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Seção 5 ESPELHO DE CORREÇÃO DIREITO PENAL 2 Tendo o Juiz sentenciado o acusado, agora o momento é de recorrer para as instâncias superiores analisarem a questão sob o prisma de um órgão colegiado. De início, ressalta-se que o duplo grau de jurisdição é previsto constitucionalmente e permite que se recorra de qualquer decisão para a instância superior. Na esteira da Constituição Federal, o princípio do duplo grau de jurisdição deve ser observado em todos os procedimentos e processos, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (BRASIL, 1988, [s. p.]) A peça em testilha é a apelação, devendo ser manejada no prazo de cinco dias e observada a regra do artigo 593, CPP, nesses termos: Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: I - das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular; II - das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. (BRASIL, 1941, [s. p.]) A contagem do prazo recursal obedece à sistemática dos prazos processuais, devendo ser excluído o dia do início e incluído o dia final, devendo ser observado se os dias são úteis para fins de contagem, na linha do que dispõe o artigo 798, CPP, in verbis: Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado. § 1o Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento. Na prática! 3 § 2o A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão; será, porém, considerado findo o prazo, ainda que omitida aquela formalidade, se feita a prova do dia em que começou a correr. § 3o O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil imediato. (BRASIL, 1941, [s. p.]) Dessa forma, é preciso atentar-se para o dia do início do prazo processual, que é sempre no dia seguinte à intimação, lembrando que ser for sábado, domingo ou feriado, prorroga-se para o primeiro dia útil seguinte. Além disso, cumpre ressaltar que a Lei de Drogas exige a realização de dois laudos periciais para satisfazer o devido processo legal, sendo indispensável o laudo definitivo para fins de condenação, sob pena de nulidade absoluta, por ausência de materialidade. Trata-se da disposição prevista nos artigos 50 e seguintes, a seguir transcritos: Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas. § 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea. § 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo. § 3º Recebida cópia do auto de prisão em flagrante, o juiz, no prazo de 10 (dez) dias, certificará a regularidade formal do laudo de constatação e determinará a destruição das drogas apreendidas, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) § 4º A destruição das drogas será executada pelo delegado de polícia competente no prazo de 15 (quinze) dias na presença do Ministério Público e da autoridade sanitária. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) § 5º O local será vistoriado antes e depois de efetivada a destruição das drogas referida no § 3º , sendo lavrado auto circunstanciado pelo delegado de polícia, certificando-se neste a destruição total delas. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) Art. 50-A. A destruição de drogas apreendidas sem a ocorrência de prisão em flagrante será feita por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contado da data da apreensão, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo, aplicando-se, no que couber, o procedimento dos §§ 3º a 5º do art. 50.(Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014). (BRASIL, 2006, [s. p.]) Pelo que consta da orientação legal, a exigência de dois laudos periciais é requisito indispensável para o correto processamento de alguém por delito envolvendo o tráfico de drogas, sob pena de nulidade processual, o que ocorrera no caso em tela. 4 No que diz respeito à ideia de crime permanente e a entrada em domicílio alheio sem o consentimento expresso do morador, a jurisprudência é pacífica no sentido de não ser permitida tal situação, uma vez que a casa é asilo inviolável e a justa causa deve ser claramente comprovada, bem como o consentimento deve ser feito de forma expressa, nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MANIFESTA ILEGALIDADE. 1. Segundo consta da sentença, "policiais militares estavam em patrulhamento quando avistaram o denunciado na frente de um local conhecido pelo comércio de entorpecentes, momento em que ele empreendeu fuga na direção de um corredor em que há diversas construções em andamento. Após o denunciado ser alcançado na última das edificações, onde ele está residindo, os milicianos realizaram uma varredura no local e localizaram as porções de cocaína e maconha, bem como a quantia de R$ 64,50, 01 (uma) faca com resquícios de "cocaína", 01 (um) aparelho celular e diversos eppendorfs vazios" 2. Consoante decidido no RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada justa causa para a medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para situação de flagrância. 