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Unidades de conservação e comunidades tradicionais Apresentação Você certamente já percebeu como as questões ambientais têm ganhado visibilidade nos noticiários e nas discussões políticas do país e do mundo, não é mesmo? Isso se deve, principalmente, à conscientização ambiental e à importância do desenvolvimento sustentável para garantir, com qualidade, a continuidade das formas de vida na Terra. Nesse sentido, as unidades de conservação (UCs) se apresentam como formas legalmente instituídas para garantir a preservação e a conservação dos recursos ecológicos indispensáveis para a manutenção da biodiversidade e para a manutenção de recursos naturais para os seres humanos. Além disso, elas podem ser essenciais para a sobrevivência de muitas comunidades tradicionais, as quais têm uma relação muito mais direta com a natureza para manifestação de sua cultura. Nesta Unidade de Aprendizagem, você aprenderá o que são as UCs, como elas estão localizadas no território brasileiro e quais impactos estão colocando-as em risco. Você entenderá ainda o conceito de comunidades tradicionais e suas necessidades de sobrevivência, como o direito à terra. Ao final, estará apto, portanto, a aplicar esses conceitos e aprendizados na sua vida acadêmica e profissional. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Localizar as principais UCs brasileiras.• Reconhecer as comunidades tradicionais brasileiras e o direito à terra.• Descrever os riscos e os impactos a que estão sujeitas as áreas protegidas do Brasil.• Desafio Conforme a Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), cabe ao poder público criar as UCs, mediante a apresentação de estudos técnicos e consulta pública. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! A partir do exposto, responda as questões a seguir. a) Como você poderia envolver os alunos para despertar o interesse pela temática, dada a importância da criação da UC? b) Caso algum aluno seja contrário à criação da UC, qual seria sua atitude perante a turma? Infográfico A Lei no 9.985/2000 divide as UCs em dois grupos: proteção integral e uso sustentável, de acordo com os objetivos de preservação e conservação da natureza que se espera para a área. As UCs de proteção integral incluem as categorias de Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre. Já as UCs de uso sustentável englobam as categorias de Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável. No Infográfico a seguir, veja com detalhes as características principais que diferem os grupos e as categorias das UCs brasileiras. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/20154ab5-67c7-4e79-b5f9-4aacee8c3c62/1702fcf3-03a2-489f-9b23-6fbf54224dbc.png Conteúdo do livro O meio ambiente (natural e artificial) é um dos objetos de estudo da geografia física e nele está expressa a noção sistêmica de inter-relação entre a sociedade, os aspectos físicos e os elementos biológicos. No entanto, esse vínculo tem se mostrado desequilibrado ao longo dos anos, gerando degradação ambiental e poluição, os quais colocam em risco os recursos naturais fundamentais à vida na Terra. No capítulo Unidades de conservação e comunidades tradicionais, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, entenda os conceitos e as funções das UCs para a preservação e a conservação da natureza, bem como a relação delas com as comunidades tradicionais. Veja também a importância das políticas públicas para a sobrevivência das populações tradicionais. Por fim, conheça os conflitos e os impactos que têm envolvido as UCs brasileiras. Boa leitura. GEOGRAFIA FÍSICA DO BRASIL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Localizar as principais unidades de conservação brasileiras. > Reconhecer as comunidades tradicionais brasileiras e o direito à terra. > Descrever os riscos e impactos a que estão sujeitas as áreas protegidas do Brasil. Introdução O uso sustentável dos recursos naturais tem conquistado cada vez mais destaque nas políticas nacional e internacional, sobretudo após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida em Estocolmo em 1972. Percebeu- -se, então, que os recursos naturais poderiam ser