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Carla Bertelli – 5° Período Extra APG 23 Esclerose Múltipla As doenças imunomediadas formam a categoria mais comum de doenças desmielinizantes, sendo que a esclerose múltipla (EM) é a mais prevalente entre essas doenças. A esclerose múltipla se caracteriza pela presença de sintomas recorrentes ou progressivos, desmielinização no SNC e disseminação de lesões no espaço e no tempo. A etiologia exata da esclerose múltipla é desconhecida, apesar de evidências substanciais que sugerem ser uma doença autoimune. A patologia demonstra que há infiltração de leucócitos em áreas desmielinizadas; há evidências de produção de imunoglobulinas específicas no SNC estimuladas por antígenos; e todos os tratamentos eficazes disponíveis de EM produzem efeitos imunossupressivos ou imunomoduladores. A infecção causada pelo vírus de Epstein-Barr está fortemente associada ao risco de esclerose múltipla, embora o papel do vírus na incidência da doença seja obscuro. A deficiência de vitamina D e o tabagismo podem agravar a doença. A prevalência de esclerose múltipla aumenta em parentes próximos de pacientes com EM, sugerindo a presença de um papel importante desempenhado por fatores familiares. Fisiopatologia – Acredita-se que a esclerose múltipla seja uma doença autoimune, ou pelo menos imunomediada, com fundamento em várias linhas diferentes de evidências. Assim como em muitas doenças autoimunes, o alvo antigênico da resposta autoimune é desconhecido, bem como os fatores predisponentes subjacentes e os estímulos desencadeadores imediatos da atividade da doença. O papel desempenhado pelas células T vem sendo foco de muita atenção, sendo que foi proposto um papel patogênico para as células auxiliares tipo 1 (Th1) ou, mais recentemente, para as células Th17. As células B também têm uma participação importante e cada vez mais valorizada. Possivelmente haja também um componente degenerativo na esclerose múltipla, principalmente em uma fase mais avançada da doença, quando a inflamação pode ser mínima, enquanto o processo de incapacitação continua a progredir. O exame macroscópico mostra que, nos casos de EM, o cérebro apresenta inúmeras placas endurecidas na substância branca, que deu origem ao termo “esclerose múltipla”. Usualmente essas placas são polivenulares. Elas podem ocorrer em qualquer local onde houver mielina, porém as localizações típicas são ao redor dos ventrículos, na substância branca subcortical imediata, nos nervos ópticos, no tronco cefálico e na medula espinhal. Um trabalho recente mostrou a importância e a abundância de lesões na substância cinza. Os exames microscópicos mostram que as placas ativas contêm infiltrados celulares de células T, células B e fagócitos com perda de mielina e com preservação dos axônios. As lesões crônicas apresentam escassez de infiltrado celular imune, com astrocitose e gliose. A transecção de axônios é comum, mesmo que eles sejam relativamente preservados em comparação com a mielina. Estudos patológicos cuidadosos mostraram que há padrões patológicos distintos nas lesões causadas por EM, sendo que alguns indivíduos têm uma deposição mais extensiva de imunoglobulina e de complemento ativado, sugerindo que há uma heterogeneidade na imunopatogênese subjacente. Diagnóstico – O diagnóstico de esclerose múltipla deve ser feito por médicos especialistas e exige a confirmação de lesões múltiplas no SNC, com disseminação no espaço e no tempo. A presença de lesões deve ser evidente em mais de um local no SNC e devem ocorrer mais de uma vez. Inúmeros critérios diagnósticos foram propostos ao longo dos anos. A Tabela 2 apresenta uma lista dos critérios mais recentes. Os critérios mais antigos consideravam somente os sintomas e as descobertas clínicas, enquanto que os critérios atuais incorporam descobertas de IRM e, em alguns casos, permitem fazer o diagnóstico no momento do primeiro episódio clínico. Levando-se em consideração que não há nenhuma descoberta clínica patognomônica ou teste laboratorial, é imprescindível avaliar as evidências com muita cautela e, com frequência, o diagnóstico é feito alguns meses ou alguns anos após os sintomas iniciais. Outras doenças com apresentação semelhante devem ser