3. Na hipótese, não foram realizadas investigações prévias nem indicados elementos concretos que confirmassem o crime de tráfico de drogas dentro da residência, não sendo suficiente, por si só, a verificação de atitude suspeita do réu ou mesmo a sua fuga no momento da abordagem, tampouco a apreensão da droga em sua posse. Relativamente à autorização para ingresso no domicílio, não há nenhum registro de consentimento do morador para a realização de busca domiciliar. 4. Recurso provido. Anulação das provas decorrentes do ingresso forçado no domicílio. Absolvição do recorrente (art. 386, II - CPP). Determinação de expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, e a restituição do aparelho celular e valores apreendidos em seu poder. (Resp 1970764, STJ) No que diz respeito ao regime de cumprimento de pena, ainda que se trate de crime hediondo, a sistemática é no sentido de que o regime inicialmente fechado, apesar de previsto no artigo 2º, parágrafo 1º, Lei nº 8.072/90, tal disposição não tem mais aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, eis que inconstitucional. Ora, a individualização das penas é feita pelo Poder Judiciário, não sendo permitido ao legislador impor um dado regime de cumprimento de pena, o que violaria a ideia de separação de poderes (artigo 2º, CF). Com esse pensamento, a Suprema Corte entendeu pela inconstitucionalidade do regramento legal previsto naLei 8.072/90, dessa forma: EMENTA Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, 5 no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida. 1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto. 4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal. 5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado. (HC 111840, STF) Por esses termos, caberá ao Juiz fixar o regime inicial de cumprimento de pena na forma do artigo 59, CP, forte no princípio da individualização das penas. Quanto à continuidade delitiva, destaca-se que o artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06, é considerado tipo misto alternativo, em que a prática de um verbo previsto no mesmo ou todos permite a conclusão de que há apenas um crime, não pode prosperar a tese acusatória de aplicação da continuidade delitiva. O fato de terem sido encontrados vários comprimidos proibidos por lei não permite a afirmativa de que são vários crimes de tráfico de drogas, havendo, se for o caso, a capitulação de um único crime previsto no citado artigo legal. Por fim, quanto ao prazo processual, tendo em vista que a intimação ocorrera em 02/05/22, a contagem começará no dia seguinte e finda-se em 07/05/2022, que é sábado, prorrogando-se para o próximo dia útil seguinte, 09/05/22, segunda-feira. EXMO SR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO PAULO – SP Questão de ordem! 6 Fulano de tal, solteiro, brasileiro, portador da carteira de identidade XXX, residente e domiciliado na rua xxx, nesta capital, vem por meio de seu advogado (procuração anexa), apresentar APELAÇAO, com fundamento nos artigos 593, III, d, e 600, do Código de Processo Penal. Requer o seu recebimento , com a intimação do Ministério Público para apresentar contrarrazões, e encaminhamento à instância superior com as razões e contrarrazões recursais, para processamento e julgamento do mérito, onde se espera a reforma da decisão impugnada. Nestes termos, pede deferimento. São Paulo, 09/05/22 Assinatura OAB RAZÕES DE APELAÇAO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO/SP COLENDA CÂMARA CRIMINAL COLENDA TURMA EMINENTES DESEMBARGADORES DOS FATOS Conforme ocorrência policial já inserida nos autos, o acusado foi flagrado dentro de sua residência com vários comprimidos de ecstasy. Também chamado de droga do amor, o ecstasy é uma droga psicoativa, conhecida quimicamente como 3,4-metilenodioximetanfetamina e abreviada por MDMA. Os policiais civis que estavam fazendo a investigação, lastreada em denúncia anônima, entraram em sua residência sem mandado judicial, valendo-se do conceito de que o crime é classificado como permanente, podendo o flagrante ser dado a qualquer momento e sem autorização judicial. Ademais, ingressaram na residência sem qualquer consentimento do morador. 