esgotados em pouco tempo sem o uso sustentável, assim como a vida na Terra poderia ser esgotada sem o controle da degradação ambiental. Diante disso, as unidades de conservação passaram a ganhar mais importância nos cenários nacional e internacional, por serem espaços importantes para garantir a proteção dos mananciais e remanescentes florestais. Neste capítulo, vamos definir unidades de conservação e os conceitos essenciais para compreender sua forma de implementação e sua função. Além disso, veremos como essas áreas protegidas se relacionam com as comunidades tradicionais, prin- Unidades de conservação e comunidades tradicionais Marcos Paulo Almeida Fornazieiro cipalmente aquelas que as habitam. Por fim, apresentaremos um panorama geral dos conflitos e impactos que acometem as unidades de conservação brasileiras. Unidade de conservação: conceitos fundamentais e características espaciais Todas as unidades de conservação brasileiras (federais, estaduais e munici- pais) foram regulamentadas por meio da Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000 (BRASIL, 2000), a qual instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e estabeleceu, legalmente, as diretrizes para a criação, a implementação, a proteção e o uso sustentável desses espaços protegidos. A referida Lei foi um marco legal fundamental para assegurar direitos assumidos na Constituição Federal de 1988, principalmente no que se refere ao atendimento dos incisos I, II, III e VII do parágrafo 1º do art. 225, os quais visam atender ao compromisso de definir os espaços e componentes a serem protegidos em todas as unidades de conservação, preservar e restaurar processos ecológicos e a biodiversidade, e proteger a fauna e a flora do risco de extinção, de ameaças e de crueldades (BRASIL, 1988). Segundo entendimentos do art. 2º da Lei Federal nº 9.985/2000, uma unidade de conservação pode ser definida como: [...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicio- nais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, documento on-line). Diante do exposto, fica evidenciado que cabe ao Poder Público criar uma unidade de conservação em qualquer parte do território nacional, inclusive nos ambientes marinhos, a fim de garantir a proteção e a conservação da natureza. No entanto, Oliveira (BRASIL, 2010) lembra que a demanda para a criação de um espaço protegido em forma de unidade de conservação pode advir de pessoas físicas ou jurídicas, como ambientalistas, vereadores, pesquisadores, organizações não governamentais, etc. Independentemente da origem da demanda, o processo de criação deve ser precedido de estu- dos técnicos e de consulta pública, permitindo, desse modo, identificar as características mais relevantes da área potencial, como sua localização, sua dimensão e seus limites (BRASIL, 2000). Unidades de conservação e comunidades tradicionais2 Segundo o art. 27 da Lei Federal nº 9.985/2000, depois de criada uma unidade de conservação, o órgão gestor tem um prazo de cinco anos para apresentar o respectivo plano de manejo, no qual estão expressas todas as informações técnicas e jurídicas a respeito da unidade de conservação, como seus limites, sua zona de amortecimento, seu zoneamento e seuscorredores ecológicos, bem como as regras e diretrizes para uso e manejo dos recursos naturais (BRASIL, 2000). É no plano de manejo, por exemplo, que estão defi- nidas as regras para pesquisa e visitação pública da unidade de conservação, quando previstas em lei. A elaboração de um plano de manejo pode ser realizada por con- sultoria contratada, mas deve ser aprovado pelo órgão gestor. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é o órgão gestor responsável pelas unidades de conservação federais. Por meio do site do ICMBio, é possível consultar todos os planos de manejo aprovados pelo Instituto. Algumas características naturais fazem da área uma área em potencial para se tornar uma unidade de conservação. Oliveira (BRASIL, 2010) destaca, por exemplo, a presença de remanescentes de vegetação nativa em bom estado de conservação, a presença de espécies ameaçadas, migratórias e/ ou endêmicas, a alta biodiversidade, a presença de recursos hídricos e a disponibilidade de recursos naturais para a preservação ou o uso sustentável. A Lei Federal nº 9.985/2000 definiu, ainda, duas categorias para as unidades de conservação, de forma que, no momento de sua criação, deve-se definir qual delas atende melhor aos objetivos da solicitação (BRASIL, 2000). São elas: 1. proteção integral; 2. uso sustentável. O objetivo das unidades de conservação de proteção integral é preservar o ecossistema e os recursos naturais, garantindo o mínimo de interferência humana possível. Dessa forma, é permitida apenas a exploração indireta de seus recursos, por meio de pesquisas e visitações, por exemplo. Fazem parte desse grupo os seguintes tipos de unidades de conservação: � Estação Ecológica; � Reserva Biológica; � Parque Nacional (estadual ou municipal); Unidades de conservação e comunidades tradicionais 3 � Monumento Natural; � Refúgio da Vida Silvestre. Por sua vez, as unidades de conservação de uso sustentável visam conciliar a conservação da natureza com o uso sustentável de parte de seus recursos naturais. Logo, é permitida a exploração direta dos recursos, desde que realizada de modo sustentável, isto é, sem causar degradação ou impactos ambientais negativos ao ecossistema e a seus processos ecológicos. Por isso, estão previstas a presença humana nessas unidades, sobretudo das comunidades tradicionais. Fazem parte dessa categoria os seguintes tipos de unidades de conservação: � Área de Proteção Ambiental (APA); � Área de Relevante Interesse Ecológico; � Floresta Nacional; � Reserva Extrativista; � Reserva de Fauna; � Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS); � Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). As unidades de conservação estão distribuídas por todos os biomas bra- sileiros, somando mais de 255 milhões de hectares de área protegida (SER- VIÇO FLORESTAL BRASILEIRO, 2020). Contudo, quase metade dessas unidades concentra-se na Amazônia. Veja, no Quadro 1, a distribuição das unidades de conservação pelos respectivos biomas e as áreas totais protegidas. Unidades de conservação e comunidades tradicionais4 Quadro 1. Área das unidades de conservação por bioma Biomas Área de proteção integral (ha) Área de uso sustentável (ha) Área total (ha) % Amazônia 42.883.300 77.559.700 120.443.000 47,2 Caatinga 2.036.500 5.717.300 7.753.800 3,0 Cerrado 5.845.900 11.508.900 17.354.800 6,8 Pantanal 440.100 258.400 698.500 0.3 Mata Atlântica 2.909.100 9.103.100 12.012.200 4,7 Pampa 121.800 465.900 587.600 0,2 Marinho Costeiro 12.110.800 84.259.100 96.369.900 37,8 Total 66.347.500 188.872.400 255.219.800 100 Fonte: Adaptado de Serviço Florestal Brasileiro (2020). Pela análise da Figura 1, é possível perceber a distribuição das unidades de conservação pelo território brasileiro, confirmando a concentração das unidades na região amazônica e ao longo da costa marinha, o que justifica a grande quantidade de áreas costeiras protegidas. Vale destacar, também, que é no bioma marinho costeiro onde se encontram as maiores unidades de conservação do Brasil, com destaque para a Área de Proteção Ambiental do Arquipélago de Trindade e Martim Vaz e a Área de Proteção Ambiental do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, com 40.385.419,59 ha e 38.450.193,81 ha de área protegida, respectivamente (SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO, 2020). Unidades de conservação e comunidades tradicionais 5 Figura 1. Mapa da distribuição das Unidades de Conservação pelo território brasileiro Fonte: Serviço Florestal Brasileiro (2018, documento on-line). Perceba que, aqui, as palavras “preservação” e “conservação” não são utilizadas como sinônimos, uma vez que possuem significados distinto, que precisam ser ressaltados. Preservação se trata da proteção total dos recursos naturais de uma área, sem a intervenção direta do ser humano. Já a palavra conservação é associada ao uso sustentável dos recursos naturais, sendo permitido o uso direto deles, mas de modo que a presença humana seja menos nociva à natureza. Comunidades tradicionais brasileiras O mundo globalizado em que vivemos atualmente pode nos dar uma ideia errônea de homogeneidade cultural, étnica e racial, de modo que podemos nos esquecer dos povos e