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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA KÉSSIA SOUZA SANTOS RESENHA “HISTÓRIA DA LOUCURA NA IDADE CLÁSSICA” FEIRA DE SANTANA - BA 2021 KÉSSIA SOUZA SANTOS RESENHA “HISTÓRIA DA LOUCURA NA IDADE CLÁSSICA” Resenha crítica apresentada a disciplina CHF224 Sociologia da Saúde no curso de farmácia, solicitado pelo docente Dr. André Almeida Uzêda, com objetivo avaliativo. FEIRA DE SANTANA - BA 2021 FOUCAULT, M. História da loucura na idade clássica. Tradução: José Teixeira Coelho Netto. São Paulo, SP: Perspectiva, 1972. Paul-Michel Foucault nasceu em 15 de outubro de 1926, em Poitiers, França, licenciado em filosofia e em psicologia, durante sua trajetória ele defendeu a tese do seu doutorado e Jean Hyppolite ao ler essa tese, ela se tornou a “História da Loucura”, uma tese de doutorado transformada em livro, publicado em 1961 em Paris. Nessa obra tão aclamada e crítica, o autor aborda o caminho da loucura na idade clássica dividindo-a em duas partes, iniciando pela ligação da loucura com as ideias renascentistas até o momento em que ela é classificada como doença mental e encarcerada nos asilos. De modo que, durante toda obra ele recapitula os acontecimentos desde a era renascentista a modernidade utilizando-os para o entendimento deste processo de transformação. Foucault inicia a obra abordando a lepra e suas consequências no mundo ocidental, como os leprosários que em seguida foram esvaziados devido o decaimento do número de pessoas infectadas. Mas esses leprosários criaram uma imagem de que aquelas pessoas eram temidas e excluídas, um grupo social que não é importante aos olhos da sociedade, e essa imagem permanece durante séculos, preliminarmente os leprosos foram substituídos pelos portadores de doenças venéreas e, posteriormente, pela visão renascentista com o fascínio, de modo que para Foucault “de um modo geral, a loucura não está ligada ao mundo e a suas formas subterrâneas, mas sim ao homem, a suas fraquezas, seus sonhos e suas ilusões.” (FOUCAULT, 1972, p.29) Após a loucura ter sido ligada as experiências da Renascença, o autor agora adentra a era clássica com o objetivo de compreender o sentido real das internações que com o passar do tempo começaram a ter significações além da saúde, como religiosas, morais, políticas, econômicas e sociais. Isto porque os ociosos, pobres e mendigos começaram a ser internados a força com uma visão principalmente moral e econômica intencionando manter a ordem moral da burguesia e evitar revoltas em meio as crises econômicas. Porém, esses grandes hospitais tinham uma dubiedade de objetivos ao mesmo tempo que davam assistência, as pessoas eram mais reprimidas do que cuidadas. Podemos dizer que essas instituições tinham a intenção de exilar, excluir esses grupos sociais castigando e corrigindo uma “falha moral” que não eram dignas de um tribunal perante os homens (FOUCAULT, 1972). Nesse ínterim a moral burguesa e cristã predominava, as pessoas que iam contra a esses princípios consequentemente eram tidas como loucas e internadas a força, Foucault ao realizar pesquisas constatou que lá havia, “criminosos”, “prostitutas”, “libertinos”, “debochados”, “suicidas”, além de homossexuais e todos aqueles que haviam uma “desordem na alma” que eram considerados pecadores e profanadores somente por se submeterem aos ritos e mandados religiosos, de modo que a loucura tinha um pressuposto moral avizinhando-se com o pecado, coagindo essas pessoas, maltratando-as e prendendo-as com o intuito de controlar e manter essa estrutura familiar regrada pela igreja. FOUCAULT (1972, p. 115) relata que Deste modo, a insanidade anexa para si um novo domínio: aquele no qual a razão se sujeita aos desejos do coração e seu uso se aparenta aos desregramentos da imoralidade. Os livres discursos da loucura vão aparecer na escravidão das paixões; e é aí, nessa citação moral, que