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UNIDADE 1.- O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR POR MEIO DAS ARTES NA INFÂNCIA OBJETIVOS DA UNIDADE Conhecer os registros legais para o desenvolvimento do trabalho com artes, movimento e musicalidade na Base Nacional Comum Curricular e nos Parâmetros Curriculares Nacionais; Introduzir os conceitos e princípios teóricos da psicomotricidade, assim como potencializar a elaboração de estratégias didático-pedagógicas na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental por meio das artes; Possibilitar o conhecimento a respeito dos movimentos do corpo, compartilhando e criando formas de expressão na infância, a fim de que, considerando os sons, formas e cores, o/a pedagogo/a possa potencializar de maneira criativa a relação entre a criança e o espaço, colaborando com seu desenvolvimento psicomotor. TÓPICOS DE ESTUDO A Base Nacional Comum Curricular e as experiências das artes na Educação Infantil – // Arte como linguagem na Educação Infantil // Fundamentos curriculares e legislativos // BNCC e artes Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o ensino de artes nos anos iniciais do Ensino Fundamental – // Ampliações sobre o ensino de artes na BNCC Estratégias didático-pedagógicas para o desenvolvimento psicomotor por meio das artes na infância – // Desenvolvimento e educação psicomotora // Estratégias didático-pedagógicas A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E AS EXPERIÊNCIAS DAS ARTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL O trabalho pedagógico com artes na escola é fundamental para o desenvolvimento das múltiplas linguagens que formam as crianças. É na integração entre vários aspectos como sensibilidade, afetividade, intuição, estética e cognição que a escola promove a interação e, consequentemente, a comunicação social. A linguagem mais evidente na primeira infância é a linguagem corporal. A criança começa a se relacionar com o mundo ao seu entorno ao descobrir as coisas, manuseá-las e se expressar por meio dos movimentos e das relações instituídas entre o seu corpo e os espaços que fazem parte de seu dia a dia. Além de componente curricular obrigatório na Educação Básica, as artes são mediadoras das diversas linguagens a serem desenvolvidas, ou seja: ao mesmo tempo que é conteúdo, é também uma ferramenta pedagógica que leva os sujeitos de aprendizagem a diferentes experimentações com o mundo ao seu retorno, estabelecendo uma mediação entre a criança, a expressividade e o conhecimento de mundo. ARTE COMO LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL A criança, desde o momento que passa a interagir com o mundo, se utiliza da linguagem para expressar suas ideias, assim como internaliza as coisas do mundo por meio do simbolismo e das práticas culturais presentes nos diferentes agrupamentos dos quais participa. Para se expressar, a criança utiliza diversas formas de manifestação, e as artes são uma delas. É por meio da expressividade que a criança também se desenvolve e interage com as pessoas, com o conhecimento, com o mundo propriamente dito. Por meio da arte, é possível desenvolver a percepção e a imaginação para apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada (BARBOSA, 2009, p. 21). Nesta direção, a arte é mediadora do desenvolvimento e da aprendizagem. Ressalta-se que, quando falamos de mediação, estamos trazendo para o alicerce da discussão as ideias da teoria vygotskyana acerca da perspectiva histórico-cultural. EXPLICANDO Vygotsky foi um educador que realizou estudos também sobre a construção do conhecimento, dando mais ênfase ao social, e é devido a isso que sua teoria ficou conhecida como sociointeracionista. Para saber um pouco mais sobre Vygotsky, acesse o link disponibilizado, o qual conta uma publicação do Domínio Público/MEC que aborda tanto a biografia quanto a teoria. A linguagem corporal é uma das formas iniciais da manifestação infantil em relação ao mundo. Assim, as linguagens artísticas que envolvem o movimento, a expressividade do corpo, são partes do trabalho pedagógico nesta etapa da Educação Básica. FUNDAMENTOS CURRICULARES E LEGISLATIVOS A Educação Infantil nem sempre pertenceu ao sistema de ensino. Durante anos a visão assistencialista predominou, delegando para a escola infantil apenas os cuidados com as crianças e deixando de lado uma proposta pedagógica. A Educação Infantil nem sempre pertenceu ao sistema de ensino. Durante anos a visão assistencialista predominou, delegando para a escola infantil apenas os cuidados com as crianças e deixando de lado uma proposta pedagógica. No Brasil, foi a partir dos anos 80 que a oferta de Educação Infantil passou a ser incumbência do poder público, prioritariamente municipal, ofertado em creches e pré-escolas. Desde então, a Educação Infantil passou a ser alvo de discussões, de pesquisas e de ressignificações. Em 1998, atendendo às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996), que estabelece, pela primeira vez na história do País, que a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, é lançado, em três volumes, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, RCNEI. De acordo com o documento, a Educação Infantil deve propiciar às crianças o acesso a elementos culturais que enriqueçam o seu desenvolvimento e possam garantir sua inserção social (BRASIL, 1998). Para que isso aconteça, a criança necessita compreender as diferentes formas com as quais esses elementos culturais se manifestam nos espaços que circulam. Desta forma, as interações são necessárias, seja com os pares, com a cultura, ou com as linguagens, para que a inserção social aconteça, potencializando as diferentes formas de (res)significar o mundo. O objetivo de conceber um documento de referências não foi o de uniformizar as propostas curriculares, mas sim levar às escolas referências para que fosse possível obter uma unidade nacional acerca das experiências proporcionadas às crianças de creches e pré-escolas. EXPLICANDO Aqui, ressalta-se que um currículo não é uma lista de conteúdos. A própria etimologia da palavra nos lembra “caminho”; assim, entende-se que neste caminho há um objetivo a ser alcançado e que perpassaremos vários conhecimentos conforme avançamos neste. Como citado anteriormente, o RCNEI é dividido em três volumes, apresentando reflexões, fundamentação e orientações de eixos a serem trabalhados. O primeiro volume, Introdução, apresenta uma reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil, situando e fundamentando concepções de criança, educação, instituição e do profissional de Educação Infantil. O segundo volume, Formação pessoal e social, aborda o eixo de trabalho que favorece os processos de construção da identidade e autonomia das crianças. O terceiro volume, Conhecimento de mundo, contém documentos referentes aos eixos orientados para a construção das linguagens e para as relações que estabelecem com a sociedade, movimento, com a música, matemática e natureza, com as artes visuais e com a linguagem oral e escrita. No que tange às artes, é possível destacar três áreas de conhecimento delineadas no volume 3 do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, conforme evidencia a Figura 1: As DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, revisadas em 2010, explicitam que as experiências nessa etapa da educação escolar devem explorar o autoconhecimento e o conhecimento de mundo, no qual as crianças estão inseridas. Experiências corporais, sensoriais e expressivas devem ser proporcionadas, respeitando o nível de desenvolvimento das crianças, mas, ao mesmo tempo, potencializando gradativamente seu avanço nos níveis. No artigo 9º, fica claro que a Educação Infantil deve garantir vivências que: I – promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;II – favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; (...) IV – recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço-temporais; (...) IX – promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura (BRASIL, 2009). Entendemos, portanto, que a arte, na Educação Infantil, além de componente curricular, age como fonte mediadora da aprendizagem, assim como possibilita o trabalho interdisciplinar, agregando outros conhecimentos. BNCC E ARTES Atendendo à proposta do PNE, que passou a vigorar a partir de 2014, se estabeleceu a BNCC – ou Base Nacional Comum Curricular - para toda a Educação Básica, ou seja, seu alcance é a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. O objetivo da BNCC não é invalidar os documentos e leis já estabelecidas para a Educação Básica: todos continuam valendo e devem dialogar com a BNCC. De acordo com a BNCC o início do processo educacional dá-se na Educação Infantil, uma vez que “a entrada na creche ou na pré-escola significa, na maioria das vezes, a primeira separação das crianças dos seus vínculos afetivos familiares para se incorporarem a uma situação de socialização estruturada” (BRASIL, 2017, p. 32). Isso posto, ressalta-se que não houve mudança em relação aos eixos estruturais da Educação Infantil. Manteve-se o que estava descrito nas DCNEI de 2009/2010: o foco continua sendo a interação e a brincadeira. A novidade está na relação desses eixos com os direitos de aprendizagem e os campos de experiência. Se a educação é um direito, aprender também o é. No que diz respeito à Educação Infantil, a BNCC estabelece seis direitos de aprendizagem: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Podemos observar que todos esses direitos se iniciam com verbos, e verbos significam ação. E é a partir de ações que haverá a promoção das experiências em diversos campos, e, assim, as crianças pequenas consolidarão seus direitos à aprendizagem. Desta maneira, pode-se afirmar que Os campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural. A definição e a denominação dos campos de experiências também se baseiam no que dispõem as DCNEI em relação aos saberes e conhecimentos fundamentais a ser propiciados às crianças e associados às suas experiências (BRASIL, 2017, p. 36). Considerando os saberes e os conhecimentos fundamentais, encontramos na BNCC cinco campos de experiência. A relação entre movimento, expressividade e artes é bem clara na BNCC, justamente porque, nessa faixa etária, a exploração do mundo se dá por meio da relação criança (corpo) e espaço. VAMOS REFORÇAR O QUE APRENDEMOS ATÉ AGORA? Na primeira etapa da Educação Básica, e de acordo com os eixos estruturantes da Educação Infantil, devem ser assegurados seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento. De acordo com as DCNEI e a BNCC, quais são os eixos estruturantes dos direitos de aprendizagem? Assinale a alternativa correta. R: As interações e brincadeiras. A Educação Infantil, organizada em creches e pré-escolas, deve educar e cuidar, binômio este que foi discutido durante muito tempo. Essas instituições devem ter suas propostas pedagógicas baseadas em princípios éticos, políticos e estéticos. Atualmente, há a predominância de uma tendência pedagógica mais crítica, superando as tendências anteriores denominadas como romântica e cognitiva. Por fim, desde as DCNEI e ratificado na BNCC, são dois os eixos estruturantes dos direitos de aprendizagem na Educação Infantil: as interações e as brincadeiras. OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS E O ENSINO DE ARTES NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL A elaboração dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 90, veio consolidar o processo democrático de estabelecimento curricular no Brasil. Foram criados dez volumes e um específico para tratar do componente curricular arte, obrigatório no Ensino Fundamental. No documento de consulta dos professores, o pensamento artístico e a percepção estética são destacados. A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas (BRASIL, 1997, p. 19). // PCN de artes no Ensino Fundamental Para dar conta da pluralidade do contexto escolar, apresentou-se nos PCN a abordagem triangular, trazida por Ana Mae Barbosa, bem como seus desdobramentos. Ensinar arte, na perspectiva da triangulação (produção – fruição – reflexão), significa articular três pontos conceituais: Nos PCN de artes, entende-se que o trabalho de artes envolve algumas dimensões: artes visuais, dança, música e teatro. Todas possuem o mesmo “peso” no trabalho pedagógico e potencializam a expressividade (verbal ou não verbal) e a sensibilidade. Sabemos que em 2017 o Governo Federal produziu a BNCC, cujo alcance é toda a Educação Básica. Desta maneira, a BNCC complementa e amplia algumas questões já trazidas pelos PCN. As artes, de acordo com a BNCC, compõem a área de linguagens a serem trabalhadas no Ensino Fundamental, tendo como finalidade: Possibilitar aos estudantes participar de práticas de linguagem diversificadas, que lhes permitam ampliar suas capacidades expressivas em manifestações artísticas, corporais e linguísticas, como também seus conhecimentos sobre essas linguagens, em continuidade às experiências vividas na Educação Infantil. (BRASIL, 2017, p. 59) As dimensões a serem trabalhadas em artes são ratificadas na BNCC: No Ensino Fundamental, o componente curricular Arte está centrado nas seguintes linguagens: as artes visuais, a Dança, a Música e o Teatro. Essas linguagens articulam saberes referentes a produtos e fenômenos artísticos e envolvem as práticas de criar, ler, produzir, construir, exteriorizar e refletir sobre formas artísticas. A sensibilidade, a intuição, o pensamento, as emoções e as subjetividades se manifestam como formas de expressão no processo de aprendizagem em Arte (BRASIL, 2017, p. 189). Isso posto, ressalta-se que duas práticas são necessárias no trabalho de artes: a prática artística, que implica na produção em si, como exposições, saraus e espetáculos teatrais; e a prática investigativa, de base conceitual e técnica desse fazer artístico. A BNCC ainda propõe seis dimensões de conhecimento no ensino de artes, apresentadas no Quadro 3. Além das quatro linguagens (artes visuais, dança, música e teatro), propõe-se uma última unidade temática: a de artes integradas, que “explora as relações e articulações entre as diferentes linguagens e suas práticas, inclusive aquelas possibilitadas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação” (BRASIL, 2017, p. 193). VAMOS REFORÇAR O QUE APRENDEMOS ATÉ AGORA? Nos Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados os moldes que o ensino de artes deveria seguir. Os PCN, para todos os ciclos do Ensino Fundamental, são bastante abrangentes. Assim, foram propostas como guias quatro modalidades artísticas, a saber: R: Artes visuais, música, teatro e dança. São quatro as modalidades propostas pelos PCN: artes visuais, que se relaciona com desenho, pinturas e imagens; a música, com os elementos sonoros, percepção e ritmo; o teatro, com o simbolismo e a expressividade; e a dança, trazendo o movimento do corpo. ESTRATÉGIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR POR MEIO DAS ARTESNA INFÂNCIA A relação espaço-criança Os estudos acerca do desenvolvimento psicomotor trazem considerações relevantes para a atuação docente em toda a Educação Básica, mas, prioritariamente, na Educação Infantil, cujo alcance está ligado à primeira infância. Pensar o desenvolvimento infantil não é apenas da “cabeça para cima”, como é de costume, priorizando apenas o desenvolvimento cognitivo. A concepção aqui presente diz respeito ao desenvolvimento da criança como um todo, adotando, portanto, uma visão mais holística, mais integral. Cabe lembrar que o desenvolvimento integral é objetivo da Educação Infantil, o que inclui o aspecto intelectual assim como os aspectos psicológico, emocional, social, entre outros, como já salientado na LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96). É na primeira infância que a formação dos esquemas corporais é iniciada, o que impulsiona o desenvolvimento motor para que o mundo à sua volta seja experienciado com liberdade, ou seja: para que a interação e compreensão da vida seja alicerçada. