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92 Thiago Coelho (@taj_studies) CADERNO – DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – THIAGO BORGES 2022.2 AULA 01 – APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 1. Observações iniciais: O conteúdo de Direito Internacional Público é muito amplo, sendo necessário, portanto, selecionar os aspectos mais importantes devido à inexistência de Direito Internacional Público II; É uma disciplina que mexe com a ideia interna de direito construída ao longo dos primeiros semestres do curso; Temas como tratados, migração, organizações internacionais, território serão contemplados pela matéria; Avaliações: 23/09 e 25/11; Bibliografia: MAZZUOLI, Valério: Curso de Direito Internacional Público (mais completo, porém pouco crítico); ACCIOLY, NASCIMENTO e SILVA, BORBA CASELLA - Manual de Direito Internacional Público; REZEK FRANCISCO – Direito Internacional Público: Curso Elementar; 2. O que não é o Direito Internacional? Não corresponde a um direito de outros países nem um direito comparado (técnica jurídica). A matéria que se dedica ao direito de outros países trata-se do Direito Internacional Privado. Ex: Um brasileiro casou com uma italiana na França e lá tiveram filhos. Depois se separaram. Qual o regime de bens aplicável a esse caso concreto?). 3. O que é o Direito Internacional? (Noções introdutórias) Trata-se de um direito que se aplica às relações internacionais. 93 Thiago Coelho (@taj_studies) O Direito Internacional apresenta suma importância tendo em vista que vivemos em uma sociedade mundial. É comum associamos, atualmente, a ideia de mundo à ideia de planeta. Entretanto, a concepção de mundo hoje não é a mesma do período anterior às Grandes Navegações, momento em que predominava a crença de que a Terra é plana (apesar de, incrivelmente, hoje existirem defensores dessa corrente). Destarte, o conhecimento nos permite entender o que é o mundo. A noção de mundo enquanto planeta pode ser questionada, como, por exemplo, através da indagação: pessoas que trabalham no espaço sideral, estão no mundo? Mundo pode ser compreendido como um lugar onde os seres se relacionam (lado relacional). A concepção de mundo está vinculada à subjetividade dos indivíduos. Ex: O coronavírus pode ter existido muito antes de 2020, entretanto, só entrou no nosso mundo nesse ano em virtude do caos pandêmico dele proveniente. Contingência trata-se de um fenômeno que é de uma forma em determinado momento histórico, mas que poderia ser de outra forma. Os Estados, a título exemplificativo, se sobrepuseram como forma de organização política no período de transição da Idade Média para a Idade Moderna. A igreja, mais forte instituição durante o período medieval, perdeu prestígio a partir da Idade Moderna. Qualquer entidade política que não se submete ao Estado é vista como ilícita (ex: Estado Islâmico, Al Qaeda e demais grupos fundamentalistas). Os grandes rivais dos Estados, hoje, são as empresas, concebidas a partir do Estado e que se tornaram a principal ameaça ao poder estatal. Essa perspectiva corrobora a visão de que o Estado se sobrepõe a todas demais formas de organização política, sendo detentor do exercício da força. É isso que significa ter o poder político – o poder de decidir, e quem decide é quem tem a força. A humanidade, ao perceber a limitação comunicativa, evoluiu para explicá-la de maneira fracionada. Uma das formas de explicar e entender a sociedade consiste na Ciência Política (lógica do poder e do não poder – quem tem o poder quer ficar; quem não tem, quer adquirir). Outra forma de entender a sociedade é o Direito a partir do binarismo entre lícito e ilícito. Sociedade é uma complexidade mundial, uma vez que os comportamentos humanos são mundiais, e pode ser analisada por diversas perspectivas – podendo ser explicada de forma fragmentada a partir de cada ramo do conhecimento. O nosso foco é a explicação a luz do 94 Thiago Coelho (@taj_studies) Direito, mas entendendo que este apresenta um caráter interdisciplinar com a Sociologia, Economia, Antropologia, Psicologia, etc. O cumprimento de normas jurídicas pode ocorrer sem a convicção de se estar cumprindo uma norma jurídica. Por exemplo: A segura a porta do elevador por um tempo esperando B. B demora de aparecer e A resolve soltar a porta, imaginando que outros condôminos pretendem usar o meio de transporte. A agiu de forma ética, cumprindo uma norma, sem pensar que poderia ser multado pela conduta de prender a porta do elevador. O descumprimento do Direito pode provocar uma consequência que decorre da exclusividade do uso da força pelo Estado. Nós atrelamos o Direito ao Estado. Quando pensamos sobre o Direito e tomamos a decisão de não agir ilicitamente, temos consciência, em um número significativo de ocasiões, da presença de sanções caso descumpríssemos uma norma. O Estado corresponde a um “terceiro sempre presente”. Nas relações internacionais (entre Estados), não há esse terceiro que pressiona os Estados a agirem conforme o Direito Internacional, o que gera instabilidade e incerteza quanto ao cumprimento deste ramo jurídico. A partir daí emerge a noção de cooperação (bloqueios econômicos, proibições de comércio e demais medidas coercitivas). Todavia, nem sempre isso é suficiente para garantir o cumprimento do Direito Internacional. Otfried Hoffe propôs, tecnicamente, a criação de uma República Mundial (como seria se fosse criado? – exercício mental muito interessante). O Direito Internacional apresenta sanções diferentes em comparação ao Direito Nacional. Aqui (Direito Interno) há a predominância das penas restritivas de liberdade. É importante se pensar em estratégias para evitar que o ser humano seja motivo de autodestruição. A título exemplificativo podem ser citados os impactos ambientais irreversíveis provenientes do lançamento de bombas atômicas. O Direito Internacional se relaciona com a Política Internacional. As relações internacionais têm como um dos propósitos manter a estabilidade mundial com o fito de evitar um estado de coisas mais grave. O Direito coloca limites ao poder político e nos proporciona algum nível de emancipação, ou seja, agregar novas demandas da sociedade por meio do Direito, o que amplia o acesso das pessoas aos seus interesses. 4. Questionamentos: 95 Thiago Coelho (@taj_studies) O que leva um Estado a assinar um tratado sobre direitos humanos que prevê mecanismos jurisdicionais para julgá-lo caso ele descumpra os postulados? Por que o Brasil se interessou pelo Pacto de San Jose da Costa Rica? Os Estados assinam pois tais assinaturas são marcos civilizatórios, reconhecendo os limites mínimos de respeito ao ser humano e evitar, por conseguinte, descer do marco civilizatório, estando passível de punição no caso de descumprimento. Hoje, de acordo com Thiago Borges, dificilmente a Declaração Universal de Direitos Humanos seria assinada por diferenças no que tange ao consenso da época. Ela foi assinada em 1948 em um período de tensão mundial e choque coletivo em virtude dos ocorridos na 2ª Guerra Mundial. 5. A história do Direito Internacional e o Direito Internacional na história: O Direito Internacional trabalhado na disciplina é o moderno, ou seja, aquele que envolve Estados. Alguns autores apontam para o surgimento do Direito Internacional nos períodos anteriores – como a Idade Média. Thiago Borges discorda dessa perspectiva, considerando a existência de outras formas de organização política antes da modernidade distintas da concepção de Direito Internacional que temos atualmente. Antiguidade: Na Grécia Antiga, o asilo consistia na forma de representar o domínio de um líder sobre outro e, consequentemente, sobre o povo deste. O asilo, hoje, é visto como um local de acolhimento àqueles perseguidos politicamente. Durante a Grécia Antiga, existia,também, uma norma moral que era a obrigação de declarar guerra (a guerra não declarada vencida era desprestigiada – ex: a Guerra de Troia). As origens do Direito Internacional vão se encontrar em vários elementos do passado, mas, efetivamente, o Direito Internacional como concebemos hoje só existiu a partir das relações internacionais. Tais relações internacionais surgiram lentamente. Existia também a figura do mensageiro (semelhante ao diplomata atual), o qual não podia ser preso em território estrangeiro e era responsável por avisar sobre o começo de guerras. Idade Média: 96 Thiago Coelho (@taj_studies) Com o fim do império, o poder se dissipa na Idade Média (relações de suserania e vassalagem, reinos, feudos, etc). Passa a existir um “direito internacional” em virtude da inexistência de centralização política e, nesse cenário, a Igreja Católica se torna a instituição mais rica e poderosa da Alta Idade Média (séc. V-X d.C). Por volta dos anos 800, a igreja cria um império para ser o seu órgão – O Sacro Império Romano-Germânico, nomeando Carlos Magno como primeiro imperador. Antes era a igreja do império; agora se tem um império da igreja. Esse império, fortalecido pelo poder da igreja, passa a ser dominante. Em inúmeras vezes na história, passam a existir tensões entre o papa e o imperador. Os reinos, nessa conjuntura, passam a se fortalecer, uma vez que se aproveitavam do desvio de foco. No meio dessas crises, a Igreja resolve bancar o Reino de Castelo e Aragão para que este se