Business (Negócios Internacionais) 
IDE – Investimento Direto no Exterior 
MITI – Ministry of International Trade and Industry (Ministério da Indústria e Comércio 
Exterior do Japão) 
NICS ‐ North American Industry Classification System 
OECD ‐ Organisation for Economic Co‐operation and Development 
P&D – Pesquisa Desenvolvimento 
SNI – Sistema Nacional de Inovação 
TGS – Teoria Geral dos Sistemas 
TI – Tecnologias de Informação 
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development 
WRI – World Investment Report 
 
   
SUMÁRIO 
 
1  INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12 
2  A NATUREZA DA EMPRESA MULTINACIONAL ......................................................... 17 
2.1  A emergência da moderna empresa multinacional ..................................... 17 
2.2  Teorias da produção internacional .............................................................. 31 
2.2.1  Controle e poder de mercado ............................................................... 32 
2.2.2  O modelo do ciclo do produto .............................................................. 38 
2.2.3  Custos de transação e eficiência ........................................................... 45 
2.3  O Paradigma Eclético OLI ............................................................................ 60 
2.4  Multinacionais de países em desenvolvimento: uma nova fase do debate .. 68 
2.5  Nova agenda: um pequeno mosaico ........................................................... 74 
3  CONCEITOS, RELAÇÕES E PROPOSIÇÕES PARA UMA ABORDAGEM INTEGRADA DOS 
SISTEMAS NACIONAIS DE INOVAÇÃO E AS EMPRESAS MULTINACIONAIS .............. 80 
3.1  Os  Sistemas  Nacionais  de  Inovação  Como  Contexto  das  Empresas 
Multinacionais ............................................................................................ 80 
3.1.1  O Conceito de Sistema Nacional de Inovação e Suas Limitações ......... 81 
3.1.2  Teoria Geral dos Sistemas e o Conceito de Sistema de Inovação ........ 88 
3.1.2.1 O conceito de sistema na TGS ................................................... 88 
3.1.2.2 Fluxos, estoques e retroalimentação (feedbacks) ..................... 90 
3.1.2.3 Limites do “sistema”  ................................................................. 92 
3.1.2.4 Equifinalidade e Multifinalidade ............................................... 96 
3.2  A Empresa Multinacional e Seus Múltiplos Contextos ................................. 97 
3.3  A Tensão Sob Tensão ................................................................................ 104 
4  SISTEMAS  NACIONAIS  DE  INOVAÇÃO  E  EMPRESAS  MULTINACIONAIS  À  LUZ  DE 
INDICADORES ....................................................................................................... 108 
4.1  Comparando Sistemas Nacionais de Inovação: um quadro incompleto ..... 108 
4.2  Sistemas Nacionais de Inovação e Empresas Multinacionais: um quadro mais 
completo ................................................................................................... 112 
4.2.1  Nova fonte de informação para uma nova abordagem ..................... 112 
4.2.2  Revelando as Conexões ....................................................................... 120 
4.2.3  Mensurando as conexões: um ensaio ................................................. 132 
5  CONCLUSÃO ......................................................................................................... 147 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 153 
APÊNDICE A ..................................................................................................................... 163 
APÊNDICE B ..................................................................................................................... 19912 
 
1   INTRODUÇÃO 
 
Uma parcela  significativa do  comércio mundial de bens e  serviços é  realizado  intrafirmas. 
Apesar das dificuldades de mensuração, estima‐se que cerca de 80% do comércio global está 
relacionado  às  redes  de  produção  de  empresas multinacionais  sendo  que  as  transações 
intrafirmas correspondem à grande parte desse volume. (UNCTAD, 2013) Apenas para ilustrar, 
na  última  década  60%  das  exportações  das  empresas  afiliadas  de  empresas  dos  Estados 
Unidos localizadas no exterior foram destinadas a outras empresas da mesma rede, incluindo 
as matrizes nos EUA. Aproximadamente a metade das exportações de produtos das afiliadas 
estrangeiras instaladas nos Estados Unidos destinavam‐se ao grupo controlador no exterior, 
enquanto cerca de 70% das  importações dessas afiliadas vinham do grupo controlador. De 
modo geral, o consenso é de que, em termos globais, as transações intrafirmas respondam, 
em média, por aproximadamente 30% das exportações de um país, embora a variação entre 
países seja grande. (UNCTAD, 2013 p.136) Como exemplo, em 2009, 76,9% das exportações 
do  Japão para os Estados Unidos  foram  intrafirmas, enquanto as exportações dos Estados 
Unidos para o Japão realizadas intrafirmas foram apenas 31,9% do total do comércio nesse 
sentido entre os dois países. Ainda, para o Brasil, no mesmo  ano, o  comércio  intrafirmas 
representou  30,1%  das  exportações  para  os  Estados  Unidos  e  21,9%  das  importações, 
enquanto que para a China esses  valores  foram,  respectivamente 28,7% e 13,7%.  (Lanz e 
Miroudot, 2011) 
O quadro acima é bastante complexo e dá pistas de um mundo cada vez mais organizado em 
cadeias globais de valor. Certamente,  tal quadro enseja questões  relativas aos padrões de 
comércio  internacional,  seus  determinantes  e  suas  transformações  ao  longo  do  tempo. 
Contudo,  um  aspecto  que  não  pode  passar  desapercebido  é  o  fato  de  que  uma  parcela 
significativa das relações comerciais entre os países é organizada no interior das hierarquias 
de  firmas  que  controlam  outras  firmas  espalhadas  pelo mundo. Nesse  contexto,  o  ponto 
central é que a forma como cada uma dessas hierarquias conecta os mercados globais segue 
um lógica particular da empresa multinacional que a controla e, portanto, pode imprimir certa 
tensão entre os  interesses dos países nos quais opera e a própria  firma. Mais que  isso, o 
comércio internacional intrafirmas está associado em alguma medida ao investimento direto 
13 
 
no exterior (IDE) que deu origem ou que sustenta a rede da empresa multinacional. Dessa 
forma, tendo em vista que o IDE envolve não apenas a transferência de recursos financeiros 
mas  também  um  amplo  espectro  de  ativos  como  tecnologia,  conhecimento,  know‐how, 
recursos  humanos  etc,  essa  tensão  pode  ter  importantes  implicações  sobre  os  planos  de 
desenvolvimento dos países. 
Enquanto organiza suas atividades ao redor do mundo na busca de seus próprios objetivos de 
longo  prazo,  a  empresa multinacional  põe  as  nações  em  contato  de  uma  forma menos 
evidente (às vezes oculta), embora parte dos efeitos desse contato possam ser observados 
em  indicadores  tradicionais de  comércio  exterior,  como  exemplificado. Porém, o  impacto 
sobre os processos de desenvolvimento dos países vai depender a posição ocupada por cada 
um nas estratégias das firmas multinacionais. Para um país de destino, onde a multinacional 
instala  suas  subsidiárias, o  IDE em um primeiro momento, pode complementar ou  induzir 
esforços  dos  agentes  locais  (firmas  e  governos)  e  promover  o  desenvolvimento.  Em  um 
momento  subsequente,  as  transações  internacionais  resultantes  do  IDE  anterior  podem 
reforçar os avanços anteriores ou restringir os avanços futuros. Por sua vez, o país de origem 
de  uma  multinacional  pode  desfrutar  dos  benefícios  da  expansão  de  suas  firmas  para 
múltiplos mercados, mas também está sujeito a perder vantagens competitivas a partir da 
imersão dessas firmas em outras economias e do contato com outras firmas. O resultado final 
vai depender da relação estabelecida entre os  interesses do país  (na origem e no destino) 
somado  ao  seu  estágio  de  desenvolvimento  e  das  estratégias  e  interesses  das  empresas 
multinacionais que o conecta aos demais países. 
De fato, a empresa multinacional ocupa um lugar importante no processo de desenvolvimento 
das nações e, portanto, é preciso entender sua natureza, desde suas origens históricas até as 
teorias que buscam explicar  suas  causas,  seu  comportamento,  seus desdobramentos e as 
relações que ela desenvolve com os demais atores econômicos. Faz‐se necessário também 
assumir uma perspectiva de desenvolvimento e dos fatores que o promovem. É somente a 
partir  da  compreensão  do  que  são  esses  elementos  (empresa  multinacional  e 
desenvolvimento econômico), como eles se influenciam mutuamente e por quais canais, que 
se  podem  acessar  os  instrumentos  adequados  para,  por  exemplo,  a  formulação  de  uma 
política industrial coerente com as necessidades do estágio de desenvolvimento do país. 
14 
 
