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Biografia-de-Mahommah-Gardo-Baquaqua-Trechos

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Prévia do material em texto

[Imagem de Capa] 
 
 
 
BIOGRAFIA 
DE 
MAHOMMAH G. BAQUAQUA, 
 
 
UM NATIVO DE ZUGU, NO INTERIOR DA ÁFRICA  
(Um Convertido ao Cristianismo) 
COM UMA DESCRIÇÃO DAQUELA PARTE DO MUNDO; 
 
 
INCLUINDO AS 
Maneiras e Costumes dos Habitantes, 
 
 
AS  SUAS  NOÇÕES  RELIGIOSAS,  FORMA  DE  GOVERNO,  LEIS,  APARÊNCIA  DO  PAÍS, 
EDIFICAÇÕES,  AGRICULTURA,  MANUFATURAS,  PASTORES  E  VAQUEIROS,  ANIMAIS 
DOMÉSTICOS, CERIMÔNIAS DE CASAMENTO E FUNERAIS, ESTILOS DE VESTIMENTAS, 
 
NEGÓCIOS E COMÉRCIO, MODOS DE BATALHA, SISTEMA DE ESCRAVIDÃO, ETC, ETC. O 
INÍCIO DA VIDA DE MAHOMMAH, A SUA EDUCAÇÃO, A SUA CAPTURA E ESCRAVIDÃO 
NA ÁFRICA OCIDENTAL E NO BRASIL, A SUA FUGA PARA OS ESTADOS UNIDOS, DE LÁ 
PARA O HAITI, (PARA A CIDADE DE PORTO PRÍNCIPE). A SUA RECEPÇÃO PELO REV. W. 
L.  JUDD,  MISSIONÁRIO  BATISTA;  A  SUA  CONVERSÃO  AO  CRISTIANISMO,  O  SEU 
BATISMO E RETORNO AO SEU PAÍS, AS SUAS VISÕES, OBJETIVOS E META. 
 
 
Escrito e revisado a partir das suas próprias palavras  
Pelo ilustríssimo senhor SAMUEL MOORE, 
 
Ex­editor da "North of England Shipping Gazette," Autor de Várias Obras Populares, e 
Editor do Sundry Reform Papers 
 
DETROIT 
 
Impresso para o Autor, Mahommah Gardo Baquaqua, 
POR GEO.  E. Pomeroy & Co., Tribune Office 1854 
1854. 
 
 
Verso da página 
 
Registrado,  segundo  o  Ato  do  Congresso  norte­americano  do 
ano  de  1854,  por  MAHOMMAH  GARDO  BAQUAQUA,  na 
Repartição  do  Tribunal  Distrital  dos  Estados  Unidos  para  o 
Distrito do Michigan. 
 
 
BIOGRAFIA 
 
DE 
 
MAHOMMAH GARDO BAQUAQUA 
 
 
 
CAPÍTULO 1 
 
O sujeito desta memória nasceu na cidade de Zugu, na África Central, cujo rei era 
vassalo  do  rei  de  Bergu.  A  sua  idade  não  é  conhecida  com  exatidão,  já  que  os 
africanos têm, em geral, um modo diferente de dividir o tempo e calcular a idade, mas 
se supõe que ele tenha cerca de 30 anos de idade, pela lembrança de certos eventos 
que ocorreram, e a partir do conhecimento que ele adquiriu dos números, nos últimos 
tempos.  Porém,  como  isto  não  é  uma  questão muito  importante  na  sua  história, 
deixamo­la  aqui  na  sua  própria  obscuridade  sem  crermos,  nem  por  um momento 
sequer, terá o seu interesse diminuído por causa da falta deste número específico. 
 
Ele afirma que os seus pais eram de países diferentes, o seu pai um nativo de 
Bergu (de origem árabe) e de pele não muito escura. A sua mãe era uma nativa de 
Kashna e de pele muito escura, era completamente negra. Os costumes do seu pai 
eram rígidos e quietos; a sua religião, o Maometanismo. 
 
Como  o  interior  da África  é,  comparativamente,  pouco  conhecido,  um  breve 
esboço só poderia se mostrar muito interessante para a maioria dos nossos leitores; 
dessa forma, passaremos os detalhes segundo eles foram apresentados pelo próprio 
Mahommah. O seu modo de devoção é algo que segue o seguinte estilo: 
 
O meu pai — diz Mahommah — levantava­se todas as manhãs às quatro horas 
para fazer as suas orações, depois disso ele voltava para a cama, no nascer do sol ele 
realizava os seus segundos exercícios devocionais, ao meio dia ele voltava a  fazer a 
sua adoração, e novamente ao por do sol. 
 
Uma vez por ano é feito um grande jejum, que dura um mês, durante este tempo 
não  se  come  nada  durante  o  dia, mas  à  noite,  depois  da  realização  de  algumas 
cerimônias, é permitido comer; depois de se comer, a adoração é permitida nas suas 
próprias  casas  e,  então,  assembleias  para  culto  público  são  feitas.  O  lugar  de 
adoração era um pátio amplo e agradável pertencente ao meu avô, o meu tio era o 
sacerdote oficiante. As pessoas mais velhas se colocam em fileiras com o sacerdote de 
 
pé diante delas, os mais velhos próximos a ele, e assim por diante, organizando­se em 
ordem, de acordo com a idade. 
 
O  sacerdote  começa  a  devoção  curvando  a  sua  cabeça  em  direção  ao  chão  e 
dizendo as seguintes palavras: "Ala­há­ku­bar" — e as pessoas respondem — "Ala­há­
ku­bar,"  que  significa:  "Deus,  ouve  a  nossa  oração,  responde  a  nossa  oração".  O 
sacerdote e o povo, então, ajoelham­se e pressionam a  testa na  terra, o  sacerdote 
repete passagens do Alcorão, e o povo responde como [vimos] anteriormente. Depois 
que esta parte da cerimônia é terminada, o sacerdote e as pessoas sentadas no chão 
contam as suas miçangas (*rosário muçulmano), o sacerdote, ocasionalmente, repete 
passagens  do Alcorão.  ­­  Elas,  então,  oram  pelo  seu  rei,  para  que Alá  lhe  ajuda  a 
conquistas os seus inimigos, e para que ele preserve o povo da fome, dos gafanhotos 
devoradores, e para que ele lhes conceda chuva na devida estação. 
 
No  término das cerimônias de cada dia, os adoradores do profeta vão para as 
suas respectivas casas, onde o melhor de tudo está providenciado para a refeição da 
noite. Esta mesma adoração é repetida diariamente ao longo de trinta dias, e termina 
com  um  imenso  encontro  em massa. O  rei  vem  à  cidade  nessa  ocasião  e  grandes 
multidões de  todas as cercanias do país que,  junto  com os cidadãos,  reunem­se no 
local  indicado para adoração,  chamado Gui­ge­rah,  um  pouco  afastado  da  cidade. 
Este  lugar consagrado à adoração do falso profeta é um dos "Primeiros Templos de 
Deus".  Ele  consistia  de  várias  árvores muito  grandes,  que  formavam  uma  sombra 
muito extensa e bela, o solo arenoso e completamente desprovido de relva é mantido 
perfeitamente  limpo,  muitos  milhares  podem  ficar  confortavelmente  assentados 
debaixo daquelas árvores, e por estarem a céu aberto, a aparência de assembleia tão 
majestosa  é  extremamente  imponente,  os  assentos  são  meramente  tapetes 
espalhados pelo chão. Um monte de areia (esta areia difere da areia do deserto: ela é 
uma  areia  vermelha  grossa  misturada  com  terra  e  pequenas  pedras  e  pode 
facilmente ser transformada em um grande monturo) é feito para o sumo sacerdote 
por­se de pé enquanto se dirige às pessoas. Nestas ocasiões ele está vestido com uma 
túnica preta e larga, que chega quase aos seus pés, e é servido por quatro sacerdotes 
auxiliares,  que  se  ajoelham  ao  seu  redor,  segurando  a  barra  da  sua  túnica, 
balançando­a de um lado para o outro. Eventualmente, o sumo sacerdote "agacha­se 
como um sapo," e quando ele se levanta, eles retomam a operação de balançar a sua 
túnica.  Estas  cerimônias  terminam  com  as  pessoas  retornando  para  casa  para 
oferecerem sacrifício (sarrah) pelos mortos e pelos vivos. Assim termina a festa anual. 
 
 
 
CAPÍTULO 7 
O Início da Vida de Mahommah, Etc. 
 
Agora,  prosseguiremos,  sem  demora,  à  parte  mais  importante  da  obra, 
descrevendo a história inicial, a vida, as provações, os sofrimentos e a conversão de 
Mahommah ao Cristianismo; a sua chegada à América; a sua viagem e permanência 
no Haiti e o retorno a este país; as suas visões, objetivos e propósitos. 
 
Os  seus  pais,  como  anteriormente  declarado,  eram  de  tribos  ou  nações 
diferentes. O seu pai era de religião maometana, mas a sua mãe não tinha religião 
nenhuma.  Ele  declara:  "A minha mãe  era  como muitos  cristãos  bons  daqui,  que 
gostam de serem cristãos nominais, mas não gostam muito de adorar a Deus. Ela 
gostava muito  do Maometanismo, mas não  se  importava muito  com  as  questões 
que envolviam a adoração". Os maometanos são adoradores muito mais fervorosos 
do que os cristãos, e adoram com zelo e devoção mais aparente. 
 