fortalecesse e confrontasse o império. Transição para a Idade Moderna: No ataque ao Condado Portucalense, os espanhóis são derrotados e o reino de Portugal é proclamado. No reino de Portugal, os portugueses passaram a não se submeter a nenhum outro poder (nem o espanhol, nem o sacro império, nem a igreja). Poucas décadas depois, o Reino de Castelo e Aragão se torna o reino de Espanha. Nesse período, surgem os primeiros Estados Nacionais. Tais Estados, por mais que estivessem vinculados à igreja, não aceitaram mais a submissão ao poder imperial. O Direito Internacional assume papel importante, por exemplo, para legitimar avanços imperiais dos Estados que, outrora, haviam se defendido de avanços imperiais (vide o colonialismo e o neocolonialismo) – e até hoje é assim. O Direito Internacional começa a surgir não por conta de uma decisão deliberada, mas por causa de uma necessidade relacionada à intensificação da comunicação entre os Estados. Visa-se, de forma costumeira, a regular as relações entre os Estados. O Direito Internacional é fruto do processo político-histórico ocidental e que passa a se estender para além do Ocidente. O Tratado de Westfallen: Costuma-se dizer que o momento de consolidação do Direito Internacional seria em 1648 com a assinatura do Tratado de Westfallen, o qual teve como um dos principais expoentes Hugo Grócio. O Tratado de Westfallen selou o término da Guerra dos 30 anos (católicos x protestantes). 97 Thiago Coelho (@taj_studies) No preâmbulo do Tratado de Westfallen e no dos tratados subsquentes, os Estados reconheceram o princípio da igualdade jurídica, pautado em um respeito mútuo entre os países. Considera-se, por essa razão, que o Tratado de Westfallen é um marco na criação do Direito Internacional. O período posterior ao diploma citado é considerado pelos historiadores como a paz de Westfallen devido à diminuição expressiva das guerras entre os Estados. O absolutismo moderno: A burocracia se destacou na França, através de Luís XIV, o qual “domesticou” os nobres para que estes passassem a servir ao governo e não contrariá-lo. Luís XIV foi um rei muito forte, absolutista e controlador, tornando-se um referencial do absolutismo. Ele oprimiu, durante décadas, a burguesia (extremamente espoliada e sem participação nas decisões políticas). O absolutismo se destacou na França, porém o cenário foi diferente no Reino Unido. No Reino Unido houve uma ruptura do rei da Inglaterra com a Igreja Católica, culminando no Anglicanismo. A Espanha, um reino muito forte e poderoso, se arma para, com o apoio da igreja, invadir a Inglaterra. A Inglaterra, visando a fortalecer seu exército, precisava de dinheiro. O rei inglês faz um acordo com a burguesia (Bill of Rights), contendo, entre outros pontos importantes, o princípio da legalidade a criação da Câmara dos Comuns (ocupada pela burguesia, a qual passa a participar do processo legislativo). A Era Napoleônica: A Revolução Francesa ocorre 100 anos depois do Bill of Rights, aguardando a burguesia francesa muito mais tempo para participar da política local. A burguesia se fortaleceu e, portanto, tomou o poder da França. Depois da Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte se autoproclamou imperador e expandiu o seu império. A expansão francesa capitaneada por Bonaparte rompe com a paz de Westfallen. Quando Napoleão é derrotado, em 1815, ocorre o Congresso de Viena, marcado a fase de amadurecimento do Direito Internacional (século XIX). Viena consistia no centro do império austro-húngaro, que havia sido derrotado por Napoleão. Após a derrota de Napoleão, os reis retomam o poder e formam a chamada Tríplice Aliança, que passaria a se chamar tetra devido à entrada do Reino Unido. 98 Thiago Coelho (@taj_studies) Esse grupo deixou pouco em virtude das marcas do Liberalismo deixadas por Napoleão. Tanto a Prússia quanto o Império Austro-húngaro não duraram muito, com exceção para o Império Russo, o qual sobreviveu até a Revolução Bolchevique de 1917 (século XX). As revoluções burguesas implicaram a redução do poder da Igreja sobre os Estados e promoveram o fim progressivo do absolutismo, com a introdução do Estado de Direito (Rule of law). Os ideais burgueses também fomentaram os processos de independência das colônias americanas, a proibição do tráfico de pessoas e a liberdade de navegação. Como resposta às invasões napoleônicas, os Estados estabeleceram os princípios da não intervenção e da autodeterminação dos povos. Emergem o Estado alemão e os Estados do Leste Europeu (Romênia, Tchecoslováquia,...). A sociedade internacional, nesse contexto, se torna maior, contemplando todos os Estados americanos, os Estados europeus recém-formados, Estados africanos (Egito, Quênia...) e Estados asiáticos (China...) A França reconheceu a Independência dos Estados Unidos com o intuito de enfraquecer a rival Inglaterra na Guerra dos 100 anos. O século XIX é um “boom” para o Direito Internacional, o qual passa a ter a positivação das suas normas. Ocorre, portanto, a sofisticação do Direito Internacional, até então consuetudinário. 6. Postulados do Congresso de Viena (1815): Princípio da autodeterminação dos povos: Cada Estado é livre para escolher a sua história e o seu caminho; Princípio da não intervenção: Não podem ser criados partidos de um Estado em outro país (por exemplo, um partido para defender os interesses dos Estados Unidos no Brasil); Princípio da proteção do território: Desdobramento do princípio da não intervenção para garantir a soberania dos Estados; Princípio da liberdade de navegação: Importante para conter ataques a embarcações de outros países; Proibição do tráfico de pessoas: Apresenta uma perspectiva humanista, entretanto, não foi o interesse inglês tal viés com a proibição do tráfico de pessoas, mas, 99 Thiago Coelho (@taj_studies) econômico. No Brasil, tal proibição foi materializada pela Lei Eusébio de Queirós (1850), embora a escravidão tivesse perdurado mais; Classificação dos agentes diplomáticos: Importante para acelerar (aumentar o fluxo) a comunicação pacífica entre os povos, com o intuito de evitar conflitos; Apesar dos intensos debates políticos, o século XIX foi marcado, no geral, pela ausência de conflitos e pacificação.O Direito Internacional passa a ser concebido como um direito para dividir poder entre os Estados: ilustrada pela “fatiação” da África no século XIX, o que culminou em guerras civis (consequências) até os dias atuais. Para a próxima aula: Surgimento da ONU. Referências: STICHWEH, Rudolf. Sociedade Mundial – artigo; John Adams – série HBO (2008); AULA 02 - HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNACIONAL NA HISTÓRIA 1. A história do Direito Internacional moderno: A Primeira Guerra Mundial: 100 Thiago Coelho (@taj_studies) O século XIX foi um período de grande estabilidade na Europa em virtude da ausência de grandes conflitos. Houve, nessa época, a formação geográfico-política quase idêntica a que presenciamos na atualidade. No século XIX, ocorreu a ascensão do sentimento nacional – Nacionalismo – em vários países. Essa distinção entre “nacional” e “estrangeiro” tornou-se mais forte após a Revolução Francesa. O Nacionalismo é uma espécie de individualismo (egoísmo) – “se há poucos recursos disponíveis, lutarei para meu povo ser agraciado antes e não outro”. Alguns artigos do início do século XX mencionavam um patamar de desenvolvimento da humanidade, em virtude de um grau de racionalidade jamais atingido por outro ser. Momentos antes da tragédia acontecer. A morte do arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinand ascendeu o barril de pólvora que era a Europa no início do século XX. O império austro-húngaro resolveu revidar ao “atentado” e se iniciou um conflito para além dos limites da Europa. A Primeira Guerra Mundial representou a grande frustração histórica do processo de crescimento da consciência humana. Tudo o que foi acertado no Congresso de Viena, praticamente 100 anos depois, vem a ruir. A Primeira Guerra Mundial foi uma guerra muito desgastante, tendo em vista que o avanço era muito lento já que demandava tempo para a construção das trincheiras. Ao final da guerra, foi assinado o Tratado de Versalhes, que proporcionou avanços consideráveis, inaugurando a institucionalização da sociedade internacional visando a potencializar as relações internacionais, acelerando e aprimorando a comunicação entre os Estados. No primeiro momento, essas Organizações Internacionais foram mal organizadas. Foi criada a OIT (Organização Internacional do Trabalho) em 1919, a qual entrou em funcionamento em 1920. Durante a guerra ocorreu um grande evento político-mundial – a Revolução Russa em 1917 – que representou um verdadeiro choque para os europeus em meio ao caos da Primeira Grande Guerra. Passa-se a evitar convulsões sociais (rebeliões), assegurando condições de trabalho dignas aos homens. A Constituição de Weimar (século XX) marca a ascensão dos direitos sociais na Alemanha (2ª dimensão dos direitos fundamentais) a partir do cunho intervencionista do Estado, a fim de garantir direitos até então privados – como a saúde e educação. A Segunda Guerra Mundial: O final da Primeira Guerra Mundial deixou rastros importantes. A Alemanha, saída como grande culpada pelo conflito, foi extremamente punida e humilhada pelo Tratado de Versalhes, sendo as