7 Com sua prisão em flagrante, Fulano de tal fora encaminhado para a audiência de custódia que fora realizada um mês depois do fato. O fato se deu na comarca de São Paulo/SP. Foi requerido o relaxamento da prisão em flagrante, tendo em vista que ela não fora feita de forma legal, uma vez que se descumpriu o art. 310, caput, CPP, que exige o prazo de 24 horas para a sua realização, bem como não estavam presentes os requisitos da prisão preventiva, forte, ainda, que a investigação foi lastreada em denúncia anônima e o flagrante foi feito sem observar os balizamentos jurisprudenciais de consentimento do morador. Todavia, o magistrado entendeu por bem decretar a prisão preventiva, afirmando que o prazo de 24 horas é considerado impróprio e não merece ser seguido à risca, além disso corroborou as declarações do Ministério Público de que o acusado é rico e isso pode ensejar a prisão com base na garantia da ordem pública, bem como ele poderia fugir do país e ameaçar testemunhas, em razão da sua excelente condição financeira. Por fim, o magistrado entendeu que por tratar-se de crime permanente, o flagrante poderia ser dado a qualquer tempo, independentemente de autorização judicial, bem como que a inexistência de consentimento do morador para o ingresso em sua residência constitui mera irregularidade. Dessa forma, o réu foi preso preventivamente na cidade de São Paulo/SP, enviando-se os autos para o Delegado de Polícia responsável, tendo sido o feito distribuído para o juiz da 1ª Vara Criminal da Capital. Além disso, a autoridade policial não requereu a realização do laudo definitivo. Sendo assim, foi requerida a revogação da prisão preventiva, mas houve o indeferimento e o Juiz determinou que o processo fosse para o Ministério Público. O promotor de justiça responsável pelo caso requereu que a autoridade policial procedesse ao relatório final, o que foi feito com o respectivo indiciamento. Nesse diapasão, foi oferecida denúncia pelo crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 71, CP, pois foram encontrados vários comprimidos na mesma ocasião fática. Após, o juiz determinou, na data de 28 de abril de 2022, quinta-feira, que se intimasse a Defesa do acusado para apresentar a peça processual cabível, sendo que tal intimação ocorrera em 29 de abril de 2022, sexta-feira. Após, o Juiz determinou, na data de 28 de abril de 2022, quinta-feira, que se intimasse a Defesa do acusado para apresentar a peça processual cabível, sendo que tal intimação ocorrera em 29 de abril de 2022, sexta-feira. Apresentada a defesa preliminar, o Magistrado recebeu a denúncia e determinou a realização da audiência de instrução e julgamento. Nessa audiência, seguindo os trâmites do artigo 57 da Lei nº 11.343/06, o Juiz iniciou pela oitiva do acusado, depois ouviu as testemunhas de acusação e de defesa. Encerrada a instrução, o Ministério 8 Público ofertou suas alegações finais escritas em forma de memoriais e pediu a condenação do acusado pelo crime do artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 71, CP, apontando que a inexistência delaudo definitivo não impediria de imputar-se a condenação, eis que o Juiz poderá valer-se do laudo preliminar ou de constatação. Após, os autos vieram com vista. Após a instrução, com a juntada dos memoriais escritos, o processo foi concluso ao Magistrado que decidiu por condenar o acusado a uma pena de 5 (cinco) anos de reclusão com fundamento no artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06, entendendo que o laudo preliminar poderia ser utilizado para fins de condenação em substituição ao laudo definitivo, e que não haveria nulidade pelo fato de os policiais terem ingressado no domicílio sem mandado e sem consentimento expresso do morador, sendo mera irregularidade. Além disso, decidiu-se por não aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 33, parágrafo 4º, Lei nº 11.343/06, em razão da quantidade elevada de drogas que fora encontrada. Por fim, fixou o regime inicial fechado, forte na ideia de que o crime em testilha é equiparado a hediondo, na forma da Lei nº 8.072/90, artigo 2º, parágrafo 1º. Vieram os autos para recurso. DOS FUNDAMENTOS DA INVERSAO DO RITO- NULIDADE ABSOLUTA Pelo que consta dos autos, o interrogatório do acusado foi feito no início da audiência de instrução, o que fere de morte os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como posicionamento dos Tribunais Superiores, devendo ser declarada nula a audiência realizada em desobediência ao rito processual previsto em lei, na forma do julgado seguinte: Ao