A família consistia de dois filhos e três filhas, além de gêmeos que morreram na 
infância. Os africanos são muito supersticiosos com gêmeos; eles imaginam que todos 
os gêmeos são mais inteligentes que todos os outros filhos, e também com relação ao 
filho  que  nasce  depois  dos  gêmeos.  Eles  são  considerados  conhecedores  de  quase 
tudo, e são tidos em alta estima. Se os gêmeos sobrevivem, uma imagem deles é feita 
a partir de uma madeira específica, uma decada um deles, e eles são ensinados a dar 
comida para elas, ou ofertar comida  toda vez que  têm alimento;  se eles morrem, o 
filho  que  nasceu  depois  deles  passa  a  tomar  conta  da  imagem  feita deles,  e  é  sua 
obrigação  alimentá­las,  ou  ofertar  comida  para  elas. Mahommah  era  o  filho  que 
nasceu depois dos gêmeos, e estas pequenas obrigações ele executava com fidelidade. 
Supunha­se que as imagens os guardavam do mal e os protegiam na guerra. Ele era, 
consequentemente,  altamente  estimado  por  conta  do  seu  nascimento;  supunha­se 
que ele  jamais dissera nada errado, e  tudo o que ele desejava era  feito para ele no 
instante.  Esta,  sem  dúvida,  era  a  razão  porque  a  sua  mãe  o  amava  tão 
afetuosamente, e era a causa da sua imprudência juvenil. Eles jamais o barraram ou o 
controlaram, a sua mãe era a única pessoa que ousava confrontá­lo; o seu amor pela 
sua mãe era muitissimo grande. O seu tio era um homem muito rico, ele era ferreiro 
do rei, e desejava que Mahommah aprendesse aquele ofício, mas o seu pai o destinou 
para a mesquita, na intenção de criá­lo com um dos fieis seguidores do profeta. Com 
este propósito ele  foi enviado à escola, mas por não gostar muito da escola, ele  foi 
morar com o seu tio e aprendeu a arte de fazer agulhas, facas e  toda a sorte destas 
coisas. O seu pai, mais tarde, voltou a colocá­lo na escola, mas ele logo fugiu de lá; ele 
não  gostava  da  restrição  que  o  seu  irmão  (o  professor)  impunha  sobre  ele. O  seu 
irmão era um leal maometano e bem instruído na língua árabe. 
 
 
Mahommah não progredia muito bem no aprendizado, tendo um receio natural 
a ele. A forma de ensino é bem diferente de outros países: os africanos não possuem 
livros, nem papeis, mas um quadro chamado Wal­la, no qual é escrita uma lição que o 
aluno deve aprender a ler e escrever antes de outra ser passada; quando essa lição é 
aprendida, o quadro é apagado e uma nova lição é escrita.  
 
Os estudantes não  têm permissão de  se ausentar  sem a permissão especial do 
professor; se o aluno gazeia aulas, ele recebe punição. Nenhuma taxa é cobrada até 
que a educação seja terminada. A inspeção escolar é feita da seguinte maneira: Uma 
grande casa de reunião, geralmente uma mesquita, é selecionada,  onde os alunos se 
reunem junto com os professores, que precisam abrir vinte capítulos do Alcorão, e se o 
aluno  ler os vinte capítulos  inteiros, sem errar uma única palavra, a sua educação é 
considerada terminada e as taxas de instrução são imediatamente pagas. 
 
O  tio de Mahommah  tinha propriedade em Sal­gar, para onde ele seguia para 
comprar ouro, prata, bronze e  ferro para os propósitos do  seu negócio. O ouro e a 
prata ele transformava em braceletes, para os braços, e brincos e anéis: os africanos 
são muito afeitos a este tipo de ornamento. 
 
As agulhas, na África, são feitas à mão, o processo é muito tedioso; em primeiro 
lugar  o  ferro  é  endurecido  ou  convertido  em  algo  como  o  aço,  ele  é,  então, 
tranformado em arame  fino, por meio de um processo de martelamento, e cortado 
nos  tamanhos adequados, conforme necessário, quando ele é, novamente, batido e 
afiado na ponta por meio de limagem e, finalmente, polido à mão pela fricção de uma 
pedra  macia.  A  partir  desta  descrição  da  confecção  de  uma  agulha,  pode  ser 
claramente vista a quantidade de  trabalho que precisa ser empregada em  todos os 
ramos da manufatora, por falta de ferramentas e maquinário melhores. 
 
Um fole africano merece a nossa atenção. Costuma­se dizer: "A necessidade é a
mãe  da  invenção;"  todo  aquele  que  duvidar  deste  fato,  que  leia  atentamente  o 
seguinte, e se negar esta posição, certamente terá que admitir que a invenção do fole 
na África, certamente teve um "pai". 
 
O  fole  é  composto  de  um  couro  de  cabra  retirado  por  completo,  uma  estaca 
atravessa  do  pescoço  até  as  patas  traseiras,  onde  ele  é  preso  por  uma  ideia 
engenhosa. As pernas  são movidas para  cima e para baixo pela mão, e um  velho 
cano de mosquete é usado como tubo. 
 
Enquanto o seu tio estava em Sal­gar para negócios, ele morreu, e deixou a sua 
propriedade para a mãe de Mahommah. Ele, então, trabalhou por um curto período 
com outro parente. 
 
 
É  trabalho  árduo  a  manufatura  de  implementos  e  ferramentas  agrícolas. 
Maquinário  é  muitíssimo  necessário  na  África,  a  falta  dele  é  uma  grande 
desvantagem para as manufaturas daquela região.   O ferro é de primeira qualidade, 
muitissimo  superior  ao  ferro  da  América.  O  ferro,  o  cobre  e  o  bronze  são 
transformados em anéis, que são usados como ornamentos nos tornozelos e braços. 
 
Há centenas e milhares de homens no mundo que se alegram em fazer o bem, e 
que estão procurando meios de empregar o seu tempo e os seus talentos. Para estes 
que examinam atentamente as páginas desta obra, a dica aqui  lançada não poderá 
ser  perdida.  Um  vasto  campo  de  utilidade  se  apresenta  naquela  parte  muito 
negligenciada do mundo, onde devem ser encontrados homens que somente precisam 
de  ensinamentos  para  virarem  bons  cidadãos,  bons mecânicos,  bons  fazendeiros, 
bons homens  e  bons  cristãos. Para aqueles  que  direcionariam  os  seus  esforços em 
favor  de  tal  nação,  nenhuma  dúvida  resta,  senão  que  Deus  abençoaria  os  seus 
trabalhos;  as  suas  ações  os  louvariam,  e  milhões  que  ainda  não  nasceram  os 
chamariam de bem­aventurados.  Ide, portanto, vós, filântropos, homens e mulheres 
cristãos, até estes povos obscurecidos,  oferecei­lhes a mão de assistência e erguei­
lhes ao padrão dos seus companheiros, e dai todo o consentimento que puderes aos 
seus esforços  rumo à utilidade e bondade,  jamais se  importando com a zombaria e 
com as carrancas de um mundo frio e indiferente; que as vossas obras possam ser de 
tal natureza que todos os homens bons possam falar bem de vós, e as vossas próprias 
consciências lhes dê aprovação. 
 
A África é rica em todos os aspectos (exceto no conhecimento). O conhecimento 
do homem branco é necessário, mas não os seus vícios. A religião do homem branco é 
necessária, mas mais dela, mais do espírito da verdadeira religião, tal como a Bíblia 
ensina: "Ama a Deus e ama ao homem". Quem irá até a África? Quem levará a Bíblia 
para  lá? E quem ensinará aos pobres africanos obscurecidos, as artes e as ciências? 
Quem fará tudo isso? Que a resposta seja pronta, que ela seja cheia de vida e energia! 
Que a ordem do Salvador seja obedecida. "Ide a todo o mundo e pregai o evangelho". 
Salvai a todos os que estão perecendo por falta de conhecimento, pois à falta daquele 
conhecimento,  vós  tendes o poder de  transmiti­lo. Não mais hesiteis, pois esta é a 
hora, o tempo aceitável: "vem a noite, quando homem nenhum pode trabalhar," e o 
dia (o nosso dia) e o dia declina rapidamente. Ó, amigos cristãos, levantai­vos e passai 
a agir. 
 
O  irmão de Mahommah era uma espécie de  sortista que, quando o  rei estava 
prestes  a  sair  para  a  guerra,  era  consultado  por  ele,  para  saber  se  a  questão  da 
guerra seria a seu  favor ou não;  isto era  feito por sinais e  figuras  feitas na areia, e 
tudo o que ele predizia era totalmente crido como algo que ocorreria, de modo que 
 
pelo seu próprio poder misterioso ele era capaz, tanto de fazer com que o rei fosse à 
guerra, quanto de colocar um fim à questão. 
 
Ele, certa vez, foi a Bergu, que ficava a leste de nós, a uma certa distância, onde 
permaneceu por dois anos. Uma grande guerra  foi  travada durante aquele  tempo e 
ele  foi  tomado  como  prisioneiro, mas  foi  liberto  pela  sua mãe,  a  qual  pagou  uma 
redenção, quando ele retornou de volta para casa. Ele, então, foi para Da­boy­ya, que 
ficava bem longe, na direção sudoeste de Zugu, do outro lado de um rio muito grande. 
Naquele lugar, uma grande quantidade de artigos de manufaturaeuropeia poderiam 
ser encontrados,  tais  como garrafas de vidro,  copos, pentes,  calicôs, etc., porém as 
construções  eram,  na  sua maioria,  semelhantes  às de  Zugu, mas a  cidade  não  era 
rodeada  por muralhas,  como  esta  última.  Aqui  também  o  rei  estava  em  guerra  e 
convidou  o meu  irmão.  A  causa  dessa  guerra  era  que  o  rei  havia morrido,  e  uma 
disputa  havia  surgido  (como  costuma  ser  o  caso)  entre  dois  irmãos,  [sobre]  qual 
deveria  ser  o  rei;  eles  adotaram  tais meios  para  dedicir  quem  deveria  suceder,  e 
aquele que conseguisse  reunir as maiores  forças seria o sucessor. O candidado mal­
sucedido  se  colocaria  dabaixo  da  proteção  de  um  rei vizinho,  até  que  conseguisse 
reunir forças suficientes para poder vir exitosamente à guerra e, desse modo, arrancar 
o reino do seu irmão. 
 
Depois do  irmão de Mahommah  ter permanecido um certo  tempo com o rei, o 
próprio Mahommah foi para  lá com muitos outros para carregar grãos,  já que estes 
ali haviam se tornado escassos por conta da guerra. Durava cerca de dezessete dias a 
viagem desde Zugu, a  forma da viagem  sendo  a pé, com as  sacas de grão  sobre a 
cabeça;  um  modo  um  tanto  tedioso  e  desagradável  de  viajar  e  transportar 
mercadorias,  considerando  as  facilidades  para  tais  propósitos  proporcionadas  na 
América e na Europa. 
 