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, uma vez que ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, as quais devem ser orientadas para a emancipação e a liberdade, não para a submissão (BRASIL, 2017). Movimentar-se não é apenas deslocar-se: é uma forma de manifestação da linguagem que promove ações do sujeito com o mundo físico, ou seja, por meio do movimento a criança explora o seu corpo e o mundo ao seu entorno. Ao explorar seu corpo, compreende suas dimensões, suas potencialidades e aprimora/direciona seu corpo à atuação nos diferentes espaços em que está inserida. A escola é um desses espaços, assim como a sala de aula. As atividades que objetivam o trabalho com o movimento devem fazer parte do planejamento pedagógico, seja de forma intencional ou não. O espaço proporcionado na Educação Infantil deve apresentar quadros que representem a organização do mundo, podendo dispor essas informações por meio de fotografias, obras de artes, textos, livros, entre outros, com objetos que pertençam ao mundo. A partir desse referencial, o mundo, é propício que as crianças possam experimentar situações de expressão diversas, como teatro e desenhos, utilizando materiais diferentes. O professor pode organizar o ambiente com materiais que propiciem a descoberta e exploração do movimento. Materiais que rolem pelo chão, como cilindros e bolas de diversos tamanhos, sugerem às crianças que se arrastem, engatinhem ou caminhem atrás deles ou ainda que rolem sobre eles. As bolas podem ser chutadas, lançadas, quicadas etc. Túneis de pano sugerem às crianças que se abaixem e utilizem a força dos músculos dos braços e das pernas para percorrer seu interior. Móbiles e outros penduricalhos sugerem que as crianças exercitem a posição ereta, nas tentativas de erguer-se para tocá-los. Almofadas organizadas num ambiente com livros ou gibis e brinquedos convidam as crianças a sentarem ou deitarem, concentradas nas suas atividades (BRASIL, 1998, p. 35). Como na primeira infância a criança está dando seus primeiros passos para compreender as coisas do mundo, seu corpo é a primeira referência que ela possui. Na Educação Infantil, portanto, o trabalho com o corpo é fundamental para a formação de conceitos a partir da organização do esquema corporal. Movimentando-se, a criança manifesta seus desejos, suas vontades, seu entendimento sobre o mundo, assim como a maneira de utilizar seu corpo para explorar e conceituar objetos, ações, formular hipóteses, entre outros. Assim, conhecer o corpo e explorá-lo é trabalhar a identidade; mas interagir com o corpo e com os espaços que estão à sua volta faz parte do processo de construção do conhecimento. DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO PSICOMOTORA A psicomotricidade tem grande importância nos primeiros anos de vida de uma criança, posto que é um momento de descoberta: descobre-se os objetos, os outros e seu próprio mundo, ou seja, descobre-se o mundo se descobrindo. O ato de se movimentar está em todas as ações do ser humano: nos movimentamos para nos deslocarmos, para nos alimentarmos, para nos limparmos, seja na escola, nas viagens ou nas ruas, enfim, na vida. Desta maneira, quando nos movimentamos expressamos pensamentos e sentimentos. É pela motricidade e pela visão que a criança descobre o mundo dos objetos, e é manipulando-os que ela redescobre o mundo; porém, esta descoberta a partir dos objetos só será verdadeiramente frutífera quando a criança for capaz de segurar e de largar, quando ela tiver adquirido a noção de distância entre ela e o objeto que ela manipula, quando o objeto não fizer mais parte de sua simples atividade corporal indiferenciada (OLIVEIRA, 2007, p. 34). Entendemos, portanto, que o corpo atua como um mediador entre meio e objeto de conhecimento nas experiências proporcionadas pelos diferentes espaços nos quais a criança circula. Entendemos a criança como um ser-histórico, que se relaciona com o mundo por meio de suas interações e experiências. Esta comunicação se dá por intermédio do corpo, compreendido enquanto totalidade localizada culturalmente. Portanto, é importante a construção do movimento da criança (LORO, 2007, p. 11). A educação psicomotora na escola é aquela que, por meio da manipulação mental, faz com que as crianças manifestem sua expressão corporal, é a harmonia entre os movimentos para se alcançar determinadas finalidades. Para que isso aconteça, alguns elementos básicos são essenciais para o desenvolvimento do esquema corporal e seu uso devido, como sinalizado na Figura 6. No que diz respeito a esses elementos, algumas reflexões são importantes no que tange à educação escolar: Antes de adquirir o controle do corpo, a criança adquire a sensação e a percepção por meio de estímulos sensoriais: superfície, temperatura, peso, entre outros. Depois de sentir, passa a utilizar essas sensações como parte de seu cotidiano, seja nas experiências proporcionadas ou mesmo nas brincadeiras na escola; O equilíbrio é outro elemento básico e diz respeito à posição ereta, à sensibilidade da ponta do pé ao caminhar alternando as pernas. O contato do corpo com o chão é extremamente importante: rolar, deitar, sentar, rastejar, ajoelhar; Naturalmente, o homem tem um lado dominante. No início de sua vida, a criança vai experimentando os lados e vendo qual será seu dominante. Algumas ações, como o ato de escrever, dependem da definição da lateralidade. A princípio denominamos, por exemplo, “um lado e outro lado”, para posteriormente a criança compreender o conceito de esquerda e direita, assim como outros movimentos como em cima e embaixo, dentro e fora. Os membros são independentes e o ser humano, por meio de seus esquemas mentais, controla seus esquemas musculares: o cérebro dá uma ordem e o corpo obedece à esta. A brincadeira “batatinha frita 1, 2, 3” é um ótimo exemplo para o controle do corpo e de seus membros; Por fim, o controle da respiração também é um elemento importante e que auxilia na concentração das atividades. Saber adequar a respiração para a concretização dos movimentos necessários é acionar esquemas mentais e musculares. Didaticamente, é possível elencar as áreas pedagógicas para o trabalho da educação psicomotora: Comunicação e expressão são essenciais na troca de experiências, verbal ou gestualmente, das crianças com o mundo. A percepção é o reconhecimento de estímulos, ligados à atenção, consciência e memória, ao passo que a coordenação motora pode ser dividida em ampla (movimentos largos) e fina (como o pinçar para a utilização de objetos para escrever). A orientação diz respeito ao trabalho com os espaços e com o tempo e o conhecimento com o corpo é o trabalho de esquema corporal e, consequentemente, o de lateralidade. Já as habilidades conceituais, geralmente, estão associadas a conceitos matemáticos, como tamanho, número e forma. Por fim, as habilidades para a escrita relacionam-se aos conceitos de progressão da escrita (da esquerda para a direita),assim como os movimentos retos ou curvilíneos para a representação gráfica das letras. ESTRATÉGIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS Partindo do pressuposto de que a criança se desenvolve de condições menos elaboradas para as mais elaboradas, fica claro que quanto menor for a criança maiores serão as responsabilidades do(a) professor(a) com o trabalho do corpo e movimento, o que incide mais fortemente nos primeiros anos da Educação Básica, ou seja, na Educação Infantil e em sua organização entre creche e pré-escola. O espaço de sala de aula deve proporcionar, primeiramente, o trabalho de (re)conhecimento do corpo. Assim, o espelho trabalha a linguagem corporal e a sua apropriação. A aquisição da consciência dos limites do próprio corpo é um aspecto importante do processo de diferenciação do eu e do outro e da construção da identidade. Por meio das explorações que faz, do contato físico com outras pessoas, da observação daqueles com quem convive, a criança aprende sobre o mundo, sobre si mesma e comunica-se pela linguagem corporal (BRASIL, 1997, p. 15). Assim, ressalta-se que no espelho é possível trabalhar a autoimagem, a imitação, a expressividade, o esquema corporal (reconhecimento das partes do corpo), a lateralidade e a coordenação motora. Outras atividades, como o banho e a massagem, também oportunizam a exploração do corpo da criança, possibilitando a experimentação de diferentes sensações. Desta maneira, o brincar constitui a cultura da infância, envolvendo significações e visões que sustentam as relações entre as crianças, assim como as formas pelas quais interpretam, representam e agem sobre o mundo. Para se relacionar com o mundo e com os outros, por meio da brincadeira, o corpo se manifesta. Desta forma, a brincadeira potencializa a exploração do corpo e do espaço. EXPLICANDO Para garantir que os objetivos sejam cumpridos, as DCNEI (Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil) colocam como eixos norteadores do currículo de Educação Infantil a interação e a brincadeira. Ou seja: os fatores relacionais ganham destaque neste texto legislativo por entender que a criança aprende na interação com o outro (perspectivas interacionista e sociointeracionista), assim como aqueles lúdico-experimentais, por perceber que a criança está em constante aprendizagem. Brincando sozinha ou com os outros, participando de atividades lúdicas, as crianças constroem um repertório de brincadeiras e de referências culturais que compõem a cultura lúdica infantil, ou seja: o conjunto de experiências que permite às crianças brincarem juntas. As brincadeiras que compõem o repertório infantil e que variam conforme a cultura regional apresentam-se como oportunidades privilegiadas para desenvolver habilidades no plano motor, como empinar pipas, jogar bolinhas de gude, atirar com estilingue, pular amarelinha etc. (BRASIL, 1998, p. 25). Inicialmente, os jogos sensório-motores são os que predominam até os dois anos de idade: jogos de encaixe, alinhavos, figura-sombra, assim como se esconder, aparecer, imitação, entre outros. A evolução desses jogos faz com que a criança comece a estabelecer o simbolismo e um sistema de representações, tornando-se um momento denso no que diz respeito à expressividade, como é o caso das brincadeiras de roda. Participar de brincadeiras de roda ou de danças circulares, como “A Galinha do Vizinho” ou “Ciranda, Cirandinha”, favorecem o desenvolvimento da noção de ritmo individual e coletivo, introduzindo as crianças em movimentos inerentes à dança. Brincadeiras tradicionais como “A Linda Rosa Juvenil”, na qual a cada verso corresponde um gesto, proporcionam também a oportunidade de descobrir e explorar movimentos ajustados a um ritmo, conservando fortemente a possibilidade de expressar emoções (BRASIL, 1988, p. 31). Os jogos de regras, mais presentes durante os anos iniciais do Ensino Fundamental, também são importantes para desenvolver capacidades corporais como o equilíbrio e a coordenação motora. Assim, entendemos que o movimento é linguagem na primeira infância. O corpo e o movimento são formas de expressão que traduzem ideias, pensamentos, vontades, criatividade, entre outros. Já as artes, enquanto proposta, são articulações didáticas que impulsionam o trabalho psicomotor na sala de aula. Desta maneira, por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro ou as brincadeiras de faz de conta, as crianças se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem (BRASIL, 2017). A dança é uma estratégia didático-pedagógica que, além da manifestação cultural, proporciona a consciência corporal ligada ao meio em que a criança está inserida. Dançar não significa apenas promover coreografias em apresentações temáticas: dançar é uma forma de manifestação e de explorar o próprio corpo. Brincadeiras de roda, principalmente as musicalizadas, proporcionam um trabalho com a lateralidade, o controle do corpo e da respiração, o equilíbrio, entre outros, além da interação inerente à ação pedagógica em si. Por fim, o teatro também é uma estratégia que vai além da função integradora, uma vez que potencializa as experiências por meio de interpretações e visões de mundo, assim como a manifestação dessa apropriação por meio do corpo e movimento. VAMOS REFORÇAR O QUE APRENDEMOS ATÉ AGORA? A criança se constitui no mundo por meio das linguagens. Assim, em tratando-se da primeira infância, o movimento é uma das várias manifestações expressivas que a criança tem. Considerando o campo dos estudos sobre o desenvolvimento psicomotor na primeira infância, não é possível afirmar que: R: As crianças devem ser vistas como sujeitos ativos que apenas incorporam os movimentos que lhes são impostos. As linguagens infantis são estáticas e, uma vez que são incorporadas e solidificadas, seguem até a fase adulta. A criança é um ser em constante movimento, se relaciona com o mundo e sua cultura e é modificada por este mundo, mas também o modifica. Entende-se, portanto, que é ativa e que, ao se manifestar por meio das linguagens, se modifica e altera o mundo ao seu redor. Nessa direção, a linguagem é móvel e o movimento é uma das linguagens pela qual a criança se manifesta ao interagir com seu próprio corpo e com o espaço onde está inserida. Agora é a hora de sintetizar tudo o que aprendemos nessa unidade. Vamos lá?! SINTETIZANDO Nessa aula vimos, primeiramente, os elementos curriculares que dizem respeito ao ensino de artes na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Isso posto, ressalta-se que, como referência para a Educação Infantil, são essenciais o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, RCNEI, e a Base Nacional Comum Curricular, BNCC. Ambos provocam a reflexão sobre como o trabalho com o movimento e artes se sustenta nos eixos das interações e brincadeiras. No que diz respeito ao Ensino Fundamental, temos também como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais e a BNCC. Aqui, é necessário evidenciar que o processo de triangulação (produção – fruição – reflexão) do ensino de artes está presente nas duas orientações, sendo necessárias, portanto, a contextualização, a apreciação e a prática. Por fim, exploramos como as estratégias pedagógicas devem levar em consideração a cultura no qual a criança está inserida, assim como o nível de desenvolvimento em que está se encontra. UNIDADE 2 - O TRABALHO PEDAGÓGICO DO CORPO E DO MOVIMENTO Consciência corporal e o desenvolvimento infantil Desde o nascimento, inicia-se o processo de educação da criança. Primeiramente, com a família, que é a primeira instituição social da qual faz parte; posteriormente, outras entram em seu percurso, como é o caso da escola. Ao entrar na escola, a criança já traz uma bagagem oriunda das experiências realizadas ao longo do seu crescimento. Nesta direção, a partir dos próprios referenciais da criança, a escola assume o papel de potencializar a exploração do mundo, da descoberta de novas experiências, objetivando desenvolver suas habilidades cognitivae, consequentemente, corporais. Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser, Esquecer (ANDRADE, 1973, p. 112). A poesia Verbo ser, de Carlos Drummond de Andrade, nos traz algumas reflexões sobre o corpo, mostrando o quanto o seu significado é imbuído de identidade. O corpo é a identidade, daí a importância de se reconhecer por meio dele. Não estamos falando de aceitação, mas de autoconhecimento, que fomenta a nossa capacidade de se relacionar com o mundo, com as pessoas, com as coisas. Além de reconhecer o nosso corpo como um elemento de identidade, vivenciá-lo é essencial para uma concepção mais holística de sujeito.Essa vivência é o que chamamos de corporeidade, e engloba as dimensões física, cultural, social, política etc. Em outras palavras, as experiências humanas são realizáveis por intermédio do corpo: sentimos, nos expressamos, descobrimos por meio do corpo. É assim que o homem faz a sua história e concretiza a sua existência. [...] a consciência do corpo deve ser considerada como a consciência dos meios pessoais de ação, ela é resultado da experiência corporal, experiência reorganizada permanentemente, graças à novidade que o indivíduo deve assumir (VAYER, 1982, p. 19). Desenvolver a consciência corporal é um fator que se deve estimular desde os primeiros anos de vida, respeitando-se as fases do desenvolvimento e, consequentemente, as capacidades que caracterizam essas fases. ARTICULAÇÃO DOS MOVIMENTOS NATURAIS O movimento é fator primordial do desenvolvimento da criança, principalmente na primeira infância. Movimento é linguagem corporal. Ao nascer, a criança utiliza o seu corpo para interagir com as pessoas, com os espaços de seu convívio. Ações simples que as crianças realizam são formas de expressar emoções e pensamentos. Bebês engatinham, manuseiam objetos, levam até a boca para provar determinadas coisas. Crianças pulam, correm, brincam. Todos esses são movimentos que levam a criança a entender o mundo ao seu redor, tendo como referência o seu próprio corpo, ou melhor, o conceito de si própria. Oliveira (2000, p. 60) ratifica essa concepção quando afirma que “a construção do conceito de si mesmo é um dos desenvolvimentos mais importantes do indivíduo, pois permite uma melhor compreensão e percepção do mundo e das pessoas que o cercam”. Naturalmente, os movimentos podem ser estimulados, desde muito pequenos, nas crianças: em uma conversa, na alimentação, na hora do banho, na demonstração de carinho por alguém. É muito comum a escola vetar os movimentos naturais da criança. A criança, quando entra para a escola, é tolhida de se movimentar porque, geralmente, isto é visto como indisciplina e não como uma forma de manifestação e exploração do próprio corpo infantil. Logo, a criança é colocada sentada em uma cadeira, com os braços em cima de uma mesa, em uma posição receptora de conhecimento, vestígios de uma pedagogia tradicional, imagem que invoca uma certa “docilização dos corpos” (FOUCAULT, 2009). Foucault, em seus escritos, pontuou que há uma repressão do corpo por parte das instituições (e aqui incluímos a escola), como forma de exercício do poder, impondo a disciplina como controle dos corpos, tornando-os “dóceis”. O filósofo faz ainda uma associação com o sistema capitalista, em que a classe dominante exerce um controle sobre os sujeitos, objetificando-os, “docilizando-os”, e, assim, os impossibilitando de pensar, gerando a representação da subalternidade imposta pelo sistema. Neste sentido, a escola reproduz o sistema e e as condições preestabelecidas por ele. Por meio do veto da expressão corporal, percebemos ações de controle que repudiam as manifestações espontâneas e naturais das crianças. É muito comum, tomando as Artes como referência, que na Educação Infantil tenhamos “musiquinhas de