Prévia do material em texto
6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 1 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 Sobre a música Outonal, gravada no Cd Roupa na Corda (2013), do compositor e multi-instrumentista Arismar do Espirito Santo José Ricardo de Barros e Silva Paulo José de Siqueira Tiné Categoria: Comunicação Resumo: Esse trabalho propõe investigar parte da obra autoral do compositor e multi- instrumentista Arismar do Espirito Santo (1956-), especificamente direcionado para uma música do CD Roupa na Corda (2013). O artigo portanto irá focar a composição Outonal e fará análises abordando aspectos como forma, harmonia, melodia, ritmo, gênero musical, arranjo e improvisação. O estudo procura observar o processo de criação percorrido pelo compositor, que é também arranjador e executante de instrumentos diversos em suas obras. Palavras chave: Arismar do Espirito Santo; música instrumental brasileira; “multi - instrumentismo”; musica popular; sistema axial About Outonal, music by Cd Roupa na Corda (2013), by composer and multi- instrumentalist Arismar do Espirito Santo Abstract: This work proposes to investigate part of the authorial work of the composer and multi-instrumentalist Arismar do Espirito Santo (1956-), specifically directing for a song from the CD Roupas na Corda (2013). The study will focus on Outonal composition and will analyze aspects such as form, harmony, melody, rhythm, musical genre, arrangement and improvisation. The study seeks to observe and describe the process of creation path taken by the composer, who is also an arranger and performer of various instruments in his works. Keywords: Arismar do Espirito Santo; Brazilian instrumental music; multi- instrumentalism; axial system Introdução: Arismar do Espirito Santo (1956- ) tem na origem uma família musical. Sua mãe, Aracy Lima, foi cantora da Rádio Atlântica de Santos; seu irmão, Paulo Roberto foi compositor, multi -instrumentista e arranjador; atualmente, seu filho, Thiago Espírito Santo é contrabaixista e sua filha Bia Goes é cantora. Aos 11 anos de idade Arismar já tocava violão. 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 2 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 Aos 16, passou a tocar bateria e aos 17 anos foi convidado para ser baterista da tradicional casa noturna de São Paulo, o bar e restaurante Baiúca1. Arismar do Espírito Santo lançou em sua carreira como compositor sete trabalhos: Arismar do Espírito Santo (1993, Velas, LP), Estação Brasil (2002, Maritaca, CD), Foto do Satélite (2006, Maritaca, CD), Alegria Nos Dedos (2012, Maritaca, CD), Roupa na Corda (2013, Maritaca, CD), Roda Gingante (2016, Maritaca, CD) e Flor de Sal (2017, Maritaca, CD). Conforme já mencionamos, o recorte musical se limitará a uma música do CD do autor: Roupa na Corda. Como instrumentista Arismar do Espirito Santo já trabalhou com inúmeros artistas, vale citar: Hermeto Pascoal, Heraldo do Monte, Baden Powell, Raul de Souza, Sivuca, Nenê, Dominguinhos, Hélio Delmiro, Filó Machado, Dori Caymi, Ivan Lins, Luiz Eça, João Donato, Laércio de Freitas, Paulo Moura, Joyce, Paquito de Riviera, Sebastião Tapajós, Leni Andrade, Eduardo Gudin, Edsel Gomez, Jane Duboc, entre muitos outros/as. Do Espirito Santo é um multi-instrumentista autodidata (RAUBER, 2017) que começou tocando bateria e posteriormente ampliou seu espectro musical com os violões de 6 e 7 cordas, guitarra, piano, contrabaixo elétrico e acústico. Foi no contrabaixo que o músico obteve maior projeção em sua carreira como instrumentista. Arismar tem na essência de seu trabalho autoral influências de gêneros tradicionais da música brasileira tais com o samba, baião, frevo, valsa, choro, entre outros. Com as referências do repertório do cancioneiro nacional e dos ritmos regionais, o autor multi- instrumentista trafega nesses gêneros/ritmos2 com muita liberdade, tanto misturando-os em grooves ou em diferentes sessões de uma composição quanto fazendo aquilo que o 1 Fonte consultada em matéria: “Baiúca, o templo da boemia da Praça Roosevelt”, feita por André Motta Araújo em 02/03/2016 para a coluna GGN. Acesso em 28/07/2019 no endereço: https://jornalggn.com.br/historia/baiuca-o-templo-da-boemia-na-praca-roosevelt-por-andre-araujo/. 