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AULA 3 PSICOFARMACOLOGIA Profª Simone Dallegrave Marchesini 2 TEMA 1 – TRATAMENTO COM COMBINAÇÃO ENTRE PSICOTERAPIA E PSICOFARMACOLOGIA A aplicação de fármacos para o alívio dos sofrimentos mentais tem longa data e é eficaz no tratamento de um amplo espectro de doenças psiquiátricas. Mas a particularidade de cada ser humano vem sendo valorizada cada vez mais, em busca do que se chama de tailored therapy, um tratamento sob medida. Para melhores resultados, é frequente que ambos os métodos – psicoterápico e psicofarmacológico – sejam associados. Nenhum método, isoladamente, é uma panaceia, conforme nos diz Hollon (2015), mas cada um tem suas utilidades específicas. O momento de rivalizar tratamentos acabou. A abordagem integrativa surgiu como modelo holístico que usa terapias convencionais e complementares no tratamento de transtornos psiquiátricos. Os tratamentos buscam ser personalizados e desenvolvidos de acordo com o estilo de vida de cada pessoa. Ao fortalecer a autoconsciência do indivíduo, essa abordagem trabalha os recursos para o autocuidado e a autonomia, além de implantar o estilo preventivo. O processo da neuroplasticidade, que é de ajuste da atividade dos neurônios no cérebro, em resposta a novas situações ou a mudanças ambientais, tem mostrado que a psicoterapia opera transformações nos circuitos cerebrais. Ela proporciona uma mudança ambiental que interfere na fisiologia, assim como os psicofármacos. O diretor de pesquisas sobre a interação entre mente e corpo da Universidade de Harvard estudou por anos o que se chama de placebo para explicar o efeito curativo das complexidades terapêuticas. Sua base fundamental foi a fisiologia da conexão mente-corpo. Ele concluiu que a resposta de placebo existe e produz seus efeitos na fisiologia; é um fator importante a ser investigado cientificamente, por ter importância terapêutica (Kradin, 2008). Sendo assim, a limitação do tratamento a um único fator ainda está longe de ser real e talvez nunca seja. O homem tem determinantes multifatoriais e o tratamento de suas mazelas deve sempre ponderar sobre esses vários aspectos. 3 TEMA 2 – INTEGRANDO PSICOFARMACOLOGIA E TERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL (TCC) NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS A aprendizagem tem bases neurocientíficas cognitivas e neuropsicológicas que comprovam a plasticidade cerebral, e a psicoeducação é um componente importante dos processos terapêuticos. Conexões neurais podem ser fortalecidas e/ou reparadas conforme os treinamentos e condicionamentos que venham a receber. Por meio da repetição de estímulos ocorre a alteração da anatomia do cérebro. O estudo por imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) mostra as bases neurofisiológicas de métodos de meditação e as alterações processadas no cérebro, em longo prazo (Cozolino, 2017). Estudos realizados nesse sentido, porém, foram criticados. A tentativa de usar um intervalo de tempo para analisar dois processos simultâneos foi considerada controversa por Johansson e Høglend (2007), que qualificaram sem probidade a causalidade dos eventos. Posteriormente, tomou-se por convenção que o tratamento combinado apresenta vantagens quando comparado à monoterapia. Isso porque ambos os tratamentos, tanto a supressão dos sintomas com medicamentos quanto a melhoria da qualidade de vida com a psicoterapia, têm ação moduladora cerebral. 2.1 Psicoterapia e psicofarmacologia Foi demonstrado que pacientes em remissão com terapia cognitivo- comportamental (TCC) tendem a ter 50% da probabilidade de recair em seus quadros psicopatológicos de origem, em comparação com os tratados só com medicamentos (Hollon; Stewart; Strunk, 2006). Segundo Beck (2013), existe a recomendação de que sempre haja um tratamento disponível para o indivíduo que sofre: ou de natureza psicológica ou de natureza farmacológica ou os dois, concomitantemente. Tudo deve depender da gravidade do transtorno apresentado. A atualidade reafirma que a era de psiquiatria contra psicologia acabou (Oliveira; Schwartz; Stahl, 2015). 