Do ponto de vista da empresa multinacional a definição do objeto  requer que em alguma 
medida  sejam  respondidas  questões  como:  o  que  torna  uma  empresa  como  a Walmart 
diferente das lojas de varejo nacionais? Qual a diferença entre a General Motors e a Toyota? 
O que distingui a ExxonMobil da Petrobrás ou da China Petroleum? Ou ainda, o que torna 
todos esses exemplos anteriores semelhantes? Foi sempre assim? Desde quando? Aqui valem 
as respostas óbvias e as menos óbvias. Entre as respostas óbvias pode‐se dizer que pelo fato 
de serem empresas diferentes, são todas diferentes. Mas talvez, seja nas semelhanças entre 
as empresas multinacionais que se pode compreender suas diferenças mais importantes. Por 
exemplo, todas essas empresas atuam em vários países diferentes dos seus países de origem 
e realizam atividades que podem ser diferentes em cada um deles. Mas qual é o papel que os 
países de origem e de destino desempenham nas atividades da empresa multinacional? Em 
que medida o fato de atuarem fora de seus países as tornam semelhantes às empresas com 
essa mesma característica em outras épocas? Dentro dos mesmos países e nos mesmos ramos 
de atividade, por que essas empresas e não outras se estenderam para o exterior? Quais as 
vantagens que dispõem ou quais as desvantagens que enfrentam? 
O Capítulo 2 é uma tentativa de avançar sobre questões como as colocadas acima. De fato, as 
empresas multinacionais que desfilam  sua presença pelo mundo hoje guardam diferenças 
incontestáveis em relação às grandes companhias do século XV e XVI, como a British East India 
Company,  ou  com  as  atividades  comerciais  realizadas  sob  uma  hierarquia  de  templos 
religiosos como acontecia na antiga Mesopotâmia há mais de cinco mil anos atrás. O que se 
entende como moderna empresa multinacional nos dias de hoje é algo muito mais complexo 
do que jamais foi no passado e sua emergência é um sinal de seu tempo e também de sua 
localização.  Isso significa dizer que para entender como a moderna empresa multinacional 
emerge é preciso entender  também quando, onde e os efeitos disso  sobre as  teorias que 
buscam explicar sua existência e comportamento. 
De fato, a teoria da empresa multinacional surge somente um século depois de seu objeto, o 
que confere à própria teoria uma característica espacial‐temporal peculiar. Quando Stephen 
Hymer aborda em 1960, de forma pioneira, a empresa multinacional como objeto separado 
do investimento no exterior e da teoria que o explicava, as multinacionais norte‐americanas 
já se espalhavam pelo mundo e faziam sentir sua força e seus efeitos. Certamente, foi a força 
dessas empresas que levou Hymer a estudá‐las e foram certamente seu efeitos que o levaram 
15a propor sua teoria do desenvolvimento desigual (Hymer, 1978) sobre os impactos deletérios 
que  elas  poderiam  ter  no  desenvolvimento  de  países mais  atrasados.  As  teorias  que  se 
seguiram ao trabalho inicial de Hymer, embora menos pessimistas (ou talvez apenas alheias) 
em  relação aos efeitos das empresas multinacionais  sobre os países em desenvolvimento, 
deixaram escapar elementos  importantes  sobre a natureza dessas empresas que até hoje 
figuram entre as agendas de pesquisa. 
Parte disso talvez seja devido à visão da empresa multinacional a partir das economias mais 
desenvolvidas, sobretudo dos Estados Unidos. Por exemplo, Hymer (1960 [1976]) que já intuía 
um  movimento  mais  amplo  de  integração  da  economia  mundial,  certamente  não  teria 
imaginado  um  cenário  em  que  empresas multinacionais  originadas  em  países  ainda  em 
desenvolvimento pudessem assumir algum grau de protagonismo na economia mundial e 
fazer  frente às empresas do bloco desenvolvido. A onda de expansão  internacional dessas 
empresas vem alimentando o debate teórico atual. Enquanto teorias macroeconômicas da 
atividade multinacional  –  como  a  teoria  do  ciclo  de  vida  do  produto  (Vernon,  1966)  – 
concentravam a atenção no produto em detrimento da firma, e teorias microeconômicas – 
como a da internalização/custos de transação (Buckley e Casson, 1976) – mantinham o foco 
na  eficiência  econômica  da  multinacional  sem  preocupação  com  as  estratégias  de 
sobrevivência  das  firmas,  os  países  em  desenvolvimento  (frequentemente  denominados 
países de terceiro mundo) construíram seu próprio caminho para  lançar suas empresas ao 
exterior. 
Talvez, a teoria (paradigma) eclética de Dunning (1977) seja a abordagem com maior potencial 
para avançar uma explicação  coerente,  tanto para multinacionais de países desenvolvidos 
quanto em desenvolvimento. O paradigma eclético incorpora elementos teóricos presentes 
em Hymer,  no modelo  do  ciclo  do  produto  e  na  teoria  da  internalização  e  sua  natureza 
holística e flexibilidade o permitem evoluir para incorporar novos elementos para tratar novos 
problemas  concernentes  à  produção  internacional.  A  característica  mais  promissora  do 
paradigma  eclético  nessa  nova  fase  do  debate  é,  provavelmente,  o  reconhecimento  e  a 
importância  conferida  à  localização.  Embora  fundamentalmente  preocupado  com  a 
localização de destino da empresa multinacional, sua tendência evolutiva pode tornar mais 
fácil considerar formalmente a  localização de origem e, daí, aplicar‐se às multinacionais de 
16 
 
países  em  desenvolvimento.  Mas  para  isso  será  necessário  o  uso  dos  elementos  e 
instrumentos adequados. 
O que, então, escapou ou vem escapando à teoria estabelecida da empresa multinacional? 
Parte da resposta pode estar na própria agenda de pesquisa de seus estudiosos. O Capítulo 3, 
por sua vez, é uma tentativa de contribuir com a outra parte. Ali a empresa multinacional é 
vista  como  emergindo  em  um  sistema  nacional  de  inovação  (SNI)  e  estendendo‐se  para 
outros.  O  conceito  de  sistema  nacional  de  inovação  tem  raízes  na  abordagem  neo‐
schumpeteriana (Freeman, 1982, 1987; Lundvall, 1992, Nelson, 1993) e, por isso, oferece ao 
estudo da firma multinacional uma perspectiva evolutiva por definição. Desse ponto de vista 
é possível trabalhar com todos os elementos importantes que compõem o ambiente externo 
a firma, como instituições, governo, concorrentes, fornecedores e clientes etc, bem como a 
interação entre eles e a forma como eles afetam e são afetados pelas atividades da empresa 
multinacional. 
A  abordagem  dos  sistemas  de  inovação  oferece  importantes  lições  sobre  elementos 
referentes à capacidade inovativa das firmas nacionais e suas possibilidades de financiamento, 
às  relações entre as empresas e as universidades e  institutos de pesquisa, à  formação de 
pessoal qualificado e sua utilização na indústria, à capacidade de absorção das tecnologias e 
das práticas das multinacionais por parte das firmas nacionais etc. Porém, mesmo com um 
amplo  repertório  recomendações  para  o  desenvolvimento  industrial  e  econômico, 
dificilmente a abordagem dos sistemas nacionais de inovação poderia vislumbrar um quadro 
completo. De fato, a atuação da empresa multinacional tem sido um desafio a essa linha de 
pensamento  teórico  desde  suas  formulações  iniciais.  Nelson  e  Rosenberg  (1993),  por 
exemplo, desde o início mostraram consciência da tensão promovida pela firma multinacional 
sobre a dimensão “nacional” do SNI, de tal forma que chegaram a indagar sobre a validade 
dessa denominação desde muito  cedo, e a buscar os elementos que permitem, de  forma 
acertada,  demonstrar  a  importância  do  aspecto  nacional  na  elaboração  dos  sistemas  de 
inovação. 
Mesmo estando preservada a importância da dimensão “nacional” do SNI a tensão exercida 
pela empresa multinacional é permanente e  crescente, na medida em que o processo de 
globalização avança. Certamente a fonte desse incomodo é a ausência na abordagem dos SNI 
17 
 