principais consequências: 101 Thiago Coelho (@taj_studies) Obrigada a pagar indenizações a todos os demais países envolvidos na guerra; Proibida, por 10 anos, a manter um exército próprio; Empobrecimento em massa do povo generalizado alemão. Nesse cenário de crise econômica, política e social, surge o Nazismo. A ausência de perspectiva fez com que o sentimento ultranacionalista crescesse de forma significativa, passando-se, assim, a culpar os outros pelo conflito, gerando um sentimento de vingança. O Nazismo se aproveitou, portanto, desse sentimento de revanche inerente à população alemã para crescer e se consolidar. Hitler reinstaura o Reich alemão, reestabelecendo um sentimento imperial alemão, o que violou veementemente os pressupostos do Direito Internacional – como o reconhecimento recíproco entre os Estados. O Nazismo inicia, nessa conjuntura, seu processo expansivo, visto com certa parcimônia pelos demais Estados, muito em razão do desgaste proveniente do conflito recente. A Alemanha “invadiu” a Áustria e posteriormente, de fato, a Tchecoslováquia e a Polônia. A partir daí a situação fica mais séria, já que a Polônia sempre foi um território de influência dos russos. Hitler e Stálin firmam o Pacto de Não Agressão. Em seguida, grande parte da França foi anexada à Alemanha. Frustra-se o que se tentou fazer ao final da Primeira Guerra Mundial (grande parte foi ineficiente). A Liga das Nações foi criada através de um ideal de unanimidade, isto é, de que os Estados conseguiriam chegar a consensos unânimes (uma grande utopia). Esse fato de ter sido a unanimidade a metodologia escolhida pela Liga das Nações engessou a instituição devido às frequentes discordâncias entre os seus membros. A organização nunca deslanchou e não atingiu nem a marca de 40 países-membros. Foi criada, também, a Corte Permanente de Justiça Internacional, que funcionava na Haia (Holanda). Foi no Congresso Haia que Ruy Barbosa, diplomata brasileiro, fez um dos discursos mais marcantes da história. Com o fim da 2ª Guerra Mundial, os Estados se reuniram em prol de uma nova tentativa de consolidar o Direito Internacional. Em 1942, ainda no período da guerra, foi assinada, por 51 países, a Declaração das Nações Unidas. Em 1945, após o término do caos (em virtude do lançamento das bombas atômicas no Japão – nas cidades de Hiroshima e Nagasaki), foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) e, em 1948, a Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU – uma das grandes conquistas da humanidade. Tais conquistas só acontecem em momentos de crise profunda, já que há raros consensos. A título exemplificativo pode-se citar a promulgação da Constituição Federal de 1988 após duas décadas de Ditadura Militar no Brasil. 102 Thiago Coelho (@taj_studies) A carta da ONU representou a perspectiva de que é possível a chegada de consensos entre os Estados. A Guerra Fria: Inicia-se o período conhecido como Guerra Fria, marcado pela bipolarização entre Estados Unidos e União Soviética – e a ONU no meio. O Conselho de Segurança da ONU foi criado com o intuito de refletir a geopolítica. Constantemente ocorreu a possibilidade de conflito direto entre as duas superpotências mencionadas: Guerra do Afeganistão, Guerra do Vietnã, Crise dos Mísseis de Cuba, Guerra do Paquistão, Guerra do Iraque, ... Em 1989, ocorreu a queda do Muro de Berlim, que será tratado mais para frente. Nos eventos esportivos, como nas Olimpíadas de Seul (1988), era comum mencionar o caráter ideológico do país que o atleta fazia parte. Percebe-se, portanto, como a política, também, impacta no esporte. A ONU tem o grande êxito de controlar o choque entre EUA e URSS por 45 anos – até a dissolução da União Soviética no início da década de 1990. Passaram a surgir diversos pactos e tratados em prol dos direitos humanos – como as Convenções de Genebra, o Tratado de Não Discriminação, o Estatuto de Zapata, entre outros. O primeiro grande tratado de Meio Ambiente, fruto de iniciativa da ONU, foi o Tratado de Estocolmo (1972). O comércio internacional também se expandiu nesse período – através do GATT (acordo de tarifas), que proporcionou diversos encontros de países, até culminar na OMC (Organização Mundial do Comércio), uma das mais importantes da atualidade. Há uma proliferação de organizações internacionais: ONU, UNESCO, OMS, OMI, UIP, FAO, entre outras – podendo se afirmar que tais organizações consolidaram o Direito Internacional. 2. A ONU: A ONU teve papel fundamental no que tange ao processo de descolonização da África. Com a Carta das Nações, tornou-se proibida a noção de um país submeter outro a força. A ONU 103 ThiagoCoelho (@taj_studies) criou um órgão interno chamado de Conselho de Tutela para deliberar sobre a independência das colônias africanas (tendo o auge nos anos 60 e 70). A ONU teve que trabalhar muito pois a independência das colônias africanas desencadeou quadros marcados pela fome e pela instalação de guerras civis intensas – ex: Sudão, Somália, Ruanda, Mali, Chade, etc. A ONU teve papel crucial na estruturação desses países, sempre com a tentativa de democratizá-los, embora existam regimes ditatoriais até os dias atuais (vide Guiné Equatorial – dura mais de 60 anos). Outro papel que a ONU exerceu foi promover o desenvolvimento econômico-social dos Estados. A ONU tem um Conselho Econômico-Social voltado para promover o desenvolvimento, bem como o combate à fome e à pobreza nos países. A ONU, portanto, desempenha papel importante na estabilidade entre os Estados. Com o fim da Guerra Fria e com o empobrecimento da Rússia, os Estados Unidos se tornaram a única superpotência da década de 1990. Após o atentado de 2001, os EUA resolveram invadir o Afeganistão (“guerra ao terror”) e, de fato, derrotaram-no. Posteriormente, os EUA atacaram o Iraque. Os ataques de 11 de setembro foram utilizados pelos Estados Unidos como argumento para uma “legítima defesa prévia” contra o Afeganistão e contra o Iraque (2003). Observa-se que o atentado mencionado foi um crime realizado por uma organização criminosa, mas foi consolidada uma perspectiva de “guerra” ao terror para internacionalizar a questão da fragilidade estadunidense. O ataque estadunidense ao Iraque foi uma ferida no Direito Internacional por um dos Estados mais influentes. Fragilizou-se bastante as relações internacionais e a força da ONU foi colocada em cheque. Desde 2003 essa estrutura se mostra esgarçada, desgastada. O mundo precisa repensar as relações internacionais (reestruturar a ordem internacional) – seja criando novas instituições internacionais ou aperfeiçoando a ONU. Vive-se, nessas últimas duas décadas, uma crise institucional em virtude de problemas acentuados envolvendo migrações e guerras (como a Guerra da Síria, a Guerra da Iugoslávia, o conflito entre Rússia e Ucrânia), a construção de muros (EUA x México, Palestina...). A Guerra da Ucrânia revela todas as fragilidades deixadas pelo Ocidente sobre as relações internacionais. Tudo o que a Rússia alega – como a legítima defesa prévia, combate ao nazismo, defesa dos povos em outros países – já foi alegado pelo Ocidente outrora 104 Thiago Coelho (@taj_studies) (explicitado, sobretudo, no que concerne à Guerra do Iraque, no caso da Nicarágua e na questão de Kosovo). Vivemos, hoje, antes da Guerra da Ucrânia, uma crise muito forte das relações internacionais – ilustrada nos debates entre Estados Unidos e China sobre as disputas comerciais, debates que envolvem mensagens subliminares de ameaças. Recentemente, essa tensão parece ter sido mais inflamada após a identificação de um balão chinês sobrevoando o espaço aéreo estadunidense. Há suspeitas de que haja mecanismos de espionagem e de coleta de dados. Os Estados Unidos derrubaram o balão e a China alega que se tratar de um balão meteorológico que fora desviado por acidente (a destinação seria o Havaí). Os exercícios militares realizados pela Coreia do Norte no mar do Japão também geram atenção a nível internacional. Os Estados precisam se relacionar para lidar com problemas universais – como, por exemplo, a proliferação de notícias falsas (Fake news), que impacta, seriamente, na consolidação de Estados democráticos. 3. Direito Interno x Direito Internacional: A relação entre o Direito Interno e o Direito Internacional não se pode falar, verdadeiramente, em uma hierarquia. Cada Estado adota a sua forma de lidar com o Direito Internacional. Alguns países da Europa, como a Polônia, por exemplo, ainda consideram a Constituição própria acima da Constituição da União Europeia – o que tem gerado intensos conflitos. Na Europa, estabelece-se uma pirâmide didática, composta por: Direito Internacional, Direito Europeu e Direito dos Estados. Na América do Sul, no caso de países como o Brasil, os tratados que versam sobre direitos humanos são vistos como normas supralegais (acima das leis e abaixo da Constituição) entretanto, as decisões do STF ainda não são bem definidas neste âmbito. A Argentina, embora tão próxima do nosso país, apresenta uma forma completamente diferente de lidar com os tratados internacionais. A norma sobre direitos humanos, na Argentina, assim como na Colômbia, está acima da Constituição. Destarte, tem-se um impacto na segurança jurídica dos tratados. A humanidade não pode estar submetida à ideia nacionalista da soberania dos Estados – a qual gerou duas guerras devastadoras. Nesse sentido, há vantagens para se abrir mão da soberania estatal, em alguns aspectos, para aderir ao Direito Internacional. OBS: Países mais cooperativos tendem a ter mais força política internacional, ou seja, capacidade de diálogo. 