disciplinar a instrução processual no rito comum ordinário, o caput do art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008, determina que o interrogatório do acusado seja o último ato a ser realizado. O art. 57 da Lei de Drogas, por sua vez, prevê momento específico e diverso para o interrogatório do réu. No entanto, por ocasião do julgamento do HC 127.900/AM (Rel. Ministro Dias Toffoli), o Pleno do Supremo Tribunal Federal realizou uma releitura do art. 400 do Código de Processo Penal e firmou o entendimento de que o rito processual para o interrogatório, previsto no referido dispositivo, deve ser aplicado a todos os procedimentos regidos por leis especiais. Isso porque a Lei n. 11.719/2008 (que deu nova redação ao referido art. 400) prepondera sobre as disposições em sentido contrário delineadas em legislação especial, por se tratar de lei posterior mais benéfica ao acusado (lex mitior), visto que assegura maior efetividade a princípios constitucionais, notadamente aos do contraditório e da ampla defesa. Dito isso, para que eventual nulidade seja reconhecida em decorrência da inversão da ordem do interrogatório, remanescem dois pontos a serem previamente analisados: a) para que seja reconhecida a nulidade do feito, é necessário haver a demonstração de efetivo prejuízo à defesa, à luz do princípio pas de nullité sans grief? e b) a matéria deve ser alegada no primeiro momento processual oportuno, sob pena de preclusão? 9 Em relação ao primeiro ponto, registra-se que não se desconhece a existência de julgados desta Corte Superior de Justiça que, mesmo depois do julgamento do referido HC 127.900/AM, passaram a exigir, em relação aos processos com instrução ainda em curso, que, naqueles casos em que o interrogatório tivesse sido realizado no início da instrução, deveria haver a comprovação de efetivo prejuízo à defesa para que fosse reconhecida a nulidade processual. No entanto, ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, ante a magnitude constitucional de que se reveste o interrogatório judicial, já teve diversas oportunidades de assentar que esse ato processual representa meio viabilizador do exercício das prerrogativas constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Se o interrogatório é um ato essencialmente de autodefesa, não se deu aos recorrentes a possibilidade de, ao final da instrução criminal, esclarecer ao Magistrado eventuais fatos contra si alegados pelas testemunhas, manifestar-se pessoalmente sobre a prova acusatória a eles dirigida e influenciar na formação do convencimento do julgador. Portanto, se nem a doutrina nem a jurisprudência ignoram a importância de que se reveste o interrogatório judicial – cuja natureza jurídica permite qualificá-lo como ato de defesa -, não há como acolher o argumento do Tribunal de origem, no sentido de que a ausência de demonstração de prejuízo impossibilitaria o reconhecimento da apontada nulidade. Não há como se imputar à defesa do acusado o ônus de comprovar eventual prejuízo em decorrência de uma ilegalidade, para a qual não deu causa e em processo que já resultou na sua própria condenação. Isso porque não há, num processo penal, prejuízo maior do que uma condenação resultante de um procedimento que não respeitou as diretrizes legais e que nem sequer observou determinadas garantias constitucionais do réu (no caso, a do contraditório e a da ampla defesa). Como avaliar, na perspectiva de exigir-se a demonstração do prejuízo, se o interrogatório realizado no início da instrução não trouxe nenhum prejuízo à defesa (tanto à defesa técnica quanto à do próprio acusado – autodefesa)? Assim, exigir a comprovação de prejuízo para o reconhecimento da nulidade decorrente da não observância do rito previsto no art. 400 do Código de Processo Penal representa não apenas uma burla (escamoteada) ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 127.900/AM, como também um esvaziamento das garantias constitucionais do contraditório e, especialmente, da ampla defesa, uma forma de se esquivar do reconhecimento de uma nulidade e uma maneira de se evitar a anulação de uma instrução probatória que, visivelmente, foi realizada em franco desacordo com as referidas garantias constitucionais. Por fim, uma vez fixada a compreensão pela desnecessidade de a defesa ter de demonstrar eventual prejuízo decorrente da inversão da ordem do interrogatório dos réus, em processo do qual resultou a condenação, e porque o procedimento adotado afrontou os princípios do contraditório e da ampla defesa, não há como condicionar o reconhecimento