de  uma  teoria  da  firma multinacional  que  dê  conta  da  sua  emergência,  seus motivos  e 
estratégias de internacionalização. Com isso, os estudos dos sistemas nacionais de inovação 
poderiam compreender como a hierarquia da firma multinacional conecta diversos sistemas 
nacionais de inovação e, a partir daí, quais são as implicações dessa conexão em termos da 
própria evolução dos SNI, na origem e no destino dessas firmas. 
Tais conexões, contudo, devem ser passíveis de observação e acompanhamento. Em outras 
palavras, se tais conexões existem e são importantes, elas ou seus efeitos, devem de alguma 
forma, ser mensuradas e avaliadas. A partir da percepção de que a empresa multinacional e o 
sistema de  inovação se  influenciam mutuamente, o Capítulo 4 dessa  tese propõe algumas 
formas  de  abordá‐las  empiricamente.  Isso,  por  sua  vez,  levanta  questões  sobre  quais 
indicadores e bases de dados são adequadas ao tratamento da tensão entre sistema nacional 
de inovação e empresa multinacional, bem como sobre a influência do SNI na emergência da 
firma multinacional. 
Em  termos de estrutura, portanto, essa  tese conta com mais quatro capítulos além dessa 
introdução. No Capítulo 2 são apresentados alguns elementos históricos sobre a emergência 
de moderna empresa multinacional, bem como das principais teorias que buscam explicar sua 
existência e suas atividades, para então destacar os pontos ainda em aberto nas agendas de 
pesquisa e que suscitam a oportunidade para a abordagem proposta aqui. O Capítulo 3 parte 
das constatações do capítulo anterior para propor um conjunto de adequações ao conceito 
de  sistema  nacional  de  inovação  que  viabilize  seu  uso  mais  preciso,  em  conjunto  com 
elementos das teorias da empresa multinacional, e que permita incorporar a tensão entre os 
dois objetos dentro da própria abordagem dos SNI. O Capítulo 4, a seu turno, constitui uma 
tentativa de demonstrar a relação entre os sistemas nacionais de inovação e a emergência da 
empresa multinacional,  bem  como mensurar  as  conexões  entre  os  sistemas  nacionais  de 
inovação e a tensão provocada por elas. O Capítulo 5 conclui essa tese a partir dos achados e 
proposições dos capítulos anteriores e oferece uma agenda de pesquisa em acordo com uma 
abordagem  articulada  entre  os  sistemas  nacionais  de  inovação  e  as  teorias  da  empresa 
multinacional. 
 
 
17 
 
2  A NATUREZA DA EMPRESA MULTINACIONAL 
 
A elaboração teórica sobre a moderna empresa multinacional só teve início quase um século, 
uma depressão e duas guerras mundiais depois da primeira empresa dos Estados Unidos ter 
iniciado suas operações internacionais. Quando Hymer (1960), de forma pioneira, elabora sua 
tese  sobre  a  operação  internacional  das  firmas  nacionais,o  pensamento  econômico  até 
aquele momento tratava o investimento direto no exterior como um fenômeno puramente 
financeiro. O contexto era o da economia norte americana e da operação das empresas norte 
americanas, o que sem dúvida refletiu‐se nas construções teóricas sobre o tema desde então. 
Contudo, as origens dos empreendimentos interfronteiras são muito mais remotas do que as 
teorias que buscam explica‐los, e o  contexto muito mais  complexo do que o pensamento 
econômico costuma supor. 
Neste capítulo são abordadas as origens da moderna empresa multinacional e o contexto do 
seu surgimento. Além disso, são apresentadas as principais teorias que buscam explicar sua 
natureza e seu desenvolvimento dessa empresa ao longo do tempo, bem como a evolução da 
própria teoria e os debates mais recentes. 
 
2.1  A emergência da moderna empresa multinacional 
 
Muitas são as variações da definição de “empresa multinacional” que podem ser encontradas 
na literatura produzida desde os anos de 1960. Os termos “firma”, “companhia”, “corporação” 
e  “negócios”  têm  sido  usados,  em muitos  casos,  de  forma  intercambiável  com  a  palavra 
“empresa”, enquanto os termos “transnacional”, “internacional” e “global” alternam‐se com 
a palavra “multinacional”. O uso de uma denominação ou outra está relacionado, em geral, 
com aspectos específicos que se deseja destacar do objeto comum que tais termos ensejam. 
Desta  forma,  a  expressão  “empresa multinacional”  deve  referir‐se  a  um  objeto  que,  em 
essência,  corresponde  à  “companhia  transnacional”,  que  por  sua  vez,  guarda  algumas 
especificidades em relação às suas variantes. 
18 
 
A questão central, porém, está no significado atribuído à expressão “empresa multinacional” 
que a distingue das demais empresas e que estabelece os limites do fenômeno investigado. 
Tal significado tem evoluído ao longo dos anos, às vezes no sentido de limitar o fenômeno ao 
estabelecer critérios mais restritivos – como o tamanho e o número das unidades da empresa 
no exterior, o número de países com unidades estabelecidas, a proporção dos ativos totais no 
exterior etc – e  às  vezes no  sentido de uma  abordagem mais  ampla –  como um  sistema 
coordenado para  a  criação de  valor  transfronteiras  cujas  atividades podem  ser  realizadas 
dentro ou fora da hierarquia da empresa (Cantwell, Dunning e Lundan, 2010). Outras vezes, 
uma definição mais geral recebe qualificações como “moderna” – que se refere às empresas 
que  inspiraram  as  teorias  desenvolvidas  desde  a  década  de  1960  até  a  atualidade  –  ou 
“mercantil”  –  que  denota  um  tipo  específico  de  “companhias  multinacionais”  que 
intermediam o comércio entre países e possuem ativos em mais de um país (Jones, 2000). 
Para uma investigação histórica da “empresa multinacional”, a definição geral proposta por 
Wilkins  (2005,  p.  46)  como  aquela  que  se  estende  para  além  das  fronteiras,  internaliza 
negócios em duas ou mais localidades e que estão sob diferentes soberanias, permite rastrear 
as origens da “atividade multinacional” até um passado anterior à existência dos estados‐
nações. De fato, os primeiros exemplos de “empresas multinacionais embrionárias” podem 
ser  encontrados  nas  atividades  de  colonização  empreendidas  por  Fenícios,  Romanos  e 
civilizações  mais  antigas  do  Oriente  Médio  e  Oriente  Próximo,  China  e,  possivelmente, 
América Latina. (Dunning e Lundan, 2008 p. 145) 
Os primeiros indícios de atividades ou estratégias “multinacionais” podem ser encontrados, 
portanto, no mundo antigo. Moore e Lewis (2009) identificam uma economia mista, orientada 
para o templo religioso, fundada na agricultura de subsistência e no pagamento de tributos 
(para o templo) na região da Suméria por volta do ano 3.500 a.C. Os templos religiosos haviam 
se tornado o centro das primeiras cidades de Uruk e Eridu e seus sacerdotes comercializavam 
tecidos  e  grãos  para  obter,  principalmente,  cobre  e  pedras  preciosas.  O  crescimento 
demográfico na Suméria nos quatro séculos seguintes abriu novas áreas para colonização ao 
longo dos rios Tigris e Eufrates, bem como para novos postos de  trabalho em engenharia, 
burocracia, gestão e carpintaria. (Moore e Lewis, 2009 p. 23) No período de 3.400 a 3.200 a.C. 
os sacerdotes de Uruk comandavam postos de comércio por todo oeste do Iran e em outras 
localidades  estratégicas  como  Carquemis  (Carchemish),  importante  junção  de  rotas  de 
19 
 
transporte por água e terra. Os laços entre os postos comerciais de Uruk e do Iran constituíram 
os primeiros movimentos ainda hesitantes para o surgimento da “empresa multinacional”. Em 
tais postos (templos) podia‐se encontrar a  internalização de operações e gestão a partir do 
exterior, bem como estabelecimentos em território estrangeiro em busca de recursos naturais 
e, às vezes, mercado. Uruk controlava toda a rede de comércio que cruzava os territórios da 
Síria, Iraque e Iran. Contudo, não havia a propriedade privada destas atividades nem a busca 
por lucro ou a agregação de valor no exterior, o que levou Moore e Lewis a classificá‐las como 
“proto‐multinacionais” (Moore e Lewis, 2009 p. 25) 
Mais  de  um milênio  depois  do  surgimento  de  Uruk  e mil  anos  antes  de  seus  exércitos 
aterrorizarem o mundo antigo, formou‐se o antigo reino Assírio do período médio da era do 
bronze, por volta de 2.000 a 1.750 a.C. (Moore e Lewis, 2009 p. 63) Famílias Assírias fundaram 
colônias comerciais na Babilônia, Aram (Síria) e Anatólia num tempo em que o consumo de 
comida,  tecidos,  cobre  e  estanho  dependiam  de  vigorosa  importação.  Sem  as  condições 
requeridas para a conquista pela guerra, os Assírios recorreram à técnica utilizada em Uruk de 
estabelecer  postos  permanentes  (templos)  no  exterior  para  lidar  com  a  dependência  de 
importações,  porém  adaptando‐a  na  forma  de  investimentos  privados.  Desta  forma,  os 
Assírios obtiveram permissão  legal para estabelecer um kāru  (porto) em Anatólia e outras 
regiões, o que garantiu aos comerciantes da Assíria o acesso a minas de cobre e estanho. 
Outro  kāru  foi  estabelecido  em  Sipar  (Acadiana)  e  garantiu  que  o  comércio  de  roupas  e 
alimentos  permanecesse,  tanto  quanto  possível,  em  poder  dos  Assírios.  A  estrutura  era 
hierarquizada  pelos  laços  de  família  dos  kārum  (portos)  e  constitui  o  primeiro  negócio 
estabelecido transfronteiras de que se tem registo. (Moore e Lewis, 2009 p. 65) 
Depois do ano 930 a.C., a economia e a religião encontravam‐se intrinsicamente conectados, 
de  tal  forma que o sucesso nos negócios  rendiam agradecimentos aos deuses enquanto o 
medo desses mesmos deuses  impunha honestidade nos negócios que eram abençoados e 
realizados  nos  templos.  Havia  uma  hierarquia  dos  templos.  Os  Fenícios  estendiam  seus 
templos a várias  cidades e os organizavam para que  santuários  locais  reportassem‐se aos 
grandes  centros. Desta  forma, as  transações e  transferências de produtos e  capitais eram 
realizadas dentro de uma rede de templos semelhantes, o que facilitava a coesão de mercado 
e  representava  a  internalização  do  comércio  a  longas  distâncias.  Essa  rede  de  templos 
20 
 
