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Indaial – 2020 História das relações internacionais Prof. Péricles Pedrosa Lima 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof. Péricles Pedrosa Lima Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: L732h Lima, Péricles Pedrosa História das relações internacionais. / Péricles Pedrosa Lima. Indaial: UNIASSELVI, 2020. 194 p.; il. ISBN 978-65-5663-022-9 1. Relações internacionais. - Brasil. 2. Política internacional. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 327.09 III apresentação O estudo da disciplina de História para o acadêmico de Relações Internacionais deverá proporcionar a compreensão das contradições políticas e ideológicas, das pressões que influenciam os homens de Estado, dos condicionantes econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, a disciplina de História das Relações Internacionais (HRI) encontra-se dentro da grande área que são as Relações Internacionais (RI). A ampliação do campo historiográfico busca ultrapassar a tradicional história diplomática e, assim, superar o simples conhecimento do desenrolar dos processos históricos, muitas vezes interpretados por tratados, documentos oficiais e arquivos diplomáticos. Portanto, o estudo da História das Relações Internacionais não se encontra apenas no monitoramento dos movimentos diplomáticos e de seus respectivos processos políticos, mas também em uma análise de condicionantes diversos que gerariam os movimentos políticos, sociais e econômicos, por exemplo, como os diferentes processos de decisão e barganha em seus diferentes momentos. As Escolas Inglesa e Francesa são as precursoras dessa reflexão e evolução teórica-metodológica. Partindo de uma visão econômica, torna-se importante ressaltar a obra de Giovanni Arrighi, O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo, na qual o autor busca em Braudel e Wallerstein o suporte para o debate histórico, propondo ciclos sistêmicos para entender o desenvolvimento da economia mundial. O autor associa o desenvolvimento e a maturação do sistema de estados com o desenvolvimento do capitalismo moderno em uma perspectiva histórica-mundial, tornando-se assim uma abordagem teórica e uma interpretação da evolução dos estados capitalistas e da economia capitalista. A análise dos quatro ciclos históricos desenvolvidos pelo autor – Genovês, Províncias Unidas, Grã-Bretanha e Estados Unidos – amplia nossa visão sobre o desenvolvimento do capitalismo associado à formação do Estado-nação e ao conceito de hegemonia; a competência de um Estado em exercer funções de liderança e de governo. O ciclo genovês estende-se entre o século XV e o início do século XVII. O ciclo das Províncias Unidas pode ser entendido entre o fim do século XVI e o século XVIII. Por sua vez, o ciclo britânico entre o fim do século XVIII e o início do século XX, e, por fim, o ciclo norte-americano, a partir do fim do século XIX (ARRIGHI, 1994). A proposta deste livro é trazer para você, acadêmico de Relações Internacionais, os processos históricos, os acontecimentos políticos, militares, econômicos e sociais no contexto das diferentes sociedades e estados, tendo como ponto de partida a sociedade internacional europeia e os elementos que a configuraram e que propiciaram a sua expansão. O modelo de Estado Nacional, desenvolvido no continente europeu, e a sua maturidade, fruto de diferentes conflitos internos e externos, conduziram ao domínio e IV aprimoramento da economia e do comércio, consagrando uma forma de poder que se tornou a base da sociedade europeia e de sua expansão. É importante ressaltar que o presente livro tem como objeto de estudo o mundo ocidental, o qual teve a Europa como berço. Mas poderíamos nos perguntar: Por que a Europa? Durante os séculos XV e XVI, a Europa viveu o apogeu de sua Revolução Cultural: a Renascença. Quando atingiu o século XVIII, o continente já apresentava uma considerável expansão para diferentes regiões do globo, e no século XIX consolidava-se exportando valores culturais, principalmente sua organização política, social e econômica que moldava diferentes Estados. Nessa mesma altura observa-se que Impérios muçulmanos estavam no auge na Pérsia, na Índia e na atual Turquia, assim como o império russo estava em expansão para o Oriente, e a China com a dinastia Qing (1644- 1912) se consolidava como a última grande dinastia imperial. A África, com suas particularidades, principalmente o norte africano muçulmano, já apresentava laços comerciais com o Oriente Médio e com a Ásia. Na sua parte subsaariana formaram-se vários impérios, dentre eles, os impérios malinês e Songhay no Oeste, no Centro-Sul, o grande Zimbábue. Particularmente, a China, objeto de estudo de grande interesse e importância na atualidade, foi durante muito tempo uma civilização mais avançada do que a europeia. A China da dinastia Ming era a grande potência do final do século XV e contava com mais de cem milhões de habitantes e capacidade para realizar expansão para outros territórios, pois dominavam a arte da navegação, dispunham de tecnologia e força militar. A Europa, menos populosa, adquirira da China entre outras particularidades uma forma rudimentar de imprensa e fabricação de papel, a bússola e a pólvora. Por volta de 1480, o imperador chinês da dinastia Ming (1368-1644) proibiu a exploração e o comércio ultramarino, e aqueles mercadores que insistissem com a prática seriam declarados contrabandistas e teriam seus estabelecimentos destruídos. Por motivos diversos, ela não realizou a sua expansão marítima, talvez para preservar suas fronteiras, concentrar esforços internos e se prevenir de invasões. O Estado chinês era forte e centralizador, concentrando para si todo o comércio de especiarias com os portugueses e espanhóis e, assim, em decisão imperial, fechou-se para o mundo. Tal fato não ocorreu com a Europa, pelo contrário. Os líderes europeus viviam em uma rede de estados rivais que competiam entre si pelo poder e por territórios, seja em termos de ocupação ou de influência. As casas dinásticas europeias estabeleciam casamentos e projetavam influências. O imperador chinês não precisava enfrentar rivais que tinham poderes semelhantes ao seu, e, nesse caso, a rivalidade existente entre os líderes europeus favoreceu a disputa comercial e a expansão do continente. Após V a queda do Império Romano no Ocidente, nenhum poder absoluto voltou a controlar o continente e considerável parte da história da Europa deriva desse momento de formação. Séculos depois, a China volta a se abrir para o mundo, para o comércio. Ao despertar de um longo sono, provoca profundos impactos nas estruturas da ordem econômica liberal desenvolvida e difundida no Ocidente. Para entendermos como ocorreu o processo de formação dos estados ocidentais no âmbito econômico e social, torna-se importante entender a trajetória, formação e desenvolvimento do sistema de estados europeus, assim como sua expansão para outros continentes. Ao fim de cada parte das unidades que compõem o guia de estudos em História das Relações Internacionais, encontram-se questões dissertativas e questões objetivas que devem ser realizadas por você, a fim de fixar a sua compreensão. Você, acadêmico, deverá construir durante a sua formação como internacionalista uma considerável base historiográfica que o habilitará a compreender como os diferentes estados desenvolveram os princípios que pautam as Relações Internacionais Contemporâneas. Desejamos uma boa leitura e que o texto possa despertar em você o internacionalista curioso e atento aos fatos históricos. Prof. Péricles Pedrosa Lima VI Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro?Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA VII VIII Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE IX UNIDADE 1 – DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX ............1 TÓPICO 1 – EXPANSÃO EUROPEIA ...................................................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 EXPLICANDO A EXPANSÃO EUROPEIA .......................................................................................4 3 O TRATADO DE WESTFÁLIA (1648) ..............................................................................................12 4 O ACORDO DE UTRECHT (1714) ....................................................................................................17 5 A RACIONALIDADE DO SÉCULO XVIII .....................................................................................19 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................24 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................25 TÓPICO 2 – AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII .......................................................................29 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................29 2 AS REVOLUÇÕES ................................................................................................................................29 2.1 A REVOLUÇÃO AMERICANA E A INDEPENDÊNCIA DAS COLÔNIAS .........................30 3 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A EMERGÊNCIA INGLESA ................................................32 4 A REVOLUÇÃO FRANCESA E A OBRA POLÍTICA E MILITAR DE NAPOLEÃO ..............34 4.1 AS GUERRAS NAPOLEÔNICAS .................................................................................................36 5 O CONGRESSO DE VIENA (1814-1815) E A HEGEMONIA COLETIVA ................................40 5.1 PÓS-VIENA: O CAMINHO DAS REVOLTAS LIBERAIS .........................................................42 5.1.1 Pan-eslavismo ..........................................................................................................................44 5.1.2 Pan-italianismo ........................................................................................................................45 5.1.3 Pangermanismo ......................................................................................................................46 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................48 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................49 TÓPICO 3 – O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX .............................51 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................51 2 A DIPLOMACIA DE BISMARCK (1871-1890)................................................................................51 3 O DESENVOLVIMENTO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ......................................57 4 A CONFERÊNCIA DE BERLIM .........................................................................................................59 5 O IMPERIALISMO NA ÁSIA ............................................................................................................63 6 O IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO ...................................................................................66 7 OS ANOS FINAIS DO SÉCULO XIX ...............................................................................................67 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................70 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................74 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................75 UNIDADE 2 – A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE .............................................77 TÓPICO 1 – O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA ........................................................................................................79 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................79 2 AS FORÇAS QUE EMERGEM DO SÉCULO XIX ..........................................................................80 sumário X 3 A GRANDE GUERRA (1914-1918).....................................................................................................87 4 O ACORDO POSSÍVEL E O TRATADO DE VERSALHES .........................................................90 5 O IDEALISMO WILSONIANO E A LIGA DAS NAÇÕES .........................................................93 6 NACIONALISMOS (DITADURAS E DEMOCRACIAS) ............................................................96 6.1 POLÍTICA EXTERNA DE MUSSOLINI .......................................................................................98 6.2 POLÍTICA EXTERNA DE HITLER ...............................................................................................98 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................100 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................101 TÓPICO 2 – A POLÍTICA INTERNACIONAL NO CONTEXTO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL .....................................................................................................1031 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................103 2 A DEFLAGRAÇÃO DE UM NOVO CONFLITO: A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945) .......................................................................................................................103 3 A OCUPAÇÃO DA FRANÇA E MUNDIALIZAÇÃO DA GUERRA .......................................105 4 A ALIANÇA EUA, URSS E GRÃ-BRETANHA ............................................................................106 5 A SOLUÇÃO FINAL ..........................................................................................................................110 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................113 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................114 TÓPICO 3 – O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA .................................................................................................................115 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................115 2 CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA E OS ACORDOS DE PAZ ..................................................115 3 AS NAÇÕES UNIDAS .......................................................................................................................116 4 A CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL .........................................................................................120 5 O AVANÇO RUSSO NO LESTE EUROPEU .................................................................................122 6 A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA OCIDENTAL .....................................................................124 7 A DOUTRINA TRUMAN .................................................................................................................125 8 O PLANO MARSHALL .....................................................................................................................126 9 REAÇÕES SOVIÉTICAS...................................................................................................................127 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................130 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................134 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................135 UNIDADE 3 – A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE ..............................................................................137 TÓPICO 1 – A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA ..............................................................................................................139 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................139 2 A FLEXIBILIZAÇÃO DA ORDEM BIPOLAR ..............................................................................139 3 A EUROPA REESTRUTURADA: A CONSTRUÇÃO DA COMUNIDADE EUROPEIA .....145 4 A DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA E ASIÁTICA .....................................................................149 5 A CORRIDA ARMAMENTISTA E NUCLEAR ............................................................................151 5.1 CHINA E GUERRA DA COREIA ..............................................................................................153 5.2 A CRISE DOS MÍSSEIS DE CUBA ..............................................................................................154 5.3 GUERRA DO VIETNÃ ..................................................................................................................156 5.4 O CHILE E A DERRUBADA DE SALVADOR ALLENDE ......................................................160 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................162 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................163 XI TÓPICO 2 – O FIM DA GUERRA FRIA E O COLAPSO DO COMUNISMO ..........................165 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................165 2 A DISSUASÃO POSSÍVEL...............................................................................................................165 3 O COLAPSO DO COMUNISMO ....................................................................................................167 3.1 A QUEDA DO MURO DE BERLIM ...........................................................................................171 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................173 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................174 TÓPICO 3 – A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE .....................175 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................175 2 CONFLITOS REGIONAIS ...............................................................................................................175 3 GUERRA AO TERROR ......................................................................................................................178 3.1 AS NAÇÕES UNIDAS E A LUTA CONTRA O TERROR .......................................................180 4 O PAPEL DO ESTADO-NAÇÃO .....................................................................................................181 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................185 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................190 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................191 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................192 XII 1 UNIDADE 1 DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apresentar a expansão europeia e sua relação com a formação do Novo Mundo; • buscar entender a organização política e social no continente europeu e seus reflexos em diferentes espaços; • desenvolver os principais aspectos das revoluções do século XVIII e seus efeitos; • ressaltar a obra política e militar de Napoleão e o nacionalismo despertado na sociedade; • entender o Congresso de Viena e a Hegemonia Coletiva; • verificar os efeitos do nacionalismo na Europa; • identificar o imperialismo europeu em diferentes continentes. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – EXPANSÃO EUROPEIA TÓPICO 2 – AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII TÓPICO 3 – O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 EXPANSÃO EUROPEIA 1 INTRODUÇÃO A Europa dos séculos XV e XVI é caracterizadapelo avanço dos povos ibéricos, principalmente por portugueses e espanhóis, para fora do continente. Usualmente, considera-se a chegada dos portugueses em Ceuta, norte de África, em 1415, como marco inicial do que chamamos Expansão Europeia. A importância do fato e dos momentos que se seguem na próxima década do século XV, quando alcançam diferentes ilhas no Atlântico Norte (Madeira em 1420 e Açores 1427), vêm impulsionar a navegação de cabotagem ao longo da costa ocidental da África realizada pelos navegadores portugueses. O sentido das expedições marítimas para o Atlântico Sul está fortemente associado à busca de rotas comerciais e de matéria-prima para um capitalismo incipiente no continente europeu. O surgimento em séculos posteriores – séculos XVI, XVII e XVIII – de entrepostos comerciais e colônias ao sul do Equador, que mais tarde no século XIX tornaram- se Estados independentes, reforça a importância de iniciarmos nossos estudos por essa Europa Moderna expansionista. Torna-se importante entender a organização política e social no continente europeu moderno, pois há um reflexo direto, principalmente no Novo Mundo, na organização do comércio e na maneira como se estruturaram a nova sociedade americana. Ao norte da América, a influência britânica e suas particularidades formam colônias que se projetam na relação comercial com a metrópole e que mais tarde, no século XVIII, inaugura o movimento emancipatório. Mais ao sul da América, a exploração e a dependência das metrópoles europeias de suas colônias reforça o cerco a movimentos emancipatórios e propaga sob estreita vigilância a exploração e a censura intelectual, principalmente na América Portuguesa. A emancipação ao sul do continente somente ocorreria no século XIX, com as independências na América espanhola e portuguesa. Retornando ao continente europeu, passaremos a avaliar os impactos e os principais aspectos das revoluções do século XVIII – Revolução Industrial, a Revolução Americana que culminou com a independência das treze colônias britânicas na América e, por fim, a Revolução Francesa e seus efeitos. O mundo, e não só a Europa, não seria o mesmo após esse período revolucionário e de guerras. Os efeitos se propagaram por boa parte do continente europeu e atingiram a América de diferentes maneiras. Os movimentos libertadores ocorridos na América estão em sintonia com os movimentos revolucionários ocorridos na Europa. UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 4 É de importância ressaltar a obra política e militar de Napoleão e o nacionalismo despertado na sociedade. O regime monárquico absolutista encontra seu fim na propagação dos valores e ideias revolucionárias trazidas por Napoleão. O absolutismo constitucional ganha espaço em diferentes Estados e a classe média emergente busca adquirir poder político e intervir nos negócios públicos. O século XVIII é o século da gênese do nacionalismo e da racionalidade nos negócios públicos. O avançar das tropas de Napoleão altera a configuração política da Europa e seu império, em meio a um nacionalismo emergente, tenta centralizar em Paris um novo momento hegemônico. O imperador francês, ao ser vencido pela Inglaterra e desterrado, trouxe aos líderes europeus a oportunidade de realizar um Congresso que buscava restabelecer a ordem política e social alterada por ele. O Congresso de Viena e a Hegemonia Coletiva que dele surge tem um aspecto conservador, mas não consegue anular o ganho trazido pelo nacionalismo propagado pelos franceses. Assim, o século XIX surge como o século do nacionalismo que novamente vem alterar a configuração do espaço europeu e nele surgem novos Estados fruto de unificações. O século XIX é o século do amadurecimento do nacionalismo. Esta unidade tem como objetivo o estudo da expansão da Europa para diferentes partes do globo, assim como de sua cultura e da evolução de sua organização política e social. Tal fato se torna de extrema importância, pois a difusão dos valores europeus moldou os novos Estados na Idade Moderna e também sua organização política e econômica. Não serão aqui desenvolvidas a cultura oriental, seus valores e organização política, que paralelamente ao Ocidente também apresentavam seu desenvolvimento. ATENCAO 2 EXPLICANDO A EXPANSÃO EUROPEIA No fim do século XV, os habitantes da Europa pouco conheciam sobre outras civilizações existentes fora do seu continente e o território não era o espaço geopolítico mais populoso da Terra. China e Índia eram e ainda são os mais populosos. O continente europeu ainda se via ameaçado por muçulmanos e pelos turcos otomanos que se expandiam sobre seus territórios, apesar da “reconquista cristã” ocorrida na península ibérica. A conquista da cidade de Constantinopla, em 1453, representou um avanço dos “infiéis” na visão do cristão europeu. A Europa também não era unida como um território homogêneo, apesar de professarem em sua grande parte a fé cristã, fruto do período romano do Ocidente. Encontrava-se fragmentada em diversos pequenos reinos e feudos que TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 5 muitas vezes lutavam entre si e não prezavam pelo saber científico e tecnológico das grandes civilizações do Oriente. Ainda assim, o continente viveu nos séculos XV e XVI uma revolução cultural impulsionada pelo despertar da curiosidade científica, da busca pelos avanços tecnológicos e por novas rotas de comércio, seja por terra e, principalmente, pelo mar. As viagens marítimas se tornaram projetos de colonização que alcançaram a América, a África e a Ásia, chegando até o Japão. O processo avançou de forma progressiva e abrangente e, em meados do século XVIII, vários países europeus haviam se tornado potências mundiais com colônias em diferentes partes do globo. Ainda nos séculos XVI e XVII, verifica-se que o europeu transforma sua maneira de pensar o mundo e os reflexos são sentidos na arte, na cultura, na política e no comércio. A Renascença, primeira grande ruptura do mundo medieval e entendida como a descoberta ou redescoberta dos ensinamentos greco- romanos, atinge também a forma de pensar a religião, a relação do homem com Deus e, assim, começa o longo processo de secularização da sociedade europeia. O conceito de mundo secular, aquele no qual poderá existir religião como uma questão privada ou como uma associação de pessoas que professam uma crença, deverá estar afastada das questões políticas. Outro processo no século XVI abala o mundo cristão. A reforma traz uma fenda considerável nas estruturas do dogma religioso e a questão religiosa traz o debate sobre as estruturas da igreja cristã romana, questionando a infalibilidade e outros dogmas, como o da salvação. A Renascença pode ser entendida como um movimento que nasceu na península itálica, uma revolução cultural que emergiu em meados do Século XV. O contexto era caracterizado como uma retomada do mundo clássico, um novo interesse pelas artes e cultura clássicas. Surge um novo espírito de curiosidade científica com avanços tecnológicos, mas o maior efeito foi visto nas artes, na arquitetura e também na literatura. NOTA No início do século XVIII, o continente americano central e meridional estava em sua maior parte controlado pela Espanha, com exceção do Brasil. No Norte havia grandes colônias inglesas e francesas em progressivo crescimento. A relação das colônias inglesas com a metrópole se caracterizava pelo intensivo desenvolvimento do território e pela taxação exercida pela metrópole dos produtos exportados pelos colonos. No centro e no sul do continente americano, o processo colonial apresentava-se com características muito mais exploratórias do que desenvolvimentistas. Pode-se observar que ocorreram diferentes procedimentos de colonização no Norte e no centro-sul do continente, mediante diferentes visões das respectivas metrópoles e dos colonos, assim como diferentes formas de organização e de governo estabelecidas nos territórios. UNIDADE1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 6 As viagens de exploração dos europeus, fruto da própria Renascença que trouxera avanços científicos, logo se transformaram em colonizações, algumas com caráter mais exploratório devido ao contexto econômico dos estados europeus entre os séculos XVI e XVIII (Portugal e Espanha na América do Sul e Central). O processo pode ser entendido como de ocupação dos territórios, mas se observava mais fortemente o caráter exploratório. Por sua vez, os colonos que se destinaram à costa leste do norte do continente americano, formando as treze colônias britânicas, atendiam a uma demanda não só econômica como também de ordem política, social e religiosa. Diferente da colonização mais ao sul, que tinha por base o latifúndio monocultor escravista, ao norte a colonização