Eles  chegaram  com  segurança  em  um  sábado,  e  ouviram  que  a  guerra  seria 
travada  naquele  dia, mas  ela  não  foi  retomada  até  o  dia  seguinte. O  rei  recebeu 
palavra do  seu  conselheiro para  sair e encontrar o  inimigo no bosque, mas não  fez 
assim.  Ele,  então,  foi  até  a  casa  do  Rei,  e  depois  de  fazer  o  desjejum  na manhã 
seguinte, os mosquetes começaram a se fazer ouvir, e a guerra prosseguiu de forma 
séria. Mosquetes  foram  usados  por  eles  nessa  ocasião, muito mais  do  que  arcos  e 
flechas. A guerra ficou demasiadamente quente para o rei, quando ele,  junto com o 
seu conselheiro, fugiram para salvar as suas vidas. 
 
Os meus companheiros — diz Mahommah — e eu mesmo corremos para o rio, 
mas não o conseguimos atravessar; nós nos escondemos no mato alto, mas o inimigo 
veio  e  nos  encontrou,  e  fez  de  nós  todos  prisioneiros.  Eu  fui  amarrado  com muita 
força; colocaram uma  corda ao  redor do meu pescoço e me  levaram com eles. Nós 
 
viajamos  através  de  um  bosque  e  chegamos  a  um  local  que  eu  jamais  esquecerei, 
cheio  de  mosquitos!  Só  que  eram  mosquitos  de  verdade, nada  destas  pequenas 
moscas, maruins ou bichos do gênero, que as pessoas da América do Norte chamam 
de mosquitos, mas bichos  realmente  famintos, com  ferrões e  sugadores capazes de 
drenar cada gota de sangue do corpo de um homem de uma única vez. Eles vinham 
zumbindo,  zumbindo  perto  dos  nossos  ouvidos  e  nos  picavam,  cheios  de  irada 
vingança. Eu  jamais desejo estar naquele  lugar novamente, nem em nenhum outro 
semelhante; foi verdadeiramente horrível. 
 
Enquanto viajava pelo bosque, nós encontramos o meu  irmão, mas nenhum de 
nós  falou  ou  pareceu  conhecer  um  ao  outro;  ele  se  virou  para outro  caminho  sem 
levantar qualquer suspeita; e, então, seguiu para um  lugar e conseguiu uma pessoa 
para me comprar. Caso se soubesse quem ele era, eles  teriam  insistido num grande 
preço pela minha  redenção, mas  foi necessária somente uma pequena soma para a 
minha  soltura.  Deveria  ser mencionado  que  a  cidade  foi  destruída,  as mulheres  e 
crianças expulsas. ­ Quando as guerras irrompem subitamente, as mulheres e crianças 
não  têm  meios  de  escapar,  mas  são  tomadas  como  prisioneiras  e  vendidas  à 
escravidão. 
 
Depois da minha compra e soltura, o meu  irmão me enviou de volta para casa 
com alguns amigos, na minha volta para casa, eu fiz uma vista ao nosso rei. Ele era 
parente da minha mãe. Alguns dias depois, enquanto estava em casa, o rei mandou 
me chamar e disse que queria que eu morasse sempre com ele, assim, eu permaneci 
na sua casa, e ele me designou como um Che­re­coo,  isto é, uma espécie de guarda­
costas do rei. Eu era somente o terceiro a partir do rei, Ma­ga­zee e Wa­roo, estando 
somente os dois acima de mim em patente, depois do próprio rei. Ma­ga­zee era um 
homem velho, e Wa­roo, um jovem. Eu ficava com o rei dia e noite, comia e bebia com 
ele, e era o seu mensageiro dentro e fora da cidade. 
 
O  rei  não  residia  na  cidade, mas a  alguns quilômetros  dela.  (Os  africanos  têm 
uma  forma  curiosa de calcular as distâncias, eles  levam as cargas  sobre a  cabeça e 
seguem até cansar, que é chamado Loch­a­fau, e em inglês, significa uma milha!) O rei 
(continua Mahommah) não guardava nada de mim mas, às vezes, quando ele  tinha 
assuntos  muito  importantes  em  mãos,  ele  consultava  Ma­ga­zee,  que  era  mais 
experiente.  
Os reis são chamados Massa­sa­ba, e governam vários lugares, e, a exemplo dos 
Faraós da antiguidade, todos são chamados de Massa­sa­ba. Quando o rei da cidade 
morre, os Massa­sa­bas são convocados a decidirem quem os sucederá. Se a guerra 
se­lhes sobrevém, ele é encontrado, antes de tudo, entre os bravos; a sua residência é, 
geralmente,  em  um  denso  matagal,  edificada  segundo  o  costume  do  país,  mas 
guarnecida na parte externa com mármore. Há dois tipos de mármores  lá, um muito 
 
branco, e o outro vermelho; estes mármores  são  triturados até virarem um pó  fino, 
apesar  da  argamassa  que  é  usada  na  construção  de  casas  ser macia,  pedaços  de 
mármore são retirados e prensados nela, em todos os formatos e figuras fantásticas 
que se possa  imaginar, o que torna a parede mais firme e proporciona à construção, 
depois de terminada, uma aparência bela e ornamental. 
 
O pilão no qual as mulheres moem os inhames e o Harnee até se transformarem 
em farinha, mencionado anteriormente nesta obra, exige uma atenção semelhante, 
por ser muito  interessante. Um número de homens adentroa a  floresta e seleciona 
uma árvore muito grande de uma espécie específica que é usada para este propósito, 
derruba­a, e corta uma tora com cerca de um metro e vinte; ela é, então, perfurada e 
polida delicadamente e, quando tudo está pronto, o rei convida um grande número 
de  homens,  que  o  rolam  à mão  até  à  sua  casa  e  o  põe  onde  se  deseja  que  ele 
permaneça. Este pilão é, geralmente, tão grande em circunferência que dez ou quinze 
pessoas podem ficar de pé para trabalhar ao seu redor de uma só vez. 
 
Massa­sa­ba  era  um  homem  generoso  e  dado  à  hospitalidade  — 
consequentemente,  [ele]  tinha muita companhia. Eles amam as  festas na Áfria, bem 
como em qualquer outra parte do mundo, e quando os reis fazem banquetes, tudo o 
que o país pode proporcionar é servido. Isto os torna muito populares com as pessoas. 
 
Mahommah não consegue afirmar distintamente quanto tempo ele viveu com o 
rei, mas  foi  um  período  considerável  de  tempo;  enquanto  ali  esteve  ele  se  tornou 
muito  ímpio.  Porém —  afirma  ele —  naquela  época,  eu  pouco  sabia  o  que  era  a 
impiedade;  as  práticas  dos  soldados  e  guardas,  hoje  estou  convencido,  eram, 
verdadeiramente, muito más, pois tinham plenos poderes e autoridade da parte do rei 
para cometer toda sorte de depredação que desejassem sobre o povo sem temer a sua 
desaprovação, ou punição. Todas as vezes, quando eles estavam curvados à maldade, 
ou  imaginavam  que  precisavam  de  alguma  coisa,  eles  se  lançavam  sobre  o povo  e 
tomavam deles tudo o que escolhiam, já que a resistência estava totalmente foram de 
questão e era  inútil, sendo conhecido o decreto do rei ao  longo de todo o país. Estes 
privilégios eram concedidos às tropas militares em lugar de pagamento, de modo que 
saqueávamos para fins de sobrevivência. 
 
Se o rei necessitava de vinho de palmeira para um banquete, ou para qualquer 
outra ocasião eleme enviada; e eu levava alguns dos seus escravos comigo, e sabendo 
por qual  rota do país as pessoas carregadas com vinho chegavam até a cidade, eu, 
junto com os escravos, escondia­me no capim alto, enquanto um do nosso grupo subia 
em uma árvore alta, e ficava de vigia, esperando qualquer um que passasse. Tão logo 
ele espiasse uma mulher  com uma  cabaça  sobre a  cabeça — as mulheres  somente 
carregam o vinho para o mercado — ele nos  informava, e nós,  instantaneamente a 
 
cercávamos e tomávamos o vinho. Se o vinho fosse bom, ela o perdia; se fosse ruim, 
nós o devolvíamos a ela, já que o rei jamais bebia vinho ruim, mas com a advertência 
de que ela não deveria contar a ninguém que os guardas estavam em emboscada, do 
contrário não poderíamos mais atacar outras pessoas, e o rei ficaria sem o seu vinho. 
Dessa  forma,  um  pedágio  é  cobrado  de  todos  que  carregam  vinho  para  dentro  da 
cidade, toda vez que o rei necessita dele. Se uma mulher não carrega vinho suficiente 
para o uso do rei, outras são abordadas da mesma maneira até que [vinho] suficiente 
seja  obtido;  outros  artigos  também  são  apreendidos  toda  vez  que  o  rei  deles 
necessita. 
 
Na  frente  da  casa,  ou  do  palácio,  do  rei  havia  um  pátio  muito  amplo, 
formosamente sombreado por árvores majestosas; em um lado deste pátio havia três 
ou quatro árvores, debaixo das quais um trono rústico foi construído de terra lançada 
em um monturo e coberto com argamassa, sendo unido de árvore a árvore, que tinha 
vários palmos de altura, e ascendia por degraus do mesmo material. No trono havia 
um assento, almofadado, e coberto com couro vermelho, feito com pele de Bah­seh, a 
qual não era usada para outro propósito. Em cada um dos lados, havia assentos para 
as suas duas jovens esposas, que eram ocupados por duas das suas favoritas na sua 
ausência. O meu assento era aos pés do trono, em um dos lados dos degraus, e o de 
Wa­roo no outro; mais além ficava o assento ocupado por Ma­ga­zee. 
 