da nulidade ao fato de a defesa arguir ou não o vício processual já na própria audiência de instrução. Não incide na espécie, portanto, a preclusão” (REsp 1.808.389/AM, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 20/10/2020). Assim, deve ser declarado nulo tal ato processual. INEXISTENCIA DE LAUDO DEFINITIVO- NULIDADE ABSOLUTA 10 Deve ser ressaltado como inobservância do princípio do devido processo legal que não se cumpriram as disposições previstas na lei própria de regência. Ora, inexistem os laudos periciais pertinentes para o correto processamento de alguém nos moldes da Lei nº 11.343/06, sendo caso patente de ausência de materialidade. De forma a explicitar a matéria tratada nesse tópico, traz-se ao conhecimento de Vossa Excelência a redação legal, com o fito de facilitar a compreensão, in verbis: Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas. § 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea. § 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo. § 3º Recebida cópia do auto de prisão em flagrante, o juiz, no prazo de 10 (dez) dias, certificará a regularidade formal do laudo de constatação e determinará a destruição das drogas apreendidas, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) § 4º A destruição das drogas será executada pelo delegado de polícia competente no prazo de 15 (quinze)dias na presença do Ministério Público e da autoridade sanitária. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) § 5º O local será vistoriado antes e depois de efetivada a destruição das drogas referida no § 3º , sendo lavrado auto circunstanciado pelo delegado de polícia, certificando-se neste a destruição total delas. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) Art. 50-A. A destruição de drogas apreendidas sem a ocorrência de prisão em flagrante será feita por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contado da data da apreensão, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo, aplicando-se, no que couber, o procedimento dos §§ 3º a 5º do art. 50. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014). (BRASIL, 2006, [s. p.]) Destarte, houve flagrante descumprimento daquilo que consta da legislação específica e pertinente da matéria, inexistindo materialidade pelo delito de tráfico de drogas, além de existência de nulidade absoluta processual por inobservância de rito processual adequado. 11 INVASAO DE DOMICILIO SEM CONSENTIMENTO DO MORADOR- IMPOSSIBILIDADE Tendo em vista que os policiais ingressaram no domicílio do agente sem colher o consentimento expresso do morador, tem-se situação clara de mácula de todos os atos subsequentes, eis que a jurisprudência é no sentido de que o consentimento deve ser expresso e filmado. Nesses termos: RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MANIFESTA ILEGALIDADE. 1. Segundo consta da sentença, "policiais militares estavam em patrulhamento quando avistaram o denunciado na frente de um local conhecido pelo comércio de entorpecentes, momento em que ele empreendeu fuga na direção de um corredor em que há diversas construções em andamento. Após o denunciado ser alcançado na última das edificações, onde ele está residindo, os milicianos realizaram uma varredura no local e localizaram as porções de cocaína e maconha, bem como a quantia de R$ 64,50, 01 (uma) faca com resquícios de "cocaína", 01 (um) aparelho celular e diversos eppendorfs vazios" 2. Consoante decidido no RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada justa causa para a medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para situação de flagrância. 3. Na hipótese, não foram realizadas investigações prévias nem indicados elementos concretos que confirmassem o crime de tráfico de drogas dentro da residência, não sendo suficiente, por si só, a verificação de atitude suspeita do réu ou mesmo a sua fuga no momento da abordagem, tampouco a apreensão da droga em sua posse. Relativamente à autorização para ingresso no domicílio, não há nenhum registro de consentimento do morador para a realização de busca domiciliar. 4. Recurso provido. Anulação das provas decorrentes do ingresso forçado no domicílio. Absolvição do recorrente (art. 386, II - CPP). Determinação de expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, e a restituição do aparelho celular e valores apreendidos em seu poder. (Resp 1970764, STJ) Assim, impossível prosperar as provas produzidas nesse momento procedimental sem que tenha havido o consentimento válido do morador. 