comunidades que tradicionalmente ocuparam nosso território e fizeram dele um espaço culturalmente diverso e miscigenado. Unidades de conservação e comunidades tradicionais6 Preocupado com a proteção desses povos e comunidades tão importantes para a história de ocupação do território brasileiro, o Ministério do Desen- volvimento Social (MDS) tem presidido, desde 2007, a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais (CNPCT), que instituiu um importante marco legal para essas comunidades em 2017, por meio do Decreto Federal nº 6.040, de 7 de fevereiro. Esse Decreto instituiu, no mesmo ano, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), a qual busca garantir e valorizar a diversidade socioambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais, dando-os maior visibilidade e direitos, como o direito à terra e o acesso aos recursos naturais indispensáveis para sua subsistência. No entanto, para garantir esses direitos, é importante que definir as prin- cipais características que permitem adjetivar determinada população como tradicional. Por isso, o Decreto nº 6.040/2007, no inciso I do art. 3º, define povos e comunidades tradicionais como (BRASIL, 2007, documento on-line): [...] grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que pos- suem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Essa definição engloba, então, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caboclos, pescadores artesanais e caiçaras, comunidades de matrizes afri- canas, povos ciganos, entre outros. Em razão dos processos complexos que envolveram a formação territorial do Brasil, esses povos e comunidades tradicionais tiveram seu direito à terra indefinido durante muitos anos. São populações que ocupam, há séculos, grandes extensões territoriais e possuem organização social particular, tendo desenvolvido uma relação própria com a natureza e, portanto, dependendo do contato direto com ela para sobreviverem. Desse modo, seus territórios não possuem o registro cartorário ao qual estamos acostumados para cer- tificar sua posse. Nesse sentido, o Decreto nº 6.040/2007 (inciso II, art. 3º) reconheceu os territórios tradicionais como “[...] os espaços necessários a reprodução cul- tural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária” (BRASIL, 2007, documento on-line). Assim, percebe-se como esses povos e comunidade tradicionais dependem das políticas públicas para terem reconhecimentoe a proteção de seus direitos assegurada. No Brasil, importantes instituições públicas são Unidades de conservação e comunidades tradicionais 7 responsáveis por prestar assistência a essas populações, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Cultural Palmares (FCP). Vale destacar, ainda, o protagonismo que essas populações tradicio- nais têm desempenhado na conservação da natureza e no desenvolvimento sustentável, contribuindo para a efetiva manutenção da biodiversidade e os processos ecológicos em unidades de conservação de uso sustentável. Nessas unidades, onde sua presença está prevista, elas acabam se tornando verdadeiras parceiras dos órgãos gestores no manejo do espaço. A Reserva Extrativista (Resex) Verde para Sempre, situada às margens do rio Xingu, é um bom exemplo da exploração sustentável dos recursos naturais e da conservação ambiental de unidades de conservação por populações tradicionais. Abrigando uma das maiores áreas florestais do País, a Resex exporta produtos e subprodutos madeireiros. Não é surpresa, portanto, que as populações tradicionais estejam concen- tradas justamente nas regiões com quantidade mais expressivas de unidades de conservação e áreas preservadas. Compare o mapa da Figura 2 com o da Figura 1 para perceber a concentração de terras indígenas na região Norte, onde se situam as maiores reservas florestais do País. Figura 2. Mapa da distribuição das terras indígenas pelo território brasileiro. Unidades de conservação e comunidades tradicionais8 Diferentemente do que muitas pessoas pensam, ainda existem mui- tos povos indígenas no Brasil e, para defenderem e reivindicarem seus direitos, como a demarcação de terras, eles constituíram associações e organizações indígenas. Faça uma pesquisa na internet e descubra