O  rei  bebia  na  presença  das  suas  esposas, mas não  comia.  Toda  vez  que  ele 
bebia, uma das suas esposas ou favoritas se ajoelhava diante dele e colocava as suas 
mãos  debaixo  do  seu  queixo,  de modo  a  impedir  que  qualquer  sobra  de  bebida 
pudesse pingar sobre a sua pessoa. Na ausência delas, essa obrigação recaía sobre 
mim. Toda vez que o rei precisava de mim para alguma coisa, ele dizia: "Gar­do­wa". 
Eu  respondia:  "Sa­bee"  (um  termo  usado  somente  diante  do  rei)  e  imediatamente 
corria em direção a ele, caindo com o rosto em terra diante dele, em uma atitude que 
demonstrava  o  máximo  da  atenção  respeitosa.  Ele,  então,  declarava  o  que  ele 
precisava, e eu saía a toda velocidade para obedecer as suas ordens, o caminhar não 
era permitido quando se tratava dos negócios do rei. ­­ Quando ele desejava alguma 
coisa de Ma­ga­zee, ele me chamava, para comunicar a ele a sua vontade. Assim, eu 
era mantido correndo da manhã até a noite, enquanto os seus banquetes seguiam. 
Era  um  trabalho muito  árduo  atender  aquele  rei,  posso  assegurar  a  vocês,  caros 
leitores. 
 
Nos banquetes do rei, todas as principais figuras se reuniam e jantavam com 
ele,  os mais  importantes  se  entretiam  na  casa  de Ma­ga­zee,  e  os  demais  nas 
outras casas, de modo que os convidados ficavam espalhados em todo o redor. É a 
obrigação das mulheres preparar a comida, etc. 
 
 
Sem  dúvida,  seria  altamente  interessante  para  a maioria  dos  nossos  leitores 
apresentar uma descrição mais  completa das maneiras e  costumes do povo, e  nos 
daria grande prazer fazê­lo, caso os limites da presente obra nos permitissem; só que 
de momento, esperamos que eles se contentem e se agradem com o que já foi visto e 
escrito  para  eles,  espera­se  que  eles  se  beneficiem  com  a  leitura  minuciosa.  Em 
alguma  outra  ocasião,  caso  o  público  considere  adequado  prestigiar  estas  poucas 
folhas avulsas, pode ser que um volume maior e mais extenso possa ser editado pelo 
autor  da  presente  obra,  no  qual  será  passado  com  mais  detalhes  todo  o  seu 
conhecimento da África e dos africanos.  
 
Agora,  finalmente,  passaremos  à  parte  mais  interessante  da  história  de 
Mahommah,  que  trata  da  sua  captura  na  África  e  subsequente  escravidão. 
Apresentaremos a questão, praticamente, nas suas próprias palavras. 
 
Como já foi dito, quando qualquer pessoa apresenta evidência de ter conquistado 
uma  posição  de  eminência  no  país,  ela  é  imediatamente  invejada,  e  são  tomadas 
medidas para  removê­la do caminho; assim, quando  foi visto que a minha  situação 
era de  lealdade e confiança diante do  rei, eu  fui, obviamente,  logo,  separado como 
objeto adequado de vingança por uma classe invejosa dos meus compatriotas, atraído 
para uma  cilada e vendido para a escravidão. Eu  fui à  cidade um dia  para visitar a 
minha mãe, quando  fui  seguido por um músico  (tocador de atabaques) e  chamado 
pelo meu nome. O atabaque batia ao ritmo de uma música que havia sido composta, 
aparentemente, em honra a mim, supunha eu, por causa da minha posição elevada 
diante  do  rei.  Isto muito me  agradou,  e  eu me  senti  altamente  lisonjeado,  ficando 
muito  generoso,  dei  ao  povo  dinheiro  e  vinho,  [enquanto]  eles  cantavam  e 
gesticulavam o tempo todo. A cerca de um quilômetro e meio da casa da minha mãe, 
onde uma bebida  forte  chamada Bah­gee, era  feita de um grão  chamado Har­nee; 
para  lá  fomos,  e  quando  eu  havia  bebido  quantidade  excessiva  de  Bah­gee,  fiquei 
muito  intoxicado,  e  me  persuadiram  a  ir  com  eles  até  Zar­ach­o,  a  cerca  de  um 
quilômetro  e meio  de  Zugu,  para  visitar  um  rei  estranho,  o  qual  eu  jamais  havia 
encontrado anteriormente. Quando nós chegamos lá, o rei nos exaltou a todos, e um 
grande  banquete  foi  preparadoo,  e muito  bebida me  foi  dada,  na  verdade  todos 
pareciam beber muito livremente. 
 
Na manhã  quando  eu  acordei,  descobri  que  era  prisioneiro,  e  todos  os meus 
companheiros  haviam  partido. Ó  horror!  Descobri,  então,  que  havia  sido  traído  [e 
lançado] nas mãos dos meus inimigos, e vendido como escravo. Eu jamais esquecerei 
os  meus  sentimentos  naquela  ocasião:  as  lembranças  da  minha  pobre  mãe  me 
perturbavam  sobremaneira,  e  a  perda  da  minha  liberdade  e  da  minha  posição 
honorável diante do rei me angustiava muito severamente. Lamentei amargamente a 
minha insensatez ao ser tão facilmente enganado, sido levado a afogar toda a cautela 
 
numa taça. Não tivessem os meus sentidos sido tirados de mim, havia chance de eu 
ter escapado das suas ciladas, pelo menos daquela vez. 
 
O homem, em cuja companhia eu me vi largado pelos meus cruéis companheiros 
era uma pessoa cuja tarefa era livrar o país de todas as pessoas semelhantes a mim. 
A  forma como ele me prendeu,  foi a seguinte:  ­ Ele  tomou um galho de árvore que 
tinha dois dentes, e cortou de forma que ele se atravessasse na minha nuca, ele foi, 
então preso pela parte frontal com um ferrolho; a estaca tinha cerca de 1,80 metros
de comprimento. 
 
Confinado, assim, fui levado em marcha até o litoral, a um lugar chamado Ar­u­
zo, que era uma grande aldeia; ali encontrei alguns amigos, que muito lamentaram a 
minha  situação, mas  não  tinham meios  para me  ajudar. Nós  somente  ficamos  ali 
somente por uma noite,  já que o meu senhor queria apressar as coisas, pois eu  lhe 
havia dito que fugiria e  iria para casa. Ele, então,  levou­me para um  lugar chamado 
Chir­a­chur­i,  ali  eu  também  tinha  amigos,  mas  não  pude  encontrá­los,  pois  ele 
mantinha vigilância muito atenta sobre mim, e sempre em lugares preparados para o 
propósito de manter os escravos em segurança; havia  furos nos muros nos quais os 
meus  pés  foram  colocados  (uma  espécie  de  armazém  [de  escravos]).  Ele,então, 
levou­me para um lugar chamado Cham­mah — depois de passar por muitos lugares 
estranhos  (cujos  nomes  não  consigo me  lembrar)  onde me  vendeu. Nós  havíamos 
estado, então, cerca de quatro dias  longe de casa e viajado muito  rapidamente. Eu 
permaneci somente um dia, quando fui, novamente, vendido para uma mulher, que 
me  levou para E­fau; ela  tinha  junto com ela alguns moços, em cujo encargo eu  fui 
entregue, mas  ela  viajou  conosco;  estivemos  vários  dias  a  caminho  de  lá;  eu  sofri 
muito caminhando no meio da mata, e não vi um ser humano a viagem toda. Não 
havia um caminho pronto, mas precisávamos abrir passagem da melhor  forma que 
podíamos. 
 
Os  habitantes  do  entorno  de  Cham­mah  vivem  principalmente  da  caça  de 
animais selvagens, que são muito numerosos por  lá; eu vi vários naqueles dois dias, 
mas  não  sei  os  seus  nomes  em  inglês;  o  povo  anda  quase  nu  e  são  da mais  rude 
descrição.  A  região  pela  qual  passamos  depois  de  deixar  Chir­a­chir­i  era  bem 
montanhosa, com muita água de boa qualidade, as árvores eram muito grandes; não 
sofremos nada com o calor na região,  já que o clima era bem fresco e agradável; ali 
seria  uma  terra  saudável  e  aprazível,  caso  fosse  cultivada  e  habitada  por  pessoas 
civilizadas;  as  flores  são  várias  e  belas,  as  árvores,  cheias  de  pássaros,  grandes  e 
pequenos, alguns cantam de forma muito agradável. Nós atravessamos vários cursos 
d'água, os quais, caso não fosse a estação seca, teriam sido muto profundos, pois tal 
como  estavam  foram  facilmente  transpostos,  não  havendo  mais  do  que  noventa 
centímetros de água em alguns lugares. Havia grandes quantidades de aves aquáticas 
 
brincando por lá; vimos cisnes em abundância, tentamos matar alguns, mas achamos 
muito difícil, já que os seus movimentos são muito rápidos sobre a água; eles têm uma 
aparência exuberante quando estão em voo, com o pescoço e asas estendidos no ar, 
eles  são perfeitamente brancos,  jamais  voam muito alto e nem muito  longe; a  sua 
carne  é adocicada e  boa,  e  é  considerada um grande prato. Depois de passar pela 
mata, chegamos a um pequeno  lugar, onde a mulher que havia me comprado tinha 
alguns amigos; aqui fui muito bem tratado, na verdade, durante o dia, porém, à noite 
foi duramente  confinado, pois  temiam que eu  fugisse: não  consegui dormir a noite 
toda, pois mantido a duras amarras. 
 
Depois  de  permanecer  ali  pelo  período  de  dois  dias,  nós  começamos  a  nossa 
viagem  de  volta,  viajando  dia  após  dia;  a  região  pela  qual  passamos  continuava 
bastante acidentada e montanhosa; passamos por algumas montanhas muito altas, 
as quais creio serem chamadas de montanhas de Kong. O clima continuou ameno e 
agradável o tempo todo, a água era encontrada em grande abundância, de qualidade 
muito  excelente,  as  estradas,  em  alguns  lugares,  onde  a  terra  era  plana,  eram 
bastante arenosas, mas  somente por  curtas distâncias.  ­­ A  região era pouquíssimo 
povoada ao longo de todo o caminho desde Cham­mah, a mata ao longo da rota não 
era muito vasta, mas grandes extensões de terra, cobertas com um mato muito alto. 
Nós  passamos  por  alguns  lugares  onde  o  fogo  havia  consumido  o  mato,  algo 
semelhante às pradarias do sul e sudoeste da América do Norte.  
 