4 2.2 Avaliação do cérebro vivo: efeitos da psicoterapia É importante observar que nem todo paciente responde às medicações disponíveis no mercado. Existem efeitos colaterais que são intoleráveis e sintomas residuais que podem permanecer, o que não permite adaptação total do indivíduo ao fármaco, apesar das múltiplas tentativas de troca ou associações. Por outro lado, estudo recente mostrou que a sincronia da ocitocina entre pacientes e terapeutas foi associada a um tratamento eficaz de psicoterapia. Os autores do estudo buscaram nesse neurotransmissor do vínculo humano a sincronia biológica da eficácia da psicoterapia e obtiveram resultados após coleta de 37 pares de pacientes/terapeutas durante 16 sessões para tratamento da depressão. O ensaio clínico foi randomizado (Zilcha-Mano et al., 2021). Os transtornos psiquiátricos podem vir combinados com transtornos de personalidade e esses últimos tendem a responder melhor à psicoterapia do que a tratamentos medicamentosos. O custo da psicoterapia como processo mais longo e o custo de psicofármacos modernos também devem ser considerados quando for preciso indicar um ou ambos os métodos de tratamento. A psicoterapia exige um pré-requisito que é a capacidade de aprender (Sudak, 2012). 2.3 Psicoterapia e psicofarmacologia: estudos atuais O estudo da empatia tem sido objeto de correlações com alterações estruturais do cérebro, por exemplo, a espessura do córtex. Modular a resposta empática é um trabalho constante na prática profissional de psicoterapeutas, o que justifica a busca de diferenças na espessura cortical entre grupos distintos, de modo a se compreender a sua importância. Domínguez-Arriola et al. (2021) compararam 18 psicoterapeutas e 18 indivíduos saudáveis de um grupo-controle por meio de ressonância magnética e avaliações psicométricas relacionadas à capacidade empática. Os pesquisadores encontraram um resultado que chamou atenção: uma região do córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo dos psicoterapeutas apresentou maior espessamento em relação aos indivíduos do grupo-controle. A região é mais especificamente correlacionada com a preocupação empática em relação aos outros. Essa região do cérebro participa da regulação emocional, da visão de futuro e das tomadas de decisão em relação a ele. 5 A psicoeducação, feita de modo empática, auxilia na maior adesão ao tratamento e na atuação sobre as distorções apresentadas pelo paciente e sua rede de apoio acerca de seu transtorno ou problema. A psicofarmacologia, por outro lado, age sobre impedimentos da aprendizagem que podem ser ativados por uma doença ou agravados por ela. A TCC, em particular, acessa crenças e esquemas que conduzem à visão de realidade do indivíduo. Esse modelo busca, por intermédio da descoberta guiada, corrigir padrões distorcidos de visão de realidade, promover o automonitoramento, auxiliar na avaliação do efeito medicamentoso e na prevenção de recaídas (Sudak, 2012). 2.4 Estudos atuais Durante o 9o Congresso Mundial de Terapia Cognitivo-Comportamental, realizado em Berlim, em 2019, ocorreu uma chamada sobre saúde mental científica na qual trabalhos atuais que usam fMRI e dão feedback em tempo real aos pacientes foram apresentados. Nesses trabalhos, a atividade cerebral na modulação das emoções ficou evidente. Esses estudos atuais permitem demonstrar, durante o tratamento, quem responderá ou não responderá à TCC com 70% de precisão da resposta. O uso desse tipo de pesquisa evitaria sofrimentos e investimentos inócuos. Os seus autores consideram que ainda é preciso melhorar a taxa de previsibilidade antes de tratar os pacientes, mas que novos caminhos estão sendo descobertos (9o Congresso Mundial de Terapia Cognitivo-Comportamental, 2019). Muse (2018) organizouum livro dedicado à psicofarmacologia cognitivo- comportamental. Com esse nome, ele deu início a uma prática que põe fim a uma abordagem puramente biológica