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AULA 3 - PARTE 1 - MORAL E DIREITO

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Direito e Moral 
 
 
Paulo – primeira distinção (D. 50.17, 144) - nem tudo o que é lícito é 
honesto. 
Idade Média – sem distinção – Deus como ser supremo 
 
Séc XVII - Cristiano Thomasius - 1655-1728 
Primeira distinção significativa 
 
Causa: 
Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) - reforma 
Reis, querendo que seus súditos professassem essa ou aquela crença: 
 
necessidade de delimitação clara da zona de interferência do poder 
soberano, o que só seria possível por meio de uma distinção entre o 
mundo jurídico e o mundo moral e religioso. 
 
1) Teoria de Thomasius 
Ação Moral  consciência individual (foro íntimo) 
Direito  ação humana depois de exteriorizada (foro externo). 
Sem qualquer possibilidade de invasão recíproca nos campos. 
Representando-se tal teoria por meio de círculos, teríamos: 
 
 
 
 
 
Direito Moral 
2) Teoria do mínimo ético 
Georg Jellinek (1851-1911) 
O direito representa o mínimo de moral declarado obrigatório para que a 
sociedade possa sobreviver. 
Moral: cumprimento espontâneo, porém, 
é necessário que um mínimo ético (aquele que a sociedade considera 
indispensável à paz social), seja dotado de força, para ser imposto nos casos 
de transgressão. 
Tudo o que é Direito é moral. 
 
 
 
Círculos concêntricos. 
 
Críticas: 
Regras de trânsito, por exemplo. São morais? 
 
 
3) Teoria dos círculos secantes 
Séc XIX-XX - Claude du Pasquier (1886 – 1953) 
Mais aceita na atualidade! 
Direito e moral possuem campos distintos - em algumas situações são comuns. 
Del Vecchio Direito e Moral são conceitos que se distinguem, mas não se 
separam. 
Moral 
 
 
 
Direito 
Moral Direito 
MORAL: realização plena da pessoa humana, à sua perfeição última, 
mediante a ação livre; 
DIREITO: realização da justiça na vida social, através da instauração de uma 
ordem social justa. 
 
MORAL: vontade interna do sujeito 
DIREITO: imposto por uma ação exterior e se concretiza no seu 
cumprimento, ainda que as razões da obediência do sujeito não sejam 
morais. 
 
CRITICISMO KANTIANO 
 
Immanuel Kant – 1724-1804 
Crítica da razão pura, Crítica da razão prática, Crítica do juízo. 
 
A Teoria do Conhecimento 
A filosofia de Kant aparece como a luz para os desacreditados no 
iluminismo. 
 
Seu pensamento, fundado nos conceitos de LIBERDADE E 
IGUALDADE, serve de forma decisiva na formulação de um novo 
conceito de justiça à humanidade. 
 
Para Kant, o primeiro bem que se deve reconhecer no ser humano é a 
liberdade, pois a condição própria do ser humano a requer. 
 
Revolução Copernicana (alusão ao heliocentrismo) 
Crítica aos inatistas e empiristas pelo excesso de objetivismo. 
 
 
 
Para as duas teorias “o conhecimento racional dependeria inteiramente dos 
objetos do conhecimento [...] para o empirista, a realidade entra em nós pela 
experiência. Para o inatista, a verdade entra em nós pelo poder de uma força 
espiritual que a coloca em nossa alma, de modo que as ideias inatas não são 
produzidas pela própria razão, mas colocadas em nós por uma força sábia e 
superior a nós (como Deus, por exemplo). Assim, o conhecimento parece 
depender de algo que vem de fora para dentro de nós. No caso dos inatistas, 
depende da divindade, no caso dos empiristas, depende da experiência 
sensível.”1. 
 
Proposta de Kant: já que a razão “é o Sol que ilumina todas as coisas”, vamos 
colocá-la no centro e fazer com que os objetos girem em torno dela. 
Perguntar pela própria razão e saber, em primeiro lugar, o que ela é para, 
depois, saber o que e como ela conhece. 
 
Afirmando que a realidade é racional, os filósofos colocaram “os objetos do 
conhecimento no centro e fizeram a razão ou o sujeito do conhecimento girar 
em torno dela”. (Chaui) 
 
Razão como sujeito do conhecimento  
Universal (a mesma para todos os seres humanos, independentemente do 
tempo e do espaço). 
Uma estrutura vazia, uma forma pura, sem conteúdos. 
Inata, portanto, anterior (a priori) da experiência, já que sua existência não 
depende dela. 
O que depende da experiência?  os conteúdos que a razão conhece. 
Experiência (a posteriori)  matéria ou conteúdos 
Razão  forma (universal e necessária) do conhecimento. 
 