vai nascer o grande tema de uma loucura que seguiria não o livre caminho de suas fantasias, mas a linha de coação do coração. A loucura então era vista como um problema de “polícia” e esses internamentos eram as suas sentenças, digamos que uma solução “perfeita” para exilar esses grupos sociais vistos como a escória da sociedade, e realmente os hospitais gerais tinham aspectos de prisões, uma vez que não havia cuidados médicos para os internos, só tinha médicos para evitar que uma doença se propagasse ou que algum deles caíssem doentes. Pode-se supor que às duas grandes experiencias da loucura se justapõem no decorrer da era clássica e cada um possui sua ordem cronológica, mas não quer dizer que uma seja melhor que a outra, elas apenas se articulam, entretanto, uma foi herdada do desatino no mundo ocidental e a outra foi criada pelo mundo clássico (FOUCAULT, 1972). E essa loucura ocasionou internamentos nos quais os “tratamentos” eram inumanos, esses internos eram deixados a apodrecer e eram acorrentados pelos sistemas de coação e essas práticas extraiam a animalidade, a loucura desses homens ao fazer com que eles se relacionem diretamente com a animalidade, essa era a visão de loucura durante o classicismo, a loucura em seu estado natural o homem e a sua furiosidade. Segundo FOUCAULT (1972, p. 167) Os que são amarrados às paredes das celas não são tanto homens de razão extraviada, mas bestas presas de uma raiva natural: como se, em seu limite extremo, a loucura, libertada desse desatino moral onde suas formas mais atenuadas estão encerradas, viesse reunir-se, por um golpe de força, à violência imediata da animalidade. Ademais, o autor entra na segunda parte e observa como a medicina ganhou forças e tornou- se uma ciência, esse fato mexe com o discernimento da loucura. Dado que, nesta ocasião não há mais a interrogação da loucura no aspecto de segregação ou a sua criticidade moral, mas a loucura que enuncia esse louco e a loucura que se desdobra nele (FOUCAULT, 1972). Destarte, com a busca por uma consciência médica sobre essa loucura, nesse período da idade média surgiu o ideal da exaltação da razão e o louco agora é visto como uma pessoa que está fora da sua razão, passa-se a analisar racionalmente esse louco e o conceito de loucura começa a ser associado com a concepção de doença. Considerando todas as observações e análises feita pelo autor, observemos como o entendimento da loucura modificou-se ao longo dos séculos, primitivamente havia uma perspectiva de um desvario e esse sentimento é alterado com as influências de todas as reestruturações econômicas e o surgimento da indústria, e aos poucos se torna uma questão física, biológica e psicológica. Com a inclusão da loucura na medicina, despertaram as discussões médicas e filosóficas se a alma era afetada ou não, o que é considerado um pensamento ainda incutido pela religiosidade, o louco fora rotulado como um incapaz temporário, em virtude de que havia a esperança da sua razão retornar com a alma, dado que para eles a alma se esvaia do corpo durante o estado de loucura. Em torno disso, surge o questionamento se a loucura é um mal patológico/biológico ou uma perturbação da alma como uma “desordem” da mesma, principiando a considerar essa insanidade como uma doença mental e através de estudos a loucura, nesse momento, obtém um sentimento de delírio, um afastamento da razão, a fragmentação corpo-alma. “A loucura é sempre uma distância que se mantém em relação à razão, um vazio estabelecido e medido.” (FOUCAULT, 1972, p. 205). Sendo assim, ao adquirir esse novo sentimento concernente a essa insanidade, instaura-se as classificações ou figuras da loucura existindo o estudo das diferenças e semelhanças, partindo da demência era compreendida como uma manifestação típica da loucura na negação da razão comouma desordem, decomposição do pensamento, ilusão, não-razão (FOUCAULT, 1972), indo para o