e organicista e afirma que paradigmas de tratamento solitário estão fadados ao fim. A ideia é o trabalho com uma constelação de sintomas acompanhada de variáveis psicossociais que não competem entre si. Segundo o autor, trata-se de “[...] uma abordagem que defende a integração de diferentes abordagens biopsicossociais para otimizar o resultado terapêutico.” (Muse, 2018, tradução nossa). Ainda de acordo com Muse (2018), o modelo baseado em evidências deve ser olhado com cautela, uma vez que é comum que as evidências sejam limitadas aos modelos dos projetos dos investigadores. Além disso, destaca as exceções que aparecem nas pesquisas: casos em que a medicação é contraindicada como um complemento à psicoterapia ou em que a terapia pode não ser um benefício 6 ao tratamento medicamentoso. São inúmeras, pois, as variáveis que afetam os resultados desse tipo de pesquisa. 2.5 Tratamento dual (TD) De acordo com Sudak (2012), a atuação de psiquiatras e psicoterapeutas, num trabalho conjunto, caracteriza o que se tem convencionado chamar de tratamento dual (TD). Nesse tipo de trabalho conjunto, os profissionais devem conhecer o modelo um do outro e entender as intervenções realizadas, bem como compreender as indicações dos fármacos recomendados. Também a comunicação entre os profissionais deve ser sempre franca e aberta. A ideia do modelo dual é de um trabalho colaborativo no qual as tarefas de casa e a adesão aos psicofármacos tenham o mesmo valor terapêutico. Ferramentas de automonitoramento podem funcionar em ambos as formas de intervenção. Quando o paciente levar críticas ao profissional aliado, a tarefa deve ser ouvi-las e avaliar cuidadosamente a comunicação e suas possíveis distorções presentes. Se a conduta for recomendar a interrupção do tratamento com um dos profissionais da dupla, deve-se sempre ter em mãos alternativas para que o paciente não fique sem cobertura. Se o profissional a ser substituído tiver sido indicado pelo outro terapeuta, deve haver tempo eficaz para restauração da relação (Sudak, 2012). 2.5.1 TD no transtorno bipolar do humor (TBH) No tratamento do transtorno bipolar do humor (TBH), a psicoeducação é um ponto fundamental, devendo abranger não apenas o paciente, mas também seus familiares e/ou cuidadores. De acordo com Sudak e Du (2015), a adesão aos psicofármacos é central nesse tratamento, além da manutenção da qualidade da higiene, do sono, da alimentação e da prática de atividade física, pois já é de conhecimento científico a interferência desses hábitos nos sintomas da doença. Estratégias como o monitoramento de pensamentos disfuncionais, crenças irracionais, o reconhecimento de gatilhos ambientais e afetivos, a adoção de métodos de resolução de problemas e de regulação emocional são também foco da psicoterapia (Sudak; Du, 2015). A descoberta das estratégias mais eficazes é importante para que sessões de manutenção sejam montadas e possa se elaborar um plano de prevenção de 7 recaídas. Nesse plano, estratégias específicas, como retomada do automonitoramento, mindfulness, uso de cartões-lembrete e resolução de problemas, podem ser usadas. O foco do tratamento é o espaçamento e a remissão dos episódios maníacos, hipomaníacos, depressivos ou mistos. A psicoterapia tem papel fundamental na diferenciação entre sentimentos de alegria e tristeza e sintomas de recidiva de novos episódios como os citados. Além disso, o trabalho terapêutico também se incumbe dos sintomas residuais quando os fármacos têm eficácia parcial (Oliveira; Schwartz; Stahl, 2015). Cochran (1984) foi o autor responsável por combinar a psicofarmacologia com protocolo de dez semanas de tratamento de TBH com TCC (Sudak; Du, 2015). 