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UFU - Universidade Federal de Uberlândia Instituto de Psicologia Psicopatologia da Criança e do Adolescente Thaís Barbosa Ribeiro - 11411PSI057 Memorial final Uberlândia, julho de 2017 Esta disciplina “Psicopatologia da Criança e do Adolescente” me acrescentou muito no sentido de me fazer enxergar a necessidade de desenvolver um olhar mais sensível para as mazelas e sofrimentos humanos, de desligar-me do que é sempre pensado e ir além do que parece. A cada seminário assistido, a cada crítica e desconstrução dos lugares comuns para os quais quase sempre se caminha, houve um movimento de (re) descobrir as outras facetas dos traumas, das formas únicas que cada um reage a dor que lhe é causada e as heranças de dor que lhe atravessam, o enxergar a vida como algo que não se resigna, nem se determina pelo sofrimento vivenciado ou por conjecturas teóricas. Mas para além do aprendizado, houve a dor de olhar para o sofrimento, porque o que se ouve das histórias do outro e que tem um “q” da nossa própria, não passa como algo só do outro, foi assombroso ver que na maioria dos casos apresentados nos seminários foi gritante o sofrimento da mulher, muitas vidas “bagunçadas” por uma sociedade misógina, machista, patriarcal, o sofrimento que reverbera e atravessa gerações e anula tantas mulheres, por tanto tempo, que lega vidas pela metade. Não que o fato de que as mulheres sofrem seja novidade, mas ver o quanto as histórias se repetem em famílias diferentes, foi como reviver uma angústia. Me lembro agora de uma das suas falas, durante o seminário do meu grupo, sobre o trabalho na clínica, a herança transgeracional e o rompimento com as gerações anteriores e nesse momento fiz um link entre isso e a doença misógina, social e realmente, isso faz mais sentido agora, porque “consertar” essa doença talvez esteja muito longe de acontecer. Sobre as aulas expositivas, eu gostei muito da forma como foram trazidos os assuntos e das discussões e da didática. Consegui entender alguns conceitos lacanianos que nunca tinha entendido, o que me foi muito proveitoso para entender alguns conteúdos da teoria de Lacan estudados na disciplina de “Psicanálise II: O método clínico e a contemporaneidade”. Sobre as diversas formas de manifestação de sofrimento psíquico que foram trazidas junto com as apresentações dos casos, os diagnósticos das crianças, a medicação dada a algumas delas, isso me suscitou algumas reflexões- o diagnóstico é só uma palavra, uma palavra para ajudar a se aproximar minimamente do sujeito, ele não dá conta de quase nada- antes de existir um diagnóstico de autismo, de esquizofrenia, de anorexia, existem histórias de sujeitos implicados em todo um processo. Antes do diagnóstico, existem várias pessoas afetadas por um sofrimento, pelas desgraças da vida, e o sofrimento psíquico que se manifesta mais intensamente em um indivíduo da família, é na verdade um sofrimento que atravessa toda aquela família, toda a história daquela família, mas sabe-se lá por qual motivo, se desdobra mais intensamente naquele sujeito e é diagnosticado naquele sujeito. A medicação das crianças é uma coisa que assusta também, porque uma criança está num processo de se constituir como sujeito, de se deparar com as experiências e aprender com elas, de construir o seu jeito de ser sujeito e de estar na vida e a medicação é uma coisa que despersonaliza, que retira de uma maneira muito invasiva a pessoa da experiência de dor, e se com a dor se aprende, como essas crianças vão aprender? Vão ter um remédio como muleta para o resto de suas vidas? Eu não tenho nem embasamento teórico para falar disso e sei que essa é uma questão muito polêmica e discutida, sei que algumas pessoas realmente precisam da medicação para estarem aqui, mas fiquei pensando sobre o caso do menino diagnosticado com autismo, que tinha um QI altíssimo e o quanto me pareceu que ele precisava do remédio para se igualar aos outros, ao tempo e velocidade dos outros e ser aceito na escola, tendo sua subjetividade desprezada, suas possibilidades interditadas em nome do caber numa “normalidade”, mesmo sendo uma “normalidade medíocre”, porque as leis de existir dessa ou daquela forma, são severas. O caso sobre psicose na infância também me deixou pensativa sobre o quanto é perigoso um diagnóstico na infância e o quanto isso