comando” como forma de controle dos corpos infantis. Desta forma, todos agem dentro de um formato preestabelecido, negando a expressão e a criatividade. Percebemos, portanto, a utilização das Artes voltada para padrões comportamentais ou fixação de conteúdos, distanciando o sujeito de um processo de reflexão, pois não viabiliza a expressão do indivíduo perante o mundo. Neste sentido, há uma docilização dos corpos, uma domesticação, a escola acaba valorizando os movimentos mecânicos e não aqueles que favorecem a interação e, consequentemente, a aprendizagem. É um fato a concepção estática, estruturada e formal, ignorando as potencialidades educativas do ato de se movimentar, em detrimento de uma valorização do movimento natural e espontâneo da criança. É um grande desafio superar a concepção de que movimento é indisciplina. DESENVOLVIMENTO DO CORPO INFANTIL O desenvolvimento do corpo infantil é essencial, principalmente, nos primeiros anos de vida, para captar as coisas do entorno e compreender elementos fundamentais para a inserção nos diferentes contextos, como afirma Garaudy (1980, p. 49): O corpo é o instrumento mais importante que o ser humano disponibiliza para trabalhar, se transformar. A pessoa, quando dança, utiliza o corpo experimentando diversas sensações, descobrindo inúmeras possibilidades de se movimentar, de se conectar consigo mesma, descobrindo formas de se sentir bem com seu próprio corpo. Diversas teorias sobre o desenvolvimento foram organizadas, principalmente, nos dois últimos séculos. Tomemos como referência de estudo dois pesquisadores: Jean Piaget e Henri P. H. Wallon, ambos cognitivistas, que abordam o sujeito ativo perante o meio. Piaget foi um teórico pioneiro no que diz respeito à motricidade infantil. Apesar do foco de seus estudos estar ligado às questões de inteligência e cognição, foi o primeiro a reconhecer uma inteligência denominada como motora. CITANDO Piaget nasceu na Suíça, em 1896. Vindo de uma família culta, aos 7 anos, tinha o interesse por determinados estudos de ordem científica. Sua formação inicial foi Biologia, mas também estudou Filosofia e, aos 22 anos, finalizou o doutorado em Ciências Naturais. De formação inicial em Biologia, teve preocupações eminentemente epistemológicas, tendo se dedicado ao estudo de como o ser humano constrói conhecimento. Ao estudar as origens dos seres vivos, por meio dos estudos da ontogênese e filogênese, direcionou sua pesquisa para as características essencialmente humanas. Segundo Piaget, o desenvolvimento se dá em etapas sucessivas e propõe quatro “estádios” (etapas) de desenvolvimento, conforme o Quadro 1. Ao avaliar o Quadro 1, podemos perceber que o desenvolvimento motor se concentra principalmente nos primeiros anos de vida. Nesse período, o bebê busca adaptar-se ao meio em que vive, compreender o mundo que o cerca, e, para isso, utiliza seus esquemas motores. De certa forma, este é o ponto de partida do desenvolvimento motor infantil – a primeira infância, os primeiros anos de vida. Nesta idade, a criança desenvolve a sua coordenação motora, a diferenciar seu corpo em relação aos demais objetos, suas experiências são concretas. Em suma, a linguagem não verbal está muito presente nesta etapa. O sistema nervoso central vai amadurecendo e a criança aprimora as suas habilidades motoras. Assim, tudo começa a partir do amadurecimento desses esquemas para que, na sequência, outros sejam desenvolvidos. Apesar da etapa pré-operacional se constituir por meio de representações, esses esquemas motores começam a “afinar”, ou seja, a ser utilizados de forma mais específica, como, por exemplo, desenhar elementos mais detalhados (não apenas garatujas), escrever e colorir. Tomemos também como referência de estudo os fundamentos de Henri Wallon sobre o desenvolvimento motorinfantil. Para Wallon, o desenvolvimento humano está relacionado a uma integração entre o organismo e o meio.O autor afirma ainda que o processo de desenvolvimento ocorre de maneira descontínua, não linear, o que significa que o desenvolvimento humano não adiciona novas formas, e sim que se reorganiza o tempo todo por meio dos elementos já presentes. CITANDO As experiências do francês Wallon durante a Primeira Guerra Mundial o levaram a se interessar pelos problemas de desenvolvimento motor e mental na infância. Na educação, seu trabalho ganhou notoriedade com o projeto de reforma do ensino francês (que não foi implementado). No plano, chamado “Langevin-Wallon”, ele e o Ministro da Educação Langevin propunham a organização da educação escolar em ciclos. A partir de 1922, adotou as ideias da Escola Nova, focando nos métodos ativos de aprendizagem e na observação das crianças perante os objetos de conhecimento e experiências proporcionadas. Além de pontuar que o desenvolvimento humano se dá em uma integração entre o organismo e o meio, Wallon ainda elenca três domínios funcionais fundamentais: a afetividade, a cognição e o movimento. Afirma que a função motora é predominante nos primeiros meses da criança e as demais funções (afetiva e cognitiva) estão mais presentes nas etapas posteriores, porém salienta que todas elas se alternam ao longo do processo de desenvolvimento. O recém-nascido, no seu comportamento, só tem reacções descontínuas, esporádicas e sem outro resultado que não seja o de liquidar pelas vias então disponíveis quer tensões de origem orgânica, quer as suscitadas por excitações exteriores. As gesticulações não podem ter para ele nenhuma utilidade prática. Nem sequer conseguiriam modificar-lhe uma posição incómoda ou perigosa. É-lhe indispensável uma assistência a todos os instantes. É um ser cujas reacções têm todas necessidades de ser completadas, compensadas, interpretadas. Incapaz de nada efectuar por si só, é manipulado por outrem, e é nos movimentos de outrem que tomarão forma as suas primeiras atitudes (WALLON, 1975, p. 151). Podemos afirmar, portanto, que a concepção walloniana está caracterizada por esse conjunto, por essa integração entre os domínios supracitados, cuja dinâmica é não linear. Isto é, em cada momento e em cada etapa, um domínio é predominante, o que não anula os outros. Tendo em vista essa dinâmica de predominância, Wallon organizou seus estudos sobre o desenvolvimento humano em cinco principais estágios ou etapas (Quadro 2). Assim, de acordo com o observado no Quadro 2, conclui-se que, por volta dos três anos, as aquisições fundamentais neuromotoras já são coordenáveis, como andar, pular, falar, se expressar por meio do corpo e de brincadeiras. Para que essa dinâmica entre os domínios ocorra, é necessária a maturação orgânica do corpo e a vivência de experiências que abranjam esses domínios. É importante salientarmos que o ato inteligente está presente em todos esses domínios. Por exemplo, quando a criança se propõe a pegar algo é porque o ato mental está em processamento e coordenando o corpo para que a ação aconteça. Como a criança pequena ainda não desenvolveu a fala, o corpo ganha destaque nas fases iniciais do desenvolvimento infantil. Na primeira infância, ainda é possível categorizar o domínio motor em subetapas, que retratam a ligação entre maturação e experiência neuromotora (Quadro 3). Após a primeira infância, a criança já construiu a consciência corporal, assim como o domínio da lateralidade, orientação espacial, coordenação motora ampla e fina etc.; ou seja, neste período da primeira infância, as aprendizagens motoras essenciais ocorrem e há integração com o plano social. Por volta dos dois a três anos, a criança passa a simbolizar o mundo, o que possibilita o acesso ao conhecimento cultural por intermédio do meio social em que a criança está inserida. Ao simbolizar o mundo, incorpora esses objetos culturais, assim como é produtora dos mesmos. É por meio desta capacidade de simbolizar as coisas que o gesto passa a compor um elemento importante: o da imitação. Por exemplo, uma criança pegando os talheres para fazer uma refeição. Utilizar os talheres é um hábito cultural incorporado ao dia a dia da criança. Desta forma, ela imita o gesto do adulto, incorpora aqueles novos elementos do meio e passa a utilizá-los em sua convivência. Chamamos os pensamentos apoiados por gestos de ideomovimentos, que vão além das atividades sensório-motoras da etapa anterior. O gesto possibilita concretizar o objeto e até mesmo substituí-lo. Isto significa que a criança simula uma situação em que utiliza determinado objeto, mesmo sem tê-lo, de fato, consigo. Também chamamos esse estágio de etapa do faz de conta, cuja representação se faz no mundo da imaginação, da fantasia, como desdobramento da realidade. Neste momento, podemos dizer que a atividade motora está subordinada à representação. Ela existe, mas está diretamente ligada ao sistema de representações, de simbolizações que estão na dinâmica da realidade infantil. No entanto, para haver esse processo de representação, a criança necessita de experiências em que possa estabelecer relações corporais e motoras com o objeto de conhecimento ou vivenciar alguma situação cujo objeto esteja inserido no contexto. Com o aparecimento da fala, essa capacidade de simbolizar é ampliada, pois há mais possibilidades de elaborações e representações por meio de outras linguagens. O corpo é um conjunto que abrange váriasdimensões (física, afetiva, cultural, histórica, social etc.), e é por meio dele que organizamos formas de interagir com as pessoas e as coisas do mundo. Enfim, percebemos que o desenvolvimento psicomotor infantil não se dá de forma isolada, é um somatório de várias capacidades que, juntas, levam a criança a ampliar suas possibilidades. Isto significa que as atividades pedagógicas que trabalham os esquemas motores não são atividades isoladas porque sempre teremos outras capacidades envolvidas e sendo desenvolvidas também. Por exemplo, se vamos trabalhar noção espacial, devemos cantar uma música que vai desenvolver também a oralidade, mas, ao mesmo tempo, a coordenação motora é ativada para a ocupação do corpo no espaço, assim como o pensamento lógico-matemático é acionado para que o corpo caiba e usufrua daquele espaço. Percebeu como várias capacidades estão associadas? São vários aspectos, vários fragmentos que formam um todo: o ser humano, a criança. OS SENTIDOS O ser humano sente o mundo de muitas maneiras, assim como aprende de diferentes formas. Algumas pessoas são mais auditivas; outras, mais falantes. Há pessoas que, para entender determinada coisa, precisam ver, ter uma representação visual. Já outras precisam pegar, tocar com as próprias mãos os objetos. Somos seres cinestésicos e nos apropriamos do mundo também pelos sentidos. O toque e a pele, para a criança pequena, são a comunicação inicial com o mundo, para, mais tarde, desenvolver a linguagem, como dito por Montagu (1988, p. 245): As modalidades de espaço, tempo e realidade, contorno, forma, profundidade, qualidade, textura, a tridimensionalidade de nossa visão e outras são quase que certamente desenvolvidas, em grande medida, com base nas experiências táteis do bebê. O ato de tocar é o pilar fundamental para o movimento, pois, ao tocar, a criança é estimulada, sente-se curiosa, se movimenta ao sentir na pele, ao tocar determinadas coisas; é o que chamamos de curiosidade epistemológica. A experiência tátil é que abre portas para as demais experiências cinestésicas como sons, movimentos etc. ARTE E CRIATIVIDADE NO DESENVOLVIMENTO CORPORAL O trabalho com Artes na escola colabora e potencializa o ato criador. A criatividade é a capacidade do ser humano de inventar formas diferentes de manifestações, a partir de diferentes olhares estéticos constituídos a partir das experiências proporcionadas. Com o corpo não é diferente. O corpo fala, se manifesta. O corpo cria e recria expressões, que comunicam ideias, sentimentos e percepçõesacerca do mundo. A INFLUÊNCIA DA ARTE NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL O trabalho com Artes na escola é a mola propulsora da expressividade infantil, sendo que esta expressividade, inicialmente, está manifestada nos movimentos. É por meio do movimento que a criança se realiza no mundo, entendendo como funciona e reinterpretando o conhecimento que lhe é proporcionado. Steuck (2008, p. 13-14) ratifica esta ideia quando afirma que: É com o corpo que a criança elabora todas as suas experiências vitais, e organiza toda a sua personalidade. Através dele ela percebe o mundo, e perceber o mundo é aprender (e reaprender) com seu próprio corpo; perceber o mundo, portanto, é perceber o corpo; o corpo é assim, sensação, percepção e ação. É de forma natural que a criança se insere neste mundo sensível, se utilizando da afetividade, do cognitivo, de sua motricidade. A partir disso, é impulsionada à construção de um sistema perceptivo, que engloba as formas, as cores, os sons, as texturas, os gestos. Ao construir este sistema, a produção de sentidos é acionada, assim como o entendimento sobre como o mundo está organizado, ou seja, podemos dizer que há o processo de formação estética sensível que constitui os repertórios infantis. Queiramos ou não, é evidente que a criança já vivencia a Arte produzida pelos adultos, presente em seu cotidiano. É óbvio que essa Arte exerce vivas influências estéticas na criança. É óbvio, também, que a criança com ela interage de diversas maneiras (FERRAZ; FUSARI, 1993, p. 43). Nesta direção, experiências práticas que agucem a exploração do mundo por meio da sensibilidade são essenciais, porém vale lembrar que o professor deve sempre levar em conta a bagagem já construída pelo aluno e desafiá-lo a novas construções. CRIATIVIDADE A criatividade é um processo de subjetividade que leva o sujeito à produção de algo novo. O ato criativo potencializa os sujeitos, por meio das experiências proporcionadas, a imaginar, a inventar, a produzir novos conhecimentos, ideias, expressividades, entendimentos acerca do mundo. Alencar (1996) diz que a criatividade é a tradução dos talentos humanos para uma realidade exterior que seja nova e útil, dentro de um contexto individual, social e cultural. ARTES COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA O DESENVOLVIMENTO DO CORPO Não há como dissociar a arte do corpo. O corpo é a própria manifestação do ato criativo. Por meio do corpo, nos expressamos e inserimos coisas novas ao nosso cotidiano. Toda a educação que se constitui é também uma educação do corpo. A educação escolar tem este propósito de olhar holisticamente para o sujeito e compreender que ele não se constitui apenas do pescoço para cima; pelo contrário, seu corpo é um sistema combinado de ações que possibilitam o seu amplo desenvolvimento. Para isso, a escola necessita inserir movimentos pedagógicos que incentivem a relação entre arte e corpo. Pires (2009, p. 47) ratifica a relação arte e corpo quando afirma o seguinte: O lúdico, o teatro, a dança, a pintura, o desenho, a criatividade, o conto de fadas fazem parte de um momento em que as crianças se expressam, comunicam e transformam a vida na relação com a arte, ou seja, somos potencialmente criadores, possuímos linguagens, fazemos cultura. A linguagem produzida pelo corpo é impulsionada pelo ato criativo na escola. A autonomia para o ato criativo deve ser construída pelo professor. Lançar uma proposta e deixar os alunos fazerem o que quiser não constitui um processo. Um processo educativo do corpo utilizando as Artes tem objetivo, é planejado, dirigido, porém promove a liberdade de manifestação. O trabalho pedagógico do corpo As formas de organização dos espaços nas escolas desrespeitam os desejos do corpo. Precisamos abrir espaços que rompam com o ideário cartesiano, que prioriza o sujeito do pescoço para cima. Na mesma linha de pensamento, Tiriba (2001) nos mostra que o movimento faz parte da natureza humana, e que as experiências corporais e sensoriais são inerentes à leitura de mundo e constituem aprendizagens. Trata-se de abrir espaço para a liberdade de movimentos e de manifestações naturais como correr, saltar e pular, que vão além da didatização do movimento. [...] a maioria dos professores acredita que desenhar, pintar, modelar, cantar, dançar, tocar e representar é bom para o aluno, mas poucos são capazes de apresentar argumentos convincentes para responder “Por que essas atividades são importantes e devem ser incluídas no currículo escolar?” (ALMEIDA, 2001, p. 48). Tiriba (2008) destacaque a escola, ao mesmo tempo em que é espaço de aprender a pensar, também deve ser um espaço que favorece o aprender a sentir, a brincar, a meditar, a relaxar, a amar e a aconchegar e, para tanto, faz-se necessário assegurar ao corpo o seu merecido lugar. É fundamental, portanto, que a escola esteja atenta ao planejar os espaços e as atividades, ao favorecimento às movimentações, ao acesso aos brinquedos, à alimentação etc., contribuindo, também, para o desenvolvimento da autonomia. Movimentar-se não deve ser exclusividade da hora do recreio, tampouco das práticas esportivas presentes na escola. Os movimentos estão interligados às práticas dirigidas e às livres. As atividades oferecidas devem despertar a descoberta por meio do corpo, além do autoconhecimento. Para desenvolver o trabalho pedagógico do corpo, o profissional deve: Desafiar as possibilidades motoras, mantendo abertos os canais para a circulação e expressão das vontades/energias do corpo, auxiliando a superar as dificuldades e a respeitar os limites; Colocar cordas e bolas à disposição das crianças, assim como pneus, cavaletes, escorregas, trepa-trepas, tábuas que funcionem como rampas ou pontes e que permitam subir, descer, escalar, saltar, arrastar e pular; Mesclar atividades que exijam maior ou menor movimentação; correr, pular, saltar, subir, descer, atividades que exijam a movimentação do corpo são fundamentais tanto quanto aquelas que exijam reflexão; Incentivar a construção da imagem corporal e o jogo simbólico – a fantasia e a imaginação, que são próprias da infância –, criando camarins, introduzindo adereços, maquiagens e espelhos para que as crianças possam dar asas à imaginação, observar seus corpos, suas mímicas e caretas; Investir na descoberta e na valorização dos espaços ao ar livre – os pátios, os parques, os quintais, as quadras de esporte do entorno, os descampados, as praias, os riachos –, entendendo que, além de se constituírem como locais de brincar e relaxar, podem também ser explorados como espaços de aprendizagem, em que se trabalha a matemática, as ciências etc. Outras propostas pedagógicas serão consideradas desde que mantenham a harmonia entre corpo e mente, indo além da didatização do movimento. ORIENTAÇÕES CURRICULARES: BNCC Como já foi dito, a escola tem reproduzido as relações de poder e isso tem impactado o trabalho pedagógico com o corpo, disciplinando-o É possível perceber por meio das filas feitas com os alunos, pela disposição enfileirada das carteiras na sala de aula, pelos movimentos impostos que não liberam a capacidade criativa do corpo. Isso gera um certo desinteresse por este tipo de trabalho, consequentemente, reduzindo a escola aos objetivos cognitivos e teóricos, o que aumenta a falta de atenção, concentração, desencadeando fenômenos escolares tais como repetência, evasão e até mesmo a violência na instituição. Tratando-se das orientações curriculares, as Artes são um componente curricular obrigatório. Têm um papel muito importante na formação ética e estética dos sujeitos escolares, mas não é um conhecimento facultativo, é obrigatório em toda a Educação Básica. [...] A arte não tem importância para o homem somente como instrumento para desenvolver sua criatividade, sua percepção, etc., mas tem importância em si mesma, como assunto, como objeto de estudo (BARBOSA, 1975, p. 90). A reflexão sobre os movimentos e desejos corporais da criança deve ser uma das tarefas do professor. As manifestações da motricidade infantil simbolizamo desejo de ser e estar no mundo. Este trabalho deve assumir um caráter lúdico e livre acerca da expressividade e criatividade. ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL O trabalho pedagógico na Educação Infantil deve focar em uma concepção que valorize o movimento corporal, principalmente como ato criativo da criança. Deve-se entender que não é apenas uma necessidade física ou motora, é promover ações que desenvolvam a capacidade expressiva, intencional e representativa da criança acerca das coisas que estão em seus pensamentos, em suas ideias e no mundo. A escola deve propiciar um ambiente favorável aos diversos domínios de desenvolvimento, como já abordamos sobre as ideias wallonianas: a afetividade, a cognição e o movimento. O papel do professor é de mediador entre a criança e os objetos culturais presentes nas situações e experiências proporcionadas. Essa aprendizagem é construída e manifestada nas diversas linguagens: oral, corporal, musical, pictórica, plástica etc. São formas de interação com o mundo, expressão e comunicação. A linguagem é geradora de todo o trabalho pedagógico na/da Educação Infantil. É por meio da linguagem que o conhecimento é construído. Interagindo com os outros, a criança passa a conhecer as coisas do seu entorno. Mas é na linguagem corporal que a comunicação se desenvolve, sendo, portanto, a matriz básica do ato de aprender. Tudo aquilo que a criança experimenta passa por um processo de simbolização, transformando o pensamento em ação. O corpo impulsiona a descoberta nos primeiros anos de vida. A criança pode experimentar o corpo por meio dos sentidos. Quando muito pequena, sozinha ou com algum colega, pode reconhecer o próprio corpo e o do colega, tocando os pés, por exemplo. Com as mãos, pode tocar as unhas, entrelaçar os dedos, movimentá-los. Cada articulação pode ser desenvolvida por meio de exploração e descoberta. De acordo com Garanhani (2004, p. 67-68), três eixos devem nortear o trabalho pedagógico da movimentação corporal da criança: bullet Aprendizagens que envolvam movimentações corporais para o desenvolvimento físico e motor, proporcionando o conhecimento, o domínio e a consciência do corpo, condições necessárias para a autonomia e a identidade corporal infantil; bullet Aprendizagens que levem à compreensão dos movimentos do corpo como uma linguagem utilizada na interação com o meio por meio da socialização; bullet Aprendizagens que levem à ampliação do conhecimento de práticas corporais historicamente produzidas na e pela cultura em que a criança se encontra. Frente a esses eixos, a brincadeira com o corpo, abrangendo a criatividade e a expressividade, é evidente. Por exemplo: você conhece a música “Cabeça, ombro, joelho e pé”? É um ótimo brinquedo cantado para incentivar a descoberta do corpo. Cabeça, ombro, joelho e pé, joelho e pé. Cabeça, ombro, joelho e pé, joelho e pé. Olhos, ouvidos, boca e nariz. Cabeça, ombro, joelho e pé, joelho e pé. A brincadeira consiste em uma atividade em que a criança deve tocar em cada região anunciada pela música. Há variações ainda de se omitir o nome de um dos membros na hora de cantar e apenas tocá-lo, e podemos ainda acelerar a música ou cantá-la de forma mais lenta, trocar os membros por outros do corpo humano etc. Caminhar imitando diferentes formas de andar, como se fosse uma formiga, um elefante, um macaco, uma mulher de salto alto, um bêbado, um velho de bengala, uma pessoa bem magra ou gorda etc., e perceber como o apoio dos pés muda em cada uma das formas assumidas também são formas explorar o corpo. Os sentidos também são importantes para o desenvolvimento do corpo na primeira infância. Pelo tato, a criança identifica temperaturas (quente/frio), texturas (liso/áspero), tamanhos (pequeno/grande), pesos (pesado/leve) e formatos. Uma brincadeira muito apreciada pelas crianças é o “saco surpresa”. Coloca-se diferentes objetos dentro do saco e pede-se para cada aluno pegar um objeto de olhos fechados e identificá-lo dizendo por que acha que é tal objeto. Somente é autorizado a utilizar o tato. ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL No Ensino Fundamental, por se tratar de um nível de ensino (tem caráter de promoção, como descrito em nossa legislação educacional), é muito comum enfatizar mais a criança do pescoço para cima (TIRIBA, 2001). Tudo é gerado a partir das relações lógicas que desencadeiam o processo cognitivo e o ato de pensar, dissociando do restante do corpo, esquecendo que o corpo é um grande sistema e que interage entre si. Tendo em vista isto e as características da faixa etária no Ensino Fundamental, a brincadeira deve ganhar espaço. A brincadeira de pega-pega, por exemplo, é excelente para desenvolver a manifestação do corpo, uma vez que suas variações trazem movimentos diferentes. Em sua maioria, o → O pega-pega consiste em um pegador ter que correr atrás das demais crianças, com o objetivo de tocar em uma delas. Ao tocar em outra criança, esta passa a ser o pegador. Mas o pega-pega, como já foi dito, pode ter algumas variações. Eis algumas: Pega sobre as linhas Pega-pega no qual tanto o pegador como os demais alunos só podem correr sobre as linhas da quadra. Se correr fora da linha torna-se pegador; Pega-corrente Quem for pego, passa a ser pegador também ficando de mãos dadas com quem o pegou formando uma “corrente”. A brincadeira acaba quando todos os alunos forem pegos; Pega-pega com passe de bola Pode ser feito com os pés ou com as mãos, e com diferentes tipos e tamanhos de bolas. Os dois pegadores ficam trocando passes de bola até um deles conseguir tocar com a bola em alguém, que, então, se torna o pegador. Cabe salientar que no Ensino Fundamental o trabalho com o corpo não deve se limitar à disciplina de Educação Física. A linguagem corporal está presente enquanto estratégia metodológica para todas as áreas do conhecimento. Agora é a hora de sintetizar tudo o que aprendemos nessa unidade. Vamos lá?! SINTETIZANDO Nesta unidade, trouxemos, primeiramente, os elementos fundamentais para compreender o trabalho do corpo na escola. Falamos sobre a manifestação natural do corpo que, em sua maioria, é visto pelas escolas como indisciplina, o que Foucault questiona e denomina como a docilização dos corpos, sobre a importância do trabalho com os sentidos, pois, por meio deles, a criança explora os objetos no seu entorno, assim como abordamos dois principais teóricos de referência acerca do desenvolvimento motor: Piaget e Wallon. Vimos também a relação entre artes, criatividade e movimento. Como potencializar a criatividade, enquanto ato de criação do novo, é elemento pilar para a exploração do próprio corpo. No que diz respeito às orientações curriculares, na Educação Infantil enfatizou-se exemplos que contemplam as interações e brincadeiras, seguindo as recomendações da BNCC e quanto ao Ensino Fundamental criticamos a supremacia do ato inteligente resumido do pescoço para cima e buscamos alternativas que trouxessem o lúdico e aprendizagens sistematizadas para a escolarização de crianças e adolescentes. Por fim, propomos atividades que exemplificam um processo educativo, que respeita o nível de desenvolvimento infantil e que caracteriza um trabalho do corpo na instituição escolar. Unidade 3 – O trabalho pedagógico de musicalização na Educação Infantil e no Ensino Fundamental Música, musicalização e experiência estética A música é uma das mais antigas formas de expressão. A linguagem musical é organizada e estruturada entre os sujeitos e suas culturas. Relaciona-se diretamente à sensibilidade humana, possibilitando uma troca efetiva entre a emoção e a razão. Sabe-se que a palavra música é de origem grega mousiké, representa o combinado entre poesia e dança, e é considerada a “arte das musas”. A civilização grega associava aos deuses sua música como forma de chegar à perfeição, à plenitude do ser. Essas musas eram as protetoras da educação que, naquela época, abrangia o conhecimento da literatura, da poesia, da música e da dança,assim como da matemática e da filosofia. A música, portanto, era a arte das musas. A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc. Faz parte da educação desde há muito tempo, sendo que, já na Grécia antiga era considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos ao lado da matemática e da filosofia (BRASIL, 1998, p. 45). O trabalho de musicalização na escola pode contribuir para tornar o Homo verdadeiramente sapiens, porque desenvolve várias faculdades, tais como a percepção, o movimento, a organização, a sequência, a criatividade e, inclusive, a comunicação afetiva. Assim, a ideia que a música é uma arte em constante desenvolvimento deve ser trabalhada com o aluno, para que se possa ter um vislumbre do fascínio que essa descoberta é capaz de proporcionar. ARTE COMO LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL Para compreendermos o conceito de musicalização, primeiramente necessitamos do entendimento da música como linguagem, ou seja, um instrumento de expressão e de conhecimento do homem. Falamos, assim, de uma linguagem musical que se traduz pela música, pelo som organizado e em movimento. O trabalho escolar, nesta direção, define-se como um processo consciente do despertar e do aprimorar a musicalidade existente em todo ser humano. No sentido mais amplo da palavra, o ato de musicalizar contribui para um crescimento integral, não apenas para a sua formação técnica, mas também na sua formação como um todo, uma formação para a vida. Curiosidade.gif CURIOSIDADE Nós, ocidentais, aprendemos as sete notas musicais em uma escala chamada dodecafônica, ou seja, se você somar as sete teclas brancas de um piano com as cinco notas pretas e terá a possibilidade de tocar dozes notas, por isso dodecafônica. Mas, no oriente, muitas civilizações (aliás, a maioria) só produz sons utilizando as cinco teclas pretas do teclado, ou seja, uma escala pentatônica. Entretanto, com ambas, os sons são combinados e produzem música. A linguagem representa um papel decisivo na constituição dos processos mentais, pois, uma vez adquirida, a criança incorpora novos e importantes aspectos à estrutura dos processos mentais que estão em desenvolvimento. Tomando como referência os estudos de Vigotskii e colaboradores (2017), a linguagem se constitui como processo social em uma relação mediada pelo outro, possuindo duas funções distintas: a comunicação externa com outras pessoas e a articulação interna de nossos pensamentos, já que à medida em que se internaliza o conhecimento, a linguagem assume a função planejadora, ou seja, existe uma relação íntima entre o pensamento e a linguagem. Essa linha de embasamento associa a Psicologia à Sociologia e à História e segue uma linha marxista, que entende a criança como produtora de cultura e a reconhece como sujeito sócio-histórico. Nesse caso, a linguagem ocupa uma posição central na produtividade humana, enquanto realização do pensamento. É por meio da linguagem que os pensamentos e as emoções chegam até o outro. Há uma interação entre os sujeitos e o mundo que produzem sentidos, a partir das significações estabelecidas no mundo. De acordo com Vigotskii e colaboradores (2017), há uma diferença entre significado e sentido. O significado tem um sentido amplo, é compartilhado na coletividade, na cultura dos diferentes grupos que fazemos parte. Já o sentido caracteriza-se pela subjetividade, é do sujeito, de cada um, como a linguagem ecoa na consciência de cada sujeito. Dessa forma, por meio das experiências compartilhadas nos inserimos no mundo das significações e como nos relacionamos nos conduz à consolidação dos sentidos, o que nos permite fazer reinterpretações dos significados compartilhados. Exemplificando.gif EXEMPLIFICANDO Se perguntasse a você o que comemoramos no dia 25/12, o que responderia? Alguns falariam apenas Natal, outros diriam o nascimento de Jesus. Assim fica entendida a compreensão do fato em seu sentido amplo, de coletividade. Porém, se eu perguntasse se você gosta do Natal ou o que realmente a data significa para você, estaria propiciando a produção de sentidos, porque está no eixo do sujeito. No campo musical podemos transpor o exemplo, entendendo que algumas manifestações musicais estarão no campo do significado e da coletividade, mas a apreciação em si estaria no campo da produção de sentidos. A música, enquanto linguagem universal, varia de cultura para cultura. Envolve diferentes manifestações artísticas: os instrumentos para executá-la, a forma de tocar determinado instrumento, diferentes timbres de voz, as organizações peculiares dos sons que estão na música, a definição das notas etc. Penna (1990, p.19) ressalta a música como linguagem socialmente construída da seguinte forma: A música é a nossa mais antiga forma de expressão, mais antiga do que a linguagem ou a arte; começa com a voz e com a nossa necessidade preponderante de nos dar aos outros. (...) E da voz que se lança o homem construiu, em seu desenvolvimento histórico, a música como uma linguagem artística, estruturada e organizada. O som é o material básico. É um meio de expressão, por objetivar e dar forma a uma vivência humana, e de comunicação, por revelar esta experiência pessoal de modo que possa alcançar o outro e ser compartilhada. Primeiramente, a música deve ser compreendida, ou seja, decodificada. Este código é um fato histórico e social, ou melhor, cultural. Já a sensibilidade musical é construída num processo, em que as potencialidades (os esquemas de interpretação) de cada indivíduo são trabalhadas e preparadas de modo a reagir ao estímulo musical. Entendemos, assim, que musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o indivíduo possa ser sensível à música, apreendê-la, recebendo o material sonoro/musical como significativo. O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. É o herdeiro de um processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas gerações que o antecederam. Mas esse processo não se dá isoladamente, é dinâmico, pois, ao adquirir cultura, também a transforma. Vigotskii defende a teoria que o desenvolvimento social na infância é sempre o resultado de suas ações coletivas. Afirma ainda que toda a relação de sujeito–mundo é movida pelas interações com outras pessoas. É por meio dessas interações que adquirimos novos conhecimentos e esses novos conhecimentos modificam os anteriores. Esse movimento é o princípio fundamental da teoria vigotskiana: a internalização (a apropriação da cultura por parte do sujeito) é a base do movimento, pois é na linguagem que a cultura se manifesta. Pensando nessa direção, entendemos que a música colabora com o processo de democratização da educação no Brasil, uma vez que a cultura é o que caracteriza os sujeitos e sua relação com o mundo e a diversidade ofertada por esse mundo, assumindo, assim, um papel social e político. Assim, considera-se social quando se relaciona à sociedade e sua cultura, e político quando pensamos