hierarquizados com sua coerência de crenças e práticas constitui um paralelo com as redes 
multinacionais do futuro. (Moore e Lewis, 2009 p. 100‐103) 
O período que separa a história dos “negócios  internacionais” no mundo antigo, conforme 
Moore e Lewis (2009), e aqueles da Europa medieval é marcado por um misto de progresso 
com  profundas  descontinuidades.  Certamente,  empresas  engajaram‐se  na  intermediação 
comercial transfronteiras desde a Ásia e Oriente Médio durante o período anterior à  idade 
média e revelaram possuir algum tipo de semelhança com as “modernas multinacionais” sem, 
contudo, apresentar qualquer continuidade em tais “negóciosinternacionais” tal qual aquelas 
que marcaram a Europa medieval. (Wilkins, 2005, p. 47) 
No início da idade média o comércio marítimo e terrestre na Europa era dominado por certos 
arranjos  entre  investidores  e  agentes  comerciais.  Os  investidores  confiavam  capitais  ou 
mercadorias aos agentes que as comercializavam e remuneravam os investidores com lucros 
sobre  o  principal.  Essas  atividades,  muitas  vezes,  envolviam  transações  para  além  das 
fronteiras nacionais e as partes envolvidas, em geral, compartilhavam de confiança mútua e 
culturas  semelhantes, o que  reduzia os  requerimentos de  regras e procedimentos  formais 
característicos de transações impessoais. Dunning e Lundan (2008) atribuem a identificação 
de tais arranjos, denominados de “Commenda” a North (1981, 1985). Nesse mesmo período, 
um grande número de empresas mercantis sediadas em várias partes da Europa mantinham 
escritórios de  representação nas principais  cidades do  continente.  Essas empresas  foram, 
segundo Dunning e Lundan  (2008, p. 146), as precursoras dos “capitalistas mercantis” dos 
séculos XVI e XVII. 
Diversos trabalhos têm destacado as atividades dos bancos italianos nos séculos XIII, XIV e XV 
(Wilkins,  2005,  2009;  Ietto‐Gillies,  2005;  Jones,  2005,  2000).  Dunning  e  Lundan  (2008) 
apontam  que  várias  dinastias  de  banqueiros  italianos,  operavam  unidades  na  Inglaterra, 
Bélgica e França ao  final do  século XIV, quando cerca de 150 bancos  italianos mantinham 
operações “multinacionais”. 
O  final  do  século  XV  e  início  do  XVI  foi  o  período  das  grandes  navegações  de  Cristóvão 
Colombo, Vasco da Gama, Bartolomeu Dias, entre outros, na busca por riquezas e novas rotas 
comerciais. Nesse período, era mais rápido e mais barato, na maioria das vezes, realizar o 
comércio por rotas marítimas do que por terrestres, o que  impulsionou o desenvolvimento 
21 
 
dos  setores  exportadores mais  do  que  os  de mercadorias  para  consumo  doméstico.  As 
transações seguiam a lógica do sistema colonial, eram hierarquizadas ou personalizadas, e os 
investimentos além‐mar objetivavam interesses políticos ou estratégicos dos governos que os 
financiavam, inteira ou parcialmente, por intermédio de companhias, comerciantes ou grupos 
familiares. O mais  importante, porém, é que uma vez que o comércio era realizado entre a 
metrópole  e  a  colônia  as  transações  internas  e  transforinteiriças  eram  organicamente 
relacionadas umas às outras, existindo pouca ou nenhuma distinção entre elas. (Dunning e 
Lundan, 2008 p. 146) 
Em meio às melhorias nas comunicações intercontinentais e a expansão do comércio ultramar 
envolvendo cada vez mais novas culturas e instituições, as relações entre as parte tornou‐se 
mais  formal  e  documentada.  (Dunning  e  Lundan,  2008  p.  148)  As  principais  companhias 
envolvidas em “atividades de colonização” eram formadas ou financiadas pelo estado para 
levar  a  cabo  seus  objetivos  políticos  e  econômicos.  Companhias  como  British  East  India 
Company, Dutch East India Company, Muscovy Company, Royal African Company e Hudson’s 
Bay Company eram as mais conhecidas (Dunning e Lundan, 2008; Wilkins, 2005) e podem ser 
caracterizadas, segundo a definição de Jones (2000), como “multinacionais mercantis”. 
Não  obstante  a  trajetória  histórica  das  “atividades  multinacionais”  e  o  sentimento  de 
progresso desde o mundo antigo, Wilkins  (2005 p. 16‐17)  reconhece a “moderna empresa 
multinacional” como um fenômeno característico da segunda metade do século XIX quando 
empresas  industriais  estenderam  a  si  mesmas,  como  empresas,  em  atividades  de 
comercialização e/ou fabricação de seus próprios produtos para além das fronteiras de seu 
país de origem. Como um  fenômeno pós‐revolução  industrial  sua origem,  segundo Hymer 
(1978), não está naquelas grandes companhias comerciais do auge do período colonial, mas 
na empresa moderna, multidepartamental e multidivisional. A principal característica desse 
novo tipo de empresa é sua estrutura organizacional que possibilitava a divisão horizontal do 
trabalho ao mesmo tempo em que requer um sistema vertical do controle para  integrar e 
coordenar os diversos departamentos e divisões. (Hymer, 1978 p. 44) Essa nova estrutura, de 
acordo com Chandler (1962), foi uma resposta às mudanças nas estratégias de verticalização 
(expansão em novos tipos de funções) e diversificação (desenvolvimento de novos produtos 
ou expansão territorial) das empresas. Por sua vez, as estratégias respondiam às necessidades 
22 
 
e oportunidades apresentadas pelo crescimento demográfico, o aumento da renda nacional 
e o progresso tecnológico. 
A moderna empresa  industrial e sua característica estrutura organizacional desenvolveu‐se 
em grau mais elevado nos Estados Unidos. (Hymer, 1978) Diferente da empresa americana 
tradicional (marshalliana) que tinha uma única função econômica, operava uma única unidade 
em  uma  única  localidade  e  era  controlada  por  um  único  (ou  pequeno  grupo  de) 
proprietário(s), a empresa moderna possui múltiplas unidades em diferentes  localidades e 
realiza diferentes tipos de atividades econômicas com diferentes linhas de produtos e serviços 
(Chandler, 1977 p. 3). Além disso, o que é mais  importante, a empresa moderna apresenta 
uma estrutura organizacional hierarquizada em que gestores em níveis mais altos, a partir de 
escritórios centrais, monitoram e coordenam as atividades realizadas nas diversas unidades 
comandadas  por  gestores  intermediários.  Na  empresa  moderna,  na  medida  em  que 
executivos  assalariados,  ocupando  os  altos  escalões,  coordenam  e monitoram  executivos 
intermediários também assalariados, a administração da empresa torna‐se uma carreira cada 
vez mais técnica e profissional e separada da sua propriedade. (Chandler, 1977) Tal tipo de 
organização, inexistente antes de 1840, foi o que permitiu a internalização de várias unidades 
de negócios dentro de uma única empresa e consequentes ganhos de produtividade, custos 
mais baixos e  lucros mais altos em  relação à coordenação pelos mecanismos de mercado. 
(Chandler, 1977 p. 6‐7) 
A  trajetória  que  levou  à  substituição  da  empresa  tradicional  pela moderna  como  forma 
predominante nas atividades industriais nos Estados Unidos ao final do século XIX pode ser 
traçada  a  partir  de  três  pontos  fundamentais.  O  primeiro  ponto  corresponde  às 
transformações ocorridas na esfera da produção. O aumento da produção e disponibilidade 
de  carvão  antracito  a  partir  de  1830  seguido  da  redução  nos  preços  permitiu  que  esse 
combustível  passasse  a  ser  amplamente  utilizado  para  fins  industriais,  o  que  levou  à 
subsequente expansão da produção metalúrgica. A oferta de  ferro e carvão baratos gerou 
tanto um aumento na produção de  ferramentas quanto permitiu, pela primeira vez, que a 
fabricação e montagem de partes intercambiáveis de produtos de metal se difundissem. Mais 
tarde, nas décadas de 1840 e 1850, a  tecnologia de partes  intercambiáveis deu origem a 
máquinas inovadoras (como as máquinas de costura e as ceifadeiras, por exemplo) enquanto 
a demanda por maquinaria especializada nas unidades  fabris resultou no aparecimento da 
23 
 