irá marcar o sujeito pelo resto de sua vida, o quanto ele construirá a sua própria vida a partir dos atravessamentos disso. A despeito disso, durante a apresentação deste caso eu consegui dar sentido ao que já tinha estudado de teoria sobre a psicose em Psicanálise - a estranheza em relação ao próprio corpo, o estado de “id”, a questão da falta. O caso do Danilo e a sua mãe, também foi um dos que me marcou, porque ficou muito bem evidente a questão da relação mãe-filho e o quanto os problemas com essa relação primária aprisionam o sujeito durante a vida, a criança que não teve um lugar simbólico no imaginário da mãe, a dificuldade dessa mãe de ajudar o menino a entrar na vida, o sofrimento de ambos diante disso e ao mesmo tempo a dualidade envolvida na relação, porque a mãe sabotava o menino ao mesmo tempo em que sofria com as suas limitações e se via refletida nele. A apresentação de todos esses atendimentos envolvendo mães, filhas e filhos, me acrescentou também no sentido de me fazer enxergar o quanto o papel de mãe é romantizado, o quanto a mãe é julgada (eu mesma me peguei julgando uma mãe) e o quanto isso é problemático, porque ao julgar uma mãe “errada”, pressupõe-se a figura de uma mãe ideal, perfeita e a vida talvez não ofereça muitas possibilidades de perfeição. Por fim, essa disciplina foi para mim algo muito mais além de teoria psicanalítica e por isso foi uma experiência para a vida, porque me despertou para o além do óbvio, a Psicanálise sempre me interessou e fez sentido desde quando tive os primeiros contatos com ela e agora foi despertada em mim uma vontade de me dedicar a estudar mais profundamente, principalmente Lacan. Ter tido a oportunidade de acompanhar os seminários sobre tantos casos clínicos e de forma sucinta as intervenções realizadas durantes as sessões foi de grande valor, porque mostrou o quanto o que acontece na clínica psicanalítica se dá a partir de um cuidado muito sensível, que respeita o tempo do outro, ao mesmo tempo em que é o ato de conduzir o outro ao encontro com o seu lado primitivo e sombrio e em tempos em que somos obrigados a viver como máquinas, como corpos que não podem sentir ou sucumbir, que devem satisfazer a padrões de normalidade, penso que a clínica psicanalítica seja um refúgio valioso. Falando especificamente sobre o caso estudado pelo meu grupo, primeiramente achei que foi muito bom estar com esse grupo, pois foram todos muito engajados em pesquisar e discutir e houve respeito à liberdade de cada uma para se expressar e falar dos mais variados ângulos da situação. Falar de violência sexual é algo que a princípio já causa um certo desconforto, a expressão em si já traz uma coisa pesada quando lida, mas aos poucos foi ficando menos difícil. Quando comecei a ler os relatórios de sessão fiquei procurando em cada um deles quando é que a garota iria falar com todas as letras sobre o assunto com a psicóloga, ao chegar na metade dos relatórios comentamos entre nós que a psicóloga não estava “fazendo nada” e continuamos procurando e realmente não houve quase nada nesse sentido. Só fui entender sobre esse não falar quando comecei a estudar os artigos (durante a discussão durante a apresentação também) e perceber que falar do abuso em si não era necessário e que o ele não precisaria ser colocado como um trauma, que o importante era deixar que a garota mostrasse o seu lugar, se mostrasse como o sujeito que é. Eu nunca havia pensado por esse lado, isso foi uma descoberta que levarei comigo para sempre. Eu sempre penso com muita insegurança na prática clínica, sobre o medo de, sem querer, revitimizar as pessoas,ser invasiva, dizer coisas inúteis, afetar negativamente alguém que está lá porque precisa se curar, e é complicado porque não há uma disciplina que ensine “como não fazer isso”, sinto falta disso na minha vida acadêmica, mas sei que é meio difícil também ensinar isso, que a sala de aula não seja talvez um lugar para aprender isso. Por esse motivo valorizo o contato com a prática, o que ocorreu na sua disciplina, no estágio básico e também na disciplina de Psicopatologia Geral I, porque sempre acho que existe um vácuo entre a teoria e a prática e isso é meio desesperador, mas enfim, não sei se cabe escrever isso aqui, mas agradeço por todo o conhecimento compartilhado nesse semestre.
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