Descreverei aqui a maneira de incinerar o mato na África. O mato, ao ficar muito 
alto,  é  um  refúgio  ou  esconderijo  para  animais  selvagens,  que  são  abundantes 
naquela  região,  e  quando  se  decide  colocar  fogo  no mato,  todas  as  pessoas  são 
avisadas a quilômetros em redor, e os caçadores vêm preparados com arcos e flechas 
e  se  posicionam  ao  redor  ao  longo  de  quilômetros  e  formam  um  grande  círculo; 
quando o  fogo é  feito em um ponto, a parte oposta  logo percebe e  imediatamente 
ateia  fogo na sua porção, e assim por diante, em redor de tudo até que tudo esteja 
ardendo; o fogo pega por dentro, em direção ao centro, jamais se espalhando fora do 
círculo; os caçadores seguem as chamas e, estando preparados com ramos de árvores, 
com  folhas grandes,  lançam­nos ao  chão diante deles, para que  sobre eles possam 
ficar  de  pé,  para  poder  lançar  as  suas  flechas  sobre  os  animais  aterrorizados,  que 
fogem  diante  do  elemento  devorador  para  o  centro  do  fogo;  os  caçadores, 
obviamente, seguindo a sua caça em derredor por  fora da massa ardente, matando 
tudo  diante  deles  enquanto  avançam;  pois  são  excelentes  atiradores,  e  as  pobres 
criaturas apavoradas  têm pouquíssima  chance de  sobreviver nestas horas; números 
imensos são mortos, assim como serpentes em grandes quantidades. 
Porém, retornando [à nossa viagem]: ­­ Enquanto passávamos por estes lugares 
que haviam sido recentemene  incendiados, a nossa viagem era muito mais rápida, 
sem muito para  impedir o nosso avanço, mas onde o mato se punha como parede 
 
nos dois lados, tínhamos que seguir de modo muito cauteloso, temendo que animais 
selvagens pudessem dar o bote e cair  sobre nós. O povo da América não conhece 
nada  sobre  mato  alto,  tal  como  existe  na  África;  o  mato  alto  das  pradarias 
americanas  é  como  uma  criança  do  lado  de  um  gigante,  em  comparação  com  o 
mato da zona tórrida. Ele cresce, geralmente, a pouco mais de 3,5 metros de altura, 
mas, às vezes, muito mais alto e nada que esteja muito próximo de você pode  ser 
visto de tão grosso e fechado que ele é; ainda mais fechado que os bosques baixos 
de madeira deste país. Finalmente chegamos a Efau, onde fui novamente vendido; a 
mulher parecia triste em ter que se despedir de mim e me deu um pequeno presente 
quando me  separei  do  grupo.  Efau  é  um  lugar muito  grande,  as  casas  eram  de 
construção diferente daquelas de Zugu, e não tinham uma aparência tão boa. 
 
O homem para quem  fui novamente vendido era muito  rico e  tinha um grande 
número  de  esposas  e  escravos.  Eu  fui  colocado  no  comando  de  um  velho escravo;  
enquanto uma grande dança  foi  feita e  fiquei  com medo de que  fossem me matar, 
pois havia ouvido falar que assim faziam em alguns  lugares, e  imaginei que a dança 
fosse  somente  uma  parte  preliminar  da  cerimônia;  de  qualquer  forma,  eu  não me 
senti  nem  um  pouco  confortável  com  aquela  questão.  Estive  em  Efau  por  várias 
semanas  e  fui muito  bem  tratado  durante  aquele  tempo; mas  como  não  gostei do 
trabalho  que  me  atribuíram,  eles  perceberam  que  eu  estava  insatisfeito,  e  como 
ficaram temerosos em me perder, trancafiavam­me todas as noites. 
 
A região ao redor de Efau era muito montanhosa, e da cidade as montanhas, 
ao longe, tinha uma aparência nobre. 
 
Depois  de  sair  de  Efau,  não  fizemos  parada  até  que  chegamos  a  Dohama; 
permanecemos  na  mata  à  noite  e  viajamos  durante  o  dia,  pois  havia  bestas 
selvagens em  grande  abundância,  e éramos  forçados  a  fazer  grandes  fogueiras à 
noite  para  manter  afastados  os  animais  ferozes  que,  de  outra  sorte,  teriam  se 
lançado sobre nós e nos feito em pedaços, podíamos ouvi­los uivando em derredor 
durante a noite; havia um  [animal] específico ali ao  redor que as pessoas  temiam 
sobremaneira; ele tinha a forma de um gato com um corpo comprido, alguns eram 
todos de uma cor só, outros com pintas muito bonitas; os seus olhos brilhavam como 
orbes de chamas brilhosas à noite, ele é ali  chamado de Gu­nu. Eu presumo, pela 
descrição,  que  deva  ser  o  que  aqui  se  conheça  como  o  leopardo,  pois  pelo  que 
entendo, a descrição é aproximadamente a mesma. 
 
Dohama fica a cerca de três dias de viagem de Efau, e é uma cidade bem grande; 
as casas eram construídas de modo diferente do que eu havia visto anteriormente. A 
região ao redor é plana e as estradas são boas; ela é mais densamente povoada do 
que qualquer outra partepela qual eu havia passado, embora não tanto quanto Zugu, 
 
os costumes do povo também, eram, no geral, diferentes de tudo que eu já tinha visto 
anteriormente. 
 
Eu  estava  sendo  conduzido  pela  cidade,  e  à medida  que passávamos  ao  largo 
dela,  fomos  encontrados  por  uma mulher  e  o meu  guardador,  que  estava  comigo, 
imediatamente pôs­se de pé e voltou correndo o mais depressa que pôde. Fiquei de pé 
paralisado, sem saber o significado daquilo; ele viu que não tentei segui­lo, nem me 
mover  para  ou  lado  nem  para  outro,  e  me  chamou  na  língua  de  Efau  para 
acompanhá­lo,  o  que  fiz,  ele,  então,  contou­me,  depois  de  descansarmos,  que  a 
mulher que havíamos encontrado era a mulher do rei, e que é sinal de respeito correr 
toda  vez  que  ela  é  vista  por  qualquer  um  dos  seus  súditos.  Havia  portões  na  sua 
cidade, e um pedágio era exigido para que eles fossem atravessados. Eu permaneci ali 
somente por um curto período, mas aprendi que aquele era um grande lugar para um 
uísque e que as pessoas eram muito afeitas às danças. Neste lugar eu vi  laranjas pela 
primeira vez na minha vida. Fui informado, enquanto ali estive, que a casa do rei era 
ornamentada pelo  lado de  fora  com crânios humanos, mas não vi  isto. Quando nós 
chegamos aqui eu comecei a perder  todas as esperanças de um dia retornar para o 
meu lar, mas havia alimentado esperanças, até este momento, de poder implementar 
a minha fuga e, de uma forma ou de outra, rever o meu lugar nativo, mas, finalmente, 
a esperança caía por terra; o [seu] último raio parecia desaparecer, e o meu coração 
se sentia triste e exausto dentro de mim, quando pensava na minha casa, na minha 
mãe, a quem eu amava com ternura suprema, e a  ideia de  jamais fitá­la com o meu 
olhar  acrescentava  muito  mais  às  minhas  perplexidades.  Eu  me  sentia  triste  e 
solitário,  toda  vez  que andava errante, com o  coração apertado dentro de mim ao 
pensar nos "velhos amigos de casa".  
 
Algumas  pessoas  supõem  que  o  africano  não  possui  nenhum  dos  sentimentos 
mais sublimes da humanidade dentro do seu peito, e que o leite da bondade humana 
não  corre  através  da  sua  constituição;  isto  é  um  erro,  um  erro  da  pior  espécie:  os 
sentimentos que animaram toda a raça humana, vivem dentro das criaturas negras da 
zona  tórrida,  tanto  quanto  nos  habitantes  das  zonas  temperada  e  fria;  os mesmos 
impulsos levam­nos à ação, o mesmo sentimento de amor se movimento no seu seio, 
as mesmas afeições maternais e paternais estão lá, as mesmas esperanças e temores, 
aflições e alegrias, na verdade  tudo está ali como no  resto da humanidade; a única 
diferença está na sua cor, e isto foi preparado por aquele que criou o mundo e tudo o 
que  nele  há, os  céus,  e as águas  do  poderoso  abismo,  a  lua,  o  sol  e as  estrelas,  o 
firmamento e  tudo o que  foi  criado desde o princípio até agora, portanto, por que 
alguém deveria desprezar as obras das suas mãos, as quais foram criadas e formadas 
segundo  a  força  do  Todo­poderoso,  na  plenitude  da  sua  bondade  e  da  sua 
misericórdia.  
 
 
Ó  vos  desprezadores  das  suas  obras,  olhai  para  vós mesmos,  e  atentai;  que 
aquele que pensa se por de pé, atentai para que não caiais. Nós, então seguimos para 
Gra­fe, uma viagem que durava cerca de um dia e meio; a terra pela qual passamos 
era muito densamente povoada e, no geral, bem cultivada; mas não me  lembro de 
termos passado por nenhum curso d'água depois de entrarmos nesta região de terra 
plana.  Em  Gra­fe,  eu  vi  o  primeiro  homem  branco,  o  qual,  você  pode  ter  certeza, 
chamou muito a minha atenção; as janelas das casas também pareciam estranhas, já 
que esta era a primeira vez na minha vida que via casas com janelas. Eles me levaram 
para a casa de um homem branco, onde permanecemos até a manhã, quando o meu 
café da manhã me foi trazido, e imagine a minha surpresa ao descobrir que a pessoa 
que serviu o café­da­manhã era um velho conhecido, que também vinha do meu lugar. 
Ele não me reconheceu  logo de cara, mas quando ele me perguntou se o meu nome 
era Gardo, e eu confirme que era, o pobre companheiro ficou maravilhado e tomou­
me pelas mãos e me sacudiu violentamente de tão feliz que ficou em me encontrar: o 
seu nome era Wu­ru, e ele era de Zugu, tendo sido feito escravo há cerca de dois anos; 
os seus amigos não sabiam o que havia acontecido com ele. Ele me perguntou sobre 
os seus amigos de Zugu, perguntou­me se eu havia vindo recentemente de lá, olhou na 
minha  cabeça e observou que eu  tinha o mesmo  tipo de  raspagem de pelos que eu 
tinha quando andávamos juntos em Zugu; eu lhe disse que tinha. Pode ser importante 
observar aqui que na África, as nações das diferentes partes da  região  têm difentes 
modos de cortar os pelos da cabeça e, a partir destas marcas se sabe de que parte da 
região a pessoa vem. Em Zugu, os cabelos são raspados nos dois lados da cabeça, e no 
alto da cabeça, da  testa até a nuca, o cabelo é deixado crescer em  três  lugares, em 
formato  redondo,  os  quais  se  deixa  crescer  até  o  cabelo  ficar muito  comprido;  os 
espaços  intermediários  são  raspados  bem  próximos;  não  há  dificuldade  para  uma 
pessoa familiarizada com os diferentes tipos de raspagem conhecer de que parte [da 
África] vem um homem. 
 