105 Thiago Coelho (@taj_studies) O tratado não pode ser encarado como uma lei. Trata-se, assim, de um consenso cuja eficácia vai depender muito da construção de uma sociedade cooperativa, cada vez mais complicada de se constatar devido à existência de países com figuras centralizadoras no comando – como a Rússia. 4. Fundamentos do Direito Internacional (qual a obrigatoriedade do Direito Internacional?): O fundamento da obrigatoriedade do Direito é o uso da força, pois esse está atrelado a este. Caso um indivíduo descumpra um direito, é o Estado que utilizará as medidas coercitivas (força). No fim das contas, o Direito se impõe pelo uso da força. Nas relações internacionais, entretanto, como já afirmava Bobbio, não há o terceiro para impor a força. O fundamento do Direito Internacional, portanto, não é a força. Então, por que os Estados cumprem o Direito Internacional? Para aceitar participar da sociedade internacional porque esta traz algumas vantagens (ser tratado com igualdade, liberdade de navegação, autodeterminação dos povos, integridade territorial, não agressão, entre outros). Por outro lado, tem-se deveres inerentes à condição de participante da sociedade internacional – como a não agressão, a defesa do meio ambiente, o respeito aos direitos humanos, entre outros. Em síntese, os Estados têm ônus e bônus. Dessa forma, tem-se uma interdependência entre os países. Quanto menos cooperativo e isolado (vide a Coreia do Norte), menor é a participação do Estado nas relações internacionais. As sanções impostas à Rússia pelo Ocidente – muitas adotadas sem o devido processo legal - corroboram a tese de que a cooperação é a força possível para impor, de certo modo, o Direito Internacional. A discussão de fundamentos do Direito Internacional passa pela Filosofia do Direito. Referências: Filme – 1917; Documentário – Hitler, uma carreira; Para a próxima aula: Fontes do Direito Internacional. 106 Thiago Coelho (@taj_studies) AULA 03 – FUNDAMENTOS E FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL 1. Fundamentos do Direito Internacional: O paradigma jusnaturalista (Teoria do Direito Divino dos Reis e a crença de que a soberania deveria se concentrar em uma só pessoa) passou a ser modificado a partir do século XIX, quando a ideia de soberania absolutista de Jean Bodin veio a ruir. Emergiram, nesse cenário, as correntes voluntaristas, ou seja, o Direito Internacional surge a partir da vontade dos Estados Soberanos. Tem-se destaque para George Jellinek. O voluntarismo é uma corrente doutrinária de caráter subjetivista cujo elemento natural é a vontade dos sujeitos de Direito Internacional. George Jellinek desenvolveu a Teoria da autolimitação do Estado, ou seja, somente o Estado poderia limitar as suas capacidades de limitação. Os Estados não teriam nenhum enteacima, mas através de consensos estabeleceriam limites uns em relação aos outros. O Direito Internacional, portanto, é aquilo que os Estados aceitam se comprometer e se autolimitar às normas internacionais almejando à convivência harmônica recíproca. Hans Kelsen foi um grande internacionalista e sustentou a ideia de que a obrigatoriedade do Direito Internacional é pautada no próprio fundamento do direito interno. O Direito Internacional dá credibilidade ao exercício do Poder Constituinte, ou seja, a eficácia de uma Constituição interna somente ocorre pelo fato de existir uma ordem internacional que lhe assegure, por exemplo, a soberania e a autodeterminação dos povos. O Direito Internacional, na pirâmide kelseniana de ordem normativa, estaria acima do Direito Interno dos Estados, uma vez que é fundamento do poder dos próprios Estados de estabelecer as suas Constituições. Para Kelsen, o Direito Internacional seria obrigatório independente da vontade dos Estados – propondo a substituição do voluntarismo por uma doutrina normativista. Kelsen foi contestado, já que a sua perspectiva é somente voltada para dentro do Direito. A imposição do Direito Internacional tem carências. Herbert Hart, através da sua obra “O conceito de Direito”, diz que o Direito Internacional seria um direito em construção, mas que carecia de normas efetivas de primeiro grau (ou primeira dimensão) – uma norma que previsse as normas do Direito Internacional. A obra de Hart foi escrita no início dos anos 60 e ele defendeu a máxima de que o Direito Internacional seria frágil no que tange ao ato de apontar uma autoridade para julgar o não cumprimento das normas internacionais. A Constituição dos Estados seria essa norma primária. Na década de 90 emergem duras críticas a Hart por considerarem-no pouco atento à análise do Direito Internacional na elaboração da sua obra. O Direito Internacional estabelece um rol de fontes pelo qual as cortes poderão definir (não há uma falta de fontes). Ademais, a 107 Thiago Coelho (@taj_studies) ordem internacional tem estabelecido órgãos de governança – vide a ONU (Organização das Nações Unidas). O Direito Internacional seria carente, somente, do uso da força centralizado, o qual os Estados detêm para impor o Direito Interno. Pierre-Marie Dupuy defendeu que a carta das Nações Unidas estaria acima de todos os demais acordos internacionais (estes se submetem àquele). Todavia, é forçado dizer que a Carta das Nações Unidas se equipara a uma Constituição, já que a ONU se constitui como uma instituição ao lado (e não acima) dos Estados. A ONU representa um espaço de diálogo, não exercendo o papel de uma organização supraestatal. Também escreveu sobre o Direito Internacional Ronald Dworkin. Em uma obra póstuma – publicada após a morte de Dworkin – o autor fala sobre os fundamentos do Direito Internacional. Dworkin sustenta que os fundamentos do Direito Internacional são pautados na premissa de que um Estado somente pode realizar aquilo que aceita que os demais façam com ele (limitação do comportamento em prol da necessidade de convívio). Peter Häberle e Rüdiger Wolfrum sustentaram a ideia de que o Direito Internacional seria obrigatório pelo sentido cooperativo, sendo esse ramo jurídico necessário pois os Estados precisam uns dos outros para alcançar os seus propósitos internacionais. Um Estado vivendo isoladamente não pode dar eficácia à sua Constituição. Trata-se, portanto, de uma necessidade de convívio recíproco em prol da integridade territorial, soberania, autodeterminação dos povos e da execução de políticas públicas. Como nenhum Estado pode alcançar seus objetivos isoladamente, a cooperação entre os entes soberanos – em maior ou menor grau – sempre existirá. O Estado que descumpre mais o Direito Internacional é menos cooperativo e vice-versa, ou seja, o Estado que cumpre muito o Direito Internacional é mais cooperativo. Ex: Os Estados cooperaram para sancionar a Rússia em virtude da invasão à Ucrânia. Enquanto os Estados assumirem tal postura frente a essa realidade, dificilmente a ordem internacional conseguirá impor o Direito Internacional. Muitas sanções impostas pela ordem internacional à Rússia têm afetado diretamente a população local. Parcela significativa das sanções não segue o devido processo legal e é pautada em uma conotação política ao invés de humanitária (tendo em vista que medicamentos e alimentos essenciais não estão mais entrando na Rússia). Fala-se, atualmente, em reformular a ordem internacional, seja através do aperfeiçoamento da ONU ou da criação de outros órgãos, para evitar a ocorrência de conflitos mundo a fora. A ordem internacional passa por uma crise de legitimidade e de coercitividade, sendo de suma importância esse debate acerca dos fundamentos do Direito Internacional. 2. Fontes do Direito Internacional: 108 Thiago Coelho (@taj_studies) Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (ECIJ): “1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverão aplicar: 2. As convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; 3. O costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito; 4. Os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; 5. As decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar (...) 6. A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes. Principais fontes: Convenções internacionais, costumes internacionais e princípios gerais do Direito. Fontes auxiliares: doutrina e jurisprudência; Equidade; Outras fontes; Não há uma hierarquia entre convenções, costumes e princípios. As convenções internacionais são os tratados, acordos privados e escritos entre os Estados. 