se deu com base em pequenas propriedades, com diferentes cultivos e com o trabalho livre. NOTA O conceito de grandes descobertas é hoje motivo de debate e polêmica. Os europeus chegaram a um continente onde habitavam inúmeros povos com suas culturas e organizações sociais e políticas. A colonização forçada e agressiva dizimou civilizações, provocando o genocídio de diferentes grupos étnicos. Não há um consenso no termo colonização por ocupação ou por exploração e mesmo com relação à fixação de contingentes populacionais em determinados locais ou regiões. No início da Idade Moderna não houve grandes movimentos demográficos, deslocamentos migratórios consideráveis, mas pode-se afirmar que comerciantes europeus construíram feitorias nos litorais das regiões alcançadas, na África, América e Ásia onde trocavam os produtos. A verdadeira colonização europeia na Idade Moderna, com deslocamentos populacionais e criação de um sistema administrativo, ocorreu no continente americano por volta do século XVIII, gerando um intenso aproveitamento de recursos em benefício das metrópoles europeias. Paralelamente à fixação de contingentes de colonos europeus, ocorreu a incorporação pela população local de modelos sociais, culturais e religiosos e um processo de miscigenação, principalmente no centro e no sul da América. Portanto, nossa sociedade atual é descendente do sistema europeu e desse processo de colonização marcado por valores, regras e instituições originalmente traçadas pela sociedade europeia. TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 7 O termo “sistema” é usado em associação ao arranjo do sistema solar de Newton. No sistema de atores estatais existe, como no sistema solar, um equilíbrio entre atores menores e maiores, cada um com sua autonomia e dentro de um ajuste que mantém esse equilíbrio. A Escola Inglesa acrescenta a essa ideia a visão realista das relações internacionais, de um sistema anárquico em que dois ou mais atores apresentam contato suficiente entre eles e essa interação produz impacto nas decisões e no comportamento desses mesmos atores. NOTA O Reino de Portugal deu início à expansão marítima e foi seguido pelo Reino de Espanha, pela Holanda, França e Inglaterra. O pioneirismo português deu-se pela precoce concentração do poder nas mãos do rei e por influência de um grupo mercantil. A Espanha, por sua vez, formou-se pela união de monarquias feudais e cristãs em torno de um único reino. O casamento em 1469, de Fernando, rei de Aragão, e Isabel, rainha de Castela, reis católicos, consolida a formação do Reino de Espanha. Os reis católicos, além de responsáveis pela união de todo o reino, eram também incentivadores da expansão europeia. A partir dos séculos XV e XVI, os europeus passaram a ocupar diferentes espaços, África e América, inicialmente, e a difundir seu modus vivendi, ou seja, passam a propagar a sua forma de organização social, política, econômica e religiosa. O mundo no qual os europeus se expandiam era formado por diferentes tipos de comunidade e civilizações. Encontraram povos cuja existência era completamente desconhecida do mundo dito civilizado a Ocidente, e também passaram a conviver mais intimamente com o mundo muçulmano a Oriente e suas particularidades políticas e religiosas. Watson (2004) enfatiza que os muçulmanos não eram considerados “elegíveis” pelos europeus, a despeito de um envolvimento mais estreito entre o Islã e a sociedade europeia de estados cristãos após a expansão. A tomada de Constantinopla pelos otomanos, em 1453, encontra-se associada à busca de novas rotas comerciais e pode ser considerada um dos fatores propulsionadores da expansão. Pode-se considerar que a primeira etapa da expansão ultramarina da Europa teve início por volta de 1419, quatro anos depois da tomada de Ceuta pelos portugueses, em 1415, no norte da África. Também foram eles que inicialmente se aventuraram na circum-navegação do continente africano e, junto aos espanhóis, fizeram a descoberta e ocupação do novo mundo. Todos esses processos expansionistas possuem conotação comercial e religiosa, mas também estão intimamente ligados à nova visão de mundo propagada e defendida pelos europeus. Ocorrera uma desagregação do mundo medieval a partir dos séculos XIV e XV, que afetou a vida econômica e social do continente. O declínio da nobreza feudal e o surgimento da classe burguesa impulsionaram o surgimento da Europa Moderna. UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 8 FIGURA 1 – MAPA COM AS VIAGENS DOS PORTUGUESES E ESPANHÓIS NOS SÉCULOS XV E XVI FONTE: <https://images.slideplayer.com.br/6/5652141/slides/slide_2.jpg>. Acesso em: 20 jul. 2019. Quando Cristóvão Colombo atingiu o continente americano, em outubro de 1492, não tinha conhecimento do território que alcançara. A Espanha, financiadora do projeto marítimo, recorre ao papa, que era espanhol, para legitimar o processo ocorrido. A proclamação do Papa Alexandre VI (1431-1503), em 4 de maio de 1493 – Bula Inter Coetera – veio mediar e estabelecer regras para o avanço de portugueses e espanhóis no novo mundo. O documento apresentava uma linha imaginária a 100 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde e determinava que as terras a oeste da linha pertencessem ao Reino de Espanha e a leste ao Reino de Portugal. Mediante os intensos protestos dos soberanos portugueses contra a divisão feita pelo papa e visando evitar conflitos na península ibérica, Alexandre VI arbitrou um novo acordo em 1494, o Tratado de Tordesilhas, em referência à cidade espanhola, o qual estabelecia uma linha imaginária traçada a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 9 FIGURA 2 – INTER COETERA E TORDESILHAS FONTE: <https://i1.wp.com/files.professor-leandro.webnode.com.br/200000227-82a2284978/ cabral2.png>. Acesso em: 12 mar. 2020. Dessa forma, os Tratados de Tordesilhas, de 7 de junho de 1494, celebrados entre o Reino de Portugal e de Espanha vieram efetivar a divisão das terras a descobrir e a serem ocupadas por esses dois atores europeus. Enquanto os europeus dominavam o novo mundo, no Oriente as relações que procuravam estabelecer tinham outro sentido: eram “clientes de autoridades asiáticas” (WATSON, 2004, p. 310). Os comerciantes portugueses no oceano Índico se encontravam na mesma situação dos comerciantes árabes que também por ali comercializavam. Além dos portugueses e dos árabes, tal comércio marítimo não só no Índico, mas também no Pacífico, contava com a presença de chineses. Às relações comerciais com o Oriente acrescentava-se alguma espécie de relação política com os governantes da área. Comerciantes portugueses lidavam, portanto, com muçulmanos e com não muçulmanos, além de diferentes autoridades asiáticas. Procuravam vender seus produtos e obter vantagens comerciais e estratégicas, tornando essa empreitada comercial lucrativa. Mais tarde, comerciantes e banqueiros dos Países Baixos se sentiram atraídos por esse comércio que era praticado pelos portugueses e passaram a ocupar o lugar destes nas feitorias criadas em diferentes pontos, não só na Ásia como também na África. A União Ibérica(1580 a 1640) colocou Portugal sob controle dos Habsburgos espanhóis – a dinastia Filipina – deixando os holandeses impossibilitados de receber os produtos do Oriente trazidos pelos portugueses. Tal fato impulsionou os holandeses a começarem a comercializar diretamente com o Oriente por meio de empresas mercantes holandesas. A primeira expedição holandesa chegou à UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 10 China em 1542, onde os portugueses já estavam desde 1516. As relações entre esses europeus e asiáticos marcou o início de um envolvimento econômico e estratégico do sistema europeu com as civilizações da Ásia. Watson (2004) chama a atenção para a forma das relações estabelecidas e que por vezes eram determinadas pelos governantes asiáticos. Os europeus eram enviados dos soberanos e esses comandantes mercantes levavam cartas credenciais autorizando-os a agir em nome dos seus soberanos, gerando formas modifi cadas de negociar para adequar aos usos e costumes do Oriente. Na América, o ritmo das negociações se dava de forma diferente. Buscavam a exploração direta dos recursos da terra, inicialmente com o auxílio dos nativos, posteriormente dos africanos trafi cados. Na ocupação e distribuição de terras para novos colonos, criou-se um sistema de exploração e uma população miscigenada. Havia, principalmente, entre os portugueses, uma capacidade de miscigenação nos trópicos não encontrada entre ingleses e franceses. FIGURA 3 – A CRIAÇÃO DE ADÃO DE MICHELANGELO (1508-1510) FONTE: <https://arteeartistas.com.br/wp-content/uploads/2016/11/ cria%C3%A7%C3%A3oMichelangelo.