2 A questão do gênero musical e sua relação direta com o ritmo da composição será aprofundada e discutida na dissertação final. Num primeiro momento preferi chamar apenas de ritmos e não de gêneros musicais, algo que numa outra interpretação podem ser classificados como a mesma coisa. https://pt.wikipedia.org/wiki/2006 https://pt.wikipedia.org/wiki/2012 https://jornalggn.com.br/historia/baiuca-o-templo-da-boemia-na-praca-roosevelt-por-andre-araujo/ 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 3 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 pesquisador Acacio Piedade denominou por “friccões de musicalidades”(PIEDADE, 2015) de gêneros brasileiros com o jazz e outros gêneros da cultura afro americana3. Mais do que uma língua musical, portanto, musicalidade é uma audição-de- mundo que ativa um sistema musical- simbólico através de um processo de experimentação e aprendizado que, por sua vez, enraíza profundamente esta forma de ordenar o mundo audiv́el no sujeito. No jazz brasileiro, chamado de pelos nativos de “música instrumental”, há uma relação tiṕica com o jazz norte- americano que é ao mesmo tempo de tensão e de síntese, de aproximação e de distanciamento. A forma como a musicalidade brasileira e a norte-americana se encontram no jazz brasileiro confere com a ideia de hibridismo contrastivo: as tópicas musicais presentes nos temas e improvisações estabelecem uma relação de fricção de musicalidades. Esta revela a sua relação com discursos sobre imperialismo cultural norte- americano, identidade brasileira, globalização e regionalismo. (PIEDADE, 2011:3) O músico traz para o seu ambiente estético musical o lirismo do cancioneiro nacional e internacional4 mesclado com a herança do sambajazz5. Em sua obra, nos seus arranjos, é comum que se deixe espaço para sessões solistas, através da improvisação6. Esse território de expressão pessoal é compartilhado em sintonia com o coletivo, a seção rítmico/harmônica (bateria/baixo/instrumentos harmônicos) que acompanham e/ou interagem (Ver Gomes, pags.5,6,7). Observa se o compositor como um exemplo vivo de improvisador e músico que atravessa a cadeia completa no processo criativo na música popular: criação – arranjo – execução. Segundo Aragão, a distinção entre essas etapas nem sempre é muito clara. 3 Música popular produzida nas Américas do sul, central e do norte, com forte influência africana, extrato da colonização, da escravidão e expansão da cultura afro americana. 4 O compositor cresceu ouvindo músicas por rádio e lps e o repertório eclético que ouvia engloba: samba canção, bolero, valsa, baião, xote, foxtrote, jazz, sambajazz, bossa nova, ...; portanto uma gama ampla de gêneros. 5 Para GOMES, 2020, pag 12- “A proposta de periodização resulta no seguinte: uma primeira fase iniciada em 1952, a partir do disco de estréia de Alf, até 1958, data inaugural da bossa nova, intitulado período do sambajazz pré- bossa nova. E a segunda fase, do SJ pós-bossa nova, começaria no mesmo ano de 1958 e iria até 1967, com a gravação do primeiro disco do Quarteto Novo”. No dicionário de DOURADO, 2004, pag.291- “Gênero brasileiro carregado de scat singing, que surgiu no inicio dos anos 60 com Elza Soares, influenciou Ed Linconle Dóris Monteiro”. 