a variedade de organizações indígenas espalhadas pelo País. Conflitos e impactos ambientais: os riscos para as unidades de conservação Compatibilizar o desenvolvimento econômico e a conservação da natureza é um dos objetivos fundamentais do desenvolvimento sustentável. Trata-se, porém, de um objetivo de difícil alcance, porque ambos possuem interesses que, na maior parte das vezes, expressam-se de forma antagônica, originando conflitos de complexa resolução. Assim, nas unidades de conservação, a ocorrência desses conflitos é um dos principais obstáculos para a implemen- tação e o manejo desses espaços protegidos. Na zona rural, os conflitos mais comuns são entre as áreas de expansão agrícola e as unidades de conservação e sua zona de amortecimento. Já nas áreas urbanas, a expansão urbana é a principal fonte de conflito com as unidades de conservação. Muitas vezes, as unidades de conservação são criadas como “ilhas” de vegetação nativa, sem reconhecimento de seus limites físicos e da finalidade por parte da comunidade no entorno. Por isso, é comum que impactos ambien- tais passem a acometer as zonas de amortecimento da unidade, progredindo para dentro da área protegida, o que coloca em risco sua integridade e sua função ecológica. As diversas formas de ocupação humana e do uso do solo possuem po- tencial para desencadear uma série de impactos ambientais negativos nas unidades de conservação e em seu entorno, como poluição do ar, das águas e do solo pelo uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes ou destinação não adequada de efluentes industriais. Esses impactos podem, facilmente, adentrar o interior das unidades de conservação e afetar sua qualidade ambiental, trazendo desequilíbrio aos processos ecológicos e ameaçando as espécies mais frágeis da fauna e da flora nativas. Além disso, é comum, nas atividades humanas, o uso de espécies vegetais e animais exóticos (não nativos), como, por exemplo, o pinus, para a produ- ção de madeira. Ocorre que o manejo incorreto e a expansão desenfreada dessas espécies pelo território podem causar desequilíbrios imprevistos Unidades de conservação e comunidades tradicionais 9 nos ecossistemas. Por isso, frequentemente as unidades de conservação são ameaçadas pela presença de espécies exóticas, que acabam “roubando” espaço das espécies nativas. Embora os fatores externos sejam as principais fontes de impactos am- bientais negativos nas unidades de conservação, devemos destacar, também, a falta de fiscalização e as dificuldades financeiras e políticas para a efetiva implementação da unidade e das ações e diretrizes definidas no plano de manejo das unidades. O ICMBio, por exemplo, órgão federal responsável pela gestão das unidades de conservação federais brasileiras, só foi instituído em 2007. Entretanto, a criação do Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro, data de 1937, sendo a primeira unidade de conservação criada em território brasileiro. Ainda, em 1939, foram criados o Parque Nacional do Iguaçu e o Parque Nacional Serra dos Órgãos (TOZZO; MARCHI, 2014). Percebe-se, assim, que o Poder Público tem criado unidades de conserva- ção desde o final da década de 1930, mas, segundo Brito (2008), esse processo foi executado, em grande parte, com pouca ou nenhuma participação popular, desconsiderando as populações que viviam ou utilizavam os recursos naturais daquelas áreas para subsistência. Isso deu origem, então, aos atuais conflitos na administração e no manejo das unidades de conservação. Diante disso, desde a publicação da Lei Federal nº 9.985/2000 e do Decreto nº 6.040/2007, os processos de constituição das unidades de conservação passaram a ser mais participativos e democráticos, estudando as caracte- rísticas econômicas, sociais e ambientais da área e ouvindo a população local nas consultas públicas (BRASIL, 2000; 2007). Além disso, as unidades de conservação de uso sustentável viabilizaram a permanência das popula- ções tradicionais no interior das unidades, tornando-as agentes diretos na conservação da natureza. Com base em informações do próprio ICMBio das 334 unidades de con- servação geridas pelo órgão, 87 delas acomodam aproximadamente 60 mil famílias de