2.5.2 TD na ansiedade Segundo Shearer et al. (2015), o transtorno de personalidade borderline apresenta grande índice de comorbidade com outros transtornos de ansiedade, o que faz daquele transtorno um dos campeões nos índices de abandono de tratamento. A ansiedade causa distorções na percepção, na atenção, na memória do indivíduo, que ficam prejudicadas e atrapalham o seu processo da aprendizagem, um dos critérios essenciais para a psicoeducação e para a reconceitualização cognitiva. No entanto, os benzodiazepínicos atenuam respostas de terapia de exposição e, nesse sentido, é importante avaliar as comorbidades para traçar as etapas do tratamento. A amplificação das ameaças, cognições catastróficas, pensamentos embaralhados, lacunas de memória é comum nos processos de ansiedade. Sendo assim, o foco na terapia contra as ansiedades encontra-se nas estratégias de melhoria da qualidade de vida. Práticas meditativas, relaxamento progressivo, trabalho com as habilidades sociais, enfrentamento de estresse, observador distante são estratégias amplamente utilizadas terapeuticamente (Shearer et al., 2015; Sudak, 2012). Muse, Moore e Stahl (2013) resumem o tratamento integrado da ansiedade considerando que as psicoterapias tendem a obter mais respostas que a farmacoterapia, na maioria dos transtornos de ansiedade, quando o seu foco é a qualidade de vida integral. Os fármacos devem ser vistos como coadjuvantes, um suporte da psicoterapia. Como anteriormente citado, há situações em que a 8 farmacoterapia da ansiedade pode ser contraindicada por interferir no foco da terapia: a administração da resposta ansiosa aos gatilhos ambientais. Muse, Moore e Stahl (2013) reforçam ainda que a monoterapia é preferível à combinação de farmacoterapia com psicoterapia devido ao seu mais baixo custo, além da redução da exposição a efeitos colaterais. 2.5.3 TD na esquizofrenia Na esquizofrenia, segundo Sudak (2012), o trabalho com o estigma do diagnóstico por meio de TCC é importante para que haja a adesão às medicações. Tanto o diagnóstico quanto o uso dos fármacos são aspectos do tratamento que costumam interferir no estado do paciente e de sua família, a quem cabe a monitoração da medicação e o cuidado de seu parente doente. Também é comum que haja a comorbidade da esquizofrenia com o abuso de substâncias, o que, no que concerne ao transtorno, só tem repercussões prejudiciais e interfere na absorção de alguns fármacos. Um dos pontos de grande dificuldade em certos tratamentos, e não seria diferente com pacientes com esquizofrenia, é o estabelecimento de rotina no uso da medicação. Estratégias de automonitoramento, uso de lembretes, doses concentradas para evitar esquecimentos e dupla dosagem são importantes. Técnicas como refazer a rotina com o paciente e pensar nos obstáculos da vida diária ajudam no planejamento para futura execução correta da medicação. Buscar os fatores desencadeantes de delírios e alucinações ajuda no monitoramento e no discernimento da realidade e para orientação pessoal de indivíduos com esquizofrenia. Shearer, Moore e Brown (2018) ainda destacam que vários outros tratamentos, além da medicação, são preconizados para a esquizofrenia. O tratamento comunitário assertivo, o emprego apoiado, a TCC são apenas alguns deles. É inegável que serviços baseados na família, na modificação comportamental conforme uma economia simbólica, no treinamento de habilidades, na psicoeducação funcionam como estratégias importantes para a autoeficácia do indivíduo em tratamento. TEMA 3 – TRATAMENTO COMBINADO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES Os transtornos alimentares mais conhecidos e estudados são a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e o transtorno de comer compulsivo. A obesidade não 9 é classificada como transtorno, mas como doença inflamatória, embora possa estar associada a outros transtornos psiquiátricos ou alimentares. Em todos os transtornos alimentares, segundo Sanzone (2018), o tratamentointegrado se mostra importante, sendo de mais difícil aplicabilidade na anorexia nervosa, cujos pacientes têm a particularidade de perceberem o tratamento como recurso que vai na contramão de seus objetivos, uma vez que sua sobrevivência depende de estratégias contrárias às suas condutas. Nos três principais transtornos, de qualquer maneira, temos pensamentos