indústria de máquinas‐ferramentas. Além disso, o carvão antracito tornou‐se um combustível 
eficiente e barato na geração de energia a vapor, o que possibilitou que grandes  fábricas 
fossem instaladas próximas aos mercados consumidores e de oferta de mão de obra. Antes 
do aumento da escala e a difusão da  fábrica como unidade básica em muitas  indústrias, o 
volume de produção alcançado não exigia a  criação de  subunidades das empresas nem a 
contratação de administradores assalariados para coordenar e monitorar essas subunidades. 
(Chandler, 1977 p. 50‐78) 
O segundo ponto refere‐se às transformações no âmbito dostransportes e das comunicações. 
As  primeiras  ferrovias  entraram  em  operação  na  década  de  1830  ligando  os  centros 
comerciais existentes e  suplementando a  rede de  transporte hidroviário, mas  sem alterar 
profundamente as rotas e as formas de transporte. Quando a locomotiva a vapor substituiu o 
carro  puxado  por  cavalos  questões  de  segurança  impuseram  que  as  operações  fossem 
controladas e coordenadas a partir de uma sede única. Foi somente a partir da metade dos 
anos de 1840 que as  transformações significativas começaram. A  tecnologia de  transporte 
ferroviário  foi  rapidamente  aperfeiçoada  a  partir  da  uniformização  dos  métodos  de 
construção, da padronização dos trilhos e da composição dos vagões. Depois do boom do final 
dos anos 1840 e  início dos de 1950, passou‐se a contar com um transporte rápido, seguro, 
regular em quaisquer condições climáticas tanto para produtos quanto para passageiros. Ao 
mesmo tempo, a nova tecnologia permitia o reparo e manutenção contínua das locomotivas, 
das  linhas,  estações  e  demais  equipamentos.  Toda  essa  estrutura  requeria  considerável 
organização  administrativa.  Eram  necessários  gerentes  para  supervisionar  as  operações 
cotidianas  realizadas  ao  longo  de  uma  extensa  área  geográfica,  enquanto  gestores 
intermediários  coordenavam,  monitoravam  e  avaliavam  o  trabalho  desses  gerentes  e 
reportavam‐se a executivos superiores. A primeira estrutura hierárquica de administração dos 
Estados  Unidos  teve  origem  nas  necessidades  operacionais  das  ferrovias.  Tal  inovação 
organizacional possibilitava o  aproveitamento  total do  contínuo progresso  tecnológico do 
setor, o que aumentava a eficiência e produtividade das companhias ferroviárias individuais 
que já as utilizavam como padrão na década de 1880. (Chandler, 1977 p. 81‐121) 
A  nova  estrutura  organizacional  demandava  uma  nova  estrutura  de  comunicação  que 
viabilizasse a administração do volume crescente de trafego nas ferrovias de forma segura. A 
invenção  do  telégrafo  teve,  portanto,  um  grande  impacto  transformador  ao  promover  a 
24 
 
comunicação quase  instantânea  a  longas distâncias. Enquanto  as  ferrovias  se espalhavam 
territorialmente  seus  “direitos  de  passagem”  eram  aproveitados  pelas  companhias  de 
telégrafo  –  as  quais muitas  vezes  eram  subsidiárias  das  próprias  ferrovias  –  para  que  se 
expandissem, ao mesmo tempo em que as ferrovias usavam os serviços dos telégrafos para 
coordenar seus fluxos de trens e tráfego. Ao final dos anos de 1850 os Estados Unidos estavam 
divididos  em  seis  áreas  de  atuação  para  as  seis  maiores  companhias  de  telégrafo  que 
cooperavam  para  transmitir mensagens  por  todo  país.  Rapidamente  essas  seis  empresas 
tornaram‐se  apenas  três  e  em  1866  essas  três  se  fundiram  em  uma  única  companhia,  a 
Western Union,  formando  a  primeira  empresa moderna  de  âmbito  nacional  dos  Estados 
Unidos, cujo padrão organizacional era o mesmo adotado pelas ferrovias. (Chandler, 1977 p. 
195‐203) 
O serviço postal e o telefone também tiveram um papel importante na emergência e difusão 
da forma moderna de empresa. O telefone seguiu um caminho semelhante ao trilhado pelo 
telegrafo.  Inicialmente  era  utilizado  para  a  comunicação  local, mas  rapidamente  ganhou 
escala nacional e o setor tornou‐se concentrado em uma única grande empresa, a National 
Bell Company. O desenvolvimento das ferrovias, tanto nas tecnologias quanto na estrutura 
organizacional,  favoreceu o uso da correspondência em  longas distâncias, tornando‐a mais 
rápida,  regular  e,  principalmente,  barata. O  crescimento  do  volume  e  da  velocidade  das 
correspondências a partir de 1847 levou à reorganização do serviço postal aos moldes do que 
era praticado nas ferrovias. Em 1855 tinham sido implantados cerca de cinquenta centros de 
distribuição,  onde  as  correspondências  eram  coletadas,  organizadas  e  enviadas  aos  seus 
destinos finais; vagões especializados eram utilizados para organizar os pacotes; as unidades 
de distribuição eram administradas por gestores intermediários assalariados que controlavam 
os procedimentos  e  coordenavam o  fluxo por  todo  o país.  Em  1870 o  serviço  postal dos 
Estados Unidos figurava entre os maiores e mais eficientes do mundo. (Chandler, 1977 p. 195‐
197) 
O  terceiro  ponto  diz  respeito  a  alguns  desdobramentos  importantes  dos  dois  pontos 
anteriores. Em primeiro lugar, o crescimento das ferrovias a partir do final dos anos de 1840 
levou a um aumento sem precedentes nas necessidades de financiamento para a construção 
dessas mesmas  ferrovias. Entre os anos de 1849 e 1854  foram  construídas mais de  trinta 
ferrovias  a  um  custo  que,  em  alguns  casos,  chegava  a mais  do  que  quatro  vezes  àquele 
25 
 
observado na construção de grandes  ferrovias anteriores a esse período. A construção das 
ferrovias não podia mais ser financiada a partir dos fazendeiros, comerciantes e proprietários 
de manufaturas que viviam ao longo das linhas, ou mesmo pela capitação direta de recursos 
feita pelo presidente da companhia junto aos mercados financeiros europeus. Na medida em 
que os empreendimentos se multiplicavam, a oferta de recursos para financiamento diminuía 
e  o  custo  do  capital  aumentava,  de  tal  forma  que  as  ferrovias  tornaram‐se  os  primeiros 
negócios privados a captar recursos fora de sua própria região, concentrando a demanda no 
mercado de Nova York, onde o custo era relativamente mais baixo. O mercado de capitais nos 
Estados Unidos tornou‐se rapidamente centralizado e institucionalizado em Nova York – em 
virtude também da entrada de capitais europeus em busca de oportunidades de investimento 
– levando ao desenvolvimento de modernos instrumentos e técnicas financeiras. A emissão 
de títulos tornou‐se o principal instrumento para financiar a construção das ferrovias e, em 
decorrência  da  subestimação  de  custos,  vieram  na  sequencia  os  títulos  hipotecários,  as 
debêntures  e  os  títulos  conversíveis  em  ações,  bem  como  uma  variedade  de  ações 
preferenciais, o que levou a bolsa de valores de Nova York a sua forma moderna. O volume de 
transações, que era de apenas algumas dezenas diárias em 1830, alcançava a casa do milhão 
quadrissemanal em meados da década de 1850, e quando da eclosão da Guerra Civil (1861‐
1865) o distrito  financeiro de Nova York  já atendia às necessidades de  financiamento das 
ferrovias e tornara‐se o maior e mais sofisticado Mercado de Capitais do mundo. O resultado 
importante é que, quando a indústria precisou buscar por fontes externas de financiamento 
as instituições para prover tais recursos estavam plenamente desenvolvidas. Nova York provia 
um mercado de capitais nacional mais eficiente para a indústria do que foi para as ferrovias, 
de  tal  forma  que  sua  falta  nunca  representou  uma  restrição  ao  surgimento  da  empresa 
moderna. (Chandler, 1977 p. 89‐94) 
Em segundo lugar, as inovações organizacionais e tecnológicas ocorridas nas décadas de 1850 
e  1860  tiveram  impacto  na  produtividade  e  desempenho  das  ferrovias  apenas 
individualmente. A construção de uma rede nacional de  transporte  terrestre exigiu que as 
companhias  ferroviárias  cooperassem  em  termos  da  conexão  física  entre  as  linhas;  na 
uniformização  das  operações,  contabilidade  e  procedimentos  organizacionais  e  na 
padronização da tecnologia. A estrutura hierarquizada entre gestores intermediários e altos 
executivos  foi  fundamental para o sucesso da cooperação e da construção do sistema nos 
26 
 