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2019. Essa fi gura do século XVI traz a imagem de Deus criando o homem, Adão. O catolicismo e seus valores estavam presentes em considerável parte da Europa Ocidental e moldavam a vida dos homens, mesmo depois do fi m da Idade Média. A ideia de um Deus Pai, criador e criatura, estavam presentes no cotidiano e na fé professada. Os europeus, ao se expandirem para diferentes regiões do globo, levaram consigo a fé cristã e propagavam tais valores para os povos que encontravam. Enquanto o comércio dos europeus prosperava no Oriente, na costa atlântica ocorria uma europeização do novo mundo, criando uma dependência entre colônia e metrópole. O avanço ocorrido no espaço americano durante os TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 11 séculos XVI e XVII criou colônias dependentes e espoliadas por suas metrópoles em seus diferentes recursos e, por vezes, travadas em seu desenvolvimento, resultando assim uma periferia no sistema. Ao fim do século XVIII, a América era composta de províncias dependentes da sociedade europeia de Estados. Outra consequência do deslocamento das rotas marítimas para o Atlântico foi o declínio das tradicionais rotas comerciais europeias. O Mediterrâneo, já no fim do século XVI, deixou de ser a principal rota comercial e os portos de Lisboa, em Portugal, Sevilha, na Espanha, e Roterdã, na Holanda, tornaram- se importantes pontos comerciais, recebendo intenso fluxo vindo da América e do Oriente, configurando-se um mercado mundial interligando diferentes regiões. Esse comércio mundial fortalecia as monarquias nacionais europeias e aperfeiçoava o sistema financeiro. Surgiam os novos instrumentos de crédito, notas promissórias e letras de câmbio, gerando um capital fruto de um comércio e de manufaturas que enriquecia os burgueses. O acesso a novas terras levou à confecção de novos mapas, com mais detalhes e mais credíveis, tornando o planeta mais conhecido e a navegação mais rápida e segura. Desenvolveu-se e aperfeiçoaram-se novos instrumentos de navegação, como o telescópio e a bússola de navegação. Essa valorização que se passa a dar para a ciência e tecnologias trouxe para a Europa uma superioridade técnica e militar diante das outras civilizações e permitiu ao continente se impor a diferentes povos e regiões nos séculos seguintes. Foi nessas circunstâncias que as Províncias Unidas, um agrupamento de províncias do norte dos Países Baixos, se tornaram um ator hegemônico no moderno sistema de estados do século XVI. O “caos sistêmico”, entendido como a total falta aparentemente irremediável de organização (ARRIGHI, 1994), que se estabeleceu no continente europeu durante a guerra dos trinta anos (1618- 1648), resultado de disputas religiosas na Europa central, criou espaço para o surgimento das propostas holandesas de reorganização. Nascia assim uma liderança que propunha uma grande reorganização do sistema e que passou a conquistar diversos defensores entre os governantes europeus. Um novo sistema emergiria com o Tratado de Westfália de 1648. Assista aos seguintes filmes: • 1492 – A Conquista do Paraíso (1992). • Elizabeth – A Era de Ouro (2007). • Portugal Desconhecido – Documentário History Channel Brasil. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=jhRTx9vkldg. • Memória de Espanha – Os reis católicos. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=ISj5qGfLvy0. DICAS UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 12 3 O TRATADO DE WESTFÁLIA (1648) A Reforma Protestante abriu uma fenda na vida cristã ao separar a comunidade entre católicos, luteranos e calvinistas. Os líderes europeus buscavam manter a soberania acima dos seus governados, divididos entre católicos e reformados. Até o momento, as funções do Estado eram entendidas como subordinadas à igreja, ao papa, e o rompimento provocado pela Reforma Protestante conduziu a política e religião ao centro do debate. A Reforma Protestante iniciou pelas mãos de um padre que lecionava teologia na Universidade de Wittenberg, na Alemanha atual. Seu protesto público estava principalmente centrado na denúncia de vendas de “indulgências” – perdão para os pecados – exercida pelo poder clerical, entre outras críticas ao papado. Mais tarde, os protestos de Lutero foram abraçados pelos príncipes germânicos, surgindo os termos “protestantismo” e “luteranismo”. Posteriormente, as ideias de Lutero também foram seguidas por outros reformadores, notadamente João Calvino, surgindo assim o termo Calvinismo. NOTA Em Westfália, a separação entre igreja e Estado torna-se um objetivo a ser perseguido no campo diplomático, assim como a possibilidade de construção do Estado laico. É o momento em que se pensa na secularização da ordem política e diplomática, afastando a Santa Sé e o papa, que até então era a maior figura internacional, do papel de árbitro entre os diferentes soberanos. Ficam para trás as relações medievais baseadas no direito canônico e na legitimidade do poder e da autoridade suprema do papa. A Santa Sé se vê retirada do xadrez político europeu, agora ocupado por líderes de potências protestantes e católicas que em concordância assinam textos em que recusam a obedecer ao sumo pontífice e sua pretensão teocrática. Desde princípios do século XVI, a única instituição que transcendia as fronteiras geográficas, étnicas e linguísticas estava sofrendo um ataque severo. A Igreja Católica durante séculos exercia influência sobre a sociedade e a vida cultural da Europa, se envolvendo em disputas internacionais de poder e influenciando a política do continente. Os humanistas europeus influenciados pela Renascença e com a autoconfiança adquirida abriam o caminho para a renovação da Igreja Católica. A Reforma Protestante acontece nesse momento de questionamentos das práticas eclesiásticas como um desafio à autoridade central. TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 13 Por Santa Sé entende-se a jurisdição eclesiástica da Igreja Católica, a Igreja de Roma localizada no Vaticano. NOTA O Tratado de Westfália gerou um sistema europeu de Estados com considerável estabilidade por um século e meio e é o primeiro acordo internacional que estabelece um regime estatocêntrico de ordem mundial. Procurava garantir a soberania dos estados com a promessa de não intervenção entre eles e a separação do mundo político e religioso. A soberaniaaplicada enfatizava o caráter de separação e respeito entre os estados europeus, até então entendidos como uma unidade na cristandade, um “todo” cristão alinhados horizontalmente. A figura do papa era vista como universal nessa organização em que os atores se sentiam unidos pela cristandade. A Escola Inglesa também nos auxilia ao trazer a concepção, o entendimento de como se pode interpretar um grupo de estados. Tal grupo pode ser entendido como comunidades políticas independentes que, além de formarem um sistema no sentido de que o comportamento de cada ator importa nos cálculos dos outros, apresentam também a intenção de construir regras e instituições em que se reconhecem os interesses diversos e assim estabelecerem relações. NOTA Ao mesmo tempo que era anti-hegemônico, preocupava-se com a possibilidade de um ator exercer influência sobre os demais, desenvolvendo ambições hegemônicas. Em termos de hegemonia, pensava-se sempre nas ambições dos Habsburgos. Criou-se assim condições para a atividade diplomática do Estado Moderno, sua independência e soberania por meio de dois tratados assinados simultaneamente em diferentes locais: um em Münster e o outro em Osnabrück. A assinatura simultânea se deve ao fato de que um dos signatários, o imperador do Sacro Império, enfrentou resistência de seus opositores, o que levou à celebração em diferentes locais. No aspecto jurídico, Watson (2004) chama atenção para a concepção de um “novo Direito Internacional” por meio de um conjunto de regras concebidas pelos soberanos que passariam a regular seus negócios. UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 14 A família Habsburgos foi infl uente na Europa do século XIII ao século XX. A dinastia e o poder de seus membros se espalhou para diferentes partes do continente europeu, ocupando tronos e realizando casamentos de caráter político. NOTA FIGURA 4 – A EUROPA DE WESTFÁLIA FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Paz_de_Vestfália#/media/Ficheiro:Europe_map_1648. PNG>. Acesso em: 21 jun. 2019. O mapa traz a representação da Europa do século XVII com sua divisão política e administrativa. O Tratado de Westfália foi um marco na soberania e no respeito aos limites desses reinos, sendo considerado o momento inaugural das relações internacionais. Para Hedley Bull era necessário construir uma nova sociedade internacional onde deveriam conter forças hegemônicas e prezar pelas independências, criando uma base anti-hegemônica, o que veio a contribuir para o crescimento da consciência nacional. As tendências hegemônicas dos Habsburgos marcaram o Século XVI e acabaram por criar uma aliança anti-Habsburgos liderada pela França. Nesse sentido entende-se que, sob o ponto de vista da disputa entre os TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 15 Bourbons, que ocupavam o poder na França, e os Habsburgos, que ocupavam o trono na Espanha, os tratados podem ser considerados mais favoráveis aos Bourbons por conseguirem conter a ânsia expansionista dos Habsburgos. Os tratados estabelecidos também alcançaram o comércio entre os atores. Inseriu- se uma cláusula que revisava restabelecer a liberdade de comércio abolindo barreiras comerciais que haviam sido desenvolvidas no curso das guerras dos trinta anos. Assim, pelo bem do comércio, também se estipulou normas e regras no novo sistema europeu de estados nacionais (ARRIGHI, 2004) e também uma nova ordem anárquica veio substituir o caos sistêmico que havia se estabelecido no início do século XVI. Assim como os Habsburgos, os Bourbons eram uma dinastia influente na Europa Central vindo a ocupar tronos na França, na Espanha e na Península