excluídas por testes laboratoriais apropriados. Diagnóstico Diferencial – O diagnóstico diferencial de esclerose múltipla pode ser bastante extenso e varia de acordo com a apresentação clínica da doença. Embora o número de doenças que causam recidivas agudas com melhora espontânea em adultos jovens seja limitado, há inúmeras considerações em relação à mielopatia progressiva em adultos mais velhos Extra APG 23 Carla Bertelli – 5° Período Fraqueza Muscular Secundária a Lesões do NMI Quando todas ou quase todas as fibras motoras periféricas que inervam um músculo são lesadas, todos os movimentos resultantes da ação desse músculo são comprometidos, incluindo os movimentos voluntários, posturais e reflexos. O músculo torna-se flácido (hipotonia ou atonia). As fibras musculares desnervadas evidenciam o processo de hipotrofia ou atrofia por desnervação (amiotrofia) e, por volta de 3 a 4 meses, o músculo fica reduzido a cerca de 20 a 30% do seu volume original. Os reflexos profundos estão diminuídos (hiporreflexia) ou, mais frequentemente, abolidos (arreflexia), pois há comprometimento da alça reflexa eferente. Esses achados (fraqueza, hipotonia ou atonia, hipotrofia e arreflexia) caracterizam a síndrome do neurônio motor inferior. Se existe comprometimento de apenas parte das fibras motoras, o músculo inervado demonstra fraqueza (paresia), hipotonia e atrofia menos marcantes que na lesão completa. A fraqueza associada ao neurônio motor inferior resulta, primariamente, de lesões que destroem ou comprometem a função de células no corno anterior da medula, ou de seus axônios que seguem pela raízes anteriores e nervos periféricos. Os sinais e sintomas apresentados variam de acordo com a localização específica da lesão. Nesse contexto, definir a presença ou ausência de alterações sensitivas concomitantes é fundamental na avaliação clínica. A combinação de fraqueza, hipotonia, arreflexia e alterações sensitivas indica envolvimento de fibras motoras e sensitivas no nível do nervo periférico ou nas raízes anterior e posterior da medula, simultaneamente. Se as alterações sensitivas estão ausentes, a lesão deve estar localizada no corno anterior da medula, nas raízes anteriores ou apenas nas fibras motoras dos nervos periféricos. Eventualmente, a distinção clínica topográfica entre corno anterior da medula e raiz anterior não é possível. Fraqueza Muscular Secundária a Lesões do NMS O trato piramidal pode ser acometido por lesões em qualquer nível do seu percurso, incluindo o córtex cerebral (corpo do neurônio motor superior), a substância branca subcortical, a cápsula interna, o tronco encefálico e a medula espinhal. As manifestações clínicas principais consistem em perda de movimentos voluntários ou comprometimento da integração dos movimentos, associados à atividade excessiva dos centros segmentares inferiores por desinibição. As formas mais comuns de comprometimento do trato piramidal incluem doenças cerebrovasculares, traumas, neoplasias, abscessos, doenças desmielinizantes, entre outras. A perda de movimentos voluntários nessa condição é acompanhada de aumento do tônus dos músculos envolvidos (hipertonia elástica ou espasticidade), embora possa haver algum grau de hipotonia na fase aguda da lesão. A espasticidade é mais acentuada nos músculos flexores e pronadores dos membros superiores e nos extensores dos membros inferiores. Ocorre o característico aumento de resistência ao movimento passivo, que é maior durante a tentativa deum movimento rápido, e pode ser seguido de súbita diminuição do tônus nos extremos dos limites do movimento (sinal do canivete). O padrão de apresentação de fraqueza produzida por uma lesão do trato piramidal varia de acordo com a sua localização específica, mas algumas características gerais podem ser enunciadas. A paresia tende a envolver extremidades inteiras ou determinados grupos musculares. Isso a diferencia de uma lesão do neurônio motor inferior, na qual o comprometimento da força envolve músculos inervados por uma estrutura específica, como raiz nervosa ou nervo periférico. Uma avaliação cuidadosa de um paciente com lesão do trato piramidal evidencia que nem todos os músculos do lado acometido estão envolvidos, mesmo no contexto de uma