12 DO MERITO- DA NÃO APLICAÇAO DO ARTIGO 71, CP Tendo em vista que o tipo penal previsto no artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06, é considerado tipo misto alternativo, em que a prática de um verbo previsto neste ou em todos permite a conclusão de que há apenas um crime, não pode prosperar a tese acusatória de aplicação da continuidade delitiva. O fato de terem sido encontrados vários comprimidos proibidos por lei não permite a afirmativa de que são vários crimes de tráfico de drogas, havendo, se for o caso, a capitulação de um único crime previsto no citado artigo legal. Assim, por eventualidade de ser condenado, a Defesa requer seja considerado um único crime do artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06. DO MERITO- TRAFICO PRIVILEGIADO Quanto à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, a jurisprudência é no sentido de que ela deve ser aplicada como regra quando o fato não envolver atividade criminosa reiterada, bem como o agente ser primário e de bons antecedentes. A quantidade de drogas por si só não obsta ao reconhecimento da minorante em testilha, na forma da lavra do Superior Tribunal de Justiça, nestes termos: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO. RECURSO MINISTERIAL. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS NÃO DEMONSTRADA. QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA QUE NÃO EXTRAPOLAM O ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA NORMA E NÃO PERMITE PRESUMIR QUE O PACIENTE INTEGRAVA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 24,1G DE COCAÍNA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O agravado foi preso em flagrante portando 61 porções de cocaína, com massa líquida de 24,1g e R$ 80,00 (oitenta reais) em espécie. Circunstâncias que, nos termos da jurisprudência citada, não permitem concluir que o paciente se dedicava a atividades criminosas ou que integrasse organização criminosa. 13 2. "A quantidade de droga apreendida não é, por si só, fundamento idôneo para afastamento da minorante do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006" (RHC 138117 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG /5/4/2021 PUBLIC 6/4/2021). 3. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no HC 713491, STJ) DO MERITO- REGIME INICIALMENTE FECHADO-NÃO APLICAÇAO Na esteira do que vem decidindo a Suprema Corte, veda-se a aplicação indistinta do regime inicialmente fechado para os crimes hediondos e equiparados. Com esse pensamento, a Suprema Corte entendeu pela inconstitucionalidade do regramento legal previsto na Lei nº 8.072/90, dessa forma: EMENTA Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida. 1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto. 4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional 14 mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal. 5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qualdetermina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado. (HC 111840, STF) Por esses termos, caberá ao Juiz fixar o regime inicial de cumprimento de pena na forma do artigo 59, CP, forte no princípio da individualização das penas. DOS PEDIDOS Diante do exposto, respeitosamente, requer seja o presente recurso conhecido e, no mérito, provido, na forma seguinte: a) Preliminarmente, seja reconhecida a nulidade absoluta do feito, em razão da inversão do rito processual, com prejuízo presumido para o acusado, anulando-se o feito desde a audiência de instrução e julgamento. b) Ainda, em preliminar, não foi juntado o laudo definitivo de materialidade das drogas, o que impede o prosseguimento do feito. c) Por fim, requerer a desconsideração de todas as provas produzidas na fase investigativa, notadamente em razão da ocorrência de invasão de domicílio. d) Pelo princípio da eventualidade, caso não se opere a nulidade absoluta, vem requerer a desconsideração do artigo 71, CP, devendo ser capitulada apenas uma infração penal pelo crime previsto no artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06. e) O reconhecimento da figura do tráfico privilegiado. f) Caso seja condenado, pela aplicação do regime diferente do fechado, em razão da inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º, Lei nº 8.072/90. Nestes termos, pede-se deferimento 15 São Paulo, 09 de maio de 2022. Assinatura OAB REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 maio 2022. BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del3689.htm. Acesso em: 3 jun. 2022. BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2006 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 4 jun. 2022.