6 Me refiro aqui á improvisação nos parâmetros dos ciclos (chorus), sobre as mudanças de acordes (changes) no contexto da musica tonal ou modal. Isso se aplica a diversos gêneros e ritmos da música popular e é uma característica importante do jazz. 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 4 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 Antes de começar uma retrospectiva histórica que revê os arranjos no jazz desde 1910 até os dias atuais, o verbete aborda outro tema interessante: a tensão existente entre arranjo e improvisação. Especialmente nos primeiros tempos do jazz, tempos em que a grande maioria dos músicos não liam partitura e tocava improvisando quase que integralmente, a utilização de arranjos (no sentido mais “fechado” do termo) foi considerada incompatível com o espiŕito livre, caracteriśtico dessa música. Somente ao longo de algumas décadas, através do trabalho de arranjadores como Don Redman, Duke Ellington e John Nesbitt, é que se constatou que arranjo e improvisação não são procedimentos contraditórios, muito pelo contrário, o que de fato contribuiu para a consolidação do arranjo como uma necessidade no jazz. (ARAGÃO, 2000:98) 1. O CD O CD Roupa na Corda (selo Maritaca)7 foi gravado em 2013 no estúdio Gargolândia8. Foram gravadas 16 faixas. Arismar é autor de todas composições do álbum, além de ter feito a produção musical e os arranjos. No CD ele tocou piano, baixo elétrico fretless9, violão de 7 cordas e guitarra. Formaram o trio base da gravação Léa Freire (flautas) e Fábio Peron (bandolim 10, bandolão). Houve tambêm participações de Bia Goes (voz na faixa 3 e 8) e Thiago Espírito Santo (baixo na faixa 7), além de Elizabeth Woolley, Louise Woolley e Rafael Altério (vozes na faixa 8). A música Outonal foi também executada em 2014 em concertos com a extinta Banda sinfônica do estado de São Paulo, sob a regência do maestro Marcos Sadao, no Auditório Ibirapuera10. Com arranjo de Alexandre Dalóia11, houve a participação do compositor nas performances. 2. Análise 7 Selo independente de musica instrumental brasileira, dirigido pela compositora e flautista Léa Freire, tem cerca de 50 títulos de Cds e livros didáticos em seu catálogo http://www.maritaca.art.br/index.html Visitado em 10/08/2020 8 Estúdio de gravação dirigido por Rafael Altério e Rita Altério, situado no interior de São Paulo. https://www.gargolandia.com.br/ Visitado em 07/08/2020 9 Baixo elétrico sem trastes, que gera um timbre específico, com mais sustain. É considerado um baixo mais melódico, “que canta”. 10 Site do Auditório visitado em 30/07/20- Um dos principais equipamentos culturais da capital paulista, o Auditório Ibirapuera – Oscar Niemeyer, projetado por Oscar Niemeyer nos anos 1950, foi inaugurado em 2005 e se transformou em referência para arquitetos e urbanistas. 11 Flautista e arranjador, músico da extinta Banda sinfônica de SP. http://www.maritaca.art.br/index.html https://www.gargolandia.com.br/ 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 5 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 A música Outonal,escolhida como caso de análise para este artigo para esse artigo, foi composta no violão de 7 cordas. Em sua origem a sua tonalidade era Ré maior(Si menor), mas no Cd Roupa na corda ela foi gravada meio tom acima, em Mib maior (Do menor). Isso ocorreu pela sonoridade, mas tambêm pela “praticidade” para tocar no piano, que entrou no arranjo depois da música finalizada. A faixa 4 do Cd Outonal foi gravada por: Arismar- violão de 7, Léa Freire-flauta em G e Fabio Peron-bandolim. Outonal é um samba instrumental com a forma ABA’ de 24 compassos, onde cada parte tem 8 compassos. O formato12 ou forma do arranjo é o seguinte: Tema (exposição)- ABA’- 24 compassos; Sessões de improvisações -1 chorus13 de bandolim; 1 chorus de flauta; 1 chorus de violão; Tema (reexposição)- AB- 14 compassos; coda com vamp14 repetindo os compassos 13 e 14 (Eb7(#9)/ E69) Tabela 1 Segue a partitura lead sheet15 com análise harmônica: 12 Segundo Marcelo Gomes trata se da sequência e/ou ordem das seções em um arranjo. 