população tradicionais, que vivem dentro dos limites das unidades (INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, 2019). Essas unidades são as Resexs, as RDSs e as Florestas Nacionais (Flona). Veja mais detalhes na Figura 3. Unidades de conservação e comunidades tradicionais10 Figura 3. População tradicional em unidades de conservação por estado. Fonte: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (2019, documento on-line). Como você viu neste capítulo, são muitos os conflitos e impactos que colocam em risco as unidades de conservação brasileiras. Boa parte dessa problemática advém da falta de reconhecimento da importância e da função da unidade de conservação pela população local. O Poder Público, muitas vezes, tem falhado na conciliação desses conflitos, o que acarreta muitos impactos negativos para a unidade de conservação. Um deles são os incêndios florestais. O Instituto Estadual de Florestas (IEF) de Minas Gerais informou que, em 2019, 27 mil hectares de vegetação foram atingidos pelo fogo no interior das unidades de conservação do estado. Embora tenha havido uma queda no número desses incêndios em relação aos anos anteriores, registrou-se um aumento de 50% nos incêndios criminosos em unidades de conservação no mesmo período (LACERDA, 2020). O Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, é um dos que mais têm sido atingidos por esses eventos. Magalhães, Lima e Ribeiro (2012) investi- garam as causas dos incêndios nessa unidade de conservação, que acumulou 219 ocorrências entre os anos de 1988 e 2008, totalizando 415.572,50 hectares de área queimada. Os autores identificaram que mais de 70% da área queimada foram provocados por incendiários (que ateiam fogo), seguidos por raio e limpeza de pastagem. Os incêndios criminosos causam grandes degradações ambientais, sobretudo na fauna e na flora do Parque. Os dados demonstraram,ainda, que há maior número de focos de incêndio na área regularizada do parque do que na área ainda não regularizada. Isso indica que boa parte deles são premeditados e criminosos. Unidades de conservação e comunidades tradicionais 11 É difícil determinar as inúmeras razões que levam os indivíduos a atearem fogo intencionalmente, mas a educação ambiental efetiva envolvendo a comunidade local pode ajudar a diminuir esses episódios. O fato de ela representar a minoria dos visitantes do parque demonstra a necessidade urgente de conscientização da população do entorno da unidade de conservação. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm. Acesso em: 17 fev. 2021. BRASIL. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Diário Oficial da União, Brasília, 8 fev. 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em: 17 fev. 2021. BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 19 jul. 2000. Dispo- nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm. Acesso em: 17 fev. 2021. BRASIL. Roteiro para criação de unidades de conservação municipais. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2010. BRITO, D. M. C. Conflitos em unidades de conservação. Revista PRACS, v. 1, nº 1, p. 1–12, 2008. INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Populações tradi- cionais. 2019. Disponível: https://www.icmbio.gov.br/portal/populacoestradicionais. Acesso em: 17 fev. 2021. LACERDA, V. IEF alerta para impactos dos incêndios florestais no meio ambiente e à saúde humana. 2020. Disponível em: http://www.ief.mg.gov.br/noticias/3134-ief-alerta- -para-impactos-dos-incendios-florestais-no-meio-ambiente-e-a-saude-humana. Acesso em: 17 fev. 2021. MAGALHÃES, S. R. de; LIMA, G. S.; RIBEIRO, G. A. Avaliação dos incêndios florestais ocorridos no Parque Nacional da Serra da Canastra-Minas Gerais. Revista Cerne, v. 18, nº 1, p. 135–141, 2012. SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. Sistema Nacional de informações florestais. Unidades de conservação: tabelas e gráficos. 2020. Disponível em: https://snif.florestal.gov.br/ pt-br/dados-complementares/131-florestas-e-recursos-florestais/dados-complemen- tares-conservacao-das-florestas/225-unidades-de-conservacao-tabelas-e-graficos. Acesso em: 18 fev. 2021. SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. Sistema Nacional de informações florestais. Unida- des de conservação: mapas. 