disfuncionais sobre peso, corpo e comida em diferentes graus e apresentações. O trabalho do terapeuta perpassa a detecção de gatilhos ambientais dos episódios de comer e/ou compensatórios e de outros comportamentos desadaptativos. As estratégias de regulação emocional, com a busca da nomeação das emoções, da sua aceitação sem julgamento, de identificação de crenças, de expressão emocional, de experimentação e validação dos afetos fazem parte do processo de tratamento. A farmacologia, por sua vez, tende a atuar sobre aspectos da impulsividade e comorbidades com ansiedade e depressão. Quando em dimensões mais abrangentes, quadros de anorexia podem incorrer em internamento hospitalar, alimentação parenteral e enteral, há o uso de antipsicóticos. Algumas situações de transtorno alimentar envolvem ideações de suicídio, o que merece atenção especial (Sanzone, 2018; Sudak, 2012). 3.1 Anorexia nervosa Segundo Hay, Bacaltchuk e Touyz (2015) e Sudak (2012), a anorexia nervosa deve ser combatida, do ponto de vista farmacológico, com antipsicóticos de segunda geração, devido ao seu efeito sobre a depressão, a ansiedade e sobre os processos de pensamento centrais. Também se pode utilizar antidepressivos tricíclicos (off-label). As certezas, na anorexia nervosa, têm caráter incontestável para o paciente, que tende a abandonar o tratamento mediante qualquer sinal de confronto com sua janela ideológica. Outro medicamento empregado é a olanzapina, que eleva o peso do indivíduo de modo substancial e melhora os seus processos de pensamento. A avaliação da sintomatologia pregressa é fundamental para o conhecimento da personalidade pré-mórbida e da existência de uso de tratamento medicamentoso prévio. A desnutrição, na anorexia nervosa, é uma realidade possível, uma vez que a população que apresenta esse tipo de transtorno raramente busca auxílio 10 terapêutico e só vai por obrigação às clínicas especializadas. As deficiências nutricionais levam a déficits cognitivos e de concentração. A suplementação nutricional se faz necessária, assim como a reconceitualização do alimento como remédio (Medalia; Opler; Opler, 2015). 3.2 Bulimia nervosa Na bulimia nervosa, de acordo com Sudak (2012), a melhor resposta ocorre quando há tratamento combinado de psicofarmacologia com psicoterapia. A procura do tratamento, quando uma iniciativa do próprio paciente que está em sofrimento e conflito com sua imagem corporal, permite que haja acesso à busca de regulação emocional do comportamento alimentar desadaptativo. A relação conflitiva do indivíduo com a comida e as suas dificuldades de controle são abordadas no processo de terapia, que se inicia com a psicoeducação. A atuação dos medicamentos incide sobre os episódios de vômitos e/ou demais métodos compensatórios, em geral a prática de exercícios exagerada, o uso constante de laxantes, a realização de enemas e episódios de binge eating (compulsão a comer). O topiramato, um anticonvulsivante que também atua como estabilizador do humor, tem se mostrado eficaz no controle do apetite de pacientes com bulimia por suas propriedades sobre o peso, o paladar e a busca do alimento. Alguns antidepressivos também são prescritos contra a bulimia (Stahl, 2017), além de agentes antiobesidade como orlistate, liraglutide e semaglutida. Estratégias adaptativas de regulação emocional, estratégias de controle inibitório, reconhecimento de sensações exteroceptivas e interoceptivas, treinamento de habilidades sociais fazem parte do tratamento. A exposição a estados emocionais difíceis faz parte também do treinamento do indivíduo para a sua regulagem emocional. 