anos de 1880. Os gestores eram os principais encarregados de aperfeiçoar a organização e 
coordenação  interna  dos  fluxos  entre  as  linhas,  enquanto  os  executivos  estabeleciam  os 
objetivos de  longo prazo, bem como as estratégiasde alocação de recursos em termos de 
pessoal, dinheiro e equipamentos para alcançar esses objetivos. A lógica do sistema passou a 
ser  interterritorial,  ligando  centros  comerciais  e  fontes  de  matérias  primas  em  âmbito 
nacional, o que  viabilizou,  finalmente,  a  integração entre  a produção e  a distribuição em 
massa. Na medida em que se tornou capaz de integrar a produção e distribuição, a empresa 
industrial moderna pôde internalizar atividades e, consequentemente, reduzir seus custos de 
transação, de  informação e de capital, administrando de  forma mais eficiente a oferta, de 
acordo com a demanda, e controlando estoques. Em suas trajetórias de crescimento, seja pela 
integração a jusante ou a montante da produção ou pela fusão de várias pequenas unidades, 
as  empresas  construíam  suas  redes  nacionais  que  exigiam  cada  vez mais  a  organização 
hierárquica das atividades administrativas para a coordenação dos processos de produção e 
distribuição integrados. (Chandler, 1977 p. 122‐286) 
As empresas norte‐americanas, ao tornarem‐se nacionais e providas de uma nova estrutura 
administrativa  e  de  recursos  financeiros  significativos,  aprenderam  a  converterem‐se  em 
“empresas multinacionais”. (Hymer, 1978 p. 47) Contudo, a atuação nacional foi apenas um 
dos pré‐requisitos para a incursão em “negócios internacionais”. O segundo pré‐requisito foi, 
segundo Wilkins (1970, p. 35), o aumento nas velocidades de transporte e comunicação em 
longas distâncias. Do ponto de vista dos transportes, em meados do século XIX o percurso dos 
Estados Unidos à Europa em uma embarcação à vela era realizado em 21 dias, mas já em 1880 
passageiros em navios à vapor podiam cruzar o Atlântico em cinco ou seis dias. Em relação às 
comunicações, a rede terrestre de telégrafos da Western Union Telegraph Company conectou‐
se à Europa em 1866, quando a empresa britânica Atlantic Telegraph Company  instalou o 
primeiro cabo submarino  ligando os dois continentes. Em 1881 a Western Union  já estava 
conectada  ao  sistema  canadense  e  à  América  Latina.  Três  anos mais  tarde,  em  1884,  a 
empresa Comercial Cable Company (concorrente da Western Union) instalou mais dois cabos 
submarinos entre Estados Unidos e Europa. (Wilkins, 1970, p. 47‐48) 
Embora as condições estivessem dadas na década de 1880, o processo de internacionalização 
das  “modernas  empresas”  norte‐americanas  teve  início  anos  antes.  De  fato,  a  primeira 
empresa  dos  Estados Unidos  a  desenvolver  “negócios  internacionais”  foi  a  fabricante  de 
27 
 
máquinas  de  costura  I.  M.  Singer  &  Company  (posteriormente  denominada  de  Singer 
Manufacturing Company),  fundada em 1851. A operação  internacional  começou em 1855 
quando a empresa vendeu sua patente francesa, bem como as ferramentas e equipamentos, 
ao comerciante  francês Charles Callebaut, que viria a não honrar o acordo recusando‐se a 
pagar  o  que  havia  sido  contratado  e  a  informar  a  quantidade  de  produtos  vendida.  Tal 
expediente – a venda de uma patente internacional a um negociante independente – jamais 
se repetiu dentro da companhia. Com uma estratégia diferente, em 1858 a Singer estabeleceu 
franquias junto a negociantes independentes no Rio de Janeiro, mas desta vez, para a venda 
de produtos produzidos nos Estados Unidos. Em 1861 já havia franquias no México, Canadá, 
Cuba, Curaçao, Alemanha, Venezuela, Uruguai, Peru e Porto Rico. Em Glasgow, Escócia, a 
empresa estabeleceu escritórios próprios, com agentes assalariados, para a venda financiada 
de máquinas de costura. Ainda em 1861 a partir da sede londrina a companhia iniciou a venda 
de produtos para a Bélgica e Espanha. A ação de imitadores concorrentes que crescia desde 
1862, o que somado à dificuldade da fábrica de Nova York em atender o mercado externo – 
devido ao crescimento da demanda interna – e ao aumento dos custos de produção após a 
guerra civil, acabou levando a filial britânica a operar com prejuízo em 1867. Uma pequena 
unidade foi instalada em Glasgow em 1868 para montar cem máquinas de costura por semana 
com  as  partes  semiacabadas  vindas  dos  Estados  Unidos.  O  investimento  nessa  primeira 
unidade  experimental  foi  relativamente  pequeno  de  tal  forma  que  ela  pudesse  ser 
descontinuada sem grandes perdas caso não fosse bem sucedida. Contudo, o crescimento do 
mercado levou a instalação de uma nova unidade em Glasgow para produção em larga escala, 
inclusive das partes antes  importadas, em 1872. Aos poucos a  rede de negócios da Singer 
expandiu‐se também para Portugal, França, Itália, Escandinávia, Áustria‐Hungria e Rússia, com 
uma estrutura de marketing  racionalizada e a organização das vendas  seguindo o mesmo 
padrão utilizado no mercado doméstico. Em 1874 mais da metade das máquinas de costura 
produzidas  pela  Singer  foram  vendidas  no  exterior  e  a  empresa  havia  se  convencido  da 
necessidade de manter o controle de todos os negócios internacionais. Em 1879 a companhia 
reorganizou  suas  operações  colocando  um  “segundo  homem  de  comando”  em  todos  os 
escritórios centrais de tal forma que as atividades não fossem comprometidas por doença ou 
morte. Ásia, América do Sul, África e Europa Continental já integravam a rede de vendas da 
Singer em 1880, sendo que na China, Brasil, Filipinas e Austrália as operações contavam com 
empregados  assalariados.  Em  1882  a  empresas  instalou  uma  nova  planta  em  Kilbowie, 
28 
 
próxima a Glasgow, que operaria com os equipamentos mais modernos e com a capacidade 
equivalente à maior unidade dos Estados Unidos. Pequenas fábricas também foram instaladas 
no Canadá e na Áustria em 1883 em virtude do aumento dos custos de  importação nesses 
países. (Wilkins, 1970 p. 37‐45) 
O exemplo da I. M. Singer & Company é bastante emblemático e ajuda a entender o processo 
de  internacionalização  das  empresas  norte‐americanas  no  século  XIX.  De  acordo Wilkins 
(1970, p. 45‐47), o crescimento dos “negócios  internacionais” dessas empresas  seguiu um 
“padrão evolucionário”, ainda que algumas delas possam  ter  saltado um ou mais estágios 
desse processo. O primeiro estágio do “padrão evolucionário” consistia na venda de produtos 
no  exterior  intermediada  por  agentes  independentes,  como  empresas  especializadas  em 
comércio  internacional  –  nesse  estágio  nenhuma  parte  dos  “negócios  internacionais”  era 
internalizada  pela  empresa.  No  segundo  estágio  a  empresa  designava  um  gestor  de 
exportação assalariado e/ou adquiria uma agência exportadora e seus contatos. No exterior, 
eram utilizadas agências independentes que deveriam vender os produtos por conta própria 
ou em consignação – apenas a parte doméstica da operação era  internalizada. No estágio 
seguinte, eram estabelecidos  representantes assalariados nos mercados de destino. Como 
alternativa podiam ser instalados escritórios de vendas ou distribuição ou era comprada uma 
agência  independente no exterior. O primeiro  investimento direto acontecia neste estágio. 
No quarto estágio, unidades de montagem ou plantas fabris eram instaladas no exterior para 
atender o mercado estrangeiro. Em meados dos anos de 1880 todos esses estágios podiam 
ser  identificados  na  trajetória  de  várias  empresas.  Talvez  um  exemplo  contundente  da 
validade e  importância desse padrão  tenha  sido oferecido  alguns  anos  antes. Em 1878,  a 
principal concorrente da Singer nos Estados Unidos, a empresa Wheeler & Wilson dispensou 
seus  agente  independentes  e  estabeleceu  escritórios  próprios  nas  principais  cidades  da 
Europa fazendo uma transição abrupta. Nos anos seguintes as vendas da Singer no mercado 
doméstico e no exterior superavam em muito as vendas da principal concorrente que nunca 
se recuperou e acabou sendo adquirida pela rival alguns anos mais tarde. (Wilkins, 1970 p. 43) 
No  início  da  décadade  1890,  várias  empresas  norte‐americanas  já  operavam  a  venda, 
distribuição e  fabricação no exterior de produtos e serviços no setor elétrico, de telefonia, 
químicos, petróleo, farmacêuticos, máquinas agrícolas, elevadores, seguros, entre outros. Os 
motivos que  levaram essas empresas a  ingressarem em “atividades  internacionais” tiveram 
29 
 