2018. Disponível em: https://snif.florestal.gov.br/pt-br/ dados-complementares/212-sistema-nacional-de-unidades-de-conservacao-mapas. Acesso em: 18 fev. 2021. TOZZO, R. T.; MARCHI, E. C. de. Unidades de conservação no Brasil: uma visão concei- tual, histórica e legislativa. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, v. 7, nº 3, p. 508–523, 2014. Unidades de conservação e comunidades tradicionais12 Leitura recomendada CALEGARE, M. G. A.; HIGUCHI, M. I. G.; BRUNO, A. C. dos S. Povos e comunidades tradi- cionais: das áreas protegidas à visibilidade política de grupos sociais portadores de identidade étnica e coletiva. Revista Ambiente & sociedade, v. 17, nº 3, p. 115–134, 2014. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Unidades de conservação e comunidades tradicionais 13 Dica do professor Com o advento das tecnologias, o acesso às informações tem sido muito mais fácil e rápido, além de tornar o processo muito mais transparente. No entanto, é fundamental se atentar para a fonte de dados e informações que você está acessando, a fim de garantir confiabilidade à sua pesquisa. Dessa forma, buscar essas informações nos sites de órgãos responsáveis pelo tema pode ser a melhor solução. Na Dica do Professor a seguir, confira as informações acerca das UCs disponibilizadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e como acessá-las. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/a24e7a3a86ae0c2df7a28cc02499c811 Exercícios 1) A partir da Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o SNUC, o Brasil passou a contar com dispositivos legais para a implementação e a gestão de suas áreas protegidas. Julgue a alternativa correta a respeito desses dispositivos. A) Qualquer pessoa, física ou jurídica, pode promover a criação de UCs no Brasil, mas sua gestão deve ser pública. B) As UCs são formas de proteger os recursos naturais e a biodiversidade, por isso qualquer intervenção humana seria danosa para essas áreas. C) O poder público é responsável pela criação e gestão das UCs no Brasil, mas a demanda pode partir de uma organização não governamental (ONG), por exemplo. D) O plano de manejo é o documento no qual estão todas as diretrizes para a gestão das UCs e deve ser elaborado pelo poder público. E) As UCs de proteção integral têm preferência de criação frente às UCs de uso sustentável, pois elas garantem maior proteção ao ambiente. 2) Algumas UCs permitem a permanência de povos e comunidades tradicionais, os quais podem ser transformados em verdadeiros aliados para a efetiva conservação da natureza. Imagine uma área coberta por remanescentes florestais e restinga no litoral brasileiro, onde se encontra uma vila de pescadores artesanais, que além da pesca praticam agricultura de subsistência. Qual das UCs a seguir seria mais adequada para essa realidade? Por quê? A) Reserva Extrativista, por ser uma UC que compatibiliza a conservação da natureza e o manejo dos recursos pelas populações tradicionais. B) Área de Proteção Ambiental, uma vez que são permitidas as ocupações humanas e, consequentemente, a prática de atividades pesqueiras e agrícolas. C) Floresta Nacional que, além de ser um tipo de UC de uso sustentável, possibilita a recomposição florestal pelos pescadores. D) Parque Nacional, por ser uma UC que visa à proteção da natureza e dos valores culturais das populações tradicionais. E) Reserva Particular do Patrimônio Natural, pois é uma UC constituída em área privada, sendo, portanto, mais compatível às necessidades dos pescadores. 