frenesi, a patetice era considerada uma demência que iniciava na infância e se estendia ao longo da vida. A estupidez se distinguia da demência de forma que era considerada uma perturbação do juízo e o surgimento da melancolia sendo os indivíduos com ideias delirantes, que hodiernamente seriam os depressivos ao fazer uma tradução de ideias. Um ponto que é necessário ressaltar é que a histeria e a hipocondria nem sempre fora tratada como uma das formas de loucura, a hipocondria era vista como “alucinações que caminham apenas sobre a saúde —, a histeria entre as formas da convulsão” (FOUCAULT, 1972, p. 307). Contudo, ainda existia o julgamento moral e de suas atitudes, tratando-os como culpados em uma moral cristã. Enquanto os males dos nervos tinham sido associados aos movimentos orgânicos das partes inferiores do corpo (mesmo pelos caminhos múltiplos e confusos da simpatia), situavam-se eles no interior de uma certa ética do desejo (...) fica-se doente por sentir demais; padece-se de uma solidariedade excessiva com todos os seres vizinhos. (...) E por tudo isso se é ao mesmo tempo mais inocente e mais culpado. (...) A inocência do doente dos nervos que nem mesmo sente mais a irritação de seus nervos é no fundo o justo castigo por uma culpa mais profunda: a que fez com que preferisse o mundo à natureza. (FOUCAULT, 1972, p. 326). Entretanto, mesmo havendo esses desvios durante os estudos existiam os que eram concretos e científicos, dessa forma fora descoberto o corpo humano como uma possibilidade de cura para esses males, tratamentos terapêuticos para as diversas categorias de loucuras, introduz o aproveitamento de urina, leite materno, pó de crânios, cauterizações, ervas, imersões em água e sangue (FOUCAULT, 1972), isso em razão dos tratamentos mais “medievais”, visto que não havia médicos como temos hoje, encontrava-se em sua maioria os boticários que exerciam testes de tratamentos com ervas e produtos naturais. Por efeito dessa busca pela cura, FOUCAULT cita algumas das ideias terapêuticas, sendo elas: 1. Consolidação: é a percepção de há uma fraqueza no corpo do louco provocada pela loucura, sonha-se com os remédios que os ajude a ter essa força para “vencer as causas que o fermenta” (FOUCAULT, 1972 p. 341). 2. Purificação: ocorre um entupimento de vísceras, sonha-se com uma espécie de purificação total, uma drenagem e substituição do sangue que se encontra “sobrecarregado”, surgindo a transfusão como remédio da melancolia (FOUCAULT, 1972). 3. Imersão: Concepção de que a água, o líquido mais simples e primitivo como o mais puro que existe na natureza podia reestabelecer a ordem natural dos espíritos e esse mergulho era feito “até que ele perca sua força e esqueça seu furor” (FOUCAULT, 1972 p. 348). 4. Regulação do movimento: Considera-se fato que a loucura provoca agitos e movimentos desordenados das ideias, a idealização da cura era trazer a reordenação, imobilizando essa indisciplina buscando reaver o movimento real e regular. (FOUCAULT, 1972). Outrossim, houve o pensamento em formas de curas menos agressivos, como música, passeios e o medo. Em um contexto social, o louco era aquele que estaria fora da razão, os mesmos que falam a verdade e não se sujeitam os pensamentos comuns. De acordo com uma caracterização da sociedade com uma riqueza e progresso, o mundo da burguesia e a forma organizar o mundo ainda existia, fabricando ainda aqueles excluídos que fora dito previamente com o mesmo pressuposto moral, econômico, político e religioso. Sob todos esses acontecimentos de crise e empobrecimento da população, a princípio pensou-se em enclausurar todos, mas perceberam que aquele pobre — que antes era inútil para a sociedade — é vantajoso para o crescimento econômico, todavia não eram todos, devido à necessidade de produção fomentado pela revolução industrial, encontra-se uma reintegração econômica e social a este personagem. Necessário porque não