Wu­ru  parecia muito  ansioso  para  que  eu  permanecesse  em  Gra­fe, mas  eu 
estava  destinado  a  outras  partes;  esta  aldeia  fica  situada  junto  a  um  grande  rio. 
Depois  do  café­da­manhã,  desceram­me  até  o  rio  e me  colocaram  a  bordo  de  um 
barco;  o  rio  era muito  grande  e  se  repartia  em  duas direções  diferentes,  antes  de 
desaguar  no  mar.  O  barco  no  qual  os  escravos  eram  colocados  era  grande  e 
impulsionado  por  remos,  embora  ele  tivesse  também  velas,  porém  não  sendo  os 
ventos  suficientemente  fortes,  remos  eram  também  usados.  Nós  estivemos  duas 
noites e um dia neste rio, quando chegamos a um  local muito bonito cujo nome não 
me  lembro; não ficamos ali por muito tempo, mas tão  logo os escravos foram todos 
reunidos e o navio preparado para velejar, não perdemos tempo em nos lançarmos ao 
mar.  Enquanto  estivemos  neste  local,  todos  os  escravos  foram  colocados  em  um 
curral, de costas para uma fogueira, e receberam ordens para não olhar ao redor para 
nós e, para assegurar­se da obediência, um homem  foi  colocado na  frente com um 
 
chicote  na  sua mão  pronto  para  golpear  o  primeiro  que  ousasse  desobedecer  às 
ordens; outro homem, então, andava em redor com um ferro quente e nos marcava 
com o ferro quente (estigma) da mesma  forma que faziam com a tampa dos barris, 
ou outros objetos ou mercadorias inanimadas. 
 
Quando todos estavam prontos para subir a bordo, fomos acorrentados juntos, e 
amarrados com cordas ao redor do pescoço e fomos, assim, puxados para baixo até a 
beira­mar. O navio estava fundeado a uma certa distância. Eu nunca tinha visto um 
navio  antes,  e  a  ideia  que  eu  fazia  dele  era  que  se  tratava  de  algum  objeto  de 
adoração  do  homem  branco.  Eu  imaginei  que  nós  seríamos  todos massacrados;  e 
estávamos sendo levados para lá para este propósito. Senti­me alarmado pela minha 
segurança, e o desânimo quase tomou posse de todo o meu ser.  
 
Uma espécie de festa foi feita em terra naquele dia, e aqueles que remaram os 
barcos  ficaram  fartamente  regalados  com  uísque,  e  os  escravos  receberam  arroz  e 
outras coisas em abundância. Eu não estava ciente de que aquela deveria ser a minha 
última festa na África. Eu não sabia do meu destino. Feliz de mim, que não sabia. Tudo 
o que eu  sabia era que eu era um escravo acorrentado pelo pescoço, e que deveria 
pronta e voluntariamente me submeter, viesse o que viesse, o que eu considerava ser 
o máximo que eu tinha o direito desaber. 
 
Por fim, quando chegamos à praia e nos pusemos de pé sobre a areia, ó como eu 
quis que aquela areia se abrisse e me engolisse ali mesmo. Não consigo descrever a 
minha miséria. Ela vai além do que se pode descrever. O  leitor pode  imaginar, mas 
qualquer coisa que se aproxime do esboço dos meus sentimentos ficaria ainda muito 
aquém da realidade, para ser honesto. Havia escravos trazidos para ali de todas as 
partes da região, e levados para bordo do navio. O primeiro barco havia chegado até 
o navio com segurança, apesar do vento forte e do mar bravio; porém o último barco 
que se aventurou acabou virando, e todos que estavam nele se afogaram, à exceção 
de  um  homem. O  número  dos  que  se  perderam  foi  de  cerca  de  trinta  pessoas. O 
homem  que  se  salvou  era  fisicamente  muito  robusto,  e  estava  na  proa  da 
embarcação com uma corrente na sua mão, a qual ele agarrou com muita força a fim 
de estabilizar a embarcação; e quando o barco virou de lado, ele foi lançado ao mar 
junto com o restante dos homens, mas ao subir [o barco], de algum modo, debaixo do 
barco, conseguiu fazê­lo girar novamente e, assim, salvou­se ao  lançar­se sobre ele, 
quando ele se retornou à posição correta. Isto exigiu grande força, e ser um homem 
forte lhe deu vantagem sobre os demais. O próximo barco que foi lançado ao mar, foi 
o barco no qual eu fui posto; mas Deus considerou apropriado me poupar, talvez por 
algum bom propósito. Eu fui, então, posto naquele que é o mais horrível de todos os 
lugares, 
 
 
 
O NAVIO NEGREIRO 
 
Os seus horrores, ah! Quem poderá descrever? Ninguém poderá representar tão 
verdadeiramente os seus horrores como o pobre infeliz, miserável desgraçado que foi 
confinado  dentro  dos  seus  portais. Ó  amigos  da  humanidade,  tenham  piedade  do 
pobre africano, que foi ludibriado e vendido do convívio dos seus amigos e do seu lar, 
e  enviado  para  o  porão  de  um  navio  negreiro,  para  esperar  por mais  horrores  e 
misérias  em  uma  terra  distante,  no  meio  dos  religiosos  e  benevolentes.  Sim, 
exatamente no meio deles; mas rumo ao navio! Fomos  lançados no porão do navio 
em estado de nudez, os homens espremidos de um  lado e as mulheres do outro; o 
porão era tão baixo que não conseguíamos ficar de pé, mas éramos obrigados a nos 
agachar sobre o piso ou a nos sentarmos; dia e noite eram a mesma coisa para nós, o 
sono  nos  era  negado  pela  posição  de  confinamento  dos  nossos  corpos,  ficamos 
desesperados com o sofrimento e fadiga. 
 
Ó! A asquerosidade e  imundície daquele lugar horrível  jamais desaparecerão da 
minha memória; não, enquanto a minha memória tomar lugar neste cérebro distraído 
me lembrarei daquilo. O meu coração ainda hoje adoece quando penso naquilo.  
 
Que os indivíduos humanos que são a favor da escravidão somente se permitam 
tomar o lugar do escravo no porão fétido de um navio negreiro, só por uma viagem da 
África para a América, e sem falarmos nos horrores da escravidão que vão além disso, 
se eles não saírem dali como abolicionistas, então, nada mais tenho a declarar a favor 
da abolição. Porém, considero que as suas visões e sentimentos acerca da escravidão 
serão modificados em certo grau; do contrário, que continuem no curso da escravidão, 
e que passem o seu tempo em um campo de algodão ou arroz, ou outra plantação e, 
então, se não disserem: "parem, basta!" Creio que eles devem ser feitos de ferro, não 
possuindo coração nem alma. Imagino que só possa existir um lugar mais horrível em 
toda a criação do que o porão de um navio negreiro, e este lugar é onde os senhores 
de escravos e os seus lacaios muito provavelmente se encontrarão algum dia, quando, 
ai deles, será tarde demais para se falar "ai deles"! 
 
A única comida que tínhamos durante a viagem era milho cozido mergulhado em 
água. Não  consigo  dizer  quanto  tempo  ficamos  confinados  daquela maneira, mas 
pareceu um período muito  longo. Nós sofremos muitíssimo com a  falta d'água, mas 
nos  era  negado  tudo  o  que  precisávamos. Meio  litro  por  dia  era  tudo  o  que  era 
permitido, e nada mais; e um grande número de escravos morreu na travessia. Houve 
um  pobre  companheiro  que  ficou  tão  desesperado  pela  falta  d'água,  que  tentou 
retirar de supetão a faca do homem branco que trazia a água, quando foi levado para 
o convés, no alto, e eu jamais soube o que sucedeu a ele. Suponho que ele tenha sido 
 
lançado ao mar. 
 
Quando qualquer um de nós se rebelava, a sua carne era cortada com uma faca, 
e pimenta e vinagre eram esfregados a  fim de nos  tornar dóceis  (!)  Inicialmente eu 
sofri,  junto  com o  restante de nós, muito de enjoo do mar, mas  isso não provocava 
nenhuma preocupação nos nossos brutais proprietários. Os nossos sofrimentos eram 
só nossos, não tínhamos ninguém com quem compartilhar as nossas aflições, ninguém 
para cuidar de nós, nem para nos falar uma palavra de consolo. Alguns eram lançados 
ao mar enquanto ainda tinham fôlego nos seus corpos; quando se pensava que uma 
pessoa  não  conseguiria  viver,  eles  se  livravam  dela  dessa  forma.  Só  duas  vezes 
durante a viagem tivemos permissão para subir ao convés para nos  lavarmos  ­ uma 
vez em alto mar e outra vez um pouco antes de entrarmos no porto. 
 
Chegamos  em  Pernambuco,  na  América  do  Sul,  de  manhã  cedo,  e  o  navio 
passeou pela região durante o dia, sem chegar a lançar âncora. Durante todo aquele 
dia nós não comemos nem bebemos nada, e  fizeram­nos entender que deveríamos 
permanecer em perfeito silêncio, sem  fazer nenhum  tipo de alarde, do contrário as 
nossas vidas estariam em perigo. Porém, quando "a noite lançou o seu manto negro 
sobre  terra e mar" a âncora  foi  lançada e  tivemos permissão para  subir ao convés 
para  sermos vistos e apalpados pelos nossos  futuros  senhores, que  tinham vindo a 
bordo  da  cidade.  Nós  atracamos  a  algumas  milhas  da  cidade,  na  casa  de  um 
fazendeiro, que era usada como uma espécie de mercado de escravos. O fazendeiro 
tinha  grande  quantidade  de  escravos,  e  não  demorou muito  para  eu  vê­lo  usar  o 
chicote tranquilamente sobre um menino, o que causou uma profunda impressão na 
minha mente, já que, obviamente, eu imaginava que aquele seria o meu destino em 
breve e, ó, muito em breve. Ai de mim! Caso os meus temores viessem a se realizar! 
 