3) A terra e os recursos naturais são fontes de subsistência indispensáveis para povos e comunidades tradicionais. Analise as afirmativas a seguir. I. Os territórios tradicionais são direitos das comunidades tradicionais garantidos por lei. II. No Brasil, as UCs de uso sustentável são formas de conciliar o uso sustentável dos recursos e a permanência de povos tradicionais no interior de seus limites. III. A Reserva Extrativista, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável e a Floresta Nacional são UCs de uso sustentável e instituídas para dar direito de posse às comunidades tradicionais. Assinale a alternativa com a(s) afirmativa(s) correta(s). A) I, apenas. B) II e III, apenas. C) I e III, apenas. D) I e II, apenas. E) I, II e III. 4) Atualmente, a degradação e a poluição ambiental têm afetado todos os ambientes, inclusive aqueles mais protegidos, como as UCs. Qual das alternativas pode justificar a alta ocorrência de impactos ambientais nessas áreas protegidas? A) A falta de instrumentos de gestão que controlem a exploração dos recursos naturais das UCs, garantindo o usosustentável. B) A forma de criação de parte dessas UCs, que não considerou a presença da comunidade local. C) A preferência pelas UCs de proteção integral em vez das UCs de uso sustentável, o que desencadeou conflitos. D) A carência de recursos financeiros para proteger integralmente os recursos naturais dessas UCs. E) A criação tardia de um órgão fiscalizador federal (ICMBio), fazendo com que muitos impactos não tenham sido solucionados. 5) Antes da Lei no 9.985/2000 (SNUC), era comum o poder público instituir UCs sem levar em consideração a presença de comunidades tradicionais ou a opinião da população local. Isso acarretou boa parte dos conflitos existentes hoje envolvendo as UCs brasileiras. Assinale (V) para verdadeiro e (F) para falso nas afirmativas a seguir. ( ) Os impactos ambientais negativos que ocorrem no entorno dos limites das UCs são difíceis de controlar, pois não estão sob competência do gestor da unidade. ( ) O ICMBio é o órgão responsável por gerir parte dos conflitos envolvendo populações tradicionais e UCs. ( ) Quando constatada degradação ou poluição ambiental no interior das UCs, o Ibama deverá executar seu poder de polícia. ( ) As terras indígenas não geram conflitos em UCs porque são geridas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A ordem correta, de cima para baixo, é: A) V — V — F — F. B) F — F — V — V. C) F — V — F — F. D) V — F — V — F. E) V — V — V — F. Na prática O contexto geográfico de onde se insere a unidade escolar pode ser um importante instrumento no processo de ensino-aprendizagem e na formação cidadã dos alunos, colocando-os como agentes integrantes e transformadores de sua realidade local. Conhecendo o ambiente onde vivem, os alunos se sentem parte desse local, atrevendo-se a propor ações de melhoria da sua qualidade. Assim, aproveitar e valorizar os espaços protegidos que os cercam pode ser um excelente método para a conscientização e a educação ambientais. Na Prática a seguir, veja o caso de sucesso do projeto "A escola e o Parque Estadual da Pedra Branca", em que se aproveitou a existência de uma UC vizinha a uma escola, na zona oeste do Rio de Janeiro, para se trabalhar conceitos geográficos e ambientais de modo interdisciplinar com alunos do ensino fundamental. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/83bfd97e-7d1d-4cb0-8918-bb3e16a21946/4f5e3662-ec1d-47ce-9f02-70399f4b71f5.png Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja as sugestões do professor: Povos tradicionais e áreas protegidas: as unidades de conservação no Brasil Neste artigo, veja como ocorreu a criação das primeiras UCs em áreas ocupadas por populações tradicionais e reflita como as políticas públicas têm modificado a forma de tratar essas populações no ato de constituição das UCs. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Protótipo de atlas eletrônico para unidades de conservação e educação ambiental Este artigo aborda a proposta de construção de um atlas eletrônico sobre as UCs, para ser utilizado em unidades escolares. Foi adotado como estudo de caso o Parque Estadual Morro do Diabo, em São Paulo. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Veja a primeira reportagem da série sobre comunidades quilombolas Neste vídeo, a reportagem da TV Brasil vai até uma comunidade quilombola para descobrir seus costumes e modos de vida. https://www.revistas.ufg.br/emblemas/article/download/56669/34223#:~:text=Delimita%2Dse%20a%20pesquisa%20no,%2C%20faxinalenses%2C%20cai%C3%A7aras%20e%20outros http://www.seer.ufu.br/index.php/revistabrasileiracartografia/article/download/43936/23200/ Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/embed/gjvXGS1wzoo
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