3. Os costumes internacionais: Costumes internacionais são práticas estatais reiteradas consideradas como obrigatórias pela sociedade internacional. A doutrina divide o costume em dois elementos: Elemento material = prática reiterada; Elemento subjetivo = sensação de obrigatoriedade da prática (Opinio juris); Há o costume universal de um Estado internacionalizar um conflito por considerar que outro Estado esteja violando direitos. A título exemplificativo pode-se citar o caso em que a Alemanha entrou com uma ação para impedir a execução de dois alemães nos Estados Unidos condenados à pena de morte. Além dos costumes universais, há costumes regionais, como na concessão de asilo em embaixadas nos países latino-americanos (o que não é evidenciado no continente europeu). Julian Assange fundou o site WikiLeaks em 2006 e ganhou atenção internacional em 2010 quando o site publicou uma série de documentos sigilosos do governo dos Estados Unidos que haviam sido vazados por Chelsea Manning (na época chamada Bradley Manning). O Equador concedeu asilo a Assange, alegando o costume regional latino-americano, o que foi 109 Thiago Coelho (@taj_studies) respeitado pelo Reino Unido. Tal asilo foi revogado com a chegada de um partido conservador no poder equatoriano. Em 11 de abril de 2019, Assange foi preso pela Polícia Metropolitana de Londres — que foram convidados a entrar pelas autoridades Equatorianas— que o prenderam em conexão por não ter se rendido para a corte em junho de 2012 para ser extraditado à Suécia. A imposição de sigilo visa a preservar atos de grande periculosidade para o Estado por envolver questões de segurança nacional. A um tempo atrás, uma comissão da Corte Interamericana adotou uma medida cautelar contra o Brasil, alegando violação de direitos indígenas na construção de uma usina hidroelétrica de Belo Monte (Pará). OBrasil alegou a inexistência de disposição expressa em tratado sobre tal obrigatoriedade e que, além disso, nunca reconheceu como costume. Essa alegação foi devidamente comprovada. O país alegou Objetor persistente: um Estado não se vincula a um costume internacional caso este seja objetor persistente deste costume (declara, expressamente e reiteradamente, não reconhecer aquele costume). Quanto tempo é necessário para um costume se formar? Quantos atos são necessários para que um costume seja reconhecido? Não há uma resposta exata para ambas perguntas, existindo uma flexibilidade (alguns demandam muito tempo, outros, pouco; alguns demandam poucos atos, outros, muito). Muitos costumes, com o tempo, são positivados na forma de tratado, mas continuam apresentar o mesmo caráter normativo de outrora. O processo de positivação é um processo de deliberação. Um costume, também, pode ser substituído por um tratado, assim como um costume posterior a um tratado pode superar um tratado (não há, como já mencionado, hierarquia entre as fontes do Direito Internacional). Prevalece, destarte, a regra da posterioridade. 4. Os princípios gerais do Direito: A inclusão dos princípios gerais do direito como fonte do Direito Internacional é recente. Um princípio existe na medida em que se é capaz de identificar os valores fundamentais existentes em dado ordenamento. Examinando o conjunto normativo de certo ordenamento, portanto, é possível perceber quais os valores protegidos (garantidos) por este. O reconhecimento dos princípios é dinâmico – podendo existir princípios que antes não existiam, mas passaram a existir em virtude da ascensão de novos valores. Por exemplo: tratados sobre direitos humanos (englobando o princípio da dignidade da pessoa humana) 110 Thiago Coelho (@taj_studies) emergiram somente após a Segunda Guerra Mundial; a ascensão de tratados voltados para a questão ambiental a partir da década de 70 do século XX. Outros exemplos de princípios: igualdade jurídica entre os Estados, liberdade de navegação, integridade territorial, autodeterminação dos povos, não discriminação, não intervenção, etc. A partir da década de 60 do século XX, identificou-se a existência de normas cogentes de cunho internacional (Jus cogens), ou seja, de caráter imperativo. Diferentemente das normas dispositivas, as normas cogentes são normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes (ex: a igualdade jurídica entre os Estados, a proibição do uso da força para a resolução de conflitos, entre outros). A Jus cogens reúne normas que estão acima de todas as outras. Qualquer tratado que contrarie a Jus cogens é nulo e, portanto, tem-se uma notável hierarquia. Artigo 53 – Decreto nº 7.030/2009: Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens) É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza. Quando falamos em fontes primárias do Direito Internacional, a princípio, não há hierarquia. Todavia, qualquer norma que venha contrariar a Jus cogens é invalidada. 5. Doutrina e jurisprudência (fontes auxiliares): As fontes auxiliares são utilizadas para reforçar as fontes primárias. O argumento de um doutrinador, apesar de mais fraco que uma jurisprudência, também tem o seu valor. O tratado que fez essa distinção é de 1920, quando não havia muitos tribunais internacionais. A jurisprudência internacional ganhou muita força, tendo em vista a multiplicidade de tribunais que dialogam constantemente entre si. A jurisprudência se avolumou, existindo um diálogo entre os precedentes no cenário internacional. 111 Thiago Coelho (@taj_studies) A jurisprudência tem influenciado as decisões que os Estados tomam sobre questões que envolvam o Direito Internacional (“seguimento de um parâmetro”). Nesse viés, parcela significativa de autores põe a jurisprudência em um patamar acima da doutrina. A doutrina internacionalista tem utilizado a jurisprudência quase como uma fonte do direito. A própria doutrina tem aceitado a jurisprudência, dessa forma, como uma fonte do Direito Internacional – reafirmando uma mudança no estado de coisas. Tem-se um maior patamar de respeitabilidade, hoje, em relação à jurisprudência. 6. Equidade (senso de justiça): Encontra-se aberta, embora limitada e veementemente rejeitada pelos Estados, a possibilidade dos Estados, diante da carência de uma determinada norma, decidirem com base em um senso de justiça da Corte. Os Estados nunca deixaram expressamente a Corte decidir com base na equidade, admitindo, em última análise, quando não haviam mais soluções possíveis a partir das demais fontes. 7. Outras fontes: A jurisprudência tem admitido outras fontes do Direito Internacional. Para solucionar os casos de explosões nucleares, a Corte utilizou os tratados unilaterais – fonte não prevista no estatuto. A Corte Internacional entendeu, em um caso concreto, a criação de uma obrigação à França no que tange às consequências dos seus testes nucleares que, apesar de realizados internamente, geravam efeitos em outros países. Os tratados unilaterais criam obrigações unilateralmente para o Estado declarante perante a ordem internacional. Outra fonte reconhecida posteriormente na sociedade internacional trata-se das resoluções de organizações internacionais, especialmente a Resolução do Conselho de Segurança. Os Estados reconhecem, na carta das Nações Unidas, que o Conselho de Segurança pode tomar decisões obrigatórias. 112 Thiago Coelho (@taj_studies) Os Estados aprovaram uma resolução que aplica sanções ao Irã desde 2017. O Brasil aderiu à resolução e tem decretos do Governo Federal determinando a limitação no que diz respeito à importação e à exportação de produtos iranianos. Ainda pode-se citar como presente no rol das “outras fontes”, embora constitua um debate polêmico, é o Soft law (“lei branda”) – o oposto do Hard law (vinculante e que engloba uma sanção para o seu descumprimento). O Soft law compreende normas não vinculantes e que, portanto, não preveem sanções. A “força cogente vem de fora” – pressão econômica, social e política – o que leva ao cumprimento das normas pelos Estados. Parcela significativa da doutrina critica a juridicidade do Soft law. O Soft law corresponde ao principal meio de atuação das organizações não estatais (podem propor normas, mas não impô-las). Essa fonte goza de uma autoridade técnica que repercute na forma com a qual os Estados se comportam. Apesar de críticas teóricas à sua juridicidade, do ponto de vista prático não se pode menosprezar o Soft law. Ex: Durante o auge da pandemia da covid-19, a OMS, autoridade de respeito, não impôs nada, apenas recomendou o uso de máscara e os Estados passaram a legislar em prol do combate ao vírus (exigência do passaporte vacinal, realização de testes de covid para viagens, uso obrigatório de máscara em determinados espaços, etc). Ex: Caso um Estado venha a vender uma carne contaminada com febre aftosa, essa contaminação pode se estender a todos os demais. Daí o zelo que a ordem internacional tem em relação à exportação de produtos alimentícios que envolvam o risco de transmissão de enfermidades. Ex: A União Europeia adotava até o início dos anos 2000, regras de uniformização do direito de determinadas áreas da economia – como a área do Direito do Consumidor. Ao uniformizar o direito dos países sobre determinadas matérias, ocorreu o estímulo para que empresassaíssem de um país para realizar investimentos em outro, economizando recursos para tais deslocamentos. Para a próxima aula: Tratados AULA 04 – TRATADOS INTERNACIONAIS A LUZ DA CONVENÇÃO DE VIENA 113 Thiago Coelho (@taj_studies) 1. Conceito: 1. Para os fins da presente Convenção: a)“tratado” significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica; Natureza jurídica = negócio jurídico (negócio firmado entre os Estados, os quais sujeitos de Direito Internacional); Os Estados soberanos se comprometem uns com os outros, criando, portanto, direitos e deveres recíprocos para esses signatários; O tratado gera entre os Estados um vínculo jurídico; Acordos que não criam vínculos jurídicos entre os Estados não são tratados – como, por exemplo, a Convenção Internacional de Direitos Humanos (um Estado não pode cobrar o outro em decorrência da Declaração Universal dos Direitos Humanos); Os tratados são atos formais e, consequentemente, sempre escritos; Os tratados são acordos entre Estados e/ou organizações internacionais (nova interpretação do disposto no art. 1º, a, da Convenção de Viena); Entre os Estados de Mianmar e Bangladesh, localizados no Sul da Ásia, há uma crise humanitária. Uma comunidade mulçumana de Mianmar tem se deslocado para o país vizinho e este tem colocado esses cidadãos em um campo de concentração. O Estado africano de Gâmbia ajuizou uma ação na Corte Internacional de Justiça (CIJ), embora não sofra nenhuma consequência direta das violências humanitárias no sul da Ásia, alegando a violação do tratado voltado para coibir o genocídio. 