3.3 Transtorno do comer compulsivo O transtorno do comer compulsivo apresenta episódios em que o impulso de comer se apresenta de forma rápida e intensa e a ingestão de calorias supera a quantidade equivalente a que qualquer outra pessoa seria capaz de ingerir nas mesmas condições e no mesmo intervalo de tempo. A perda de controle é um elemento característico, mas, diferentemente da bulimia nervosa, a obsessão pela 11 forma corporal e a perseguição do corpo magro não estão presentes (Sudak, 2012). A terapia medicamentosa da compulsão alimentar inclui a bupropiona, o topiramato e agentes antiobesidade. Comorbidades com depressão e ansiedade são comuns e devem receber tratamento, quando necessário (Stahl, 2017). Já na TCC, o trabalho com a percepção corporal e com o registro da saciedade em mindful eating tem sido uma estratégia eficaz em propriocepção (Marchesini, 2018). As estratégias de controle inibitório, autoeficácia, resolução de problemas, identificação de gatilhos ambientais dos episódios de comer compulsivo são utilizadas em psicoterapia. TEMA 4 – INTEGRANDO PSICOFARMACOLOGIA E TCC NA GESTAÇÃO Para Sudak (2012), o uso de medicamentos durante a gestação pode se dar diante de um evento novo ou da continuação de um tratamento que está impossibilitado de ser interrompido. Em ambas as situações o tratamento envolve fornecimento de informação franca e direta ao paciente e aos seus familiares, com mensagens claras e assinatura de consentimento informado, se preciso. Caso haja decisões a serem tomadas em psicoterapia, elas devem envolver estratégias como resolução de problemas, planejamento da gravidez, consideração de possibilidades com seus desfechos e alternativas. Quando existe vigência de transtorno psiquiátrico durante a gravidez, é importante ter conhecimento do impacto tanto do tratamento medicamentoso quanto do curso natural da doença sobre o feto e sobre o vínculo mãe-bebê, para que se faça a melhor escolha de como proceder. 4.1 Tratamentos durante a gestação e suas repercussões Deve-se sempre levar em consideração a diminuição do risco de recaída em pacientes com depressão e transtornos de ansiedade e discutir os prós e contras de se permanecer em tratamento além do planejamento da gestação (quando possível), da escolha do modo de concepção e da amamentação. Os riscos de haver recidiva dos episódios de doença é duas vezes maior se houver interrupção dos psicofármacos durante a gestação. Hoje se reconhece que é mito considerar que a gestação funciona como elemento de supressão dos sintomas de depressão e ansiedade. Além disso, a recomendação de doses maiores de 12 medicamentos deve ser levada em conta em razão das condições hídricas da mulher gestante (Sudak, 2012). 4.2 Categorias de risco de medicamentos segundo a FDA Segundo Sudak (2012), Oliveira, Schwartz e Stahl (2015) e Stahl (2017), medicações foram categorizadas pelo órgão que regulariza alimentos e medicações nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), conforme seus riscos para a gestação. Os efeitos medicamentosos foram classificados nas seguintes categorias: A – sem evidência de riscos; B – sem riscos em animais, C – com efeitos adversos em animais; D – sem evidência de riscos, mas com recomendação de uso somente se houver mais benefícios evidentes; e X – risco para o feto e teratogenia evidente. Os estabilizadores do humor, em especial o lítio, acarretam má-formação cardíaca. A carbamazepina e o valproato provocam incidência de espinha bífida no primeiro trimestre e outras anomalias congênitas. O topiramato tem provocado casos de hipospádia (meninos com abertura anormal da uretra em um local por baixo do pênis). Já a oxcarbazepina, derivada da carbamazepina, gera teratogenia conhecida. A literatura médica indica preferência por uso de antipsicóticos atípicosem bipolares, em detrimento de lítio ou anticonvulsivantes. Os antidepressivos que funcionam como inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) podem ocasionar baixo peso fetal, maior frequência de partos prematuros, síndrome de estresse comportamental neonatal transitório, estresse respiratório, tremores, problemas de sono, icterícia e problemas alimentares e tendem a causar mais fluxo sanguíneo na hora do parto ou em qualquer cirurgia. Quadro 1 – Categoria de risco dos medicamentos da FDA na gestação Categorias de risco de medicamentos segundo o FDA Categoria Descrição Risco A • Não há evidências de riscos em mulheres; • Estudos controlados não revelaram problemas no primeiro trimestre de gravidez; • Não há evidências de problemas no segundo e no terceiro trimestres. 