Quando cheguei à praia, senti­me grato à Providência por ter, uma vez mais, tido 
a permissão de respirar o ar puro, desejo este que quase absorvia todos os outros. Eu 
pouco me importava de ser um escravo: a minha mente só pensava em ter escapado 
do navio. Alguns dos escravos a bordo conseguiam falar o português. Eles já moravam 
no  litoral  com  famílias  portuguesas,  e  costumavam  servir  de  intérpretes  para  nós. 
Estes não  foram  colocados no porão  com o  restante de nós,  só desciam de vez em 
quando para nos dizer uma coisa ou outra. 
 
Estes escravos nunca souberam que seriam traficados, até que foram colocados a 
bordo do navio. Eu permaneci neste mercado de escravos cerca de um ou dois dias, 
antes de ser novamente vendido para um negociante de escravos na cidade, o qual, 
mais uma vez, vendeu­me para um homem no interior, que era padeiro, e residia não 
muito longe de Pernambuco. 
 
 
Quando um navio negreiro chega, a notícia se espalha como fogo incontrolável, 
e todos os interessados na chegada do navio com a sua carga de mercadorias vivas 
vêm e escolhem a partir da  variedade, aqueles que  são mais adequados aos  seus 
diferentes propósitos, e compram os escravos exatamente da mesma forma que bois 
e cavalos seriam comprados em um mercado; porém se não houver o tipo de escravo 
apropriado às necessidades e desejos dos compradores no presente carregamento, 
um  pedido  é  feito  ao  comandante  da  embarcação  com  [detalhes]  dos  tipos 
específicos  que  [o  comprador]  necessita,  os  quaissão  fornecidos  para  se  fazer  o 
próximo pedido na próxima vez que o navio chegar ao porto. Muita gente  faz um 
grande negócio desta compra e venda de carne humana, e não vivem de outra coisa, 
dependendo inteiramente deste tipo de tráfico. 
 
Eu havia planejado, enquanto atravessava no navio negreiro, reunir um pouco 
de  conhecimento  da  língua  portuguesa,  com  os  homens  que  anteriormente 
mencionei, e porque o meu senhor era um português e eu conseguia compreender 
muito  bem  o  que  ele  desejava,  e  fazia­lhe  entender  que  eu  faria  tudo  o  que  ele 
desejava da melhor  forma que eu  fosse capaz, diante do que ele parecia bastante 
satisfeito. 
 
A sua  família consistia dele mesmo, esposa, dois  filhos e uma mulher que  lhes 
era aparentada. Ele tinha quatro outros escravos além de mim. Ele era um católico 
romano,  e  fazia  adoração  familiar  regularmente  duas  vezes  por  dia,  que  era  algo 
conforme descreverei a seguir: Ele tinha um grande relógio de pé na entrada da casa 
no qual estavam algumas  imagens  feitas de barro, que eram usadas na adoração. 
Todos nós tínhamos que nos ajoelhar diante delas; a família na frente, e os escravos 
atrás. Fomos ensinados a cantar algumas palavras cujo significado não conhecíamos. 
Nós  também  tínhamos que  fazer o  sinal da cruz várias vezes. Enquanto adorava, o 
meu senhor tinha um chicote na mão, e aqueles que mostravam sinais de desatenção 
e sonolência, eram  imediatamente trazidos à consciência pela aplicação abrupta do 
chicote.  Isto  acontecia  principalmente  com  o  grupo  das  escravas  mulheres  que, 
normalmente  pegavam  no  sono,  apesar  das  imagens,  sinais  da  cruz  e  outras 
diversões semelhantes. 
 
Não  demorou  para  eu  ser  colocado  em  trabalho  árduo,  do  tipo  que  cabe  a 
ninguém mais  além  dos  escravos  e  cavalos. Na  época  em  que  aquele  homem me 
comprou, ele estava construindo uma casa, e precisava retirar pedras de construção 
do outro lado do rio, uma distância considerável, e eu era forçado a carregar pedras 
que  eram  tão  pesadas  que  eram  necessários  três  homens  para  erguê­las  sobre  a 
minha cabeça. Esta carga eu era obrigado a carregar por pelo menos 400 metros, até 
o  local onde o barco estava. Às vezes a pedra era tão pesada sobre a minha cabeça 
que eu era obrigado a lançá­la ao chão e, então, o meu senhor ficava muito irritado e, 
 
na verdade, dizia que o "cassuri" (cachorro) havia atirado a pedra no chão, quando eu 
pensava, no meu coração, que ele era o pior dos cachorros; só que  isso não passava 
de um pensamento, pois eu não ousava expressá­lo em palavras. 
 
Logo aprimorei o meu conhecimento da língua portuguesa enquanto ali estive e, 
em pouco  tempo,  já era  capaz de contar até cem. Fui, então, enviado para vender 
pães para o meu senhor, primeiramente indo em redor da aldeia, depois saindo para 
o interior, e à noite, depois de retornar para casa, vendia no mercado até às nove da 
noite.  Por  ser muito  honesto  e  perseverante,  eu  geralmente  vendia  tudo, mas,  às 
vezes, eu não era tão bem sucedido e, então, o chicote era a minha porção. 
 
Os meus companheiros de escravidão não eram  tão estáveis quanto eu, sendo 
muito mais dados à bebida, de modo que não eram tão lucrativos para o meu senhor. 
Eu  tirava  vantagem  disso,  para me  elevar  no  seu  conceito,  sendo muito  atento  e 
obediente; mas tudo era sempre a mesma coisa, fizesse o que eu fizesse, eu descobria 
que  tinha  um  tirano  para  servir,  nada  parecia  satisfazê­lo,  de  sorte  que  também 
comecei  a  beber  como  eles,  assim  todos  ficamos  parecidos:  senhor mau,  escravos 
maus. 
 
As coisas iam de mal a pior, e eu estava muito ansioso para trocar de senhor, por 
isso tentei fugir, mas logo fui apanhado, amarrado e levado de volta. A seguir, tentei 
ver de que me serviria ser infiel e indolente; assim, um dia quando fui mandado para 
vender pão como de costume, eu só vendi uma pequena quantidade, tomei o dinheiro 
e gastei com whisky, que bebi desmedidamente, e fui para casa bem bêbado, quando 
o meu senhor  foi contabilizar o dia,  tomando a minha cesta e descobrindo o estado 
das coisas,  fui  severamente espancado. Eu disse a ele que ele não deveria mais me 
chicotear, e  fiquei muito  irritado, pois veio à minha mente a vontade de matá­lo e, 
depois, destruir a mim mesmo. Por fim, resolvi me afogar pois preferia morrer a viver 
como  escravo.  Corri,  então,  para  o  rio  e  atirei­me  dentro  dele, mas  fui  visto  por 
algumas pessoas que estavam em um barco, e fui resgatado do afogamento. A maré 
estava baixa naquele momento, do contrário os seus esforços, provavelmente, teriam 
sido inúteis, e apesar da minha determinação, eu agradeci a Deus por minha vida ter 
sido preservada, e por uma obra tão maligna não ter sido consumada. Ela me levou a 
refletir seriamente que "Deus se move de um modo misterioso," e que todos os seus 
atos são atos de bondade e misericórdia. 
 
Na época, eu não passava de um pobre pagão, quase  tão  ignorante quanto um 
hotentote, e não havia conhecido e Deus verdadeiro, tampouco qualquer um dos seus 
divinos mandamentos. Embora fosse ignorante e escravo, a escravidão eu abominava, 
principalmente,  suponho  eu,  por  ser  eu mesmo  sua  vítima.  Depois  dessa  tentativa 
contra a minha vida,  fui  levado para a casa do meu senhor, que amarrou as minhas 
 
mãos atrás do meu  corpo, e pôs os meus pés  juntos e me  chicoteou da  forma mais 
impiedosa, e me surrou na região da cabeça e do rosto com um pesado porrete, depois 
me sacudiu pelo pescoço e bateu a minha cabeça contra as vigas da porta, o que me 
cortou e me feriu na região das têmporas, cujas marcas de tão selvagem tratamento 
são visíveis ainda hoje, e seguirão comigo enquanto eu viver. 
 
Depois  de  toda  esta  crueldade,  ele  me  levou  à  cidade,  e  me  vendeu  a  um 
negociante,  onde  ele  me  havia  tomado  anteriormente,  mas  os  seus  amigos  o 
alertaram, então, para não se  livrar de mim, pois consideravam mais vantajoso para 
ele me manter consigo por seu eu um escravo lucrativo. Eu não relatei nem um décimo 
do  sofrimento  cruel  que  enfrentei  enquanto  estive  a  serviço  deste  desgraçado  em 
forma humana. Os  limites da presente obra não me permitirão apresentar mais do 
que  um  rápido  vislumbre  às  diferentes  cenas  que  se  sucederem  na  minha  breve 
carreira.  Eu  poderia  contar  mais  do  que  seria  aprazível  a  "ouvidos refinados,"  e 
poderia, talvez, não fazê­los bem. Eu poderia relatar ocorrências que "fariam gelar o 
teu sangue jovem, atormentariam a tua alma, e fariam com que cada um dos seus fios 
de  cabelo  ficassem  com os espinhos do  porco­espinho assustado;"  todavia  isso  não 
passaria da repetição dos mil e um relatos normalmente contados sobre os horrores 
do cruel sistema de escravidão.  
 
O homem a quem voltei a ser vendido era, na verdade, muito cruel. Ele comprou 
duas mulheres na época que me comprou; uma delas era uma moça muito bonita, e 
ele a tratava com barbaridade chocante. 
 
