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UNIDADE DE APRENDIZAGEM EDUCAÇÃO HUMANA INTEGRAL QUILOMBOS UNIDOMBOSCO 1 • Introdução • Quilombos: conexões com o continente africano • Quilombos na Colônia (1500- 1822) e no Império (1822- 1889) • Quilombos de 1888 a 1988: a presença da invisibilidade • Quilombos de 1988 até hoje: luta por direitos... • Referências: ............. 03 ............. 03 ............. 04 ............. 05 ............. 05 ............. 08 ............. 09 Sumário 3 INTRODUÇÃO O objetivo desta aula é que você compreenda que a origem dos quilombos no Brasil está diretamente vinculada aos povos africanos trazidos como mão de obra compulsória/escrava. A relevância do tema sobre quilombos diz respeito a toda a socie- dade brasileira, visto que somos um país em sua origem mul- tiétnico e multicultural, e que apesar das condições desiguais/ desumanas, cada etnia contribuiu com a formação econômica/ cultural e com a identidade nacional. Quilombos: conexões com o continente africano Quando você ouve falar em quilombo, no que você pensa? Quando falamos em quilombos, as pessoas têm diferentes opiniões e se permitem imaginar o que é de fato um quilombo no Brasil atual. Ainda persiste no imaginário social a ideia abso- luta de quilombo como um lugar onde vivem pessoas majorita- riamente negras/pardas em condições muito precárias. Por isso, precisamos compreender de maneira contextualizada o que foram os quilombos no passado e o que são os quilombos no presente. Sendo assim, vamos ao continente africano! FIGURA 1 – REGIÃO DE LOCALIZAÇÃO DE UM QUILOMBO 4 Quilombos na Colônia (1500-1822) e no Império (1822-1889) Importante destacar que, durante todo o sistema escra- vista, os quilombos foram duramente perseguidos, atacados e alguns totalmente destruídos, pois representavam potencial ameaça à engrenagem do sistema colonial, cuja base era o tra- balho compulsório dos africanos. Temos obras raras que nos servem de referência para a compreensão mais crítica sobre os quilombos na colônia e no império. Em síntese, podemos citar como exemplo, no período colonial, a obra de Gaspar Barleus (1584-1648), Histórias dos fei- tos recentes praticados durante oito anos no Brasil, que se refe- ria a Palmares como algo maléfico à sociedade açucareira, um obstáculo que precisava ser combatido e eliminado. Já no perío- do imperial, a obra de Heinrich Handelmann (1827-1891), História do Brasil, defendia a total destruição de Palmares para sobrevi- vência do regime escravista, descrevia Palmares como um esta- do negro em Alagoas No que se refere à origem do termo “quilombo”, Munanga (1996) explica que suas raízes se localizam no continente afri- cano, termo originário dos povos de língua bantu (kilombo). O termo “kilombo” foi criado pelos “mbundu” para se referir a uma sociedade de iniciação de jovens guerreiros, que posteriormente foi adotada pelo povo jagas. Na África, as ramificações do povo bantu (lunda, ovimbundu, mbundu etc.) tinham uma organiza- ção coletiva, eram governados por um rei, geralmente grande guerreiro. Os membros desses povos foram selecionados, captu- rados, trazidos e escravizados no território brasileiro. Assim, no Brasil Colônia (1500-1822) e no Brasil Império (1822-1889), os quilombos foram formados por africanos trazi- dos compulsoriamente de diferentes porções da África Central e Ocidental e até Oriental. Segundo Flávio dos Santos Gomes (2015, p. 8), por meio do tráfico atlântico, milhões de homens e mulheres chegaram ao Brasil, vindos de diversos lugares da África com múltiplas diferenças culturais. Dentre eles estavam “reis, príncipes, rainhas, guerreiros, princesas, sacerdotes, artistas e um sem-número de agricultores, mercadores urbanos, conhe- cedores da metalurgia e do pastoreio”. Desta feita, os quilombos são expressões de uma forma de organização e resistência que se materializa no território brasi- leiro, e que em diferentes épocas e geografias mantém vínculos com a ancestralidade africana. 5 FIGURA 2 – DONA APARECIDINHA, COZINHANDO E ASSANDO FORA DE CASA O estudo dessas duas obras nos permite compreender que as análises e descrições sobre os quilombos feitas pelos autores da época estão inteiramente de acordo com as suas posições sociais/étnicas, em suma, centradas na perspectiva eurocêntrica. Ambas as obras explicitam o perigo, a ameaça e a necessidade de destruição dos quilombos, pois era “coisa que não podia de todo ser tolerada, sem fazer perigar seriamente a existência da colonização branca brasileira; o dever da própria conservação obrigava a exterminá-la” (apud FIABANI, 2005, p. 49). Ainda, as descrições em ambas as obras traduzem os sentimentos de aversão, hostilidade, racismo, desprezo