13 Risco B • Não há estudos adequados em mulheres; • Em animais não foram demonstrados riscos. Risco C • Não há estudos adequados em mulheres; • Em experimentos animais ocorreram alguns efeitos adversos no feto; • O benefício potencial pode justificar o risco potencial durante a gravidez. Risco D • Há evidências de risco em fetos humanos; • Só usar se o benefício potencial justificar o risco potencial, em situações de risco de vida ou em casos de doenças graves para as quais não haja substituição ou se estas drogas não forem eficazes. Risco X • Estudos revelaram anormalidades no feto ou evidências de risco para o feto. TEMA 5 – INTEGRANDO PSICOFARMACOLOGIA E TCC NO TRATAMENTO DO ABUSO E DA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS 5.1 Abuso alcoólico e dependência de substâncias Tedros Adhanom Ghebreyesus (2018) propôs um pacote de intervenções comprovadas para reduzir os danos causados pelo álcool. O consumo de álcool contribui para mais de 3 milhões de mortes em todo o mundo, de acordo com relatório global da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a OMS, não existe um padrão de consumo de álcool que possa ser considerado social e seguro (OPAS, [S.d.]). O consumo moderado está sendo definido para que se possam assegurar baixos riscos de desenvolver problemas de saúde. Com base nos custos em curto e longo prazos, relacionados ao álcool, houve a determinação de diretrizes que estabeleceram que: uma dose padrão equivale a 10 g de álcool puro, que não pode ser excedida em duas doses por dia, com abstinência de dois dias na semana. Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, 2015, citada por Corrêa, 2019) indicam que o índice de consumo de bebida alcoólica e cigarro supera o uso de substâncias ilícitas. O levantamento foi divulgado por ocasião do 3º Levantamento 14 Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira (Fiocruz, 2015, citada por Corrêa, 2019). Em 2017, aproximadamente 5,5% da população de todo o mundo entre 15 a 64 anos já tinha usado alguma substância psicoativa pelo menos uma vez, no ano anterior à pesquisa. Pelo menos 3 milhões de pessoas morreram em decorrência do uso nocivo de álcool em 2016 (Opas, 2020). Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas, 2020), em 2020, durante a pandemia, houve incremento nos índices de ansiedade, medo, depressão, desemprego, pobreza e o índice de abuso do álcool disparou. O seu impacto permanece desconhecido, mas o número de notícias sobre o aumento da violência doméstica, de feminicídio, de abuso e agressão de vulneráveis cresceu nas mídias. A Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead, 2020, citada por Alves, 2020) recentemente manifestou-se contra a suspensão da comercialização do dissulfiram, medicação amplamente usada e de baixo custo para o controle do abuso do álcool. Segundo a presidente da Abead, Renata Brasil Araújo (2020, citada por Alves, 2020), o valor do fármaco pode ter feito com que a sua produção deixasse de ser um bom negócio para a indústria farmacêutica, mas o direito à saúde previsto na Constituição Federal brasileira deve assegurar sua produção para a manutenção da saúde mental de quem precisa da medicação (Brasil, 1988). Já a naltrexona, aprovada pela FDA nas suas apresentações oral e injetável, é usada no tratamento da dependência de cocaína e outros opioides. Ela bloqueia a euforia dos opioides e seu tratamento requer um período de pelo menos 12 semanas. Mas o valor da medicação supera 1,4 mil vezes o valor do antietanol. O mesmo vale para o topiramato, que vem sendo usado contra tabagismo e alcoolismo. 