13 Chorus é o termo usado para um ciclo completo da música, um “giro”. Termo comum pra designar as mudanças de solistas nos ciclos da música. 14 Repetição livre ou com uma chamada definida de um trecho musical, geralmente em sessões de improvisação ou na coda da musica. São comuns vamps de 2,4 e 8 compassos. 15 Partitura apenas com a melodia e a cifra, que não indica a exata distribuição de vozes dos acordes, portanto pressupõe um conhecimento do assunto prévio do harmonizador. 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 6 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 Fig. 1 “Outonal” – lead sheet 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 7 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 A harmonia tem como caracteristica marcante as mudanças passageiras de tons, chamadas de tonicizações16. Na música acontecem tonicizações simétricas por 3as menores, que resultam na distância entre as fundamentais um arpejo diminuto (Eb, Gb, A e C ou nos relativos Cm, Ebm, F#m, Am) conhecidos como eixos simétricos axiais. O sistema axial foi descoberto em algumas obras de Béla Bartók por Ernö Lendvai, em seu livro Béla Bartók: Un análisis de su música, principal bibliografia para o estudo desse sistema. O sistema axial considera algumas propriedades essenciais da harmonia clássica como: estrutura tonal funcional (tônica, subdominante e dominante), relação entre as tonalidades relativas maior e menor, a relação dos harmônicos, o papel das notas de atração, a tensão oposta de dominante e subdominante, a dualidade dos princiṕios tonais e de distância.(MULLER,2013,p.16) Ver(LENDVAI 2003, p.11) Essa mesma simetria de acordes por 3as menores é encontrada na composição Chorinho pra ele de Hermeto Pascoal,17 mais precisamente em um trecho na parte B. Abaixo exemplo gráfico do eixo simétrico por terças menores: Fig. 2- Sistema axial 16 Termo usado pelo professor Claudio Leal Ferreira para as mudanças de eixos tonais, passageiras, dentro da mesma parte /sessão de uma música. Estudos iniciais apontam para o fato do termo tonicização ter a mesma origem de tonicalização, cunhado e difundido a partir dos escritos do musicólogo Henrich Schnker e presentes em trabalhos de músicos teórico-práticos do jazz, como Teddy Green. Ver CORDEIRO, 2019 17 Compositor e multi instrumentista brasileiro consagrado mundialmente com o qual Arismar já tocou e fez tours pela Europa. Ver https://www.youtube.com/results?search_query=hermeto+arismar+nene Acesso em 04/08/2020. Ver Tiné, Procesos creativos en arreglos y composiciones musicales del género Choro para Jazz Band/Orquesta Típica 2016, 6 e 7. https://www.youtube.com/results?search_query=hermeto+arismar+nene 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 8 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 Existem tambêm as modulações pelo eixo simétrico por 3as maiores, que resultam em um arpejo aumentado (Exemplo- C, E, G#). A harmonia desenvolvida por John Coltrane (1926-1967) em diversas músicas que foi consagrada como Coltrane changes18 segue o eixosimétrico de tonicizações por 3as maiores. Ver Giant steps19. Abaixo exemplo gráfico do eixo simétrico por terças maiores: Fig. 3- Eixo simétrico por terças maiores- funções tonais Aspectos importantes na sonoridade e na construção harmônica de Outonal são as inversões de baixos. Elas aparecem logo no primeiro acorde da música, onde podem ser analisadas como Ebm(maj7)/Gb indo para Ebmaj7/G, já havendo o intercâmbio