se pode suprimi-lo, esse lado pobre também é necessário porque torna possível a riqueza. Porque trabalha e pouco consome, a classe dos necessitados permite que uma nação se enriqueça, valorizando seus campos, suas colônias e suas minas, permite a fabricação de produtos que serão postos à venda no mundo todo. (FOUCAULT, 1972, p. 446). Á vista disso, o pobre que dantes era a escória da sociedade e que fora aprisionado por ser ocioso, é libertado planejando dar um novo sentido a assistência que se apresentava precedentemente com a premissa de que a “a liberdade é a única forma de assistência válida” (FOUCAULT, 1972, p. 450) e interná-los seria um contrassenso, visto que isso impediria a mão de obra barata e o enriquecimento. Por conseguinte, percebe-se que houve substituições das compreensões no decurso de toda a obra e nesse novo contexto, o internamento adquire um sentimento não mais o de segregação, mas o de benefícios para os loucos. Com o nascimento do asilo acha-se os médicos acompanhando-os e cuidando-os, esse isolamento passa a possibilitar o encontro desse indivíduo com o que há de mais primitivo, a sua verdade. É primordial destacar que neste instante a loucura tem relação com a verdade, não mais como uma alienação da mesma, mas como uma liberdade para esse louco. Não se trata de revestir o internamento com práticas que lhe são estranhas, mas de, arrumando-o, forçando uma verdade que ele ocultava, estendendo todos os fios que nele se cruzam de modo obscuro, dar-lhe um valor médico no movimento que conduz a loucura à razão. Fazer de um espaço, que não passava de divisão social, o domínio dialético onde o louco e o não--louco irão trocar suas verdades secretas. (FOUCAULT, 1972, p. 475). Entretanto, o asilo não era só um âmbito de liberdade para esse louco e sua verdade, nela havia julgamentos e detinha seus próprios instrumentos e métodos de punição e nesse contexto não há uma limitação jurídica como havia em tempos remotos. De forma que, quando a burguesia se sentia ameaçada de alguma forma era deliberada a prisão, esse desatino era colocado em julgamento constante e eterno ao depreciar a sociedade burguesa desacatar seus valores praticando a desobediência por fanatismo religioso, resistência ao trabalho e roubo (FOUCAULT, 1972). Segundo Foucault (1972, p. 554) Freud de fato libertou o doente dessa existência asilar na qual o tinham alienado seus "libertadores". Mas não o libertou daquilo que havia de essencial nessa existência; agrupou os poderes dela, ampliou-os ao máximo, ligando-os nas mãos do médico. Tendo isso em vista, observa-se as primícias da psicanálise, ao desalienar essa alienação que outrora existia, com a figura do médico como a chave para a psicanálise exercendo a escuta dessas vozes do desatino e a diligência de desvendar os sinais desses loucos, com a intenção de desfazer algumas dessas formas da loucura com a escuta ativa com a finalidade de curar. Em suma, com essa obra crítica realizada por Michel Foucault foi possível obter um conhecimento sobre todo o percurso realizado pela loucura durante a idade clássica concedendo os valiosos pensamentos e contextualizações do autor. Proporcionando uma maior compreensão sobre a loucura e a partir de quando passou a ser considerada uma doença, é perceptível que ainda existe pressupostos morais e religiosos incutidos na sociedade em relação a esses loucos ou o que a sociedade considere como um delírio. Dado isso, observa-se que mesmo sendo uma obra antiga ela transcende e torna-se atemporal com críticas e considerações que ainda cabem em nossa sociedade, os pré-conceitos que outrora existiram de certa forma ainda se encontra presente causando segregações e exclusões e hodiernamente isso advém em razão a todos esses pretextos criados pela razão moral econômica e religiosa que aindaperduram estando cravados na comunidade social.
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