2. Síntese palestra “Jus cogens” – Thiago Borges e Tatiana Squeff Tema bastante controverso na doutrina internacionalista e se discute, ainda, se é possível falar na existência da Jus cogens. Nesse viés, é importante compreender quais os critérios para definir a Jus cogens, sendo objeto de diversos debates jurídicos. Jus cogens é o oposto do Soft law. Trata-se de um conjunto de regras obrigatórias, do qual os países não podem se desvincular. A Jus cogens é uma regra impositiva, positivista e que se opõe, portanto, à corrente voluntarista dos Estados soberanos. 114 Thiago Coelho (@taj_studies) A Jus cogens deriva do direito natural (anterior ao Direito positivo), bastante distante da realidade de diversos países. Há um sistema de dominação no direito internacional, tendo em vista que a Jus cogens é um conjunto de normas cogentes, ou seja, que não podem ser afastadas pela vontade das partes. A criação da Jus cogens parte de pressupostos europeus (a corrente imperialista) A autodeterminação dos Estados (que vem desde Westfallen, passando por Jellinek) passa a ser colocada em cheque com a ascensão da Jus cogens. A expressão Jus cogens só surge a partir de meados do século XX. Termo voltado para normas imperativas que limitam a autodeterminação dos Estados em certos aspectos. A fonte dos Jus cogens é costumeira. Costumes que, em virtude do grau de importância que adquirem nas relações internacionais, se tornam normas cogentes. Há uma crescente positivação do Direito Internacional em prol de torná-lo mais palpável (segurança jurídica e maior facilidade em impor sanções aos Estados). Valor central da Jus cogens: dignidade da pessoa humana. A Jus cogens se impõe visando a proteger direitos e costumes considerados importantes pela sociedade internacional (daí a participação do Opinio iuris). Não há a limitação pelo objetor persistente, isto é, não abre espaço para a recusa por parte dos Estados. A Jus cogens nasce dos costumes e é positivada nos tratados. O efeito normativo das Jus cogens é direto ou indireto? Daí a Convenção de Viena traz no seu artigo 53 a perspectiva de os efeitos decorrentes da Jus Cogens são diretos. A consequência da positivação é trazer o efeito normativo direto e, para além disso, permite abrir um diálogo com outras regiões. O artigo 64 escancara que novas Jus cogens podem aparecer (não se tem um rol taxativo). Normas cogentes somente derrogadas por outra de mesma natureza. Art. 65 c/c 66 leva à possibilidade de decidir sobre Jus cogens ou não. Tais valores podem ser questionados pelos Estados que para impedir manifestações de vontade internacional. Assim, tem-se um aspecto prático do Jus cogens proveniente da positivação nos tratados. 115 Thiago Coelho (@taj_studies) A ideia de litigar é fundamental para reconhecer a possibilidade de tribunais se manifestarem sobre a existência de Jus cogens, prevendo, dessa forma, o surgimento de novos Jus cogens. Alguns direitos humanos limitam a atuação dos Estados (corrente emergente desde 1945 e centrada na pessoa humana). A denegação da justiça é uma Jus cogens. Ressalta-se a importância do ser humano a nível internacional Para verificar a aplicação do art.53 é necessário analisar se a conduta decorrente do cumprimento do tratado viola a Jus cogens (em concreto e não em abstrato). Muitas vezes, a disposição da norma não aparenta ser contrária à Jus cogens. O artigo 26 discorre sobre o agir de boa-fé, não podendo alegar direito interno para descumprir o direito internacional. E quando for alegado direito internacional para descumprir direito internacional? Tem-se a necessidade de uma ponderação. A questão da migração evidencia um choque de Jus cogens: resguardar a vida x não devolução dos migrantes (que pode, por exemplo, estar com covid e conduzindo um caos à saúde pública do Estado) Confrontos possíveis: Direito interno x direito interno Direito interno x direito internacional Direito Internacional x direito internacional Fundamentar o descumprimento de uma Jus cogens argumentando com base em uma Jus cogens é possível? Exclui a ilicitude do ato? O Jus cogens seria um limite ao Poder Constituinte Originário? O Constituinte originário presume o Estado de direito (vontade popular) e, por si só, não é absoluto, respeitando, portanto, direitos subjetivos. De acordo com Thiago Borges, sem dúvida a observância do Jus cogens trata-se da limitação à manifestação do Poder Constituinte. Destarte, qualquer conduta que contrarie a ordem internacional será visto como ato ilícito. Fala-se, nesse cenário, de uma internacionalização do Poder Constituinte. 116 Thiago Coelho (@taj_studies) Ex de Jus cogens: Direito de autodeterminação, vedação à discriminação racial e Apartheid, vedação ao genocídio... A existência de uma comunidade internacional justifica o surgimento do Jus cogens. AULA 05 – TRATADOS INTERNACIONAIS 1. Planos de um tratado – existência, validade e eficácia: No plano de existência, tal definição é objeto de estudo do Direito Internacional. Destarte, nenhum direito interno de Estado pode modificar o conceito de tratado. No que tange aos planos de validade e eficácia, ocorre uma crise com o direito interno dos Estados. Um tratado só é válido ou inválido a luz do Direito Internacional, ou seja, são as normas internacionais que determinam a validade ou invalidade de um tratado. Supondo que o STF brasileiro declare inconstitucional determinado tratado internacional, isso não afeta a ordem internacional em virtude do compromisso entre os países. O tratado é válido de acordo com o Direito Internacional e não com a ordem interna. Não cabe, portanto, um Estado, internamente, declarar a inconstitucionalidade de um tratado. Caso um Estado identifique uma incompatibilidade entre um tratado internacional e a sua ordem interna, deve esse Estado se retirar do acordo. É a inconstitucionalidade formal (competência para pactuar tratado) a única hipóteseque a ordem internacional reconhece que o Estado possa se desvincular de um acordo. No plano da eficácia, cabe aos tribunais internacionais decidir a respeito dessa dimensão dos tratados. Isso coloca em cheque o instituto denominado Controle de convencionalidade, o qual vem sendo muito estudado recentemente no Brasil. Por controle de convencionalidade entende-se o mecanismo de direito internacional que permite a verificação da compatibilidade do direito interno com os tratados internacionais em vigor no país, notadamente os de direitos humanos, mas não somente eles, (...) Thiago Borges considera o controle de convencionalidade inconclusivo, uma vez que a ordem internacional é a responsável por examinar a eficácia de certo tratado. Em síntese, os tratados, também no plano da eficácia, são regidos pelo Direito Internacional. 117 Thiago Coelho (@taj_studies) O tratado pode ser feito em único, ou por dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua denominação específica (art. 1º, a, Convenção de Viena). Portanto, não há um nome padrão para os tratados (tratado, convenção, pacto, carta, acordo, ato, protocolo...). Exemplos: Tratado de Assunção, Convenção de Viena, Pacto de San Jose da Costa Rica, Carta da ONU, Acordo de Paris, Ato Único Europeu, Protocolo de Kyoto... 2. Elementos de um tratado internacional: Partes: Estados soberanos (reconhecidos internacionalmente*) e organizações internacionais que apresentam personalidade internacional. Vale ressaltar que existem organizações internacionais que não apresentam personalidade internacional (vide a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). (CPLP) *Classificação dos países/Estados: Países amplamente reconhecidos – Ex: Brasil; Países pouco reconhecidos – Ex: Taiwan; Estados que sequer chegam a ser separados – Ex: Curdistão; Agentes: Os Estados são representados pelo Chefe de Estado. Às vezes, o Chefe de Governo pode ter competências internacionais de acordo com a Constituição. Esses dois são os representantes mais comuns dos Estados. Contudo, o Ministro das Relações Exteriores também pode exercer tais funções (sujeitos plenipotenciários). O Chefe do órgão administrativo – mais conhecido como Secretário Geral – é o representante das organizações internacionais que participam de tratados. Possa ser, apesar de incomum, que uma organização tenha um presidente separado do Secretário Geral. Objeto: Os mais diversos, mas tendem a se vincular a direitos humanos. Forma: Positivação em forma escrita necessária para gerar vínculos jurídicos. 