 
 
 
1 CHAUI, Marilena. Convite à filosofia, p. 80. 
Erro dos inatistas: supor que a verdade entra em nós pelo poder de uma força 
espiritual. 
Erro dos empiristas: supor que a realidade entra em nós pela experiência. 
 
Conhecimento, portanto, é a síntese entre a razão (universal e inata) e o 
conteúdo oferecido pela experiência. 
 
O que significa afirmar que a Razão é uma estrutura? 
Composta de: percepção – intelecto – razão propriamente dita 
 
a) percepção sensível ou sensorial: que nos permite perceber as coisas como 
realidades espaciais. 
Não percebemos o próprio espaço (este é uma forma a priori) existe em nossa 
razão antes mesmo da experiência, mas é ele que permite haver percepção. 
Não percebemos o tempo, mas percebemos as coisas como realidades 
temporais, temos experiência de passado, presente e futuro (também é uma 
forma a priori) 
 
A PERCEPÇÃO RECEBE CONTEÚDOS DA EXPERIÊNCIA E A 
SENSIBILIDADE OS ORGANIZA RACIONALMENTE SEGUNDO A FORMA 
DE ESPAÇO E TEMPO. 
 
Portanto, a intuição sensível (intuição pura), não é inválida, mas ainda não é o 
conhecimento. Necessita de outro processo intelectivo. 
 
b) entendimento ou intelecto 
ORGANIZA AS PERCEPÇÕES: transforma as percepções em conhecimentos 
intelectuais ou conceitos. 
POSSUI ALGUNS A PRIORI – categorias que organiza os conteúdos 
empíricos. 
 
CATEGORIAS  CONCEITOS 
Categorias: qualidade, quantidade, causalidade, finalidade, verdade, falsidade, 
universalidade, particularidade. 
As categorias são estruturas universais, vazias e as mesmas no espaço e no 
tempo. 
 
c) razão propriamente dita  vazia. 
Como para Kant só há conhecimento quando a experiência oferece os 
conteúdos à sensibilidade e ao entendimento, não há conhecimento nesta 
última. 
Sua função é apenas CONTROLAR a sensibilidade e o entendimento. 
A RAZÃO NÃO ESTÁ NAS COISAS, MAS EM NÓS. 
 
“É uma ESTRUTURA UNIVERSAL, NECESSÁRIA E A PRIORI QUE 
ORGANIZA NECESSARIAMENTE A REALIDADE EM TERMOS DE FORMAS 
DA SENSIBILIDADE E DOS CONCEITOS E CATEGORIAS DO 
ENTENDIMENTO. 
 
Portanto, para Kant, 
O conhecimento dá-se a partir de princípios e não a partir de dados. Esses 
princípios que não vieram do exterior, já compõem a razão. 
Esses princípios, possuem duas funções: 
a primeira, permite não apenas a inteligibilidade dos fenômenos, produzindo, 
por exemplo, as leis físicas; 
a segunda, permite a ação humana a partir de princípios. 
Esse último aspecto é a faculdade que temos de agir por princípios e 
máximas: é a Razão Prática, que Kant chama de vontade. 
 A Moral e a Justiça 
 
A razão teórica (intelecto) produz o conceito de finalidade e direciona a 
vontade, que, em última análise, é a razão prática e a lei moral. 
 
A vontade é a própria razão pura prática, ou seja, é a capacidade do ser 
racional agir, não somente segundo as leis (como ocorre na natureza) mas 
segundo a representação de leis, portanto de princípios. 
 
“O ato moral tem que nascer na própria vontade – concebida como 
desprovida de conteúdo e não sendo determinada por nada de 
exterior.”2 
 
Só a vontade pura (formal e autônoma), não afetada por qualquer 
inclinação, não empírica, pode construir a ética e dar moralidade às ações 
racionais. Nenhum argumento extraído da experiência, do domínio empírico, 
pode justificar um comportamento como ético. 
 
