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A tireotoxicose é a condição clínica onde há excesso de hormônios tireoidianos circulantes. A maior causa é a doença de Graves, representando cerca de 80% dos casos. As causas podem ser separadas em dois grandes grupos: tireotoxicose com hipertireoidismo (tireoide hiperfuncionante e captação de iodo em 24 horas aumentada) e tireotoxicose sem hipertireoidismo (tireoide normo ou hipofuncionante e captação de iodo em 24 horas reduzida ou ausente). A doença de Graves, também chamada de Basedow- Graves ou bócio difuso tóxico, é a maior causa dentre todas, sendo também a maior causa de hipertireoidismo. É 10x menos comum que o Hashimoto, atingindo principalmente as mulheres (5 a 10x mais) entre 20 e 40 anos, apresentando forte predisposição familiar. Também se trata de uma patologia autoimune que tem resposta imune humoral com produção de anticorpos IgG contra o receptor de TSH. Esse anticorpo se liga ao receptor de TSH nas células tireoidianas e mimetiza a ação do TSH, fazendo com que ocorra hipersecreção de hormônios tireoidianos e crescimento do órgão (hipertrofia e hiperplasia). Outros órgãos também podem ser afetados por esse processo, como os olhos, causando a oftalmopatia de Graves. Os principais anticorpos envolvidos nesse processo são: TRAb (70 a 100%), anti-TPO (45 a 80%) e anti-Tg (12 a 30%). Já o bócio multinodular tóxico é uma causa importante de hipertireoidismo em pacientes mais velhos (> 50 anos). Geralmente ocorre após uma longa evolução de um ou mais nódulos que se tornam autônomos. É mais comum em mulheres e em áreas com deficiência de iodo, podendo estar associado ao tabagismo e uso de alguns medicamentos (amiodarona, contrastes, etc.). O adenoma tóxico, ou bócio uninodular tóxico ou doença de Plummer, ocorre por mutações ativadoras do gene do receptor do TSH ou do seu sinalizador intracelular (proteína G), levando à ativação constitutiva de um clone celular que se torna autônomo. É uma causa que atinge mais os jovens, entre 30 e 40 anos. Em nódulos de longa data, pode ocorrer a sintetização autônoma dos hormônios tireoidianos, caracterizando a doença de Plummer. A tireotoxicose nesses casos é mais comum em nódulos com mais de 3 cm. No caso de nódulo hiperfuncionante, a captação de iodo ficará toda concentrada sobre o nódulo, com supressão da absorção no resto da glândula. Como outras causas, cita-se o hipertireoidismo familiar não autoimune, onde há uma mutação do gene do receptor do TSH em células germinativas. Há também o hipertireoidismo iodo-induzido (fenômeno de Jod-Basedow), o qual é incomum, mas pode ocorrer após altas doses de iodo. Além disso, há o hipertireoidismo transitório neonatal que ocorre quando as mães apresentam hipertireoidismo por doença de Graves e há passagem dos autoanticorpos pela placenta. Por fim, cita-se a doença trofoblástica gestacional e seus tumores de células germinativas (hCG mimetiza o TSH) e por secreção de TSH por adenomas hipofisários. As tireoidites podem ser causadas por processos inflamatórios e/ou infecciosos da tireoide, gerando uma tireotoxicose transitória. Nela, há ruptura dos folículos tireoidianos, com liberação de T3 e T4 na corrente sanguínea. Tais processos são autolimitados, de modo o tratamento deve ser feito com anti- inflamatórios e betabloqueadores, sem indicação de drogas antitireoidianas. Na tireoidite factícia há excesso de hormônio tireoidiano por conta de ingestão de hormônios tireoidianos ou derivados, de forma acidental ou proposital. A tireoglobulina pode ser solicitada para diferenciar da tireoidite subaguda, de modo que ela estará baixa na tireoidite factícia, uma vez que a glândula não estará funcionando, processo inverso ao que ocorre na tireoidite subaguda. Como outras causas, cita-se a possibilidade de tecido tireoidiano ectópico, como os tumores de ovário, que podem se diferenciar em tecido funcionante (struma ovarii). Outra possibilidade são as grandes metástases de tumores malignos da tireoide. O quadro clínico depende da gravidade, duração e idade