no direito, acesso e democratização da cultura. Diary.gif Contudo, como trabalhar com a pluralidade cultural presente na sala de aula, que se manifesta através das diferentes vivências, gostos e preferências? O que escolher? Quais músicas? Que estilo? O que ensinar? De que forma respeitar essa diversidade? Por meio do consenso? Do conflito? Todo ser humano nasce num mundo cheio de sons. A quantidade e qualidade dos sons com os quais convive dependem da época de seu nascimento e do ambiente no qual está inserido. A palavra música sugere diversas ideias relacionadas às diferenças que caracterizam os inúmeros estilos musicais, à época, aos motivos que geraram sua criação e à ligação aos aspectos sociais. Uma canção de ninar é sensivelmentediferente das batidas dos tambores que marcam o ritmo da timbalada. O canto lírico difere em tudo do som de um grupo de rock ou pagode, porém todas essas formas sonoras de expressão são chamadas de música. (CATÃO, 2021, p. 3-4) Para que o patrimônio cultural seja valorizado, é necessário colocá-lo à disposição das pessoas, ou seja, os professores precisam conhecê-lo e levá-lo ao conhecimento do aluno. Para gostar de determinada música, estilo, ritmo, é necessário conhecê-lo. Ninguém consegue gostar do que não conhece. Nesta direção, o professor deve proporcionar o contato com diferentes formas de expressão musical. Ensinar o aluno a apreciar, considerando que apreciar não significa gostar, mas ativar os dispositivos internos a compreender, analisar, ponderar para, então, produzir sentidos para a constituição de seu próprio repertório musical. Musicalizar é mais que ensinar “musiquinhas”. É necessário incentivar a ouvir, perceber, captar e sentir o mundo sonoro de uma forma ativa, propondo estratégias que levem a criança ao conhecimento da música de diferentes povos, épocas e compositores. É muito comum, por exemplo, encontrarmos críticas severas em relação ao ritmo funk. Os professores enfrentam, com muita dificuldade, músicas que incentivam a violência e que têm letras pornográficas. Em prol disso, acabam condenando o ritmo do momento: o funk. Como lidar com essa questão? Sabemos que esse consumo se dá pela apropriação e por dispositivos culturais que o aluno dispõe, porém não se limita a isso. Se oferecermos instrumentos suficientes que lhe dê acesso à diversidade cultural, a sua experiência musical não seria tão apelativa. Propor uma apreciação de forma crítica também é uma possibilidade. Promover debates em torno de letras e reescrevê-las são boas propostas. Necessitamos mostrar às crianças o quanto é sadio o ato de ouvir música. Proporcionar várias experiências musicais, de modo que seja possível enxergar com olhos críticos essas músicas consideradas de “baixa” qualidade. Lembrando que “baixa” qualidade é questionável e que toda manifestação cultural, independentemente de sua proveniência, é cultura. As produções artísticas fazem parte da cultura de um grupo, sendo também instrumentos mediadores na construção da identidade cultural dos sujeitos, especialmente quando estes têm acesso ao repertório específico da arte, quando usam as linguagens artísticas para compreender e representar outros sistemas simbólicos. A música é “linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio” (BRASIL, 1998, p.45). Jeandot (1993) afirma que devemos expor as crianças à linguagem musical e dialogar com elas sobre, da mesma forma que fazemos com a linguagem oral. Assim as crianças se apropriam disso, podendo ter mais uma forma de ação, interação e expressão. Nossas crianças não cantam as músicas infantis pelo simples fato de não as conhecerem, por incrível que pareça. Se compararmos com esses últimos dez anos, perceberemos o quanto diminuiu a quantidade de músicas infantis no mercado fonográfico. E mais, geralmente as que circulam têm uma relação mercadológica/capitalista que acaba perdendo o significado/sentido para a criança. Esses temas precisam ser resgatados, para que nossas gerações tenham acesso também ao fascínio que a música pode proporcionar. MUSICALIZAÇÃO X EDUCAÇÃO MUSICAL É comum observar que, no trabalho musical em sala de aula, não há uma diferenciação entre educação musical e musicalização. Aliás, é mais comum ainda ouvirmos algumas falas que recusam em inserir a música na sala de aula, partindo-se do pressuposto que vão ensinar música (ensinar a tocar um instrumento). Por esse receio, ocorre que a música, além de um papel secundário no currículo escolar, é um instrumento evitado pelos professores. Como afirma Penna (1990, p.32), muitos atribuem à “musicalização” uma competência técnica ou a um trabalho “pré-musical”. Cabe ressaltar que não se trata, estritamente, de transformar a classe em um coral para apresentação em público ou fazer uma escola de música, ensinando arranjos, harmonia, melodia, música clássica e erudita, e sim oportunizar os alunos a aprenderem de uma forma mais significativa, por meio da experiência estética: Musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o indivíduo possa ser sensível à música, apreendê-la, recebendo o material sonoro/musical como significativo – pois nada é significativo no vazio, mas apenas quando relacionado e articulado no quadro das experiências acumuladas, quando compatível com os esquemas de percepção desenvolvidos (PENNA, 1990, p. 22). Em outras palavras, musicalizar é a utilização da música e/ou de seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia), com atendimento individual ou em grupo, destinado a facilitar e promover a comunicação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e até papéis terapêuticos, a fim de atender às necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. Há uma diferença básica entre dois termos usados com frequência: musicalidade e musicalização, os quais ainda precisam ser definidos. Musicalizar é aprender a apreciar a arte dos sons, se educar na sensibilidade auditiva, transmitir com sons os sentimentos que possuímos no coração. A liberdade de se expressar pela música e a vontade de construir novas melodias, mesmo que não agrada ao público, referem-se a essa significação. Quando aprendemos a emitir sons, podemos cantarolar a toda hora, tentando imitar o que o ambiente nos faz perceber. Entendemos, portanto, que a musicalização vai muito além da educação musical, que visa à técnica. Seu objetivo é tornar visível a aprendizagem por seu intermédio e tornar o ser livre para liberar suas emoções. A musicalização é um processo de construção do conhecimento, que tem como objetivo despertar o gosto musical, favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, senso rítmico, do prazer de ouvir música, da imaginação, memória, concentração, atenção, autodisciplina, do respeito ao próximo, da socialização e afetividade, também contribuindo para uma efetiva consciência corporal e de movimentação. (BRÉSCIA, 2003, citado por SANTOS; DA SILVA, 2020). No entanto, devemos esclarecer que o processo de musicalização deve ocorrer em toda Educação Básica, porém, quando se trata de saber disciplinar, a música é inserida como uma matéria, como uma disciplina. Geralmente, nos anos finais do Ensino Fundamental e/ou no Ensino Médio. Nesta situação de “Educação Musical”, é exigida a formação de um profissional em música. Podemos ainda dizer que o trabalho de musicalização está dentro da “Educação Musical”. EXPERIÊNCIA ESTÉTICA Comecemos agora refletindo sobre uma questão: o que é o gosto? O que é o gosto musical? Todo mundo gosta da mesma coisa? Por que sim? Por que não? Se tomarmos, por exemplo, a referência de Adorno (1999), perceberemos o quanto a sua crítica ao caráter do gosto recai sobre a indústria cultural. CONTEXTUALIZANDO Theodor Adorno foi um filósofo da Escola de Frankfurt na Alemanha que trouxe discussões sobre a dialética do esclarecimento em pleno movimento positivista. Como crítico do fascismo, uma de suas principais contribuições é o conceito de indústria cultural. Em seu texto “O fetichismo na música e a regressão da audição”, discute profundamente o caráter do gosto, no âmbito da denominada indústria cultural. “Na sua concepção, o gosto não reflete mais uma questão de verdadeira opção pessoal, mas sim, é impossível ao indivíduo, em uma época onde os bens culturais são massificados e pouco singulares, fazer juízo de gosto com base em uma verdadeira apreciação estética. Com isto, a indústria cultural destrói o indivíduo, imputando a todos os mesmos produtos” (BORGES, 2007). Se a música é um fato cultural, não somente a escola musicaliza todas as formas de educação, entrelaçadas com múltiplas práticas culturais e comunitárias,assim como formas naturais de se musicalizar (batucar, bater palmas ou ouvir rádio) também. Nesse sentido, cabe ratificar que todas estas práticas não estão isentas dos aspectos históricos e sociais que delimitam os espaços sensoriais dos sujeitos. A escola, enquanto espaço formal de ensino, configura-se como uma instituição que movimenta (ou não) a(s) cultura(s) presente(s) na sociedade, reproduzindo (ou não) a ideologia dominante. Segundo Penna (1990, p.24): A transmissão escolar cumpre uma função de legitimação’, consagrando obras que constitui como ‘dignas de serem admiradas’, contribuindo com isso para ‘definir a hierarquia dos bens culturais válidos dentro de uma dada sociedade, em um dado momento. Tendo como base a sociedade urbana e industrial, em que a difusão de cultura é rápida e intensa (e aqui temos as novas tecnologias que trazem este movimento abundantemente), os dispositivos de acesso/controle estão intimamente ligados ao consumo, como também são direcionados pelos esquemas perceptivos de que o sujeito dispõe, pois “a obra de arte considerada enquanto bem simbólico só existe como tal para aquele que detém os meios de se apropriar dela, quer dizer, de decifrá-la” (PENNA, 1990, p. 25). Então, surge o discurso compensatório, de igualdade, baseado na ideia de fornecer a todos uma base, um mínimo de instrumentos de percepção na tentativa de universalizar o acesso à música. Havendo instrumentos capazes de dar acesso à diversidade cultural, a diferentes experiências estéticas, fornecendo possibilidades de crítica social, a escola pode abrir-se ao novo. Assumir a “crítica” significa sair da condição de apenas “ouvir” por “ouvir”, “cantar” por “cantar”. A palavra-chave do trabalho de musicalização na escola é experiência. Sendo assim, a experiência estética, por meio da musicalização, se coloca como um princípio da Educação Escolar. As diferentes linguagens artísticas são meras opções para a ativação dos mecanismos de criação, reflexão e fruição. A música é uma das opções. Deve ser usada conforme a conveniência de cada situação e, sempre que possível, integrada a outras linguagens (PENNA, 1990, p. 74). Entretanto, pergunto quais têm sido as possibilidades de produção de experiência estética, sentido e crítica social a partir da musicalização na escola? Lá, assim como o funk é afirmado pelas crianças, a música clássica é dita como a “bela”, simbolizando o “culto”, “erudito”, o “melhor”, ou “chata”, “lerda” etc. A constituição da estética musical debruça-se sobre a possibilidade da experimentação e da ampliação de experiências: “tia, coloca música de bailarina?”, “agora temos o nosso repertório” ou “não quero ouvir esta música!”. Falas observadas em minha experiência como professora de escola pública e durante pesquisas realizadas por mim, que caracterizam a construção da experiência estética. Se as músicas, por diversas que sejam, estão na escola, faz-se necessário, para o processo dialógico, conhecer os repertórios, as práticas de apreciação estética, discutir, criticar e, até mesmo, propor outras experiências. São diferentes histórias que se intercruzam, que se completam para dar lugar à descoberta, à sensibilidade, à apreciação crítica. As formas musicais são muitas, dentro delas existem diversos gêneros possíveis e dentro destes, estilos variados. Trata-se, pois, de um amálgama formal sonoro de infinitos recursos, sendo que existem algumas disposições mais amplas e distintas que englobam tal diversidade, estabelecendo algumas linhas mestras (FERREIRA, 2001, apud CATÃO, 2011). A arte é reconhecida como parte integrante da escolarização de crianças pequenas. Retomamos aqui a experiência como palavra-chave, tratada juntamente com a valorização da brincadeira enquanto manifestação infantil. Na medida em que a criança cresce e vivencia diferentes experiências, amplia a forma de sentir e pensar o mundo no qual está inserida. Assim sendo, de acordo com o Artigo 3º das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil: O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade (BRASIL, 2009). A interculturalidade, assim como o patrimônio cultural da humanidade, no processo de experimentação estética é fundamental, pois, nas palavras de Ostetto (2004, p.14) “são diferentes histórias que se encontram e, é de se supor, diferentes preferências, gostos diversos”. Para nos constituirmos, precisamos do outro e é neste outro que encontramos o limite entre eu e ele, o que eu gosto, o que ele gosta e o que apreciamos, que nem sempre coincidem com o gosto. VAMOS REFORÇAR O QUE APRENDEMOS ATÉ AGORA? Sabe-se que a palavra música é de origem grega, combinando poesia e dança. Com base nisso, assinale a alternativa correta: R: A música era a forma de chegar à perfeição. A música era vista pela civilização grega como forma de chegar à perfeição, à plenitude do ser. Música e desenvolvimento humano O conhecimento sonoro, por meio da ação gestual das crianças, mostrou que o som puramente não é música, mas quando damos forma, se constitui como tal. É o resultado da relação homem-som. O som precisa estar organizado de tal jeito, que se torne música. Jeandot (1993) afirma que, ao entrar em contato com os objetos, a criança começa a interagir com o mundo sonoro. Os mais diversos assuntos, ao serem trabalhados com as crianças, devem partir de elementos ou situações já conhecidas e vivenciadas por elas. A música não é exceção. Quando o objetivo inicial é sensibilizar o fenômeno sonoro, todos os tipos de som, principalmente aqueles que fazem parte do dia-a-dia, devem ser explorados. A importância do som emerge quando se sugere à criança imaginar o mundo sem ele. Evocando-se fatos e situações onde a sonoridade é absolutamente necessária, observa-se que, sem ela, o telefone, o despertador, a música e mesmo a fala não teriam razão de ser. Com o intuito de despertar a criança para os sons à sua volta, deve-se desenvolver atividades onde ela possa ouvir atentamente, ou seja, deve-se estimular a criança a prestar especial atenção àqueles sons não facilmente percebidos. Escutar o pulsar do coração e ouvir os ruídos que aparecem num momento de silêncio são atividades que promovem a sensibilização. Várias são as vantagens da utilização da música, porém a mais importante é que a atividade musical ajuda o indivíduo a crescer. Como já sabemos, a criança, mesmo no útero da mãe, já tem contato com sons e ruídos, e ao nascer tem uma “memória musical”. Suas primeiras manifestações para mostrar ao mundo que está presente são sonoras. Através do reconhecimento e imitação de variadas sonoridades é que a criança vai se desenvolvendo. A educação musical começa antes do nascimento, quando o ser que está se formando ouve os batimentos cardíacos maternos e até mesmo os ruídos com os quais sua mãe convive. A musicalidade das crianças, portanto, mostra-se na compreensão da possibilidade sonora dos instrumentos e de constituí-los como formas de estar-no-mundo, tocando uma suposta “música”. As crianças têm suas próprias manifestações, reinterpretam o mundo e criam novas formas de estar nele. A CRIANÇA, A MÚSICA E O DESENVOLVIMENTO As crianças gostam de acompanhar as músicas com movimentos do corpo, tais como palmas, sapateados, danças, volteios de cabeça, mas, inicialmente, é esse movimento bilateral que ela irá realizar. E é a partir dessa relação entre o gesto e o som que a criança, ouvindo, cantando, imitando e dançando, constrói seu conhecimento sobre música, percorrendo o mesmo caminho do homem primitivo na exploração dos sons. A criança não é um artista, nem um ser meramente contemplativo, mas antes de tudo é um ser “rítmico-mímico”, que usa espontaneamente os gestos ao sabor da sensação que eles despertam. Com base nos estudos de Jeandot (1993), observeo seguinte quadro sobre o desenvolvimento musical na primeira infância: Analisando o quadro, entendemos que a primeira infância ocupa um papel central no desenvolvimento da musicalidade e da musicalização, pois a música é um canal de comunicação com o mundo. VAMOS REFORÇAR O QUE APRENDEMOS ATÉ AGORA? Com base no que foi visto, assinale a(s) alternativa(s) correta(s). R: Deve-se despertar a criança para os sons à sua volta. As crianças gostam de acompanhar as músicas com movimentos do corpo. Desenvolver atividades para atenção a sons não facilmente percebidos contribui para o despertar da criança aos sons à sua volta. Para sensibilizar o fenômeno sonoro, todos os tipos de sons devem ser explorados. A educação musical começa nove meses antes do nascimento. Sabe-se que as crianças gostam de acompanhar as músicas com movimentos corporais. O trabalho pedagógico da música Já sabemos que a musicalização é um processo educacional orientado que se destina a todos que, na situação escolar, necessitam desenvolver esquemas de apreensão da linguagem musical. Na verdade, é um momento da educação musical. Então perguntamos: “por que a musicalização nos primeiros anos de vida?”, “por que assim um trabalho sistemático forneceria o acesso e a apreensão das obras musicais, rompendo então os mecanismos sociais?” ou “por que a musicalização se reforça durante o desenvolvimento da criança?”