modal entre o tons menor e maior apenas com o movimento do baixo nas 3as. Tambêm é possivel analisar esses mesmos acordes como sendo Cm9/F#, uma tétrade menor com nona (sem a fundamental nem a quinta) com o baixo não diatônico20 que resolve pro baixo diatônico Cm7/G, agora com a 5aj mas ainda sem a fundamental dó no acorde. Acredito ser mais correta a cifra da inversão com os baixos nas terças pois elas não presupõem omissão de notas do acorde. Mas são opcões e vale lembrar que na partitura da música usada pelos músicos que tocaram gravação, na cifra está Cm9/F#, Cm9/G. O efeito de tensão/relaxamento do baixo 18 Rearmonizações consagradas por Coltrane das cadências II/V/I e I/II/V, com tonicizações pelo ciclo simétrico por 3as maiores, gerando uma tríade aumentada entre as distâncias dos eixos. Ex.: Dm7 Eb7 / Abmaj7 B7/ Emaj7 G7/ Cmaj7 / - rearmonizando Dm7 / G7 / Cmaj7 / Cmaj7. 19 Nome da música e do álbum lançado em 1960, onde o compositor explorou e consagrou os limites do Coltrane changes. 20 Baixo não diatônico com relação a tríade do acorde. No caso o baixo está na 4ª aumentada em uma tríade menor, e resolve na 5aj na sequência. A escala para esse acorde com baixo não diatônico é a Dom dim. Ver TINÉ, Harmonia, 2011, pags. 114,115, 116. 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 9 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 que sobe cromático ascendente acontece, seja interpretando o baixo como a 3a menor indo pra 3a maior ou da 4a aumentada(não diatônico) para a 5aj. Abaixo seguem os voicings dos primeiros acordes: Ebm(maj7)/Gb ou Cm9/F# para Ebmaj7/G ou Cm9/G Fig 4 - Voicings Os efeitos dessas inversões ocorrem em três tons simétricos por 3as menores (Eb ou Cm, Gb ou Ebm, A ou F#m). Do primeiro ao quarto compasssos ocorrem duas cadências simétricas por 3as menores: Ebm(maj7)/Gb ou Cm9/F# para Ebmaj7/G ou Cm9/G e F#m(maj7)/A ou Ebm9/A para Gbmaj7/Bb ou Ebm9/Bb; do compasso 9 ao 12 ocorrem ainda cadências simétricas por 3as menores: F#m(maj7)/A ou Ebm9/A para Gbmaj7/Bb ou Ebm9/Bb que segue para Am(maj7)/C ou F#m9/C para Amaj7/C# ou F#m9/C#. Nota-se no compasso 6 a resolução harmônica no eixo tonal em Ré bemol e no compasso 14 a resolução harmonica no eixo tonal em Mi. A distância entre esses tons (Ré bemol(Dó#) e Mi) é de uma 3a menor, seguindo a mesma lógica simétrica. As resoluções harmônicas para esses repousos são feitas cadencialmente através do acorde com funcão VII7 que resolve no I, com resolução especial do trítono, que resolve na 3a e na 5a do acorde de I.21 A melodia, de caráter cantável, tem o desenho pentatônico, contendo apenas intervalos de 3a menor, 2a maior e 4a justa. A tessitura é de uma 9a maior, indo do si4 ao do#6. Acontecem quatro pequenas frases melódicas de dois compassos nos oito primeiros compassos e essa mesma melodia se repete uma 3a menor acima do compasso 9 ao 16, seguindo a relação simétrica com a harmonia. O ultimo A do tema tem a mesma melodia do 21 VII7 vem do C.H. da Menor melódica(acorde 7(#9) ou m7(b5)). Na cadência resolve o baixo cromático ascendente Ex. B7/ C, tem a mesma função harmônica do Idim / I; O trítono tem “resolução especial”, resolvendo na 3ª e na 5ª do acorde. Essa função foi apontada e descrita pelo professor Claudio Leal Ferreira em suas aulas e não foi encontrada em nenhum método de harmonia. 