do paciente. Entre todas as alterações, a principal é o aumento do metabolismo, que pode chegar a 60 a 100%, ocasionando perda de peso, intolerância ao calor, sudorese profusa e aumento do apetite. A perda de peso costuma ser de massa magra apenas, tendo em vista o alto turnover proteico, o qual pode gerar fadiga e fraqueza muscular. Em idosos, a apresentação tende a ser mais discreta, mas a anorexia e a perda de peso são mais pronunciadas. Muitas vezes, a doença pode se manifestar como depressão grave, apatia, astenia, fraqueza muscular e perda de peso. Na infância, a principal causa de tireotoxicose é a doença de Graves, a qual pode se manifestar com agitação, dificuldade de concentração e queda do rendimento escolar. O bócio está presente em 98% dos casos. Na pele, esta costuma estar quente, macia e com sudorese profusa. As unhas podem estar amolecidas e com onicólise (“unhas de Plummer”) e o cabelo tende a ser fino e esparso. No Graves, é possível a ocorrência de mixedema pré-tibial, que consiste em uma placa infiltrada com poros difusos, conferindo um aspecto de “casca de laranja”. Nos olhos, pode haver retração palpebral, olhar fixo, aumento da fenda palpebral e lid lag. No Graves, pode ocorrer proptose (exoftalmia). Já no sistema cardiovascular, há taquicardia em repouso, palpitações e vasodilatação generalizada, com redução da resistência vascular periférica e queda da pressão arterial diastólica, com aumento da pressão sistólica. Também há intolerância ao exercício, com cansaço e dispneia ao repouso, onde muitas vezes pode ocorrer hipoxemia e hipercapnia. Nas manifestações neuropsiquiátricas, o paciente pode se apresentar com nervosismo, irritação, fadiga e reação exacerbada aos estímulos externos. Além disso, também pode ocorrer perda cognitiva e quadros psiquiátricos, inclusive psicose. O diagnóstico de tireotoxicose pode ser feito pela dosagem de TSH e do T4 livre. Nela, o TSH estará bastante diminuído, com exceção do hipertireoidismo central, enquanto o T4 livre estará elevado. Em caso de dúvidas da etiologia da tireotoxicose, pode- se solicitar dosagem de TRAb (anticorpo mais comum no hipertireoidismo – 70 a 100%), cintilografia ou ultrassonografia. A cintilografia demonstrará captação de iodo em 24 horas elevada em casos de tireotoxicose com hipertireoidismo ou baixa nos casos sem hipertireoidismo. Já a ultrassonografia pode permitir o diagnóstico diferencial entre bócio difuso, multinodular e nódulos únicos. O tratamento em caso de presença de hipertireoidismo pode ser medicamentoso, com radioterapia com iodo ou cirúrgico. No tratamento medicamentoso, as drogas antitireoidianas são a primeira escolha para o tratamento. Representadas pelo metimazol (MMZ) e pelo propiltiouracil (PTU), a ação dessas drogas consiste na inibição do TPO, bloqueando a síntese dos hormônios tireoidianos. O PTU ainda possui ação adicional de inibir a conversão periférica de T4 em T3. Entre as drogas, o MMZ é a droga inicial na maioria dos casos, uma vez que apresenta menor custo, menos efeitos colaterais e pode ser tomada em dose única diária. Já o PTU é preferido durante o primeiro trimestre da gestação em virtude da sua maior segurança. Sua ação inicia em 10 a 15 dias, sendo que em 4 a 8 semanas ocorre a volta ao estado eutireoideo em cerca de 90% dos pacientes. O uso dessas drogas pode ser por um grande período (12 a 24 meses) no caso de hipertireoidismo, ou somente nas fases iniciais nos casos sem hipertireoidismo. Outras drogas também podem ser utilizadas, como os betabloqueadores que podem ser utilizados para alívio dos sintomas adrenérgicos no início do tratamento com antitireoidianos. A radioterapia com iodo proporciona uma irradiação localizadasobre a tireoide, possibilitando o controle da tireotoxicose em 2 a 3 meses em 70 a 80% dos casos, com efeito total podendo levar até 1 a 2 anos para se manifestar completamente. Ela constitui a terapia de escolha para o bócio multinodular tóxico e do adenoma tóxico, enquanto é considerada droga de escolha nos casos de Graves refratária ao uso