. Brito (2003) afirma que, ainda hoje, existem escolas de Educação Infantil que iniciam, com muita antecipação, ensaios para festas, como a junina que só acontece no mês de junho/julho. Segundo a autora, a escola estudada limitava-se apenas a essa atividade, como parte da área musical, durante todo o semestre, sem ao menos desenvolver projetos de pesquisa, de criação, de integração com outras áreas do conhecimento: cada classe ensaiava exaustivamente o canto e a dança que iria apresentar no mês de junho e, em alguns casos, excluía os alunos considerados desafinados, sem voz, sem ritmo. Também vale lembrar e refletir sobre um aspecto recorrente, que diz respeito ao uso da música como forma de marcar a rotina ou estabelecer a ordem: canto na hora da entrada, do lanche, da higiene e da saída, ou seja, o cantar da rotina – monótono, repetitivo, mecânico e pouco musical. É certo que a música é gesto, movimento, ação. No entanto, é necessário possibilitar às crianças o desenvolvimento de sua expressão, de gestos, observação e imitação, sem a obrigação de fazer movimentos comandados o tempo todo, pois, cantando coletivamente, o aluno aprende a ouvir a si mesmo, ao outro e ao grupo todo. MÚSICA, INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE O grande desafio que encontramos é o de superar o já “estruturado” e efetivamente relacionar as experiências de vida dos alunos à sua percepção do real e ao conhecimento sistematizado. A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos de conhecimento produzida por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre eles – questiona a visão compartimentada (disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constituiu. Refere-se, portanto, a uma relação ente disciplinas (BRASIL, 1997). O princípio da interdisciplinaridade, ou seja, a integração entre as matérias, é, sem dúvida, muito interessante. No entanto, é preciso estabelecer os objetivos específicos de cada uma das disciplinas e definir qual é a melhor maneira de integrá-las. A escola não tem o direito de exigir que os professores que trabalhem com Arte planejem suas aulas somente de acordo com o programa elaborado por professores de outras matérias. Essa atitude limita o potencial criativo e o profissional se vê reduzido a um mero auxiliar de ensino. Não desejo que o campo musical se feche em si mesmo, quero vivamente que a música intervenha na interdisciplinaridade, mas em condições em que ela possa fazer ressoar a sua “nota” própria: a aproximação com os outros campos e o trabalho em comum me parecem mais louváveis se contribuírem para a alegria estética e dela participarem (SNYDERS, 1997, p. 135). “A ação pedagógica através da interdisciplinaridade aponta para a construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social. O seu objetivo tornou-se a experimentação da vivência de uma realidade global, que se insere nas experiências cotidianas do aluno, do professor e do povo” (DA SILVA, 2014). A interdisciplinaridade é uma forma de pensar. Na verdade, seria uma forma de se chegar à transdisciplinaridade, etapa que não ficaria na interação e reciprocidade entre as ciências, mas alcançaria um estágio onde não haveria mais fronteiras entre as disciplinas. Snyders (1997, p.135) ressalta essa construção quando diz: Para alguns alunos é a partir talvez da beleza da música, da alegria, proporcionada pela beleza musical, tão freqüentemente presente em suas vidas de uma outra forma, que chegarão a sentir a beleza da literatura, o misto de beleza e verdade existente na matemática, o misto de beleza e eficácia que há nas ciências e nas técnicas. Mas o desenvolvimento global não depende exclusivamente disso. Assume uma postura que abrange conceitos e valores fundamentais à democracia e à cidadania. A transversalidade, bem como a transdisciplinaridade (ferramenta que usamos para compreender o homem em uma visão holística), é um princípio teórico do qual decorrem várias consequências práticas, tanto nas metodologias de ensino quanto na proposta curricular e pedagógica. A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender na realidade e da realidade de conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade) (BRASIL, 1997). A música, de uma forma ou de outra, promove o desenvolvimento da transversalidade e da interdisciplinaridade, isso acontece quando a finalidade é colaborar para a formação global do educando, rompendo as barreiras das disciplinas, alcançando assim a tão almejada transdisciplinaridade. O LÚCIDO E OS BRINQUEDOS CANTADOS Os jogos musicais podem ser de três tipos e correspondem a três fases do desenvolvimento infantil: Inicialmente a criança brinca sozinha, mesmo estando perto de outras crianças. Se encontrará exposta, no entanto, a um complexo universo de movimentos, ritmos do corpo e ritmos das músicas e das palavras. É aconselhável que as canções apresentadas sejam do gosto da criança, sob pena de irritá-las. A partir do momento em que a socialização se inicia, os jogos coletivos tornam-se possíveis e vão ficando cada vez mais elaborados. A criança não apenas irá manejar seu instrumento musical ao lado do colega mas junto com ele, escutando a si mesma e aos outros, esperando sua vez de cantar ou tocar, dialogando e expressando-se musicalmente (JEANDOT, 1993, p. 63). O folclore é cultura popular que guarda tradições, abrange os costumes, as crenças e os sentimentos. Dentre as manifestações folclóricas, podemos destacar: sabedoria popular; artes folclóricas; manifestações de religiosidade; ofícios e técnicas; alimentação; traje; vida social. Na música, manifesta-se em forma de cantigas de roda, modinhas, cantigas de trabalho, acalantos, assim como os instrumentos musicais (cuíca, berimbau, viola, pífaro, caxambu, marimbau, candongueiro, entre outros). Pode parecer estranho para alguns falar-se em brinquedos cantados, frente a tantas possibilidades eletrônicas disponíveis em nosso dia a dia. Em tempos em que estas manifestações da cultura popular espontânea estão com o seu espaço tão diminuído. Nas ruas, nas praças, nos quintais está mais raro de se ver ou ouvir das bocas infantis aquelas canções que, na simplicidade das suas melodias, ritmos e palavras, guardam séculos de sabedoria e a riqueza condensada do imaginário popular (PEREIRA, 2010). Os brinquedos cantados continuam contendo símbolos geradores de toda a vida subjetiva, e continuam funcionando como pretextosmaravilhosos para a criança experimentar o seu corpo, a linguagem, e para descobrir-se a si própria, concomitantemente se revelando ao outro e inserindo-se no convívio social. Do ponto de vista pedagógico, estes jogos infantis são considerados completos: brincando de roda, a criança exercita naturalmente seu corpo, desenvolve o raciocínio e a memória, estimula o gosto pelo canto. Poesia, música e dança unem-se em uma síntese de elementos imprescindíveis à educação holística. É na atividade lúdica que a criança demonstra o seu comportamento mais autêntico. Ao brincar, dá vazão a vários impulsos, é um movimento visando a compreensão do mundo, tornando-a capaz de lidar com os problemas mais complexos. De fato, referem-se a brincadeiras do folclore dançadas ou cantadas apresentando melodias e coreografias simples. Grande parte delas se apresentam com os participantes se colocando em roda e de mãos dadas, mas existem variações, como assentada, enfileirada, marchando etc. As rodas infantis que se apresentam no Brasil têm origem portuguesa, francesa e espanhola. Porém, com a força do cantar e ouvir, abrasileiraram-se nestes cantos, sendo elas, hoje, tão nossas como se aqui fossem nascidas. Apresentam cinco características essenciais ao desenvolvimento infantil, sendo elas: clareza de objetivos; simplicidade do texto; rima de versos; ritmo musical; e fluência da melodia. Dentro do cancioneiro infantil, o acalanto apresenta o primeiro encontro da criança com a música. É uma cantiga de ninar, simples melodia embalante que tem o poder não só de captar o interesse da criança já nos primeiros meses de vida, como também acalmá-la e embalá-la como uma verdadeira varinha mágica. Na proporção que a criança vai crescendo, vai adquirindo suas próprias preferências por uma ou outra cantiga. MÚSICA COMO LINGUAGEM GERADORA: POESIA, CRIAÇÕES MUSICAIS, CORES E FORMAS O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), como pioneiro no que diz respeito à musicalização de crianças pequenas, apresenta, em seu volume terceiro, seis áreas de conhecimento que devem fazer parte do currículo da Educação Infantil (Música, Movimento, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Conhecimento Matemático e Natureza e Sociedade). Como se pode notar, três delas dizem respeito, diretamente, às linguagens artísticas (Música, Artes Visuais e Movimento). Isso equivale dizer que, neste documento, a Arte, nas suas diferentes expressões, ocupa uma posição de destaque nas propostas curriculares. Promover a musicalização das crianças de zero a cinco anos não é mero passatempo: é parte integrante do trabalho pedagógico. [...] devemos expor a criança à linguagem musical e dialogar com ela sobre e por meio da música. Como acontece com a linguagem, cada civilização, cada grupo social, tem sua expressão musical própria. O educador, antes de transmitir sua própria cultura musical, deve pesquisar o universo musical a que a criança pertence, e encorajar atividades relacionadas com a descoberta e com a criação de novas formas de expressão através da música (JEANDOT, 1993, p.20) A linguagem musical tem o alcance de produção – centrada na experimentação e na imitação, tendo como produtos musicais (tudo aquilo que resulta da organização dos sons em linguagem musical) a interpretação, a improvisação e a composição; de apreciação – percepção tanto dos sons e silêncios quanto das estruturas e organizações musicais, buscando desenvolver, por meio do prazer da escuta, a capacidade de observação, análise e reconhecimento; e de reflexão – sobre questões referentes à organização, criação, produtos e produtores musicais. Tal alcance tem fundamentos na Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa, que envolve três vertentes: o fazer artístico, a leitura da imagem (obra de arte) e a história da arte. O que a arte/educação contemporânea pretende é formar o conhecedor, fruidor e decodificador da obra de arte (...) a escola seria a instituição pública que pode tornar o acesso à arte possível para a vasta maioria dos estudantes em nossa nação (BARBOSA, 1999). Segundo os RCNEI, os conteúdos deverão ser trabalhados como conceitos em construção, organizados em um processo contínuo e integrado que deve abranger a exploração de materiais e a escuta de obras musicais para propiciar o contato e experiências com a matéria-prima da linguagem musical: o som (e suas qualidades) e o silêncio; a vivência da organização dos sons e silêncios em linguagem musical pelo fazer e pelo contato com obras diversas; a reflexão sobre a música, como produto cultural do ser humano, é importante forma de conhecer e representar o mundo. Deverão estar organizados em dois blocos – o fazer musical (que se dá por meio de improvisação, composição e interpretação) e a apreciação musical (refere-se à audição e à interação com músicas diversas). Como instrução aos professores, as orientações curriculares sugerem que cada profissional faça um contínuo trabalho pessoal, no sentido de sensibilizar-se em relação às questões inerentes à música; reconhecer a música como linguagem, cujo conhecimento se constrói; entender e respeitar como as crianças se expressam musicalmente em cada fase, para, a partir daí, fornecer os meios necessários (vivências, informações, materiais) ao desenvolvimento de sua capacidade expressiva. Apresentam ainda uma crítica sobre as concepções de música mais comuns na escola (musiquinhas para controle disciplinar, movimentos estereotipados ou trilha sonora para um imutável calendário cívico). VAMOS REFORÇAR O QUE APRENDEMOS ATÉ AGORA? Com base nos jogos musicais, relacione os tipos às definições básicas. sensório-motor: a imitação é muito importante. simbólico: representa a expressão, o sentimento e o significado. analítico: envolve estrutura e organização. Muito bem, a resposta está correta! Há três tipos de jogos musicais – sensório-motor, em que a imitação é muito importante para o desenvolvimento da criança; simbólico, em que a criança a representa com expressão, o sentimento e o significado; analítico, que envolve a estrutura e organização. Agora é a hora de sintetizar tudo o que aprendemos nessa unidade. Vamos lá?! SINTETIZANDO Pesquisar sons é a primeira etapa do trabalho de musicalização infantil. Quando a criança começa a frequentar a escola, já tem, armazenados, vários conhecimentos sobre sons e lá entra em contato com outros novos que passam a fazer parte da rotina e a interferir em suas emoções. Até os dois anos ou um pouco mais, a criança tem necessidade de manipular e provar objetos para fazer sua exploração através dos sentidos, a qual ocorre por reflexo. Dos dois aos sete, ela passa pela fase simbólica. É o momento de planejar atividades que envolvam a percepção melódica. O uso de instrumentos musicais é fundamental e facilita o trabalho de sensibilização aos elementos da música. Nessa fase, quase todas as crianças gostam de cantar e acompanhar as canções com gestos e instrumentos de percussão. Até os sete ou oito anos, as crianças estão em pleno desenvolvimento motor e são muito ativas. Assim, a maior parte das músicas serão acompanhadas de gestos e movimentos, que ajudam na percepção rítmica e desenvolvem a coordenação. Desde a Educação Infantil, os alunos devem ter contato, ouvir e participar de várias formas de comunicação sonora, para que possam apreciá-las. As músicas que ouvem na televisão e no rádio também devem ser utilizadas e servem de base para a ampliação do conhecimento. Dominó, jogo da memória, quebra-cabeça, baralhinhos e outros jogos musicais podem ser confeccionados pelos próprios alunos e são interessantes para introduzir os conceitos teóricos de música, de forma lúdica e agradável. Assim, a ação do professor irá variar de acordo com o momento e o clima da turma: ora provocando situações novas, ora atuando como catalisador dos interesses emergentes ou dispersos, despertando o interesse para a criança se expressar musicalmente. Dessa forma, entendemos que o desafio de ensinar música e com música está em transmitir noçõesbásicas de ritmo e harmonia, sem ser monótono ou mecânico. A criança se solta ao perceber que é capaz de fazer música, a forma mais universal de comunicação. E, uma vez criado, o canal musical não se desliga jamais. Unidade 4 - Projeto didático e o trabalho pedagógico de artes Rotina, atividades permanentes e sequência de atividades: o corpo em movimento Ao organizamos não somente o trabalho de artes na escola, mas também todo o aparato pedagógico, precisamos pensar na rotina e nas atividades permanentes. O espaço da sala de aula deve ser propício às experiências. Experiências não se tratam de apenas expor conhecimentos e conceitos aos alunos, e sim de criar pequenos ambientes favoráveis à interação dos alunos com o conhecimento e com as artes. ROTINA De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998a), “a rotina representa, também, a estrutura sobre a qual será organizado o tempo didático, ou seja, o tempo de trabalho educativo realizado com as crianças. A rotina deve envolver os cuidados, as brincadeiras e as situações de aprendizagens orientadas”. A rotina não é rígida; é uma forma de fornecer estabilidade e segurança às crianças por meio da repetição. A repetição não é uma criação dos adultos; ela é algo observável nas brincadeiras infantis. Repete-se um jogo para aprender a fazê-lo, brinca-se na areia várias vezes para fazer um castelo cada vez maior. É na repetição que se constroem e consolidam determinadas estruturas mentais. É também repetindo situações, como no jogo do faz de conta, que se consegue desempenhar um papel diferente, ver o mundo com outros olhos (BARBOSA, 2006, p. 149). A repetição proporcionada pela rotina possibilita às crianças experiências contínuas, momentos demarcados, que organizam o dia a dia da escola e da aula. A rotina engloba a chegada e saída das crianças na escola, os horários destinados à alimentação e à higiene e os momentos que serão destinados às experiências planejadas pelo professor. A rotina representa, também, a estrutura sobre a qual será organizado o tempo didático, ou seja, o tempo de trabalho educativo realizado com as crianças. A rotina deve envolver os cuidados, as brincadeiras e as situações de aprendizagens orientadas. A apresentação de novos conteúdos às crianças requer sempre as mais diferentes estruturas didáticas, desde contar uma nova história, propor uma técnica diferente de desenho até situações mais elaboradas, como, por exemplo, o desenvolvimento de um projeto, que requer um planejamento cuidadoso com um encadeamento de ações que visam a desenvolver aprendizagens específicas. Estas estruturas didáticas contêm