pouca  ou  nenhuma  relação  com  a  busca  por matérias  primas,  tendo  em  vista  a  grande 
disponibilidade interna. Tão pouco estiveram engajadas em produzir no exterior para vender 
nos  Estados  Unidos.  A maioria  das  empresas  estava  interessada,  de  fato,  em  atender  a 
demanda nos mercados estrangeiros.  (Wilkins, 1970 p. 36) O sucesso dessa  jornada – que 
envolveu a exportação de máquinas e equipamentos, bem como de competências, Know‐how 
e patentes –  foi  resultado de uma postura engenhosa que buscava não apenas capturar a 
demanda externa, mas também criá‐la com a introdução de novos produtos, novos métodos 
de produção e novas técnicas de venda e propaganda. (Wilkins, 1970 p. 66) 
As empresas seguiam estratégias semelhantes às usadas no mercado doméstico. A lógica de 
investimento  envolvia  a  redução  dos  custos  de  transportes  e  de  produção,  manejo  de 
estoques, aproveitar diferenciais de câmbio e barreiras à entrada de importações. Embora a 
decisão de investir ou não no exterior não guardasse relação com nenhuma ação do governo 
dos Estados Unidos, muitos investimentos foram realizados em resposta a ação de governos 
estrangeiros. No setor de telefonia, por exemplo, a Bell Telephone Company of Canada iniciou 
a fabricação de telefones em solo canadense em 1882 porque a  lei de patentes desse país 
exigia a produção  local. (Wilkins, 1970 p. 51) A fabricação das  lâmpadas  incandescentes de 
Thomas Edison passou por situação semelhante na Alemanha, com o agravante de um forte 
nacionalismo e antipatia em relação a produtos importados. (Wilkins, 1970 p. 55) 
Com  frequência  as  condições  iniciais  por  ocasião  dos  investimentos  nos  exterior  sofriam 
mudanças.    As  bases  da  estratégia  das  matrizes  nos  Estados  Unidos,  bem  como  das 
subsidiárias e afiliadas no exterior, sofriam alterações em função de mudanças nas políticas 
do próprio governo norte‐americano e, principalmente, nas condições externas dadas pelos 
governos  estrangeiros,  consumidores,  concorrentes  e  parceiros.  As  empresas  norte‐
americanas tinham que se adaptar às circunstâncias. Nesse sentido, uma das mudanças mais 
frequentes acontecia nas estratégias de comercialização. Ao instalar unidade produtiva na Grã 
Bretanha na década de 1880, a empresa frequentemente transferia para também a sua base 
comercial em razão da maior sofisticação da região nessa atividade, o que tronava sua rede 
mundial de comércio mais fácil de ser administrada a partir de Londres do que de Nova York. 
(Wilkins, 1970 p. 66) 
30 
 
A expansão internacional das empresas norte‐americanas teve um crescimento continuado a 
partir  de  1893  até  1914.  Entre  1897  e  1902  a  expressão  “invasão  americana  da  Europa” 
tornou‐se de uso frequente. Até 1914, praticamente todo magnata da indústria proeminente 
nos Estados Unidos estava envolvido de alguma forma em investimentos diretos no exterior. 
(Wilkins, 1970 p. 70‐71, 199‐202) Contudo, é preciso reconhecer que as bases sob as quais se 
deu  essa  expansão  foram  estabelecidas  pelas  transformações  e  pela  própria  expansão 
ocorridas nas décadas anteriores. 
Os  fragmentos  apresentados  até  aqui  não  têm  a  pretensão  de  cobrir,  mesmo  que 
parcialmente,  a  história  das  “atividades  multinacionais”.  Antes,  trata‐se  de  revisão 
direcionada cuja  intensão é assinalar alguns pontos  importantes para as seções e capítulos 
subsequentes.  
A perspectiva histórica oferece ao campo de estudo da “empresa multinacional”, segundo 
Wilkins  (2009, p. 3‐5), a percepção de processo, mudança e desenvolvimento, bem  como 
revela a importância do contexto e das relações entre as “empresas” e o ambiente externo. 
Ao acompanhar, portanto, o processo de evolução dos “empreendimentos multinacionais” 
desde o mundo antigo é possível estabelecer com maior precisão os limites da “multinacional 
moderna”. De fato, o tipo de empresa que inspirou as teorias elaboradas a partir da década 
de 1960 emergiu nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX e expandiu‐se para 
além das  fronteiras no  final daquele  século. Dessa  forma, esta  tese  reconhece a moderna 
empresa multinacional como  resultado da expansão para o exterior da empresa moderna 
descrita por Chandler  (1962, 1977). Tal  reconhecimento é  importante não apenas porque 
distingue a multinacional moderna de todas as outras formas semelhantes que a precederam, 
mas também porque identifica a confluência de fatores históricos que forneceu as condições 
necessárias para seu surgimento. 
O contexto sempre foi um fator importante para as atividades transfronteiras. A necessidade 
de matérias primas e a lógica religiosa estabeleciam seus limites e possibilidades no mundo 
antigo. Entre os séculos XV e início do XIX a lógica colonial ditou os contornos das transações 
além‐mar.  No momento  em  que  surge  a  empresa moderna  e,  na  sequência,  a  empresa 
multinacional  moderna  a  vida  econômica  nos  Estados  Unidos  experimentava  profundas 
transformações.  Inovações  tecnológicas  na  indústria  em  decorrência  das  novas  fontes  de 
31 
 
energia, as inovações nos transportes e nas comunicações, os novos mercados, as inovações 
financeiras e, principalmente, as inovações na forma de organizar os negócios e a produção 
são elementos importantes daquele momento histórico e tornam difícil imaginar se a empresa 
multinacional moderna poderia ter emergido em outra época e lugar. 
 
2.2  Teorias da produção internacional 
 
O marco inicial das teorias da empresa multinacional como tal data de pouco mais de meio 
século.  Buckley  (2011)  discute  a  literatura  econômica  anterior  a  1960  sobre  cartéis, 
imperialismo, competitividade  internacional e administração  internacional como teorias no 
campo  dos  negócios  internacionais,  mas  que  não  receberam  tal  rótulo  por  serem 
fragmentadas e não constituírem um corpo  teórico unificado. De  fato, até essa época não 
havia uma distinção cuidadosa entre investimento direto e investimento de portfólio ou entre 
as  diversas  formas  de  operações  internacionais  que  envolvessem  ou  não  algum  tipo  de 
propriedade.  Tal  situação  era  ainda  agravada  pela  dificuldade  na  definição  do  escopo 
analítico, seja no âmbito da firma, da nação, da economia mundial ou mesmo em termos de 
rede ou de gestão. 
Apenas no  final da década de 1950 e  início da década de 1960 os negócios  internacionais 
começaram o caminho para tornarem‐se uma disciplina acadêmica. Nessa época, os trabalhos 
de Dunning (1958), Penrose (1956) e Byé (1958), por exemplo, forneceram bases empíricas 
para avanços  teóricos na  teoria da  firma. Contudo, antes do  seminal  trabalho de Stephen 
Hymer (1960) a teoria existente encontrava‐se não codificada, não sistematizada, carecia de 
clareza conceitual e não estava academicamente institucionalizada (Buckley, 2011). 
Na década de 1970 e início dos anos de 1980 tornou‐se frequente a busca por uma teoria geral 
da produção internacional, às vezes na forma de uma teoria geral da empresa multinacional, 
às  vezes  como  uma  teoria  geral  do  investimento  direto  no  exterior  (IDE).  Se  tais  teorias 
esbarravam  em  alguma  evidência  empírica  que  não  podia  explicar  era  usual  diminuir  a 
importância da evidência ou adaptar a própria terminologia para acomodá‐la. A diversidade 
32 
 