118 Thiago Coelho (@taj_studies) Manifestação de vontade: Assinatura + ratificação. Existem, embora raros, tratados monofásicos (que exigem somente a assinatura) – o que não é a regra. A assinatura de um tratado não gera para um Estado a obrigação de cumprir os termos do tratado. A assinatura de um tratado apresenta o sentido principal de afirmar a conclusão das negociações. Um Estado não pode frustrar o objeto e finalidade do tratado (art. 18, Convenção de Viena). Art. 18 – Convenção de Viena: Um Estado é obrigado a abster-se da prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade de um tratado, quando: a) tiver assinado ou trocado instrumentos constitutivos do tratado, sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação, enquanto não tiver manifestado sua intenção de não se tornar parte no tratado; ou b) tiver expressado seu consentimento em obrigar-se pelo tratado no período que precede a entrada em vigor do tratado e com a condição de esta não ser indevidamente retardada. 3. Pressupostos constitucionais do consentimento estatal (art. 84, VIII c/c art. 49, I CF/88) Art. 84 – CF: Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; O Presidente da República pode delegar tal competência presente no art. 84, VIII, CF, uma vez que o caput menciona-a como competência privativa e não exclusiva. Tratados, convenções e atos são sinônimos. O legislador brasileiro foi redundante na redação do inciso transcrito. Art. 49 – CF: É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; Compete ao Presidente da República (ou a algum delegatário) assinar e ratificar um tratado. O Poder Executivo negocia com os Estados e assina o texto. Assinado o tratado, se finda a negociação. Cada representante de Estado retorna ao seu país e inicia um processo através 119 Thiago Coelho (@taj_studies) de mensagem do Executivo (ou mensagem presidencial) ao Congresso Nacional. Encaminha- se o tratado ao Congresso Nacional, solicitando deliberação e aprovação do texto. Se o tratado for um tratado comum, este precisará ser aprovado pelo mesmo quórum das leis ordinárias (maioria simples dos membros de cada casa). Se o tratado contiver matéria de Lei Complementar, como, por exemplo, em tratados tributários, o quórum é o mesmo de aprovação de projeto de Lei Complementar (maioria absoluta das duas casas legislativas). Se o tratado versar sobre direitos humanos, deve ser observado o parágrafo 3º do art. 5º, que estabelece que o tratado deve ser aprovado por quórum de Emenda Constitucional (3/5 do total de cada casa legislativa em dois turnos). No caso de não aprovação, o Legislativo informa ao Executivo, o qual deverá retirar a assinatura do tratado. Uma vez não aprovado o tratado, mesmo em outra legislatura, este não pode se submeter a outra votação. Os internacionalistas questionam se o Brasil poderia, diante dessas circunstâncias, iniciar um novo processo de adesão, ou seja, em outro momento histórico pedir adesão ao tratado. O país pode ter um interesse futuro que outrora não tinha. Caso aprovado, é publicado um Decreto Legislativo. A aprovação pelo Congresso do tratado, emitindo um Decreto Legislativo, não termina o processo. A ratificação do tratado é competência do Presidente da República e não do Congresso Nacional. Há uma contradição na CF/88 ao mencionar que o Congresso Nacional resolve definitivamente sobre tratados, uma vez que a palavra final compete ao Presidente da República. Thiago Borges enxerga aqui, também, uma desarmonia entre os poderes. A CF/88 não menciona prazo para a ratificação do tratado, o que permite, por exemplo, que um Presidente assine e outro presidente ratifique (ou não) o tratado internacional. O tratado se finda com a prática de dois atos pelo Presidente da República: 120 Thiago Coelho (@taj_studies) Ratificação; Publicação de um Decreto Presidencial (Ex: Decreto nº 7030/09). O Estado é obrigado a cumprir os pressupostos do tratado internacional desde a ratificação. Em síntese, tem-se as seguintes etapas: 1 – Assinatura do tratado; 2 – Aprovação pelo CN; 3 – Ratificação; 4 – Decreto Presidencial; 4. Nulidade do tratado internacional: A manifestação da vontade deve ser livre, sem vícios. Artigo 48 Erro 1. Um Estado pode invocar erro no tratado como tendo invalidado o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado se o erro se referir a um fato ou situação que esse Estado supunha existir no momento em que o tratado foi concluído e que constituía uma base essencial de seu consentimento em obrigar-se pelo tratado. O erro para ser invocado precisa ser substancial, isto é, determinante para pleitear a invalidade do consentimento. Ex: Um erro de interpretação de imagem de satélites, ao se constatar, posteriormente, que a mina se encontra em território de um terceiro que não participa do pacto mineral entre os Estados A e B. Artigo 49 Dolo Se um Estado foi levado a concluir um tratado pela conduta fraudulentade outro Estado negociador, o Estado pode invocar a fraude como tendo invalidado o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado. 121 Thiago Coelho (@taj_studies) Artigo 50 Corrupção de Representante de um Estado Se a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado foi obtida por meio da corrupção de seu representante, pela ação direta ou indireta de outro Estado negociador, o Estado pode alegar tal corrupção como tendo invalidado o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado. Ex: Tráfico de influência que macula a liberdade do representante de um Estado. As hipóteses citadas referem-se à nulidade relativa. Artigo 51 Coação de Representante de um Estado Não produzirá qualquer efeito jurídico a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado que tenha sido obtida pela coação de seu representante, por meio de atos ou ameaças dirigidas contra ele. Observa-se a menção à não produção de qualquer efeito na hipótese de coação contra o representante de um Estado (nulidade absoluta). Artigo 52 Coação de um Estado pela Ameaça ou Emprego da Força É nulo um tratado cuja conclusão foi obtida pela ameaça ou o emprego da força em violação dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas. Ex: Ameaça de uma bomba, do fechamento do espaço aéreo, de bloqueio comercial. Tal coação em relação a um Estado também promove a nulidade absoluta. Artigo 46 Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados 122 Thiago Coelho (@taj_studies) 1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental. 2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa fé. Nenhum Estado pode alegar o seu direito interno para descumprir um tratado internacional, a não ser que alegue uma norma do direito interno sobre competência. Ex: A pessoa que manifestou a vontade do Estado não tinha competência para tal (invalidade formal). Essa situação é rara, mas pode ocorrer, sobretudo em momentos de golpe de Estado. Ex: Venezuela – instabilidade política no que tange ao representante da Venezuela (Maduro x Guaidó). Estados reconhecem Maduro, outros, Guaidó. Desse modo, Maduro não é obrigado a cumprir tratados internacionais assinados por Guaidó e vice-versa. A cláusula pétrea se impõe como limite material ao poder de firmar tratados (como, por exemplo, direitos e garantias fundamentais). O ponto de vista que se dá ao artigo 46 é restritivo, não englobando a competência material, mas somente a formal. Os outros Estados não apresentam a obrigação de conhecer os limites materiais da competência de alguém (não manifesto). Todavia, a doutrina sugere a possibilidade, em determinadas ocasiões, de o Estado alegar a incompetência material para firmar acordos. Artigo 47 Restrições Específicas ao Poder de Manifestar o Consentimento de um Estado Se o poder conferido a um representante de manifestar o consentimento de um Estado em obrigar-se por um determinado tratado tiver sido objeto de restrição específica, o fato de o representante não respeitar a restrição não pode ser invocado como invalidando o consentimento expresso, a não ser que a restrição tenha sido notificada aos outros Estados negociadores antes da manifestação do consentimento. Aqui há menção a uma pessoa com carta de plenos poderes (que não seja o Chefe de Estado nem de Governo). Se esse representante não tinha competência, por exemplo, para firmar tratados que envolvam ambientes. Caso este assine um tratado que envolva Direito Ambiental e os demais Estados sabiam da incompetência do agente para tal (violação manifesta – agiram de má-fé), o Estado pode alegar a invalidade do ato. 123 Thiago Coelho (@taj_studies) 5. O plano da eficácia dos tratados internacionais: Artigo 26 Pacta sunt servanda Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé. Artigo 27 Direito Interno e Observância de Tratados Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46. SEÇÃO 2 Aplicação de Tratados Artigo 28 Irretroatividade de Tratados A não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior ou a uma situação que deixou de existir antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte. Um tratado, como regra, só se aplica a fatos posteriores à sua entrada em vigor. A retroatividade só poderá ocorrer se os Estados concordarem expressamente com isso. No geral, o tratado se aplica a todo território nacional (Estados-membros + municípios). Pode acontecer, todavia, de um tratado ter aplicação somente em parte do território. Ex: O Brasil faz parte de um tratado que envolve a proteção da Bacia Amazônica e, neste tratado, há a previsão de que, em caso de ataque à região amazônica, os estados-partes devem se defender conjuntamente. Se o ataque se der na Bahia, outros Estados – como Peru, Colômbia, Suriname – não apresentam a obrigação de intervir e defender o estado-membro brasileiro, uma vez que a Bahia não integra a Amazônia. 