“Uma vez que a boa vontade ou vontade pura é aquela considerada em si 
mesma, absolutamente inatingida por qualquer elemento externo, ela não se 
presta como meio a nada, mas é fim em si mesma.”3 
Na ética dá-se o primado absoluto da razão sobre o ser, e, portanto, a ética 
tem por domínio aquilo que deve sere não aquilo que é. 
DEVER PELO DEVER, INCONDICIONADO 
A vontade pura tem que ser absolutamente autônoma, desvinculada de 
qualquer conteúdo externo. 
O imperativo categórico 
 
Só o ser racional pode agir segundo a representação de leis, e, portanto, 
segundo princípios que devem ser absolutos, ou seja, quando possuírem fim 
em si mesmos e por isso objetivos, ou para Kant, universais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Lisboa, 1999. Edições 70. Cap. I, §5. 
3 Idem. p.160. 
Existem três formas específicas do imperativo categórico: 
A) “Age de tal modo que a máxima da tua ação se devesse 
tornar em lei universal da natureza.”4 
B) “Age de tal modo que uses a humanidade, tanto na tua 
pessoa como na pessoa de qualquer outro sempre e ao 
mesmo tempo, como fim e nunca como meio simplesmente.”5 
C) “Age de tal forma que a tua vontade através das suas 
máximas se possa considerar ao mesmo tempo como 
legisladora universal.”6 
 
Essas três fórmulas do Imperativo categórico correspondem: 
A) Se assenta na ideia de igualdade (universalidade). 
B) O homem sendo pessoa, tem que realizar a síntese da 
igualdade e da liberdade, não tendendo para um lado nem para 
outro, estabilizando-se na fraternidade. 
C) Se assenta na ideia de liberdade, raiz de toda ação 
humana. 
 
Uma ação é moral, para Kant, quando é fim em si mesma e não 
meio adequado a outro fim. 
“é fim em si mesma porque ... não se submete a outras leis 
senão àquelas que ela dá a si mesma.”7 
Uma vez considerado fim em si mesmo o ser racional deverá ter em 
conta, sempre, que o outro ser racional é também livre e deve ser tratado 
como fim em si mesmo (pessoa) e nunca como meio (coisa). 
 
Assim, o imperativo categórico deve ser formulado de modo a criar o 
liame necessário entre a ética como moral do indivíduo e a política ou o direito. 
A liberdade é o maior bem e o “único direito inato” e, por isso, deve 
ser distribuído igualmente. 
Kant afirma que justo é tudo o que promove a liberdade, o governo de si 
mesmo para si mesmo; e injusto, tudo o que impede a liberdade se 
realiza segundo leis universais (igualdade). 
Portanto, para Kant, a ação justa seria a ação cuja a máxima liberdade 
de arbítrio de cada um pode coexistir com a liberdade de todos. 
 
 
4 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa, Ed. 70, 1997. p.421. 
5 Idem. p.429. 
6 Idem. p.434. 
7 KANT, Immanuel. Discurso de metafísica. Lisboa, Ed. 70, 1998. p.27. 
Onde aparece o Direito? 
O intelecto se ocupa do ser, de captar o mundo como ele é. A vontade 
cria o dever ser, ela procura fazer o mundo como ele deve ser. 
Ao sair de si mesma, agindo, a vontade pura cria essa regra moral de 
modo absolutamente independente de qualquer experiência sensível. 
Assim, da estrutura do pensamento kantiano nasce uma dicotomia. 
Como o dever ser não é dado pela sensibilidade ou pela 
experiência, e sim uma ideia pura, tem como pressuposto a Liberdade. 
 
Sem a liberdade, seria mero desdobramento da sensibilidade e não uma 
ideia incondicionada. 
 
No momento de exteriorização da liberdade, como instrumento 
necessário à vida da liberdade. 
 
A figura do Estado nos aparece quanto a seu fim e fundamento, 
pois é tão somente a liberdade que ele realiza e protege através do direito 
cuja função é, por meio da ordem coativa segundo leis universais, 
compatibilizar o uso externo da liberdade de todos. 
 
DIREITO = CONJUNTO DAS CONDIÇÕES QUE PERMITEM A 
COEXISTÊNCIA DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS 
 
Sendo normas sociais de conduta, o que diferencia Moral e Direito? 
 
HETERONOMIA 
COERCIBILIDADE 
BILATERALIDADE ATRIBUTIVA 
 
 
 
II – Direito e Moral: forma 
 
Sob o aspecto formal, 
Direito e a Moral se distanciam em virtude de alguns elementos que, presentes 
na norma jurídica, inexistem na norma moral. São eles: 
a) heteronomia; 
b) coercibilidade; e 
c) bilateralidade atributiva. 
 
a) Heteronomia: 
Neste sobressai o caráter externo da norma jurídica. 
Enquanto a norma moral se processa no plano da consciência individual, 
a norma jurídica é produzida e se materializa no plano exterior ao sujeito. 
 