hemiplegia. Regiões nas quais os músculos têm inervação bilateral são poupadas, incluindo mandíbula, faringe, pescoço, tórax e abdome. Quando há comprometimento da face, a fraqueza limita-se à região inferior, embora ocasionalmente o fechamento das pálpebras possa estar ligeiramente enfraquecido. Assim como as regiões já citadas, o seguimento superior da face recebe inervação bilateral. Paresia facial que acomete as porções superior e inferior sugere lesão ipsilateral do neurônio motor inferior, no nervo facial ou em seu núcleo no tronco encefálico. As lesões do trato piramidal, em geral, não resultam em atrofia muscular grave e precoce, como aquela observada em lesões do neurônio motor inferior, mas pode haver alguma atrofia na fase tardia, ocasionada pelo desuso. Os reflexos profundos estão aumentados (hiperreflexia) e pode-se observar clônus. Surgem também, com frequência, diversos reflexos patológicos, como o sinal de Babinski. Esses achados (fraqueza, espasticidade, hiperreflexia e reflexos patológicos) Carla Bertelli – 5° Período caracterizam a síndrome piramidal ou do neurônio motor superior. Síndrome de Guillain-Barré A SGB é uma doença de caráter autoimune que acomete primordialmente a mielina da porção proximal dos nervos periféricos de forma aguda ou subaguda. Aproximadamente 60% a 70% dos pacientes com SGB apresentam alguma doença aguda precedente (1 a 3 semanas antes), sendo a infecção por Campilobacter jejuni a mais frequente (32%), seguida por citomegalovírus (13%), vírus Epstein Barr (10%) e outras infecções virais, tais como hepatite por vírus tipo A, B e C, influenza e vírus da imunodeficiência humana (HIV). Outros fatores precipitantes de menor importância são intervenção cirúrgica, imunização e gravidez. A maioria dos pacientes percebe inicialmente a doença pela sensação de parestesia nas extremidades distais dos membros inferiores e, em seguida, superiores. Dor neuropática lombar ou nas pernas pode ser vista em pelo menos 50% dos casos. Fraqueza progressiva é o sinal mais perceptível ao paciente, ocorrendo geralmente nesta ordem: membros inferiores, braços, tronco, cabeça e pescoço. A intensidade pode variar desde fraqueza leve, que sequer motiva a busca por atendimento médico na atenção básica, até ocorrência de tetraplegia completa com necessidade de ventilação mecânica (VM) por paralisia de musculatura respiratória acessória. Fraqueza facial ocorre na metade dos casos ao longo do curso da doença . Entre 5%-15% dos pacientes desenvolvem paresia oftálmica e ptose. A função esfincteriana é, na maioria das vezes, preservada, enquanto a perda dos reflexos miotáticos pode preceder os sintomas sensitivos até mesmo em músculos pouco afetados. Instabilidade autonômica é um achado comum, causando eventualmente arritmias relevantes, mas que raramente persistem após duas semanas. A doença usualmente progride por 2 a 4 semanas. Pelo menos 50% a 75% dos pacientes atingem seu nadir na segunda semana, 80% a 92% até a terceira semana e 90% a 94% até a quarta semana. Insuficiência respiratória com necessidade de VM ocorre em até 30% dos pacientes nessa fase. Progressão de sinais e sintomas por mais de 8 semanas exclui o diagnóstico de SGB, sugerindo, então, polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC). Passada a fase da progressão, a SGB entra num platô por vários dias ou semanas, com subsequente recuperação gradual da função motora ao longo de vários meses. Entretanto, apenas 15% dos pacientes ficarão sem nenhum déficit residual após dois anos do início da doença, e 5% a 10% permanecerão com sintomas motores ou sensitivos incapacitantes. A mortalidade nos pacientes com SGB é de aproximadamente 5% a 7%, geralmente resultante de insuficiência respiratória, pneumonia aspirativa, embolia pulmonar, arritmias cardíacas e sepse hospitalar. Os fatores de risco para um mau prognóstico funcional são idade acima dos 50 anos, diarreia precedente, início abrupto de fraqueza grave (menos de 7 dias), necessidade de VM e amplitude do potencial da condução neural motora menor que 20% do limite normal. O prognóstico motor é melhor nas crianças, pois necessitam menos de suporte ventilatório e recuperam- se com maior rapidez. Recorrência do episódio pode ocorrer em