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 10 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 primeiro A. Existem portanto as mesmas melodias, transpostas simétricas por 3as menores, nas partes A e B da composição. O ritmo da melodia tem um motivo recorrente que se inicia com uma tercina. Sendo aplicado num samba, que tem a subdivisão básica em semicolcheias, a tercina gera o efeito do 3 contra 4 (ou 2), fator fundamental na poliritmia essencial 3X2, frequente na música popular feita nas Américas22. O acompanhamento rítmico-harmônico tanto do violão como do bandolim seguem padrões e variações de timelines ou claves23 que são aplicadas frequentemente no samba e no choro. Considerações finais: Na análise de apenas uma música do compositor multi-instrumentista pode se notar a forma(ABA’) e o formato(tema/improvisos/tema/coda) simples, comuns e funcionais, somados a uma riqueza de aspectos harmônicos, incluindo as inversões de baixo e as mudanças de tons pela simetria do sistema axial. Isso vem acompanhado de uma melodia de caráter cantável, com desenho pentatônico e motivos ritmico-melódicos claros, além de um ritmo fluente de samba, sem as presenças de convenções, obrigações, preparações e finalizações. Há na composição aspectos tradicionais, de fácil comunicação, na forma, na melodia e no ritmo, que são contrastados e misturados com a harmonia, rica e sofisticada. Tradição e modernidade dialogam com respeito, liberdade e fluência no processo de criação, arranjo e execução do compositor multi-instrumentista autodidata. Referências: ARAGAO, Paulo. Considerações sobre o conceito de arranjo na musica popular. Cadernos do colóquio, Rio de janeiro, 2000. CAPORALETTI, Vicenzo. Uma musicologia audiotátil. Trad. Fabiano Araújo RJMA – Revista de estudos do Jazz e das Músicas Audiotáteis, Caderno em Português, no 1, 2018 de Recherche International sur le Jazz et les Musiques Audiotactiles (CRIJMA), Institut de Recherche en Musicologie (IReMus), Sorbonne Université, 2018. 22 Ver Sandroni, Feitiço decente, 2001, pag.18. 23 Ver Carvalho, 2010, pag. 4. 6º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2020 – ANAIS Artigo 11 Nas Nuvens... Congresso de Música: http://musica.ufmg.br/nasnuvens ISSN: 2675-8105 CARVALHO, José Alexandre. A utilização das linhas guia na performance e no Ensino da música brasileira. Pós-Graduação em Música Práticas Interpretativas SIMPOM: Subárea de Teoria e Prática da Execução Musica, Campinas, Unicamp, 2010. CARVALHO, José Alexandre. Os Alicerces da folia:a linha de baixo na passagem do maxixe para o samba. Dissertação de mestrado, Campinas, Unicamp, 2006. DOURADO, Henrique A. Dicionário de termos e expressões da música. São Paulo, Ed. 34, 2004. GOMES, Marcelo Silva. “As re-invenções e re-significações do samba no período que cerca a inauguração da bossa nova: 1952-1967”, Campinas, 2020. GUEST, Ian. Arranjo-volumes 2e 3, Lumiar editora, Almir Chediak, Rio de janeiro,1996. MÜLLER, Andreas Jonannes. “A ampliação composicional no rock por meio do uso do sistema “axial”, de técnicas de variação, da forma cumulativa e da série de Fibonacci”. Monografia para licenciatura em música pela UFPR, 2013. NETO, Luiz Costa Lima. “Da casa de Tia Ciata à casa da Família Hermeto Pascoal no bairro do Jabour: tradição e pós-modernidade na vida e na música de um compositor popular experimental no Brasil”. Música e cultura n° 3, UFSC, 2009. PIEDADE, Acácio. “Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades”. Opus,2005. PIEDADE, Acácio. “Perseguindo fios da meada: pensamentos sobre hibridismo, musicalidade e tópicas”. Per musi, Jun, 2011. RAUBER, Gustavo Luis. Percursos de aprendizagemde músicos multi instrumentistas: uma abordagem a partir da historia oral. Tese de Doutorado. Porto Alegre: UFRGS, 2017. SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917/1933. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: Ed. UFRJ, 2001. TINÉ, Paulo José de S. “Procesos creativos en arreglos y composiciones musicales del género Choro para Jazz Band/Orquesta Típica”. Revista Vórtex, Curitiba, v.4, n.3, 2016. TINÉ, Paulo José de S. Harmonia, fundamentos de arranjo e improvisação, Rondó, Fapesp, São Paulo, 2011.