em re- lação aos negros escravizados, em síntese, havia necessidade de extermínio dos quilombos para a continuidade da empresa colonial, cujo lucro só era possível via trabalho compulsório dos africanos. Esse modo de ver e dizer sobre quilombos e sobre a população negra foi estrategicamente incorporado na educação brasileira, por isso, até hoje quando falamos em quilombos, pa- rece algo que ficou encerrado no passado ou que só existiu Pal- mares. Quilombos de 1888 a 1988: a presença da invisibilida- de No Brasil, onde existiu escravidão, existiram diversas formas de resistência, e as mais expressivas foram os quilombos, símbolos de resistência sob inspiração, liderança e orientação político-ideológica de africanos e seus descendentes escraviza- dos no Brasil. Mas o que acontece com os quilombos em 1888, com a abolição da escravidão pela Lei Áurea? Esse é um tema bastante controverso entre intelectuais, pois há aqueles que defendem que os quilombos deixaram de existir após o término do regi- me escravista e os que defendem que os quilombos continuam 6 existindo. Os quilombos continuam existindo após 1888, porém a invisibilidade se torna uma necessidade de sobrevivência em muitas regiões do Brasil, visto que não havia interesse do Estado em reconhecer a existência desses grupos, tampouco assegurar o direito às terras ocupadas por eles. Esse grupo negro e qui- lombola teve que transitar rápido de um regime desumano para uma condição de cidadania, incompleta, mutilada no físico e na alma. Em resumo, negros/quilombolas tiveram que conquistar sua autoemancipação, pois haviam sido entregues à própria sor- te. FIGURA 3 – DONA CLARINDA TORRANDO GRÃOS DE CAFÉ Muitos quilombos aumentaram seu contingente popula- cional, uma vez que no dia seguinte da assinatura da Lei Áurea, os negros recém-libertos tinham a LIBERDADE, sem casa, sem terra, sem emprego, sem lugar no território brasileiro. Assim, muitos se dirigiram para os quilombos, outros permaneceram nas fazendas, outros foram para os morros “favelas”, periferias das cidades. O pós-abolição rompeu com o pelourinho, porém criou outros mecanismos que instituem e estruturam a desqua- lificação da população negra e quilombola perante o Estado. Em 1889, temos a Proclamação da República, que implica em alterações significativas nas relações raciais, sociais e políticas do país. No que se refere aos quilombolas e à população negra no geral, podemos destacar que não houve qualquer política pública para integração social, em contrapartida, existiu, sim, uma política de incentivo à imigração europeia branca, visando ao branqueamento da população brasileira. Importante destacar que, de 1888 a 1988, não existiu qualquer referência a quilombos no âmbito institucional, jurídi- co, constitucional, ou seja, um século que a um só tempo marca a presença da invisibilidade no Estado. Existiram, sim, intelectu- ais que se dedicaram à interpretação dos quilombos no Brasil e produziram diferentes perspectivas teóricas e analíticas. Pode- mos destacar duas vertentes teóricas, sendo: a culturalista e a materialista. A vertente culturalista se desenvolveentre 1930 e 1950 e 7 • Quilombo como símbolo de resistência: a discussão cen- tral estava marcada na resistência a partir da produção cultural negra no Brasil. As indagações que emergiam dessa perspectiva buscavam compreender em que medi- da os quilombos seriam criação, reprodução ou reterrito- rialização da cultura advinda de Estados/Nações africanas. O quilombo torna-se símbolo em oposição à desagrega- ção cultural dos povos africanos pelo infortúnio do regime escravista. • Quilombo como resistência política: o quilombo como base para alavancar o pensamento sobre formas revo- lucionárias de luta popular frente à ordem hegemônica. Esse debate emerge do interior dos movimentos sociais negros, pelo viés político, e articula-se com as discussões de classe. • Quilombo como resistência negra: as entidades do Mo- vimento Social Negro unificam as dimensões cultural e política e elegem o quilombo como uma representação que materializa as distintas resistências da negritude. Ainda no que se refere à inserção dos negros quilombos na sociedade, podemos dizer que além da inconsistência de políticas públicas de inclusão e reparação para os quilombolas, compreendia a formação dos quilombos como um fenômeno contra-aculturativo, isto é, os quilombolas tentavam reafirmar os seus valores culturais, religiosos, tradições próximas ao modo de vida africano. Na década de 1960, tem início a vertente materia- lista, que interpreta quilombos como protagonistas pela liber- dade e a luta de classes. A obra Rebeliões na Senzala, de Clóvis Moura, assinala essa fase. FIGURA 