15 5.2 Modelo de tratamento e prevenção de recaída Figura 1 – Modelo de prevenção de recaída de Guilford Press Fonte: Elaborado com base em Guildford Press, 1985. Segundo Silva e Serra (2004), as técnicas utilizadas para tratamento e prevenção de recaídas quanto à dependência e o abuso de substâncias visam identificar, confrontar e testar a realidade. A ideia é corrigir as cognições distorcidas do paciente. A terapia em si é uma nova aprendizagem e um treino. Estratégias e métodos são utilizados para que a pessoa se torne o seu próprio terapeuta. Não basta instalar a mudança de hábitos, pois é preciso mantê-los. Essa é a base da conservação dos resultados obtidos em qualquer tratamento. A prevenção de recaídas possibilita à pessoa a participação ativa e consciente em seu processo de mudança. Mas alguns passos são necessários para que esse modelo funcione, como trabalhar a motivação pessoal para a mudança, a alteração de crenças básicas diante do problema e a tomada de conhecimento de comportamentos que facilitam a manutenção do hábito a ser mudado (Silva; Serra, 2004). Diante de um fator estressor, existem sempre as possibilidades de lutar, fugir ou congelar. Alguns comportamentos são estratégias de adaptação ao estresse que podem ser eficazes e adaptativas ou não tão eficazes e 16 desadaptativas. Beber, fumar, comer, drogar-se, comprar produtos, ir dormir são estratégias de enfrentamento que perpetuam tanto o fator de estresse quanto o comportamento não adaptativo. A falta de resposta adaptativa diminui a autoeficácia, dispara crenças disfuncionais sobre si próprio, sobre o mundo e sobre os efeitos da droga como alívio. Quando há enfrentamento com resposta adaptativa, há avaliação positiva de si e crença nas capacidades pessoais, com diminuição das possibilidades de recaída. A motivação, o humor e a relação com o objeto de dependência são bipartidos: no momento do uso da substância o foco está no prazer e nos efeitos positivos; no momento da ressaca e das consequências, o foco está nas perdas. Também a valoração dos atos segue o padrão tudo ou nada e um lapso pode ser hipertrofiado a ponto de conduzir à recaída. A identificação de gatilhos, situações de risco e fatores mantenedores do abuso de álcool ou de drogas é importante, pois é aí que está o trapping factor (“o fator que captura”) e que tira o indivíduo de seu roteiro. Evitar essas situações de risco ajuda na prevenção de situações de vulnerabilidade e possibilitam enfrentamento adaptativo. O automonitoramento é uma estratégia eficaz para a observação e conscientização dos fatores de gatilho. Armadilhas do pensamento costumam ser pontos de partida para lapsos e recaídas. O treino de reconhecimento dos padrões disfuncionais de pensamento e da ativação de crenças centrais auxilia na prevenção de recaídas. A falta de habilidades sociais atrapalha na lida com situações interpessoais. Essas interações podem precipitar frustrações que exigem capacidade de regulação emocional. Quando as habilidades sociais estão enfraquecidas, os sentimentos negativos ficam mais evidentes, a assertividade diminui, há vulnerabilidade a críticas e dificuldade em emitir opiniões diretas. A comunicação fica ruidosa e há um empecilho para a recusa da droga, que passa a ser recurso de socialização. Ocorrem falhas no controle inibitório e, portanto, fica complicado adiar qualquer prazer. Mediante o automatismodo funcionamento da consciência, torna-se árduo reconhecer e enfrentar situações de risco, muito mais impulsiva a resposta à fissura e oneroso realizar um planejamento ou resolver problemas. 17 REFERÊNCIAS ALVES, I. Urgente: único remédio contra o alcoolismo não é mais produzido no Brasil – “Fato muito grave”[,] define o Secretário Quirino Cordeiro Júnior[,] que tem reunião com o Conselho Federal de Medicina. Diário Antidrogas, 8 mar. 2020. Disponível em: <http://diarioantidrogas.com.br/2020/03/08/urgente-unico- remedio-contra-o-alcoolismo-nao-e-mais-produzido-no-brasil-fato-grave-define-o- secretario-quirino-cordeiro-junior-que-tem-reuniao-com-o-conselho-federal-de- medicina/>. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 6 maio 2021. CORRÊA, D. Levantamento alerta para consumo de álcool no país. 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