Itálica do século XVI ao Século XVIII. NOTA Essa reorganização do espaço político favoreceu a acumulação de capital e, além de marcar o surgimento do moderno sistema interestatal, trouxe o desenvolvimento da ordem capitalista ao sistema sob a liderança de uma oligarquia capitalista holandesa. O surgimento e estabelecimento de redes comerciais e financeiras por essa oligarquia capitalista se expandiu e atravessou o mundo, tendo uma predominância maior no setor financeiro do que comercial. As habilidades de gestão de Estado em torno de interesses capitalistas renderam também à oligarquia capitalista holandesa uma predominância nas técnicas militares e na eficiência da mão de obra militar. Torna-se importante ressaltar que desde os princípios do século XVII, os europeus haviam desenvolvido um conceito de Estado – uma entidade política soberana dentro de suas fronteiras na qual seus súditos tinham deveres e obrigações. Watson enfatiza que o Estado na Europa do século XVII era compreendido no que Hobbes chamou “a pele de um leviatã”, e internamente cada leviatã era politicamente independente dos demais (WATSON, 2004, p. 271). Para Hobbes, a ideia de um Leviatã estava contida na metáfora de um monstro bíblico, o Leviatã. O poder absoluto designado ao monarca por meio de um pacto social geraria um regime altamente controlador. Assim, o Estado na Europa do século XVII era absolutista e controlador, na pele de um Leviatã. O século XVII foi decisivo para a sociedade europeia de estados, mas a propensão à hegemonia no sistema intereuropeu continuou a ser um traço constitutivo, a despeito da legitimidade anti-hegemônica trazida por Westfália. As bases de Westfália foram ameaçadas por Luís XIV, rei da França, entre 1661 e 1714, apesar dos tratados terem proporcionado um cenário que propiciou UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 16 o apogeu do reinado do monarca francês. Apoiador de causas católicas, esse rei Bourbon-Habsburgo teve como um de seus objetivos conduzir ao trono da Espanha seu neto e assim criar um eixo franco-espanhol de hegemonia. O rei encarnava o Estado, o poder absolutista na sua forma mais integral, e como um monarca “divinamente” autodesignado, acreditava que todos os demais governantes deviam se inclinar a ele. Devido a sua ambição de poder hegemônico, o rei francês encontrou opositores que eram fiéis à ordem de Westfália, principalmente os holandeses fortemente anti-hegemônicos. Voltando ao desenvolvimento histórico-econômico dos ciclos hegemônicos apresentados por Arrighi (1994) – Províncias Unidas e posteriormente Grã- Bretanha – observa-se que a ordem estabelecida em Westfália, e depois ratificada em Utrecht, traz um novo entendimento e configuração nas relações entre os atores. Nesse período, observa-se o declínio do ciclo das Províncias Unidas e o surgimento do poderio naval britânico. Os holandeses não governaram o sistema que haviam criado e as bases estabelecidas nos tratados citados anteriormente altera a configuração política. O poderio naval holandês e as companhias de comércio de capital acionário e ligadas ao Estado começam a entrar em declínio e outros atores passaram a ter predominância no sistema de estados, notadamente França e Inglaterra. Esta última, devido a sua condição insular, passa a desenvolver e ampliar a sua capacidade marítima, tanto para defesa quanto para o comércio. Estabelece-se assim uma luta pela supremacia mundial entre França e Inglaterra, a qual terminará somente com a derrota de Napoleão pelas forças britânicas. Após 1815, término do período napoleônico, consolida-se o poderio inglês não só no continente europeu, mas em todo sistema internacional. O domínio inglês se expandia no norte atlântico e o desenvolvimento de suas colônias na América sinalizava a pujança de um futuro império marítimo que ameaçou e superou o domínio naval holandês. Por outro lado, mesmo a rivalidade entre França e Inglaterra, que sinalizava uma possível bipolaridade no sistema de estados europeus no século XVIII, fora mascarada após 1815 com o Congresso de Viena. A ideia de uma hegemonia coletiva surgida pós-Viena manteve uma pluripolaridade no comando dos estados europeus, mesmo com a emergência do império russo e a consolidação de um forte ator político no centro do continente,a Áustria. As Províncias Unidas reuniam sete regiões no norte da Europa e foi um Estado antecessor da Holanda atual. Existiu do final do Século XVI ao final do Século XVIII. NOTA TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 17 4 O ACORDO DE UTRECHT (1714) A disputa pelo trono espanhol no início do século XVIII envolveu França, Grã-Bretanha, Holanda, Prússia e Portugal. O rei francês, Luís XIV, pretendia colocar no trono espanhol seu descendente, Felipe de Anjou, e assim fortalecer o poderio francês, estendendo-o até a Península Ibérica. Opuseram-se a tal fato vários atores europeus temerosos de uma possível hegemonia francesa. Mediante issi, formou-se uma grande aliança contra Luís XIV. Por fim, o Tratado de Utrecht veio conter a França e suas ambições, aceitando Felipe de Anjou, mas impedindo a união das coroas francesas e espanholas. Felipe foi, portanto, obrigado a renunciar ao trono francês, visto que o maior receio dos governantes europeus era o considerável aumento de poder ao concentrar em suas mãos dois reinos. Dessa forma, colocou-se fim à disputa pelo trono espanhol. O novo rei da Espanha, o francês Felipe de Anjou, por meio do Tratado de Utrecht passa a ser reconhecido pela Grã-Bretanha como rei da Espanha. Em tal negociação, a ilha recebe o estreito de Gibraltar, importante espaço geopolítico para a o futuro do Império Britânico. Gibraltar é um estreito com 58 km de comprimento e 13 km de largura entre a Europa e a África. Ponto estratégico econômico devido à passagem de navios entre o mar Mediterrâneo ao oceano Atlântico. Está localizado no extremo sul da Espanha. IMPORTANT E O acordo foi além dos pressupostos anti-hegemônicos de Westfália e os líderes da coalização contra Luís XIV, responsável pela indicação de Felipe de Anjou, buscaram estabelecer no sistema intereuropeu um equilíbrio móvel em que todos os Estados deveriam ter um papel a desempenhar. Conhecido por la paix anglaise (a paz inglesa) devido às negociações entre Inglaterra e Espanha, os acordos terminam por aceitar esse neto de Luís XIV no trono espanhol, mas estipulava a proibição das coroas da Espanha e da França de se unirem como anteriormente dito. Buscava-se trazer a paz, mas principalmente estabelecer e fortalecer o equilíbrio de poder no continente, uma prática acordada pelos estadistas do século XVIII. A partir do acordo, um considerável período de paz se estabelece na Europa e nenhum Estado contesta os pressupostos anti-hegemônicos, gerando um sistema com características de equilíbrio multipolar de poder em torno das potências: França, Áustria, Inglaterra, Prússia e Rússia. UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 18 FIGURA 5 – TRATADO DE UTRECHT FONTE: <https://static.alunosonline.uol.com.br/conteudo_legenda/ c69e33385b91272beb1c7d37268df101.jpg>. Acesso em: 14 dez. 2019. O equilíbrio tornou-se uma prática dos estadistas do século XVIII em uma coalizão de Estados onde não haveria um ator dominante e o interesse no funcionamento desse sistema era partilhado por todos. Era necessário que um ator cooperasse com o outro para evitar a ruptura, evitar que ocorresse a ascensão de algum dos componentes e se possível promover maior cumplicidade e ligação através dos casamentos dinásticos. O sistema poderia ser caracterizado como multilateral de poder e girava em torno da Inglaterra, França, Áustria, Prússia e Rússia, os atores centrais. As regras da instituição eram claras e existia a dificuldade em aceitar atores que não compartilhassem delas. A existência de potências menores, ditas de “segunda classe” (WATSON, 2004, p. 281), reforçava e estabilizava o sistema. O predomínio nas negociações e na elaboração dos acordos girava em torno dos atores centrais citados anteriormente, cabendo aos atores menores aceitarem as condições. O reino de Espanha e de Portugal, os Países Baixos, Suécia, o reino da Dinamarca, a Baviera, Saxônia e Polônia integravam esse complexo equilíbrio de poder que atravessa o século XVIII europeu. TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 19 FIGURA 6 – EUROPA E OS TRATADOS DO SÉCULO XVIII FONTE: <https://sz.jus.com.br/system/graphics/51179-1.jpg>. Acesso em: 21. Jun. 2019. Na ilustração, pode-se observar o Estreito de Gibraltar, no extremo sul da Espanha, assim como as possessões espanholas no continente europeu quando dos tratados do século XVIII, sendo o principal o Tratado de Utrecht de 1714. 