4 – A IMPORTÂNCIA DA ARGILA PARA AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS Com base nos estudos e pesquisas de José Maurício Arruti (2006), atualmente podemos destacar de maneira sintética três dimensões que compõem as ressignicações do conceito de qui- lombo, quais sejam: 8 comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural”. Importante destacar que o acesso à terra onde atualmente vivem os quilombolas ocorre de diferentes maneiras por todo o território nacional. Podemos destacar algumas: doações de ter- ras para libertos; compra de terras por escravizados alforriados; ocupações de fazendas falidas e/ou abandonadas etc. A relação dos quilombolas com a terra é ancestral, não é simplesmente um substrato material, ela representa uma identidade, um sen- timento de pertencer àquilo que lhes pertence e lhes dá pulsão de vida. A formação dos quilombos desde a colônia ocorre em porções de terra necessárias às suas atividades vitais. houve no período republicano ações político-institucionais que reforçavam a intolerância, o racismo e o preconceito e aprofun- davam as desigualdades étnico-raciais. Quilombos de 1988 até hoje: luta por direitos... Uma das maiores conquistas para os quilombolas foi a pu- blicação do Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias-ADCT/CF-88, que afirma: “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas ter- ras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988). Para atender o disposto no artigo citado, em 2003, foi publicado o Decreto n.º 4.887, com a finalidade de regulamentar os procedimentos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titu- lação das terras ocupadas pelos quilombolas. O Decreto n.º 4.887/003 define “remanescentes das comu- nidades dos quilombos, como grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. Destaca, ainda, o entendimento de terras qui- lombolas como sendo: “terras ocupadas por remanescentes das 9 de vida característicos e na consolidação um território próprio. (O’DWYER, 1995, p. 1, grifos nossos). Para finalizar, cabe enfatizar que os quilombolas nutrem um sentimento de pertença ao território, cujo vínculo se materiali- za numa realidade étnica, econômica, política, social, cultural. A luta pela titulação se mantém pulsante, viva, porque os qui- lombolas acreditam que aquele lugar-território é deles, não no sentido capitalista de propriedade, mas por sentimentos de memória, de identidade formada e compartilhada. Para os quilombolas, a terra onde vivem não é somente um pedaço de chão, é solo sagrado, de trocas materiais e espirituais, de conti- nuidade da vida cotidiana e dos seus valores ancestrais. Referências ARRUTI, J. M. Mocambo: antropologia e história do processo de formação quilombola. Bauru: Edusc, 2006. FIABANI, A. Mato, Palhoça e Pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes [1532-2004]. São Paulo, Expres- são Popular, 2005. GOMES, F. dos S. De olho em Zumbi dos Palmares: história, símbolos e memória social. / Flávio dos Santos Gomes; coorde- nação Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Garcia. 1. ed. São Paulo: Claro Atualmente, a maior luta dos quilombos no Brasil é pela titu- lação de seus territórios, conforme o Art. 68. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, existiam cerca de 5.972 comunidades quilombolas no Brasil, e conforme o Observatório Terras Quilombolas, temos 181 terras quilombo- las tituladas em todo o território nacional, sendo que 139 foram regularizadas por governos estaduais, 42 pelo governo federal e 3 por governos federal estadual . É possível perceber que mesmo se tratando de um direi- to constitucional, a titulação das terras quilombolas enfrenta lentidão, entraves, disputas acirradas, exacerbada burocracia e, sobretudo, falta de interesse dos governos em implementar essa política territorial, que pode ser entendida como política de reparação material. Importante destacar o significado de quilombo hoje, que se afasta daquela concepção colonial de negros fugitivos, crimino- sos, ladrões, portanto, [...] contemporaneamente, o termo quilombo não se refere a resíduos resquícios arqueológicos de ocupa- ção temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sem- pre foram constituídos a partir de movimentos insur- recionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de re- sistência na manutenção e reprodução de seus modos 10 Enigma, 2011. MUNANGA, K. Origem e histórico do quilombo na África. Re- vista USP, São Paulo, v. 28, n. 1, n, p. 56-63, dez. 1995/jan.1996. O’DWYER, E. C. (org.). Terra de quilombos. Rio de Janeiro: Bo- letim da Associação Brasileira de Antropologia, 1995.
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