múltiplas estratégias que são organizadas em função das intenções educativas expressas no projeto educativo, constituindo-se em um instrumento para o planejamento do professor. Podem ser agrupadas em três grandes modalidades de organização do tempo. São elas: atividades permanentes, sequência de atividades e projetos de trabalho (BRASIL, 1998a, p. 54-55). É importante esclarecer que a rotina deve ter diferentes momentos organizados por uma lógica, alguns momentos serão mais calmos e outros, ativos; alguns momentos em grupos, outros, individuais: Os momentos ativos abrangem atividades como a brincadeira do faz de conta, os blocos de construção e atividades motoras, cantar, dançar, teatralizar. Os momentos calmos exigem mais concentração e menos barulho. As crianças realizam experiências com quebra-cabeças, desenham e pintam, assistem a filmes etc. No caso da educação infantil em período integral, algumas atividades são mais propícias para o período da manhã e outras, para o período da tarde. De manhã, sugerem-se atividades mais calmas, de cunho cognitivo. As crianças estão mais descansadas e com maior capacidade de concentração. A temperatura desse período colabora para as atividades físicas e de maior movimento. No período da tarde, sugere-se iniciar com calma para, aos poucos, serem inseridas novas atividades. Afinal, houve uma “parada” na metade do dia para o almoço. No atendimento parcial, isso não é muito diferente, mas o tempo é mais comprimido. Primeiro, são indicadas as atividades que exigem maior atenção e, depois, as mais livres; ou seja, momentos calmos e, depois, ativos. ATIVIDADES PERMANENTES Na rotina, temos as atividades que são consideradas permanentes. Isso significa que acontecem com a mesma frequência, podendo ser diariamente, uma vez por semana etc. Tudo dependerá do cotidiano de cada instituição, de cada turma. São exemplos de atividades permanentes: Na rotina, temos as atividades que são consideradas permanentes. Isso significa que acontecem com a mesma frequência, podendo ser diariamente, uma vez por semana etc. Tudo dependerá do cotidiano de cada instituição, de cada turma. São exemplos de atividades permanentes: 1Brincadeiras no espaço interno e externo; 2 Roda de história; 3 Roda de conversas; 4 Ateliês ou oficinas de desenho, pintura, modelagem e música; 5 Atividades diversificadas ou ambientes organizados por temas ou materiais a escolha da criança, incluindo momentos para que as crianças possam ficar sozinhas, se assim o desejarem; 6 Cuidados com o corpo. Uma organização muito comum do espaço e do tempo pedagógico e que, geralmente, enquadra-se como atividade permanente, são os cantinhos temáticos na educação infantil, também chamados de cantinhos diversificados. Tratam-se de espaços organizados com atividades consideradas parcialmente livres e que fazem parte da rotina, em que as crianças realizam rodízio nessas atividades. Ou melhor, os cantinhos podem ser utilizados de acordo com as atividades planejadas pelo professor, como também conforme o interesse da criança. Quando livres, os cantinhos dão a oportunidade às crianças de escolherem a atividade de sua preferência, oportunizando o desenvolvimento da autonomia. Tem sido muito valorizada a organização de áreas de atividade diversificada, os “cantinhos” – da casinha, do cabelereiro, do médico e do dentista, do supermercado, da leitura, do descanso – que permitem a cada criança interagir com pequeno número de companheiros, possibilitando-lhes melhor coordenação de suas ações e a criação de um enredo comum na brincadeira o que aumenta a troca e o aperfeiçoamento da linguagem (OLIVEIRA, 2005, p. 195). Geralmente, proporciona-se o acesso às artes por meio dos cantinhos temáticos. Por exemplo, uma das atividades proporcionadas é a pintura no cavalete. Poderíamos citar, aqui, vários tipos de cantinhos, eles têm variáveis formas de organização, pois dependem dos propósitos estabelecidos. Cabe ressaltar que as múltiplas linguagens e as suas formas de manifestação sempre estarão presentes nos cantinhos temáticos. Para que os cantinhos funcionem, a sala de aula deve ter espaço suficiente para que cada cantinho seja reconhecido, caracterizando seu propósito. Articula-se de forma rotineira, ocorrendo sempre na mesma incidência. SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES A sequência didática é mais uma maneira de organizarmos nossas aulas, em qualquer etapa ou nível de ensino: planejada pelo professor, organizada em etapas, passo a passo, buscando garantir o propósito da escrita de forma interdisciplinar. A sequência didática é mais uma maneira de organizarmos nossas aulas, em qualquer etapa ou nível de ensino: planejada pelo professor, organizada em etapas, passo a passo, buscando garantir o propósito da escrita de forma interdisciplinar. Uma sequência didática parte de um tema que motiva todo o desencadeamento da sequência. Tal tema deve ser de interesse da criança. Nem sempre parte dela; pode ser um tema que o professor considere interessante propor. São planejadas e orientadas com o objetivo de promover uma aprendizagem específica e definida. São sequenciadas com intenção de oferecer desafios com graus diferentes de complexidade para que as crianças possam ir paulatinamente resolvendo problemas a partir de diferentes proposições. Estas sequências derivam de um conteúdo retirado de um dos eixos a serem trabalhadose estão necessariamente dentro de um contexto específico (BRASIL, 1998a, p. 56). As atividades propostas numa sequência didática são gradativas, já que permitem que possamos observar o processo, os avanços e as dificuldades mais detalhadamente. A organização básica, por etapas, de uma sequência didática pode ser: apresentação da situação, avaliação diagnóstica, atividades gradativas (do simples ao complexo, ou com outra lógica que julgar necessária), produção final, o que permite trabalhar diferentes estratégias de acordo com as necessidades de cada momento. EXEMPLIFICANDO Para organizar uma sequência didática na educação infantil, podemos propor um tema a partir de uma história. Por exemplo, uma sequência didática a partir da história da “Chapeuzinho Vermelho”. Primeiro, haveria a contação da história e sua recontagem, que pode ser teatralizada pelas crianças, mediante a confecção de máscaras dos personagens. Após, poderíamos fazer uma lista dos doces que foram levados para a vovozinha e até mesmo ler, registrar e fazer a receita de um dos doces. Todas as atividades de rotina podem, de certa forma, ser organizadas em sequência de atividades. Inclusive, a sequência de atividade pode incluir as atividades permanentes. Projetos didáticos Planejamento é a organização do processo de ensino a partir de seus propósitos. O foco é aonde queremos chegar com os nossos alunos, bem como as formas mais adequadas para alcançar tais fins. Para que isso seja concretizado, precisamos ter a noção da situação real e presente a fim de pensar nas possibilidades futuras, de modo a contribuir com o desenvolvimento dos sujeitos escolares e de toda a sociedade. São vários os níveis de planejamento no que tange à educação. O nível macro, associado aos sistemas, implica planejar políticas públicas e programas em educação. O sistema federal, por exemplo, planeja a educação nacional descrita no Plano Nacional de Educação, por consequência, os estados e municípios, a partir desse planejamento maior, também se articulam e criam seus planejamentos. É no PNE que encontramos as diretrizes, metas e estratégias para a política nacional. O PNE que vigora atualmente tem vigência de 2014 a 2024, ou seja, um intervalo de dez anos para alcançar as 20 metas para toda a educação escolar (que engloba educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação superior). Ainda no nível macro, sistêmico, temos o planejamento curricular, que se manifesta em alguns documentos oficiais como os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais –, o RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, hoje, em processo de reanálise e organizado em um novo documento, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Contudo, as escolas também fazem parte de tal sistema, e todo esse planejamento repercute em seu território político e pedagógico, ou melhor, em um documento denominado PPP – Projeto Político Pedagógico –, que se traduz nas práticas de sala de aula, no planejamento de ensino-aprendizagem: no plano de curso e plano de aula. Com a possiblidade de melhor conduzir o processo, surgem outras formas de organizar o ensino-aprendizagem, com centros de interesses, temas geradores, sequências didáticas, projetos didáticos, sendo este último, tema principal de nossa unidade, também chamado de projetos temáticos, projetos de trabalho, resumindo, uma pedagogia de projeto. Pode-se perceber, pela variedade de nomes, que os projetos didáticos têm diversas abordagens. Cabe salientar que, quando chamados de projetos de trabalho, a palavra trabalho não está atrelada à ideia disseminada pelo sistema capitalista (a venda da força de trabalho), e sim à produtividade do ser humano, aos seus fazeres, à sua ação, por isso, a ideia de coparticipativos, demonstrando que, se juntarmos pessoas em um grupo, com diferentes habilidades e competências, poderemos alcançar os objetivos traçados. FUNDAMENTOS HISTÓRICOS O primeiro movimento que levou a ideia de projetos foi o de centros de interesse realizado por Óvide Decroly, representante do movimento Escola Nova, cujo foco era o aprender a aprender. O primeiro movimento que levou a ideia de projetos foi o de centros de interesse realizado por Óvide Decroly, representante do movimento Escola Nova, cujo foco era o aprender a aprender. De acordo com Luckesi (1994), existem duas categorias de tendências pedagógicas: as liberais e progressistas. As tendências liberais são a favor do sistema capitalista e dividem-se em tradicional, renovada (Escola Nova) e tecnicista. Já as tendências progressistas são contra o sistema capitalista e também estão organizadas em três categorias: libertária, libertadora e crítico social dos conteúdos. A Pedagogia Renovada (nova) é aquela que, mesmo a favor do sistema, é contra a concepção de sujeito passivo da educação tradicional, pensando em métodos mais ativos que ativem a inteligência dos alunos, trazendo também uma concepção mais pragmática de ensino. É nesta que encontramos o início e o percurso da pedagogia de projetos. O método de Decroly, denominado "centros de interesse", partia da ideia de globalização do ensino para romper com a rigidez dos programas escolares, ou seja, opondo-se ao ensino tradicional, baseado na transmissão de conteúdos conceituais. Para Decroly: Existiriam seis centros de interesse que poderiam substituir os planos de estudo construídos com base em disciplinas: a) a criança e a família; b) a criança e a escola; c) a criança e o mundo animal; d) a criança e o mundo vegetal; e) a criança e o mundo geográfico; f) a criança e o universo (MENEZES, 2001). Nesta evolução da pedagogia de projetos, temos John Dewey e Kilpatrick, ambos escolanovistas também. Dewey defendia a relação da vida com a sociedade e a articulação entre teoria e prática, foi considerado um dos pais da Escola Nova. Sua ideia central era partir das experiências. Kilpatrick foi discípulo de Dewey, destacou-se pelo seu método de projetos organizado em quatro etapas principais: designar o fim, prepará-lo, executá-lo e avaliá-lo. Os projetos poderiam ter várias finalidades: produção; consumo; resolução de algum problema e aperfeiçoamento de alguma técnica. CONCEITO Os projetos didáticos têm ênfase interdisciplinar, procedimental e pragmática. Apresentam algumas características, tais como: intencionalidade, responsabilidade e autonomia dos alunos, autenticidade (a temática tem que ser relevante), complexidade, resolução de problemas, além de ser faseado. São várias as definições e as funções do projeto didático: Assim como todo planejamento, prevê ações; É um plano diferenciado de um plano de aula comum e possibilita ações mais concretas, geralmente, na culminância; Possibilita a ativação do pensamento das crianças por meio do método de resolução de problemas; A criança consegue expor seus modos próprios de pensar como possibilidade de resolver os desafios; É uma das formas de organizar o trabalho pedagógico, não somente na educação infantil; Permite o ineditismo na prática pedagógica, indo além do que é proposto no currículo; É caracterizado pela metacognição, as crianças aprendem a buscar o conhecimento, a pesquisar as informações, a produzir argumentos para resolver os questionamentos propostos. A concepção de projetos didáticos, geralmente, recai como uma obrigação da escola, como modismo, empobrecendo a concepção que está por trás de seus fundamentos. É muito comum escolas dizerem que têm o “Projeto Páscoa”, “Projeto de Natal”, usando datas comemorativas como temas e dizendo que são projetos. Isso não é projeto pedagógico, mas pode dar origem a uma sequência de atividades (sequência didática). Como dito, uma sequência de atividades parte de um tema que motiva todo o desencadeamento da sequência. Veja bem, a sequência didática não é a mesma coisa que um projeto. Um projeto é mais amplo, demanda mais tempo. A sequência didática, por exemplo, pode ter duração de uma hora, um dia, uma aula. Um projeto é mais amplo e pode incluir mais de uma sequência didática.Num projeto didático, o sujeito aprendiz é ativo. O aluno é protagonista da aprendizagem e deve pôr, literalmente, a “mão na massa”. Isso significa que a pedagogia de projetos tem uma caracterização prática, alinhando conceitos com suas aplicabilidades. Os projetos didáticos envolvem três pontos essenciais, o contexto, os conteúdos procedimentais (que não são os únicos, mas os principais) e a interdisciplinaridade. São os pilares, e sem eles, um projeto não funciona. Do contexto, temos o tema. Veja alguns passos para a escolha do tema ou problema para a realização de um projeto didático: Pode advir das experiências anteriores das crianças. Professores, pais ou comunidade podem propor projetos de grupo para as crianças. Projetos sempre contêm um problema, algo que intranquiliza as mentes, o processo de solução das questões deve ficar claro. Organizar situações, listas, quadros, tarefas individuais e em grupo, e distribuição de tempo. Induzir as crianças a perceberem a dinâmica do projeto. Os projetos criam estratégias significativas de apropriação dos conhecimentos que podem ser continuamente replanejadas e reorganizadas, produzindo novos e inusitados conhecimentos. EXEMPLIFICANDO Como surgimento de um tema, por meio de motivação, temos o seguinte relato. Numa oficina, ensinou-se às crianças a construção de bonecos de pano com as características deles, com o objetivo de se autoconstruir, autorretratar-se e gerar momentos diversos da organização do tempo e dos espaços. A ideia era que as crianças percebessem os diversos modos de vida; para isso, apresentou-se no início da oficina um teatro, por meio da arte mambembe, um teatro itinerante que, antigamente, apresentava-se de cidade em cidade, com histórias do cotidiano. Mesmo que o tema-problema surja de um aluno, o professor deve agir como um instigador de questão, conquistando a curiosidade dos demais alunos. Pode ser um projeto da escola, de algumas turmas ou apenas de uma turma, por isso, é pensado como um desdobramento de uma proposta maior e ainda pode ser desdobrado em planos de aula. Como todo o planejamento, os projetos seguem o ritual das etapas: surge a temática por meio do levantamento do que será estudado (o tema surge de situações reais oriundas dos alunos, de certa forma, realizamos uma avaliação diagnóstica), objetivos, conteúdos, metodologias e recursos, verificação da aprendizagem. Sabendo aonde se quer chegar, verificamos por quais conhecimentos passaremos e como chegaremos aos objetivos. Os projetos são formas de trabalho que envolvem diferentes conteúdos e que se organizam em torno de um produto final cuja escolha e elaboração são compartilhadas com as crianças. Muitas vezes eles não terminam com esse produto final, mas geram novas aprendizagens e novos projetos (BRASIL, 1998b, p. 109). Em artes, os projetos são funcionais pois envolvem as várias linguagens e habilidades para o alcance do objetivo traçado; indo desde a preparação até a execução em si, perpassando, principalmente, pelos conteúdos procedimentais. A construção de um cenário para brincar ou de uma maquete, a ornamentação de um bolo de aniversário ou de uma mesa de festa, a elaboração de um painel, de uma exposição, ou a ilustração de um livro são exemplos de projetos de artes. Os projetos em artes são permeados de negociação e de pesquisas entre professores e crianças. Se de um lado o professor planeja as etapas e pode antecipar o produto final, por sua vez, as crianças interferem no planejamento, alterando o processo a partir das soluções que encontram nas suas produções (BRASIL, 1998b, p. 110). Um projeto nem sempre tem um produto concreto ao final. O projeto pode girar em torno de questões, perguntas, curiosidades, assim como pode ser a realização de algo materializado, como o protótipo de algo que será construído pelos alunos. A QUESTÃO DOS CONTEÚDOS Os conteúdos são meios, e não fins de um planejamento. Durante muito tempo, na pedagogia tradicional, os conteúdos foram vistos como fins, ou seja, dava-se a