5 A RACIONALIDADE DO SÉCULO XVIII Os filósofos do século XVIII, principalmente os franceses, amadureceram a concepção de que as leis do universo poderiam ser explicadas por intermédio das leis racionais. O movimento denominado Ilustração ou Iluminismo marcou a trajetória do século das luzes e sua força se expandiu pela Europa, atingindo a América, sendo a classe burguesa a sua principal difusora. A razão nos negócios públicos e a ideia de equilíbrio entre os estados tornaram-se também características das relações internacionais intereuropeias no período. A razão nos negócios públicos era pautada pelo cálculo de interesses, longe de sentimentos que envolvessem a emoção. Buscava-se no plano político e comercial um equilíbrio que favorecesse os negócios, o comércio multilateral e os estados grandes e pequenos exerciam atração uns sobre os outros. UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 20 O próprio conceito de Estado passa por uma nova interpretação. Se anteriormente o soberano era o Estado, agora o Estado já se distinguia do soberano, mas as bases em que a comunidade de estados europeus administrava sua sociedade internacional permaneciam sob quatro instituições constitutivas: o direito internacional, que estipulava as regras do jogo e os códigos; a legitimidade dinástica; o diálogo diplomático contínuo conduzido por embaixadores residentes, ministros plenipotenciários e, por fim, a guerra limitada como recurso de última instância (WATSON, 2004). O Sistema de estados europeus expandiu suas influências, assim como as regras políticas, econômicas e sociais para fora da Europa, principalmente durante os séculos XVIII e XIX. Já na metade do Século XIX, vê-se que surgia uma sociedade internacional que prezava pelos valores europeus em diferentes instâncias. IMPORTANT E Os líderes anti-hegemônicos acreditavam que para a manutenção do equilíbrio de poder eram necessárias regras e que estas não poderiam ser ditadas por um único ator, sendo então necessários contratos com acordos estabelecidos. Tais acordos conduziriam as negociações e padronizariam práticas que regulariam as guerras e o comércio, trazendo igualdade entre os estados perante a lei. Surge nesse contexto o Direito Internacional como um conjunto de regras entre os Estados membros, juridicamente iguais, tornando a relação entre os atores mais previsíveis, mais seguro. A legitimidade do soberano com o direito de falar e agir em nome do Estado era fundamentalmente caracterizada pelo princípio dinástico. O herdeiro primogênito receberia o trono e teria sua legitimidade ratificada por tratados e acordos, principalmente depois de Utrecht. A autoridade legítima por herança deveria ser aceita pelos súditos, o que favoreceria a ordem e a previsibilidade do sistema. Uma terceira instituição organizadora da ordem do século XVIII foi o diálogo diplomático multilateral contínuo. Principalmente depois de Utrecht, a manutenção rotineira do diálogo e troca de informações por intermédio de embaixadores e ministros residentes foi se profissionalizando. Surgiram os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e Relações Exteriores, constituindo assim um corpo diplomático coletivamente consciente de suas funções, tanto de diálogo bilateral e intermitente coletivo para a preservação do equilíbrio de poder como para revisão contínua do Direito Internacional. A guerra na Europa do século XVIII tornou-se uma questão moderada e a consciência do custo para o Estado de um envolvimento bélico passou a ser discutida. Era a razão aplicada à política,evitar a guerra com seus desperdícios, TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 21 seus danos, em busca de uma república diplomática na concepção kantiana: uma “paz perpétua”. Havia, portanto, uma “prevalência da razão e nenhuma potência se propunha a fazer uma tentativa hegemônica com a ausência de causas passionais como a religião e o nacionalismo” (WATSON, 2004, p. 285-299). Para o filósofo Kant, a “Paz Perpétua” tem a ver com o sentido republicano de separação de poderes no plano interno dos estados. Já no plano externo, a interação entre os atores estatais deveria sempre ocorrer buscando soluções pacíficas e evitando a guerra. NOTA A Europa do século XVIII pode ser entendida como sendo um continente que ao mesmo tempo em que se encontrava integrado era também dividido em três “Europas”. De um lado encontrava-se a França, Inglaterra, Itália e a região onde posteriormente no século XIX surgiria a Alemanha, considerados centros de irradiação do pensamento e da prática iluminista; de outro lado tinha-se uma Europa mais periférica, composta pela Espanha, Portugal e Rússia, que se encontravam como receptoras de cultura e apresentavam uma estrutura econômica semifeudal. Entre a Europa mais central e a Europa mais periférica encontrava-se ainda uma Europa intermediária, composta pelos Países Baixos e a Suíça, que absorviam a cultura ilustrada e procuravam transformar sua economia. A idade da razão pode ser entendida como um movimento que defendia o domínio da razão sobre a visão teocêntrica que dominou a Europa na Idade Média. Para os filósofos iluministas, essa forma de pensamento tinha o propósito de iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade. Os pensadores que defendiam esses ideais acreditavam que o pensamento racional deveria ser levado adiante, substituindo as crenças religiosas. Dentre os movimentos revolucionários do século XVIII, considera-se de profundo impacto para o Ocidente do ponto de vista político, a Independência das Trezes Colônias Inglesas na América do Norte, em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789. Essas revoluções marcaram a virada do século XVIII para o XIX, pois “punham em xeque toda a autoridade exterior, não justificada pela razão, na política, na estética, no direito e na moral” (FALCON, 1982, p. 100). O ciclo das revoluções pautadas pelas ideias liberais inicia-se no século XVII com a Revolução Inglesa, no século seguinte pela independência das colônias britânicas e constituição dos Estados Unidos, em 1776, e, por fim, com a Revolução Francesa, em 1789. Em todos os processos vê-se ruptura da ordem absolutista, movimentos revolucionários que promoveram a destruição progressiva do Antigo Regime e a construção de novas instituições do Estado. Os movimentos trouxeram um conhecimento crítico empenhado no melhoramento do Estado e da sociedade e marcaram de maneira indelével o sistema de Estados Modernos. UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 22 A ideia trazida pelo filósofo Immanuel Kant, de um Estado justo e racional que poderia evitar a guerra e seus desperdícios em busca de uma “Paz Perpétua”, ecoava entre os líderes do século XVIII. Não era possível abolir as soberanias separadas para favorecer um único governo e, sendo de tal forma impossível esse governo único, “o equilíbrio tinha seu valor e sustentaria os estados; uma proposta impressionantemente contemporânea” (WATSON, 2004, p. 298-299). FIGURA 7 – LUÍS XIV – REI DA FRANÇA ENTRE 1643-1715 FONTE: <https://miro.medium.com/max/2780/1*Oc1aLgnHQTE30Mu8KlJL5g.jpeg>. Acesso em: 12 mar. 2020. Após a coalizão anti-hegemônica contra os avanços de Luís XIV, nenhuma potência se aventurou em uma tentativa hegemônica. Acredita-se que havia uma prevalência da razão e também a ausência de questões religiosas ou de um forte nacionalismo contribuíram para la paix anglaise. Os estados europeus do século XVIII desenvolveram formas de governar que incluíam o respeito mútuo às soberanias e aos limites territoriais, sendo exercícios de governança que conduziam ao equilíbrio entre os atores e que se refletem até hoje na sociedade internacional. Muitos historiadores e autores de Relações Internacionais definem o século XVIII como o século da França, assim como o século XIX, o século da Inglaterra e o século XX, dos Estados Unidos. Para uma melhor compreensão dessa afirmação, passaremos a desenvolver no Tópico 2 o que foram as revoluções acontecidas no século XVIII e que influenciaram o desenvolvimento político, social e econômico do cenário internacional. TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA 23 FIGURA 8 – IMMANUEL KANT FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f2/Kant_gemaelde_3.jpg>. Acesso em: 12 mar. 2020. A Figura 8 traz o filósofo Immanuel Kant, que em 1795 publicou a sua obra A paz perpétua. O autor se torna referência ao abordar e defender a razão como uma força de poder dos estados, seja no plano doméstico, com a divisão de poderes, seja no plano internacional, na busca de relações pautadas pela paz. NOTA Sugerimos que você assista aos seguintes vídeos: • Revolução Francesa – Documentário – History Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IVfsFeYKM-s. • Napoleão Império – History Channel Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=eyWCkH1rudg. • Immanuel Kant Philosophical Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=br6OowwqrP8. • O Sonho de um Rei – Versalhes Parte 1/3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7bRf6L3K5-8. • A História do Capitalismo: o Surgimento da Indústria dos Estados Unidos Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p_M5mMDAARU. • Documentário: As Consequências da Revolução Industrial Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TODNsS8vIGE. DICAS 24 Neste tópico, você aprendeu que: • É de grande importância a Expansão Europeia iniciada nos séculos XV e XVI e a consequente colonização e formação do Novo Mundo: a América. A colonização ocorreu de diferentes formas, trazendo assim um continente americano marcado por diferenças estruturais. Os países europeus envolvidos na colonização da América, Portugal, Espanha e Inglaterra utilizaram diferentes práticas para explorar e ocupar o novo continente. • Com o surgimento da modernidade, iniciou-se novos debates políticos e econômicos na Europa. Os estados europeus passam a utilizar suas colônias para o seu enriquecimento e desenvolvimento próprios. A relação colônia/ metrópole é marcada por momentos tensos em que a exploração passa a ser predominante, principalmente no centro e no sul do continente. • No continente europeu, a organização política e a soberania dos estados são debatidas no Tratado de Westfália de 1648, marco inaugural das Relações Internacionais. Mais tarde, no início do século XVIII, o caráter anti-hegemônico é reforçado no debate sobre a possível ocupação do trono espanhol por um descendente francês. A ideia de evitar o aumento do poder francês predomina no debate e é confirmada pelo Acordo de Utrecht de 1714. Felipe de Anjou assume o trono espanhol, mas as coroas espanholas e francesas ficam impedidas de se unirem. • Os ciclos hegemônicos dos Países Baixos e da Inglaterra marcaram os séculos XVII, XVIII e XIX. A Inglaterra passa a assumir a partir do século XVIII, principalmente após o fim do Império Napoleônico, em 1815, predominância econômica e política, não só no continente europeu como também em todo o sistema. • Os homens do século XVIII passam a enfatizar a racionalidade nas questões públicas, seja no campo doméstico, seja no ambiente internacional. RESUMO DO TÓPICO 1 25 1 Quais foram as transformações ocorridas na Europa a partir dos séculos XIV e XV e quais as suas consequências? 