teórica  é,  portanto,  uma  característica  do  pensamento  econômico  sobre  produção 
internacional.  Nesse  sentido,  as  análise  têm  sido  conduzias  sob  as  perspectivasmacroeconômica  (a  partir  das  teorias  do  comércio,  teorias  da  localização,  balanço  de 
pagamentos e efeitos da taxa de câmbio); mesoeconômica (a partir da organização industrial, 
da  teoria  dos  jogos,  teoria  da  inovação  e  da  comparação  das  trajetórias  e  estratégias 
corporativas) e microeconômica (a partir da teoria da firma). (Cantwell, 2000) 
Nas  próximas  subseções  são  apresentadas  três  abordagens  originais  da  produção 
internacional produzidas nos anos 1960 e 1970. De modo geral, os modelos e estudos mais 
recentes  sobre  as  empresas  multinacionais  seguem  ou  contrapõem‐se  às  teorias 
apresentadas sucintamente a seguir. 
 
2.2.1  Controle e poder de mercado 
 
A  primeira  teoria  dedicada  a  explicar  a  existência  da  empresa  multinacional  (EMN)  foi 
proposta por Stephen Hymer em 1960 em sua tese de doutorado, publicada apenas em 1976. 
Hymer, segundo Dunning e Rugman (1985, p.228), evita as teorias financeiras e do comércio 
de inspiração neoclássica e analisa a empresa multinacional per se, como uma instituição para 
a produção internacional – mais do que para a troca internacional – a partir da organização 
industrial. Havia uma  insatisfação  (Dunning e Lundan, 2008 p. 83) com a  teoria  tradicional 
sobre as transferências internacionais de capital, sob uma perspectiva macroeconômica, em 
que nenhuma distinção era feita entre os investimentos diretos e os de portfólio (indiretos). 
Hymer apontou o descompasso entre a teoria e a prática nos negócios (Forsgren, 2008 p. 12) 
e sua tese merece o título de “seminal”. (Buckley, 2006 p. 141) 
Hymer constatou que a teoria do investimento de portfólio fundamentada nos diferenciais de 
taxas de juros não era capaz de explicar o investimento direto. A teoria estabelecida não dava 
suporte ao  fato de que 1) o período de acúmulo de  investimento direto no exterior pelos 
Estados Unidos  antes de 1914  coincidiu  com  a entrada no país de  grande quantidade de 
investimento de portfólio, o que indica uma desconexão entre os fluxo de capital (IDE) e a taxa 
33 
 
de  juros; 2) o  investimento direto  cruzado entre países  acontecia,  simultaneamente; 3)  a 
maior parte do  investimento direto – observado por Hymer – era  realizado por empresas 
americanas não financeiras, o que sugere outra motivação para tal comportamento que não 
fosse a taxa de  juros e 4) havia um padrão setorial que associava o  investimento direto às 
mesmas indústrias ao redor do mundo e que o IDE cruzado ocorria intraindústrias. (Hymer, 
1976 p. 10‐23) 
As  inconsistências  apontadas  por  Hymer  entre  teoria  e  evidencia  empírica  revelaram  a 
natureza diferente dos investimentos de portfólio, centrados na arbitragem de taxas de juros 
internacionais, e os investimentos diretos, que envolvem o controle de atividades no exterior. 
A teoria estabelecida era insatisfatória porque não explicava o controle associado ao IDE, para 
o qual  seria necessária uma explicação diferente. Portanto, explicar o  investimento direto 
significa explicar o controle. (Hymer, 1976 p. 23) 
A motivação para que uma firma controle atividades em outro país – o que Hymer chamou de 
operação internacional – advém do lucro derivado desse controle e não do diferencial de taxa 
de juros no exterior. (Hymer, 1976 p. 26) Nesse sentido, uma forma equivalente de responder 
a questão é explicar em que circunstâncias a operação internacional seria lucrativa. 
Essencialmente, em Hymer (1976), uma teoria das operações internacionais é parte da teoria 
da firma e diz respeito às várias relações entre empresas de países diferentes, conectadas pelo 
mercado, que concorrem entre si ou que são fornecedoras umas das outras. As ferramentas 
analíticas devem ser as mesmas usadas para analisar a operação das firmas, levando‐se em 
conta que as operações são internacionais, mas as firmas são nacionais. E porque a operação 
é internacional, as diferenças entre os países em termos de governo, leis, idioma e economia 
são  importantes na medida em que  tornam os mercados de diferentes países muito mais 
separados do que os mercados regionais dentro de um país.1 Por sua vez, a nacionalidade da 
empresa  importa, não só porque  isso afetará o tratamento que ela  irá receber no exterior, 
                                                            
1 Tendo escrito em 1960, Hymer reconhecia a crescente integração da economia mundial devido ao aumento da 
comunicação entre as nações e cogita que o crescimento das operações internacionais que ele observava tenha 
sido  resultado  dessa  integração  e,  possivelmente,  desempenhava  um  papel  importante  para  integração 
subsequente. 
34 
 
mas também porque a firma está sujeita ao controle e à taxação de seu próprio governo e ao 
sentimento de nacionalismo. (Hymer, 1976 p. 28‐30) 
Em condições normais, as empresas nacionais encontram‐se em melhor posição para obter 
informações  sobre  seus  próprios  países  enquanto  que,  considerando‐se  a  separação  e  as 
diferenças  internacionais,  para  uma  empresa  estrangeira  a  aquisição  de  tais  informações 
representa um custo considerável, embora fixo. Além disso, há o “estigma de ser estrangeiro” 
uma vez que a empresa está sujeita a discriminação por parte dos governos, consumidores e 
fornecedores nacionais. Some‐se a  isso o risco cambial, no sentido de que as alterações na 
taxa de câmbio afetam mais as firmas com mais obrigações em moeda estrangeira, neste caso 
a empresa multinacional.  (Hymer, 1976 p. 34‐36) Existem, portanto, barreiras  à operação 
internacional  das  empresas  representadas  pelas  vantagens  que  as  empresas  nacionais 
possuem (sobre as estrangeiras) para atuar em seus próprios mercados se nenhuma condição 
especial prevalecer. 
Se as barreiras à operação internacional são admitidas, então as circunstâncias em que tais 
operações acontecem devem ser aquelas em que essas barreiras são superadas. Ou seja, o 
controle  de  operações  no  exterior  deve  ser  lucrativo  o  suficiente  para  compensar  as 
desvantagens de  ser uma empresa estrangeira. Hymer  (1976) explica essas  circunstâncias 
específicas com base no que ele denominou de “remoção de conflitos” e “posse de vantagens” 
por parte da firma multinacional. 
A  remoção  de  conflitos  deve  levar  à  operação  internacional  na medida  em  que  existe  a 
possibilidade de firmas em países diferentes, sob competição real ou potencial, realizarem um 
lucro conjunto maior a partir da fusão das empresas (como um tipo específico de colusão). A 
condição para que isso ocorra é a existência de barreiras à entrada no mercado em que apenas 
algumas poucas empresas atuam. Em caso contrário todo lucro conjunto seria rapidamente 
erodido pela entrada de novas  firmas. O mesmo pode ocorrer quando nos  casos em que 
poucas  empresas  de  um  país  são  fornecedoras  de  outras  poucas  firmas  em  outro  país. 
Também  nessa  situação  a  fusão  é  uma  opção  viável  para  aumentar  o  lucro  conjunto. O 
princípio da remoção de conflitos é a remoção da própria competição. É necessário esclarecer 
que, nesses casos, a fusão, e consequentemente a operação internacional, não é um resultado 
35 
 
necessário.  Além  disso,  caso  ocorra,  não  há  uma  predição  da  teoria  para  qual  será  a 
nacionalidade, logo quem manterá o controle, da nova empresa. (Hymer, 1976 p. 37‐39) 
Desde que se reconheça que diferentes empresas possuem diferentes habilidades para operar 
em uma determinada indústria, essas diferenças podem representar vantagens consideráveis 
em atividades específicas de algumas firmas sobre outras. Quando observadas empresas em 
países diferentes, a posse de alguma vantagem pode  levar a operação  internacional. Essas 
vantagens podem ser tão diversificadas quanto as formas de produção e comercialização. Elas 
podem estar associadas a condições mais favoráveis para obter fatores de produção a custos

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