aula para lançar determinado conteúdo. Nisso, limitava-se também o tipo de conteúdo, resumindo-se ao conceitual, científico, um tanto propedêutico. Os conteúdos são meios, e não fins de um planejamento. Durante muito tempo, na pedagogia tradicional, os conteúdos foram vistos como fins, ou seja, dava-se a aula para lançar determinado conteúdo. Nisso, limitava-se também o tipo de conteúdo, resumindo-se ao conceitual, científico, um tanto propedêutico. Com o advento dos movimentos pedagógicos, principalmente com a difusão dos quatro pilares da educação promovidos pela UNESCO, a caracterização dos conteúdos foi revista, inclusive, influenciando a fundamentação dos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais. Os conteúdos conceituais se referem ao saber propriamente dito. Os conteúdos procedimentais implicam um saber fazer, enquanto os conteúdos atitudinais estão associados a um saber ser. Perceba que este quadro resume os tipos de conteúdo; a palavra procedimentais está em destaque justamente por ser o principal (mas não o único) em um projeto didático. Nessa direção, o mais importante é que o aluno coloque os conhecimentos que estão presentes no projeto em prática, em experiências, em movimentos de pesquisa etc. A realização de projetos didáticos Os projetos didáticos são alternativas de planejamento, alinhados ao PPP – Projeto Político Pedagógico –, o que possibilita o trabalho com competências e habilidades, assim como o desenvolvimento de múltiplas inteligências, já que a ênfase recai sobre os conteúdos procedimentais. Os projetos didáticos são alternativas de planejamento, alinhados ao PPP – Projeto Político Pedagógico –, o que possibilita o trabalho com competências e habilidades, assim como o desenvolvimento de múltiplas inteligências, já que a ênfase recai sobre os conteúdos procedimentais. A escola que objetiva formar o cidadão de forma integral, envolvendo o sujeito como um todo, potencializa isso didaticamente. O trabalho com projetos didáticos é uma tentativa de contextualizar o ensino, aproximando os sujeitos de questões reais e, de certa forma, articulando a teoria e prática na aprendizagem dos alunos, na promoção de uma aprendizagem mais significativa. Todo o projeto deve levar em consideração que o trabalho é coletivo, ou seja, os projetos são coparticipativos, pois é nas relações estabelecidas com diferentes habilidades, competências e inteligências que se alcançam os objetivos. Ao mesmo tempo que a construção coletiva deve conduzir o sujeito à internalização dos conhecimentos construídos, ou seja, ao desenvolvimento concomitante da aprendizagem individual, pois aquilo que faço com o outro está em processo de construção de conhecimento. Quando sou capaz de fazer sozinho, aprendi, como é a aprendizagem colocada à luz de Vygotsky. E, nessa direção, o trabalho com projetos está na zona de mediação, na ZDP. CURIOSIDADE Vygotsky foi um pensador russo que trouxe contribuições para a Psicologia da Educação. Em sua teoria conhecida como “sociointeracionismo”, afirmou que o sujeito tem dois níveis de conhecimento. O nível real de desenvolvimento e o potencial. A distância entre esses níveis ficou conhecida como ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal. Um projeto não é realizado do “nada”. Ele tem justificativa na realidade, no contexto, em críticas, necessidades, debates, situações. Tudo isso é o que conduz o professor a propor um projeto didático em classe. Não é algo proposto pela coordenação ou pelo professor apenas para dizer que trabalhou com projetos; não se trata de um ato solitário, e sim solidário, envolvendo, principalmente, os alunos. Cabe ressaltar também que apenas uma “pesquisa” não simboliza um trabalho com projetos. Os projetos, na realidade, são verdadeiras fontes de investigação e criação, que passam sem dúvida por processos de pesquisas, aprofundamento, análise, depuração e criação de hipóteses, colocando em prova a todo momento as diferentes potencialidades dos elementos do grupo, assim como assuas limitações. Tal amplitude nesse processo faz com que os alunos busquem cada vez mais informações, materiais, detalhamentos etc., fontes estas de constantes estímulos no desenrolar do desenvolvimento de suas competências (NOGUEIRA, 2009, p. 81). Um projeto é a continuidade do planejamento do professor ou até mesmo a ampliação deste. É um trabalho que surge de necessidades pedagógicas e que se desenvolve coletivamente. Pode ser com uma turma ou até mesmo envolver várias turmas – ou toda a escola. ELEMENTOS ESSENCIAIS Como dito, um projeto não surge do nada. É, pois, a justificativa de implantação do projeto que motivará o andamento deste. Tal justificativa consegue ser algo tácito, por exemplo, algo não formalmente expresso, que surge das questões cotidianas de sala de aula, como no relato que será exemplificado. EXEMPLIFICANDO As crianças cochichavam na fila, debatiam sobre um assunto que despertava o interesse delas. Era uma turma de educação infantil, com crianças de cinco anos. Até que uma veio até mim e perguntou: “tia, quem veio primeiro? Jesus, os índios ou os dinossauros?” Então, sugeri que nos organizássemos para descobrir isso. Ampliando a conversa, descobri o que havia motivado o surgimento da pergunta: o filme Parque dos dinossauros, que tinha passado na TV na semana da Páscoa, e, além disso, estava se aproximando do dia do índio. Elas apresentavam a ideia de tempo passado, mas não conseguiam ordenar os eventos; precisavam de “pistas”. Tendo em vista uma indagação, um recado tácito, uma situação a ser resolvida, a segunda etapa será traçar os objetivos que se pretende alcançar. Obviamente, o objetivo geral está atrelado à conquista da indagação central. E, no caminho, passaremos por várias outras situações específicas para chegar a essa conquista central, e, aqui, estamos falando dos objetivos específicos. É nesse momento que precisamos analisar habilidades, competências e inteligências que circulam em sala e/ou precisam ser desenvolvidas na atuação do projeto. Como conduziremos o processo será a nossa próxima etapa, que se refere à metodologia. Estratégias, atividades e recursos estarão presentes de forma a conduzir todos ao alcance dos objetivos. Um cronograma do que será feito também é essencial, não necessariamente preciso, mas que traga uma programação e traduza no compromisso do cumprimento das tarefas estabelecidas. Nem sempre um projeto consiste num produto concreto e físico no final. Pode ser, inclusive, apenas uma constatação que responda à indagação central. Mas é certo que haverá um final, um encerramento, uma demonstração do que aprendemos ao desenvolvermos determinado projeto. ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR Na abordagem interdisciplinar, o trabalho pedagógico é guiado por atividades que tenham intenção de promover a interação entre as disciplinas. Na abordagem interdisciplinar, o trabalho pedagógico é guiado por atividades que tenham intenção de promover a interação entre as disciplinas. Até aqui, você pôde entender que a contestação que possui a disciplinaridade vai muito além do campo escolar, porque, filosoficamente, é necessário enxergar as pessoas como parte de um todo, ou seja, de toda a comunidade, cidade, país, planeta, universo. Somos unidade na diversidade, como na reflexão apresentada do poema de Maria Elisa de M. P. Ferreira, citada por Ferreira (2011). Perceber-se interdisciplinar É sentir-se componente de um todo. É saber-se filho das estrelas, Parte do Universo e um Universo à parte... É juntar esforços na construção do mundo, Desintegrando-se no outro, para, com ele, Reintegrar-se no novo... É ter consciência de que a Natureza o gerou: De que é fruto dela, jamais seu senhor... É saber que a Humanidade terrena surgiu de uma Evolução, E que, talvez, não seja ela única no espaço sideral... É saber que a liberdade está em afirmar-se integrando-se, Que o crescer histórico consente em ser retardado, Nunca eternamente impedido... É reconhecer no “Uni-verso”, “unidade na diversidade” E estar consciente de que o evoluir é lei geral... É saber que, etimologicamente, “mundus” é pureza E (quem sabe?) encontrar a paz interior... Pois, “Quando a mente é perturbada, produz-se a multiplicidade das coisas; Quando a mente é aquietada, A multiplicidade das coisas desaparece”. Você, eu, o mundo! Todos nós precisamos nos perceber interdisciplinares, compreendendo que as ações realizadas, como parte de um todo, afetam esse todo. Ao pensarmos interdisciplinarmente, olhamos o problema em suas relações quase infinitas com o contexto, o projeto colaborativo interdisciplinar pode vir a ser uma solução para enfrentar os problemas com que professor e alunos devem conviver diariamente na escola, muitos dos quais advêm da fragmentação e alienação dos saberes escolares. O projeto interdisciplinar apaga as fronteiras burocráticas, mantendo as epistemológicas e, quando ele se dirige à resolução de um problema particular da escola, pode vir a apontar soluções locais aos problemas que refletem questões e cser_educacionals generalizadas que afetam toda a sociedade. A solução local é uma maneira produtiva de resistir à globalização e à desumanização que lhe é característica (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 188). A nossa identidade terrena é que nos conduz a uma consciência mais planetária, em que a integração dos saberes produzidos pela humanidade está a favor de tudo e de todos, direcionando ações para o bem coletivo, como diria o filósofo Edgar Morin. Tomando suas ideias, aqui, como referências, sustentamos a filosofia de que a interligação é possível em todos os conhecimentos, como bem destacado em sua obra Os sete saberes necessários à educação do futuro. Nós mesmos fazemos parte de um todo, o planeta, e estamos interligados como parte do planeta e seres humanos. Isso não é diferente com o conhecimento. Perceber-se interdisciplinar é o primeiro passo para ir ao encontro de práticas pedagógicas interdisciplinares. Objetivamente, você já compreendeu que a interdisciplinaridade é o movimento de integração entre as disciplinas. O termo interdisciplinaridade é suficientemente autoexplicativo. É possível tornar a aprendizagem mais contextualizada quando se parte do entendimento de que é necessário unir as partes (disciplinas) para formar o todo (conhecimento de forma ampla). esta maneira, práticas de ensino baseadas na interdisciplinaridade propiciam a formação de alunos e alunas mais aptos a enfrentar questões contextualizadas, que transcendem os limites de uma única disciplina. A partir da proposição de uma situação-problema ou questão orientadora, o aluno estará́ mais motivado para aprender, estará́ diante de uma situação que se aproxima muito mais da realidade por ele vivida. (SANTOS, p. 72, 2012). Há, geralmente, uma questão orientadora ou um problema que necessita de comunicação entre as disciplinas. A partir disso, o aluno se sente mais motivado a aprender, porque há uma contextualização do ensino. Um exemplo pedagógico muito comum hoje em dia e que ilustra a interdisciplinaridade é o trabalho por projetos. Num projeto, existe um tema oriundo de uma problematização e o aluno se torna um pesquisador. O aluno buscará, nas áreas dos conhecimentos, respostas para o seu problema, enquanto as disciplinas se unem como propostas conjuntas que colaboram para essas respostas. PLANEJAMENTO, EXECUÇÃO E AVALIAÇÃO Sabendo dos elementos essenciais do projeto, algumas perguntas que colaboram com a escrita, ou melhor, com o planejamento das etapas de um projeto didático, são sugeridas: Sabendo dos elementos essenciais do projeto, algumas perguntas que colaboram com a escrita, ou melhor, com o planejamento das etapas de um projeto didático, são sugeridas: O quê? Sobre o que falaremos/pesquisaremos? O que faremos no projeto? – Essa primeira pergunta dá origem ao tema, tema esse que surge da indagação, da problematização, da inquietação em relação a algo. Por quê? Por que trataremos desse tema? Quais são os objetivos? – Como sabemos, um projeto não surge do nada. É preciso terorigem em algo, e esse algo tem relação com os interesses que circulam, motivando os participantes a se movimentarem perante o conhecimento. Como? Como realizaremos esse projeto? Como operacionalizaremos? Como poderemos dividir as atividades entre os membros do grupo? Como apresentaremos o projeto? – Esse é o momento mais complexo, o de dar concretude ao projeto. É o momento em que mais há mediação do professor. Ele organiza e ajuda seus alunos. Não leva respostas prontas, mas fornece subsídios diversos para que os alunos façam uso de suas habilidades, competências e inteligências a favor do projeto, é o “aprender a aprender”. A exploração do processo de metacognição possibilita outras oportunidades além do projeto em questão, pois conhecendo os mecanismos do pensar o aluno tende a buscar mais e mais novos conhecimentos, já que ele aprende a aprender. Desta forma, o processo torna-se mais ameno e motivante, diferentemente das formas passivas nas quais normalmente são colocados, diante do ser ativo e detentor do conhecimento – o professor (NOGUEIRA, 2009, p. 82). Quando? Quando realizaremos as etapas planejadas? – Todo projeto tem início, meio e fim. É necessário, portanto, cronograma. Conseguimos? Realizamos o projeto? O que faltou? Como foi minha ação? – Último momento do projeto. A avaliação, aqui, retroalimenta a ação do professor. O aluno pode ter respondido à pergunta, ter solucionado o problema, produzido algo mais concreto. Tal análise é conjunta. Conseguimos? Se não conseguimos, o que faltou e por que faltou? Mais do que isso, o que podemos fazer para conseguir? A autoavaliação é um momento muito importante para o aluno. É nessa hora que ele percebe seus próprios instrumentos de conquista pela aprendizagem. A autoavaliação pode ser uma roda de conversa, um diário, um questionário. O importante é ouvir o aluno falar sobre a sua própria aprendizagem. EXEMPLIFICANDO Com a turma do ensino fundamental, no “Projeto pessoas famosas em artes”, propus uma autoavaliação em que os alunos deveriam completar as seguintes frases: “acredito que com este projeto aprendi...”; “meu planejamento foi...”; “meu grupo acha que a nossa pesquisa...”; “no começo do projeto eu achava que...”; “no meio do projeto eu já consegui...”; “meu próximo projeto será sobre...”; “não gostei...”; “em minha pesquisa descobri que...”; “o que mais gostei nesse projeto...”; “meu grupo...” Um projeto didático, portanto, não tem receita. Ele é um planejamento que se pauta na contextualização, nos conteúdos procedimentais, na metacognição e na interdisciplinaridade. Agora é a hora de sintetizar tudo o que aprendemos nessa unidade. Vamos lá?! SINTETIZANDO Nesta unidade, você conheceu o processo didático que pode e deve ser realizado com o trabalho das artes e do movimento, indo desde a organização da rotina e atividades permanentes até os projetos didáticos; não sendo as únicas formas de organização para a aprendizagem dos alunos, mas são formas fundamentais que possibilitam colocar os alunos no protagonismo do processo. Foram apresentados os fundamentos históricos e filosóficos, expondo as origens da pedagogia de projetos; a relação dos conteúdos procedimentais com a característica pragmática dos projetos didáticos e a identificação de processos pedagógicos a serem incorporados na resolução de problemas, experiências e movimentos de pesquisa dos projetos didáticos. Podemos dizer que os projetos didáticos ofertam a possibilidade de um ensino mais voltado para a aprendizagem, potencializando as diferentes inteligências que circulam nos espaços escolares, caminhando pelos conteúdos curriculares. Abordamos, também, os elementos essenciais e as etapas dos projetos didáticos. Foram apresentados os fundamentos dos projetos, as etapas (justificativa, objetivos, metodologia e avaliação) e algumas orientações para o desenvolvimento de um trabalho pedagógico baseado em projetos. Muitos acreditam que trabalhar com projeto faz com que o plano de curso não seja concluído. Isso é mito, pois os conteúdos também os circulam. Há vários níveis de projetos, podendo ser da escola, da turma, de um grupo ou até mesmo do aluno, tudo dependerá, principalmente, da origem temática. Ressalte-se que é desejável que os mesmos sejam interdisciplinares, porém, nem sempre conseguirão abraçar todas as disciplinas. O importante, portanto, é que algumas estejam presentes e que se relacionem entre si, pelo menos, garantindo o movimento minimamente. O trabalho com artes na escola é potencialmente interdisciplinar. Trabalhar com projetos apenas porque a escola exige é desconsiderar todo o apanhado pedagógico que seus procedimentos possuem; é banalizar o uso dos projetos em sala de aula. O professor deve se lembrar de que o planejamento não é somente dele. Como o foco é o aluno, este também participa, dando direcionamentos para que possa “aprender a aprender”. Nem tudo é possível ensinar por projetos, e que fique bem claro. Nem sempre o projeto deve estar presente como parte de avaliação formal, atribuindo notas. Ele pode ser algo não condicionado a isso, quando, principalmente, parte de situações naturais e contextualizadas. O projeto faz parte da construção de conhecimento. Quando aplicado, temos que observar o processo, as conquistas e as dificuldades, para que possamos intervir na realidade de nossos aprendizes.