2 Como entender os acordos de Westfália e suas concepções? Os tratados podem ser entendidos como o nascimento das Relações Internacionais? Explique. 3 Como entender a racionalidade do século XVIII nos negócios públicos? 4 Leia a afirmação a seguir,que aborda as transformações políticas ocorridas durante os séculos XVII e XVIII em relação à questão da hegemonia e classifique V para as verdadeiras e F para as falsas: O equilíbrio tornou-se uma prática dos estadistas após Westália, em 1648, e Utrecht, em 1714. Formou-se uma coalizão de estados onde não haveria um ator dominante e o interesse no funcionamento desse sistema era partilhado por todos com característica anti-hegemônica. Era necessário que um ator cooperasse com o outro para evitar a ruptura, evitar que ocorra a ascensão de algum dos componentes e, se possível, promover maior cumplicidade e ligação através dos casamentos dinásticos. I- O conceito de Estado torna-se mais absolutista e não passa por uma nova interpretação. Se anteriormente o soberano era o Estado, agora, mais fortalecido, o soberano centraliza seu poder e domínio tanto interna quanto no externamente. II- Os Estados europeus do século XVIII desenvolveram exercícios de governança e equilíbrio e assim conseguiram durante o século se preservar de avanços hegemônicos. III- A razão aplicada à política evitaria a guerra e seus desperdícios, seus danos. Na concepção kantiana de uma “paz perpétua”, a prevalência da razão conduziria os estados a evitar tentativas hegemônicas por meio de causas passionais como a religião e o nacionalismo. IV- As bases em que a comunidade de estados europeus administrava sua sociedade internacional permaneciam sob quatro instituições constitutivas: o direito internacional, que estipulava as regras do jogo e os códigos; a legitimidade dinástica; o diálogo diplomático contínuo conduzido por embaixadores residentes, ministros plenipotenciários e, por fim, a guerra limitada como recurso de última instância. V- O Estado na Europa do século XVII era compreendido no que Hobbes chamou de “a pele de um leviatã” e, internamente, cada leviatã era AUTOATIVIDADE 26 politicamente independente, mas mesmo no século XVII deve-se entender que a propensão à hegemonia no sistema intereuropeu continuou a ser um traço constitutivo, a despeito da legitimidade anti-hegemônica trazida por Westfália. Com relação às afirmações, são verdadeiras apenas as alternativas: a) ( ) I, II e III, apenas. b) ( ) II, III e V, apenas. c) ( ) I, II e V, apenas. d) ( ) III, IV e V, apenas. e) ( ) I, III e IV, apenas. 5 Leia as asserções a seguir: A Renascença, primeira grande ruptura do mundo medieval e entendida como a descoberta ou redescoberta dos ensinamentos greco-romanos, atinge também a forma de pensar a religião, a relação do homem com Deus e assim começa o longo processo de secularização da sociedade europeia. PORQUE O conceito de mundo secular, aquele no qual poderá existir religião como uma questão privada ou como uma associação de pessoas que professam uma crença, deverá estar afastada das questões políticas. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda justifica a primeira. b) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda não justifica a primeira. c) ( ) A primeira afirmação é verdadeira e a segunda é falsa. d) ( ) A primeira afirmação é falsa e a segunda é verdadeira. e) ( ) Ambas as afirmações são falsas. 6 Leia as asserções a seguir: A legitimidade do soberano com o direito de falar e agir em nome do Estado era fundamentalmente caracterizada pelo princípio dinástico. O herdeiro primogênito receberia o trono e teria sua legitimidade ratificada por tratados e acordos, principalmente depois de Utrecht. PORQUE Principalmente, depois de Utrecht, a manutenção rotineira do diálogo e troca de informações por intermédio de embaixadores e Ministros Residentes foi se profissionalizando. Surgiram os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e Relações Exteriores, constituindo assim um corpo diplomático coletivamente consciente de suas funções. 27 Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda justifica a primeira. b) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda não justifica a primeira. c) ( ) A primeira afirmação é verdadeira e a segunda é falsa. d) ( ) A primeira afirmação é falsa e a segunda é verdadeira. e) ( ) Ambas as afirmações são falsas. 28 29 TÓPICO 2 AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, abordaremos as revoluções que marcaram de forma indelével a Europa e, consequentemente, o novo mundo, a América. A Revolução Americana com a independência das treze colônias britânicas trouxe uma nova configuração política, muito distante do “antigo regime” que durante séculos predominava no espaço europeu. A emergência política e econômica da Inglaterra não só na Europa, mas em boa parte do sistema internacional, deve ser entendida como fruto do desenvolvimento da revolução industrial. Por sua vez, a Revolução Francesa, ocorrida no espaço doméstico francês, e a posterior obra militar e política de Napoleão no espaço europeu, trazem alterações e um contexto de guerra para o continente. O Congresso de Viena (1814-1815), fruto do fim do Império Napoleônico, procura restabelecer a paz europeia e de forma conservadora trazer os monarcas aos tronos numa configuração denominada de Hegemonia Coletiva. Na segunda metade do século XIX surge diferentes nacionalismos, que trazem novas turbulências à Europa. 2 AS REVOLUÇÕES As revoluções que marcaram o século XVIII e o sistema de estados europeus deverão ser entendidas à luz do Iluminismo. O desenvolvimento da economia de mercado, a ascensão da classe burguesa e o declínio da influência dos nobres vieram acompanhados pelo questionamento do poder da Igreja Católica, dos privilégios desses nobres e do sistema absolutista pautado no direito divino dos reis. A Europa do século XVIII abandonava antigos valores e crenças e começava a se pautar pelo conhecimento científico e filosófico, e assim, também na política, mudam-se as concepções, valores e entendimentos. Como dito anteriormente, esse sentimento de racionalidade atingiu a América e se propagou em movimentos revolucionários. Na Europa, os burgueses, uma classe emergente, queria tomar o poder e acabar com privilégios da aristocracia, reformular as instituições políticas, implantar a livre iniciativa e a liberdade comercial, impedir a intervenção do Estado na economia e garantir a igualdade de todos perante a lei. O Estado, ao restringir a ação econômica dos burgueses, restringia o próprio avanço das forças do capitalismo. Tal fato alimentava a concepção de que ao derrubar o Estado UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX 30 absolutista ou reformulá-lo seria possível pôr fim às restrições e aos monopólios mercantilistas do Estado. O pensamento burguês encontrou apoio no povo oprimido em sua luta contra o poder autoritário dos monarcas e o privilégio da nobreza. Na América, as forças do movimento iluminista e do movimento capitalista pautaram as revoltas e batalhas nas colônias inglesas, culminando com o surgimento de uma nação difusora dos valores liberais. Os valores do liberalismo trazem o debate de uma menor intervenção do Estado na economia, pautando as ações econômicas em patamares individuais. Essa filosofia política emerge no século XVIII, na Europa, com o fim do mercantilismo. Pelas mãos de Adam Smith, o debate avança e alcança a ideia da autorregulação do mercado, posteriormente conhecida como “a mão invisível” do mercado. O liberalismo passa assim a ser entendido como um processo de autorregulação que visa à liberdade econômica, meta que seria alcançada afastando o intervencionismo estatal. O liberalismo clássico, como dito anteriormente, surge no século XVIII e ao longo de sua trajetória vai sendo interpretado e difundido por diferentes pensadores econômicos. 2.1 A REVOLUÇÃO AMERICANA E A INDEPENDÊNCIA DAS COLÔNIAS A independência dos Estados Unidos foi uma revolta bem-sucedida contra o colonialismo europeu. Os revolucionários americanos
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