de antitireoidianos. Seu principal efeito colateral é a ocorrência de hipotireoidismo, que pode chegar a 100% dos pacientes em 10 anos. Além disso, ela também pode gerar uma piora da tireotoxicose de forma inicial pela liberação aguda dos hormônios contidos nos folículos. Seu uso é contraindicado na gestação e mulheres que fizeram o uso não devem engravidar nos 6 a 12 meses subsequentes após a dose. Por fim, o tratamento cirúrgico pode ser utilizado nos casos refratários e/ou com intolerância aos medicamentos antitireoidianos. Ele consiste na tireoidectomia, que pode ser total (preferível) ou subtotal. Para sua realização, deve-se preparar o paciente com antitireoidianos e betabloqueadores para evitar complicações da cirurgia. O lugol deve ser aplicado 7 dias antes da cirurgia para diminuir a vascularização e o volume de sangramento da tireoide. A cura é atingida em 98% dos casos. O hipertireoidismo subclínico consiste na presença de TSH abaixo do normal e valores de T4 livre e T3 total normais. É uma causa rara que atinge principalmente idosos, de modo que outras possíveis etiologias devem ser excluídas concomitantemente, como o uso de glicocorticoides, doenças sistêmicas ou disfunção hipofisária. Entre as causas, a mais comum é o uso de levotiroxina que pode suprimir o TSH em algum momento do tratamento. A importância dessa patologia consiste no aumento da disfunção cardíaca e outras complicações, como diminuição da massa óssea. A crise tireotóxica, ou tempestade tireoidiana, é uma ocorrência incomum, mas apresenta alta mortalidade (10 a 70%) e requer internação na UTI imediatamente. Várias causas são possíveis para tal patologia, como a liberação aguda de hormônios após a radioiodoterapia, descontinuação do uso das drogas antitireoidianas, administração de grande quantidade de iodo, palpação vigorosa da tireoide, entre outros. No quadro clínico, normalmente os sintomas se desenvolvem de forma abrupta, gerando aumento do metabolismo e hipertermia. Dessa forma, pode-se verificar presença de sintomas cardiovasculares, como arritmias, congestão pulmonar, taquipneia, insuficiência cardíaca, entre outros. O trato gastrointestinal também é afetado, podendo haver dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia. Sintomas neurológicos também são possíveis, como agitação, confusão, delirium, entre outros. O diagnóstico é clínico e pode ser auxiliado pelos critérios diagnósticos de Burch e Wartofsky, sendo confirmado em caso de > 45 ou classificado como eminente se entre 25 e 44 ou descartado se < 24. O tratamento deve ser feito preferencialmente na UTI e tem como princípios o controle da liberação dos hormônios, o bloqueio dos efeitos destes, o suporte clínico e o tratamento da causa. O bloqueio da liberação dos hormônios pode ser feito com inibidores da síntese tireoidiana, como o PTU (droga de escolha) em altas doses (1200 a 1500 mg/d) com doses fracionadas a cada 4 horas, ou o MMZ na dose de 20 mg a cada 4 horas. Outra possibilidade é a administração de soluções de iodo estável (lugol, KI ou ácido iopanoico), que inibem a captura de T4 e levam ao bloqueio da liberação dos hormônios pela tireoide pelo efeito Wolff-Chaikoff. Vale ressaltar que o iodo só pode ser administrado após as drogas antitireoidianas por possibilidade de piora do quadro por conta do efeito Basedow-Graves. Na maioria dos casos, realiza-se o controle clínico após 48 a 72 horas. Para o bloqueio dos efeitos dos hormônios, pode-se administrar betabloqueadores. Para tal, o propranolol é o medicamento de escolha, uma vez que apresenta a vantagem adicional de inibir a conversão periférica de T4 em T3. Os corticosteroides também podem diminuir a conversão periférica de T4 em T3, mas são menos utilizados. No controle clínico, deve-se diminuir a hipertermia, processo que pode ser feito pela administração de dipirona ou paracetamol e medidas físicas. Além disso, pela possibilidade de insuficiência adrenal, recomenda-se a administração de hidrocortisona ou dexametasona.
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