124 Thiago Coelho (@taj_studies) Em regra, os tratados produzem apenas efeitos entre as partes, mas a Convenção admite que, eventualmente, tratados criem obrigações para Estados terceiros. Artigo 35 Tratados que Criam Obrigações para Terceiros Estados Uma obrigação nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem a intenção de criar a obrigação por meio dessa disposição e o terceiro Estado aceitar expressamente, por escrito, essa obrigação. Artigo 36 Tratados que Criam Direitos para Terceiros Estados 1. Um direito nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem a intenção de conferir, por meio dessa disposição, esse direito quer a um terceiro Estado, quer a um grupo de Estados a que pertença, quer a todos os Estados, e o terceiro Estado nisso consentir. Presume-se o seu consentimento até indicação em contrário, a menos que o tratado disponha diversamente. 2. Um Estado que exerce um direito nos termos do parágrafo 1 deve respeitar, para o exercício desse direito, as condições previstas no tratado ou estabelecidas de acordo com o tratado. Ex: Cessação de fogo na península da Coreia. Estados Unidos e Rússia (terceiros e potências mundiais) poderiam se apresentar como garantidores da paz no território, desde que manifestem expressamente. 6. Sucessão de tratados: Existe a possibilidade dos Estados assinarem um tratado sobre determinado assunto e, posteriormente venham a assinar diversos outros sobre tal questão. O tratado anterior permanece em vigor no que for compatível com o posterior. O tratado posterior prevalece em relação ao anterior, exceto nas partes mais específicas do anterior. O tratado anterior somente pode ser utilizado naquilo que for mais específico. 125 Thiago Coelho (@taj_studies) Ex: CANADÁ, ALEMANHA e BRASIL assinam um tratado em 1954 sobre o tema X; ALEMANHA e BRASIL assinam um tratado em 2014 sobre o tema X; Para relações envolvendo Brasil e Alemanha, aplica-se o tratado de 2014 como regra, e o de 1954 no que for mais específico; Para relações envolvendo Canadá e Alemanha, continua em vigor o tratado de 1954, visto que o Canadá não é signatário do tratado de 2014;7. Interpretação dos tratados: Artigo 31 Regra Geral de Interpretação 1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objeto e finalidade. 2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos: a)qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado; b)qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado. 3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto: a)qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições; b)qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação; c)quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes. 4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes. 126 Thiago Coelho (@taj_studies) Preza-se, portanto, pela boa-fé objetiva entre os Estados. O tratado deve ser interpretado no sentido comum/usual e não figurado das palavras do tratado. Considera-se o tratado a luz do seu objeto e finalidade (geralmente encontrados no seu preâmbulo). Um tratado deve ser interpretado em seu contexto. A interpretação recai, desse modo, sobre o contexto. Daí a importância do parágrafo 2º do art. 31 da Convenção de Viena. O tratado é interpretado em um ambiente normativo mais complexo e não como uma norma isolada. O Brasil é signatário de diversos tratados, devendo, portanto, a interpretação ser analisada no contexto complexo-normativo em que os Estados estão envolvidos, ou seja, a ordem internacional. A ordem internacional apresenta integridade e as suas normas não são interpretadas isoladamente. Artigo 32 Meios Suplementares de Interpretação Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31: a)deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou b)conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado. Meios suplementares são outros critérios de interpretação – como trabalhos preparatórios e circunstâncias de conclusão (sem descartar outros). Trabalhos preparatórios são documentos trocados no momento de negociação. 127 Thiago Coelho (@taj_studies) Circunstâncias de conclusão correspondem à necessidade de se examinar o contexto em que os Estados viviam no momento em que assinaram um tratado (se havia guerra, pandemia, tsunami, caos institucional, etc). Ademais, pode-se citar a analogia (interpretação extensiva pautada na equiparação a outros tratados). Os meios suplementares de interpretação servem para validar a interpretação com base no art. 31 (regra geral) ou determinar o sentido do tratado se a aplicação do art. 31 for insuficiente (falha da regra geral demonstra a importância de se incorporar os meios suplementares). Artigo 33 Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais Línguas 1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais línguas, seu texto faz igualmente fé em cada uma delas, a não ser que o tratado disponha ou as partes concordem que, em caso de divergência, prevaleça um texto determinado. 2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em que o texto foi autenticado só será considerada texto autêntico se o tratado o previr ou as partes nisso concordarem. 3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos. 4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece nos termos do parágrafo 1, quando a comparação dos textos autênticos revela uma diferença de sentido que a aplicação dos artigos 31 e 32 não elimina, adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do tratado, melhor conciliar os textos. A própria Convenção de Viena (art. 85) admite que só há originalidade nos idiomas chinês, espanhol, francês, inglês ou russo. A versão em português não é oficial (trata-se de uma tradução realizada pelo Itamaraty) e que, portanto, não pode ser utilizada em litígio internacional. Artigo 85 Textos Autênticos O original da presente Convenção, cujos textos em chinês, espanhol, francês, inglês e russo fazem igualmente fé, será depositado junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas. 128 Thiago Coelho (@taj_studies) Em fé do que, os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente autorizados por seus respectivos Governos, assinaram a presente Convenção. Feita em Viena, aos vinte e três dias de maio de mil novecentos e sessenta e nove. Conciliar os textos em línguas diferentes (art. 33, 4., Convenção de Viena), para Thiago Borges, é muito complicado. Isso resultará possivelmente em um litígio internacional. Por isso faz-se profícuo dar eficácia ao disposto no art. 31 da Convenção de Viena. AULA 06 – FORMULAÇÃO DE RESERVAS E EXTINÇÃO DE TRATADOS 1. Formulação de reservas: Artigo 19 Formulação de Reservas Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a não ser que: a)a reserva seja proibida pelo tratado; b)o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não figure a reserva em questão; ou c)nos casos não previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado. Uma reserva é uma declaração unilateral pela qual um Estado declara que não irá se comprometer em relação à parte de obrigações de um tratado. Por razões jurídicas ou culturais, os Estados podem propor reservas. O Tratado pode proibir reservas ou disciplinar permitindo algumas reservas (art. 19, a, b, Convenção de Viena). Se um tratado diz que algumas reservas são permitidas, isso significa que todas as outras não são. 129 Thiago Coelho (@taj_studies) Quando um tratado não disciplina sobre reservas, temos que recorrer à alínea c (art. 19, c, Convenção de Viena): um Estado pode formular uma reserva, a não ser que essa seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado. Um conflito entre reserva e tratado pode ser solucionado: Pela via autêntica, isto é, através de uma votação em prol de se chegar a um acordo diplomático; Através de um processo jurisdicional, no qual será interpretada a reserva e a verificação de incompatibilidade para com o tratado. Uma vez decidido acerca da incompatibilidade ou não da reserva, duas situações podem ocorrer: Se a reserva for considerada compatível, o objetor deve se resignar (aceitar a decisão); Se a reserva for incompatível, o Estado que propôs a reserva pode permanecer no acordo sem a reserva ou optar por deixar o acordo; O Brasil formulou duas reservas em relação à Convenção de Viena sobre o direito dos tratados (arts. 25 e 66). Artigo 25 Aplicação Provisória 1. Um tratado ou uma parte do tratado aplica-se provisoriamente enquanto não entra em vigor, se: a)o próprio tratado assim dispuser; ou b)os Estados negociadores assim acordarem por outra forma. 2. A não ser que o tratado disponha ou os Estados negociadores acordem de outra forma, a aplicação provisória de um tratado ou parte de um tratado, em relação a um Estado, termina se esse Estado notificar aos outros Estados, entre os quais o tratado é aplicado provisoriamente, sua intenção de não se tornar parte no tratado. 130 Thiago Coelho (@taj_studies) O Brasil entendeu que não há como se comprometer
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