Para Miguel Reale: 
o Direito é exterior, ou heterônomo, “visto ser posto por terceiros aquilo que 
juridicamente somos obrigados a cumprir”. 
Esse terceiro: o Estado, através de seu Poder competente para elaborar a lei, 
em regra, o Legislativo. 
 
Assim: norma moral: dever, pelo dever, ou seja, existe a convicção de que se 
deve respeitá-la porque é válida em si mesma; 
(“age de tal modo que a máxima da tua ação seja, sempre, ação universal”), 
 
Já, a norma jurídica, ocorre além do querer do destinatário. 
Como afirma Reale: goste-se, ou não, da norma jurídica, deve-se viver em 
conformidade com ela. 
 
b) COERCIBILIDADE: 
Elemento essencial da norma jurídica. 
Afirmar que o Direito possui coercibilidade significa dizer que existe a 
possibilidade de se invocar o uso da força para a execução da norma jurídica. 
Significa a possibilidade de um agir forçado”. 
 
O mesmo não ocorre com a pode, por certo, ser afirmado em relação ao agir 
moral. Ninguém pode ser coagido a cumprir um preceito moral contra a 
sua vontade. 
Importa lembrar sempre, porque oportuno, que a coercibilidade não se 
confunde com a coação. Embora ambas signifiquem força, a primeira 
representa uma força “em potência”, ou seja, “a possibilidade de vir a ser”. 
Assim, quando afirmamos que o Direito é coercível significa dizer que existe no 
Direito a “possibilidade de invocar o uso da força, se necessário for”. 
Nesse sentido afirma-se que o Direito “é a ordenação coercível da conduta 
humana”. 
A força passa a ser um meio a que o direito recorre para se fazer valer, quando 
se revelam insuficientes os motivos que, comumente, levam os interessados a 
cumpri-lo”. 
A coação, por sua vez, representa a força em ato, ou seja, a atualização de 
um fato, um estar acontecendo (uma força efetiva), uma força juridicamente 
organizada, utilizada pelo Direito para garantir seu cumprimento. 
 
A coação, portanto, somente se manifesta na hipótese do descumprimento da 
norma jurídica. A título de exemplo, podemos citar o despejo, a penhora ou 
mesmo a força física. 
A coação, portanto, está ligada à sanção. 
É importante, ainda, ressaltar as teorias de Kelsen e de Ihering, onde o direito 
seria dotado sempre e invariavelmente de força. 
 
Para Kelsen, o “direito seria a ordenação coercitiva da conduta humana”, 
enquanto, para Ihering (que simbolizava o direito com a espada e a balança), 
“o direito seria o conjunto das normas, em virtude das quais, num Estado, se 
exerce a coação”. 
 
Tais teorias, em que pese a grande adesão que tiveram num determinado 
momento histórico, perderam muito de sua força porque a coação não é a 
regra, mas a exceção no direito, ou seja, no mais das vezes as normas são 
cumpridas espontaneamente, sem necessidade de que se recorra à força. 
 
Nas palavras de Goffredo Telles Júnior, “se a norma jurídica for definida por 
meio da coação, seria natural perguntar em que consiste a norma jurídica antes 
da violação dela”? 
Merece também destaque a necessidade de não se confundir a coação (força 
juridicamente organizada de que tratamos acima), com a coação (vício do 
negócio jurídico, seja por violência física ou psíquica contra uma pessoa de que 
tratam os artigos 151 e 171 do Código Civil). 
 
c) Bilateralidade atributiva: 
Segundo Miguel Reale, por bilateralidade atributiva devemos entender “uma 
proporção intersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação 
ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente algo”. 
Da definição acima, merecem destaque: 
i) o fato da relação jurídica ser intersubjetiva (dai a bilateralidade); 
ii) que a relação entre os sujeitosdeve ser objetiva, sem arbitrariedade de uma 
das partes, ou seja, uma das partes não pode ficar à mercê da outra; 
iii) da proporção estabelecida deve decorrer a atribuição de pretender, exigir 
ou fazer alguma coisa;; e 
iiii) da relação jurídica resulta a atribuição que vincula as partes e garante uma 
pretensão ou ação. Um exigir garantido. 
Mais uma vez, com Betioli (p. 96), concluímos que “é precisamente em vista 
dessa exigibilidade garantida que o direito goza da coercibilidade, ou seja, da 
possibilidade do recurso à força que emana da soberania do Estado, capaz de 
impor respeito a uma norma jurídica”. 
Ou, conforme Reale: “o direito é coercível, porque é exigível, e é exigível 
porque bilateral atributivo”.

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