até 3% dos casos, não havendo relação com a forma de tratamento utilizada na fase aguda, conforme se acreditava. Diagnóstico – O diagnóstico da SGB é primariamente clínico. No entanto, exames complementares são necessários para confirmar a hipótese diagnóstica e excluir outras causas de paraparesia flácida. Diagnóstico Clínico: Os pacientes com SGB devem obrigatoriamente apresentar graus inequívocos de fraqueza em mais de um segmento apendicular de forma simétrica, incluindo musculatura craniana. Os reflexos miotáticos distais não podem estar normais. A progressão dos sinais e sintomas é de suma importância, não podendo ultrapassar 8 semanas e com recuperação 2-4 semanas após fase de platô. Febre e disfunção sensitiva são achados pouco frequentes, devendo levantar suspeita de uma etiologia alternativa, de causa provavelmente infecciosa. Diagnóstico Laboratorial: Análise do líquido cefalorraquidiano (líquor): Elevação da proteína no líquor acompanhada por poucas células mononucleares é o achado laboratorial característico, evidente em até 80% dos pacientes após a segunda semana. Entretanto, na primeira semana, a proteína no líquor pode ser normal em até 1/3 dos pacientes. Caso o número de linfócitos no líquor exceda 10 células/mm3, deve-se suspeitar de outras causas de polineuropatia, tais como sarcoidose, doença de Lyme ou infecção pelo HIV. Diagnóstico eletrofisiológico: A SGB é um processo dinâmico com taxa de progressão variável. O ideal seria reexaminar o paciente após a primeira semana do início dos sintomas, Carla Bertelli – 5° Período quando as alterações eletrofisiológicas são mais evidentes e mais bem estabelecidas. É importante salientar que a ausência de achados eletrofisiológicos dentro desse período não exclui a hipótese de SGB. No entanto, a exploração eletrofisiológica faz-se necessária para a exclusão de outras doenças neuromusculares causadoras de paraparesia flácida aguda. Na condução neural motora, os marcos eletrofisiológicos de desmielinização incluem latências distais prolongadas, lentificação de velocidades de condução, dispersão temporal, bloqueio de condução e latências da Onda-F prolongadas, todos esses parâmetros geralmente simétricos e multifocais. Esclerose Lateral Amiotrófica A ELA, também conhecida nos Estados Unidos como doença de Lou Gehrig, caracterizase por paralisia progressiva marcada por sinais de comprometimento do NMS e do NMI. É a forma mais comum de DNM e, frequentemente, o termo ELA é utilizado indistintamente para as outras formas de DNM. O diagnóstico deve ser suspeitadoquando há envolvimento clínico e eletroneuromiográfico do neurônio motor inferior, alterações eletroneuromiográficas do tipo neurogênicas em músculos clinicamente normais, sinais de envolvimento do neurônio motor superior e caráter progressivo da doença. No quadro clínico, não se enquadram comprometimento sensitivo, autonômico ou visual, assim como parkinsonismo. O diagnóstico é apoiado por presença de fasciculações em uma ou mais regiões e velocidade de condução normal e sem bloqueio de condução na eletroneuromiografia (ENMG). Sob uma forma geral, verifica-se que o sexo masculino é mais comprometido que o feminino em uma proporção de 3:2, e os brancos são mais afetados que os negros, com idade média de início dos sintomas aos 57 anos, um pouco mais precoce nos homens. Cerca de 4 a 6% dos casos afetados são pessoas com menos de 40 anos. A forma esporádica é a forma mais comum dessa doença, contabilizando cerca de 90% de todos os casos. A ELA familiar tem a forma de herança autossômica dominante, e o quadro clínico é indistinguível da forma esporádica. A causa da ELA não é totalmente esclarecida. Os trabalhos epidemiológicos, sobretudo os experimentos com modelos animais, têm permitido concluir que a doença se relaciona com a presença de algum fator genético e a sua expressão clínica estaria relacionada com a exposição desse indivíduo, marcado geneticamente, a algum fator, ou fatores, que funcionariam como gatilho para o desencadeamento do processo de degeneração do motoneurônio. Dentre os gatilhos, destacam-se: processo inflamatório, atividade física, exposição a agentes tóxicos (endógenos – do próprio indivíduo; ou exógenos – produtos do meio ambiente).