Depois de algumas semanas ele me despachou de navio para o Rio de  Janeiro, 
onde permaneci duas semanas, antes de ser novamente vendido. Havia ali um homem 
de cor que desejava me comprar, mas por uma ou outra razão ele não completou a 
compra.  Eu  somente menciono este  fato  para  ilustrar  que  a  posse  de  escravos  é 
gerada  no  poder,  e  qualquer  pessoa  que  tenha  os  meios  de  comprar  o  seu 
companheiro­criatura, com o "lixo desprezível" [ref. ao dinheiro?], pode se tornar um 
proprietário de escravos, não  importa a sua cor, o seu credo ou o seu país, e que o 
homem de cor iria também escravizar o seu companheiro homem tal como o homem 
branco, caso tivesse o poder. 
 
Eu fui, finalmente, vendido a um comandante de um navio que era o que pode ser 
chamado de um "caso complicado". Ele me convidou para  ir conhecera sua Senhora 
(esposa). Prestei a minha melhor reverência a ela, e  logo  foi  instalado no meu novo 
ofício,  o  de  esfregar  os  talheres  de  cobre  do  navio,  limpando  as  facas  e  garfos,  e 
fazendo  outras  pequenas  tarefas  necessárias  a  serem  desempenhadas  na  cabine. 
Inicialmente, eu não gostei da minha situação; mas à medida que fui me ambientando 
com a tripulação e com o restante dos escravos, fui me saindo muito bem. Em pouco 
 
tempo  fui  promovido  para  o  posto  de  sub­criado  de  bordo.  O  criado  de  bordo 
preparava a mesa, e carregava as provisões para o cozinheiro e servia às mesas; por 
ser muito  inteligente, eles me davam muita coisa para fazer. Pouco tempo depois, o 
comandante e o criado de bordo se desentenderam, e ele abandonou o seu posto na 
criadagem, foi quando as chaves do seu aposento me foram confiadas. Eu fazia tudo 
ao  meu  alcance  para  agradar  o  meu  senhor,  o  comandante,  e  ele,  em  troca, 
depositava a sua confiança em mim. A mulher do comandante era tudo, menos uma 
mulher  bondosa;  ela  tenha  um  temperamento  perverso.  O comandante  a  havia 
trazido de Santa Catarina, bem quando ela estava a ponto de se casar, e eu acredito 
que ele jamais se casou com ela. Ela frequentemente me levava à desgraça diante do 
meu senhor e, então, era certo que as chicotadas se sucederiam. Às vezes ela fazia de 
tudo para que eu  fosse açoitado, e, outras, ela  interferia e  impedia, dependendo de 
como  estava  o  seu  humor.  Ela  era  uma  estranha  mistura  de  humanidade  e 
brutalidade. Ela sempre ia ao mar com o comandante. 
 
A  nossa  primeira  viagem  foi  para  Rio  Grande;  a  viagem  em  si  fora 
suficientemente aprazível caso eu não  tivesse sofrido de enjoo do mar. O porto de 
Rio Grande  é  bastante  raso e,  ao  entrar,  nós  encalhamos,  pois era maré baixa, e 
tivemos grande dificuldade e fazer o navio flutuar novamente. Por fim, conseguimos, 
e trocamos a nossa carga por carne seca. Nós, então, fomos para o Rio de Janeiro e 
logo  conseguimos  nos  livrar  da  carga. Nós,  então,  rumamos  para  Santa  Catarina 
para obter farinha, uma espécie de componente do pão usado principalmente pelos 
escravos. De lá, retornamos novamente para o Rio Grande e trocamos a nossa carga 
por óleo de baleia e nos lançamos novamente ao mar, em direção ao Rio de Janeiro. 
Com o navio pesadamente carregado, passamos por momentos muito difíceis; todos 
esperávamos que nos perderíamos, mas ao aliviar o navio de parte da sua carga, o 
que  nós  fizemos  lançando  ao mar  uma  quantidade,  o  navio  e  todas  os marujos 
foram, mais uma vez,  salvos das mandíbulas devoradoras do elemento destrutivo. 
Ventos de proa foram predominantes e embora tivéssemos o porto à vista por vários 
dias, não conseguíamos chegar ao porto, com todos os nossos esforços.  
 
Enquanto  estive  na  posição  duvidosa  acerca  da  perda  ou  não  da  nossa  vida, 
ocorreu­me que a morte não seria mais do que uma libertação da minha escravidão e, 
neste  sentido, mais  bem­vinda  do  que  outra  coisa. Na  verdade,  eu  dificilmente me 
atrevia  a me  preocupar  de modo  algum.  Eu  não  passava  de  um  escravo,  e  eu me 
sentia  uma  pessoa  sem  esperança  ou  perspectiva  de  libertação,  sem  amigos  ou 
liberdade. Eu não tinha qualquer esperança neste mundo e não conhecia nada sobre o 
mundo por vir; tudo era trevas, tudo era temor. O presente e o futuro eram uma coisa 
só, sem marco divisório, uma labuta! Labuta! Crueldade! Crueldade! Não havia fim, só 
morte para  todas as minhas aflições. Eu não era  cristão até então; não  conhecia o 
amor de um Salvador, não conhecia nada da sua graça salvadora, do seu amor pelos 
 
pobres pecadores perdidos, da sua missão de paz e boa­vontade para com  todos os 
homens,  tampouco havia ouvido  sobre aquela boa  terra  tão  formosamente descrita 
pelo poeta: "uma terra de puro deleite onde habitam os santos imortais," e para cuja 
terra prometida o cristão está diariamente encurtando a viagem. Não! Estas "notícias 
de  grande  alegria"  não  haviam,  ainda,  sido  transmitidas  para  a  minha  mente 
obscurecida, e tudo era negro desespero. Porém, quando ouvi as palavras do Salvador: 
"vinde  a  mim  todos  vós  que  estais  cansados  e  sobrecarregados  e  eu  vos  darei 
descanso". Eu o busquei e o encontrei, o que  foi como um bálsamo para as minhas 
feridas,  como  um  consolo  para  a minha  alma  aflita. Quando  penso  em  tudo  isso  e 
considero  o  passado,  fico  contente  com  as  lutas  deste mundo  no  cumprimento  da 
minha  missão  aqui  e  na  execução  da  obra  que  me  foi  entregue  para  fazer.  Ó 
Cristianismo! Tu [és] o mitigador dos sofrimentos do homem, tu [és] o guia do cego, e 
a força do fraco, vai tu na tua missão, fala as notícias pacíficas da salvação por toda 
parte e alegra o coração do homem, "então o deserte se alegrará e florescerá como a 
rosa".  Então,  a  escravidão,  com  todos  os  seus  horrores,  finalmente,  terá  fim,  pois 
ninguém possuindo o teu poder e sob a tua influência poderá perpetuar um chamado 
em discrepância tão aberta, e tão repugnante, a todas as tuas doutrinas. 
 
Depois  de  grande  labor  e  sofrimento  desembarcamos  em  perfeita  segurança. 
Durante esta viagem eu enfrentei mais castigos corporais do que jamais enfrentei na 
minha vida. Um colega, um companheiro perfeitamente bruto, ordenou­me, um dia, 
que  lavasse todo o navio e, depois de eu terminar, ele apontou para um  local onde, 
segundo ele, havia uma mancha, e, rogando uma praga, ordenou­me a esfregar tudo 
de novo, o que fiz, mas como ele não estava no seu melhor humor, ele exigiu que eu o 
fizesse uma terceira vez, e assim por diante, mais uma vez. 
 
Quando descobri que tudo era somente por capricho seu que ali não havia mais 
mancha nenhuma a ser esfregada eu, acabei me recusando a continuar esfregando, 
quando  ele  levantou  um  cabo de  vassoura  para  mim,  e  eu,  tendo  em  mãos  um 
escovão, também levantei­o para ele. O senhor viu tudo o que estava acontecendo, e 
ficou muito irado comigo por eu tentar atingir um companheiro. ­ Ele ordenou que um 
dos marujos cortasse um pedaço de corda para ele; ele me disse que eu deveria ser 
açoitado, e eu respondi: "muito bem". Porém, continuei o meu trabalho com um olho 
continuamente fito em sua direção, acompanhando os seus movimentos. Quando eu 
havia preparado o café da manhã, ele veio por trás de mim antes que eu pudesse sair 
da  sua  frente  e me  atingiu  com  a  corda  acima  dos meus  ombros,  e  por  ser  ela 
comprida, sua ponta ricocheteou e atingiu o meu estômago de forma muito violenta, 
o que me provocou um pouco de dor e sofrimento; a força com que o golpe foi dado 
me derrubou por completo e, depois disso, ele me surrou enquanto estive no convés 
da forma mais brutal possível. ­ A minha senhora interferiu nessa ocasião e me salvou 
de mais violência. 
 
 
Nós ficamos no Rio de Janeiro quase um mês. Enquanto estivemos ali ocorreu 
um incidente, o qual relatarei como ilustração do sistema escravagista. 
 
Um dia  foi necessário que eu  fosse à  terra com o meu senhor como um dos 
seus  remadores, e enquanto  lá estive eu bebi vinho desmedidamente, e ao ver o 
meu senhor prestes a retornar para o barco fui até o  local onde ele estava, e por 
estar bastante confuso pela bebida, bem como agitado ao ver o meu senhor, eu caí 
na  água, mas  como  o  local  era  raso, eu  nada  sofri  além  de  um  bom  caldo pela 
minha embriaguez. Eu fui facilmente retirado dali. Enquanto remava [para] o meu 
senhor, a minha cabeça estava bastante alta com os efeitos do  licor que eu havia 
bebido e, consequentemente, eu não remava com muita regularidade, foi quando o 
meu senhor, ao ver o estado deplorável em que eu me encontrava, perguntou­me 
qual  era  o  problema  e  eu  lhe  disse:  "Nada,  senhor."  Ele  voltou  a  dizer:  "Você 
bebeu?" Eurespondi: "Não, senhor!" De modo que por ser maltratado eu aprendi a 
beber, e daí aprendi a mentir e, sem dúvida, devo ter ido, passo a passo, de mal a 
pior, até que nada mais me parecesse  suficientemente mal, e  tudo  isso no meio 
deste horrível sistema de escravidão. Porém, sou  feliz em dizer que pela graça de 
Deus fui levado a abandonar os meus caminhos maus. 
 
Quando  a  carga  foi  descarregada,  um  mercador  inglês,  que  tinha  uma 
quantidade de café para ser despachada para Nova York, e estando o meu senhor 
envolvido neste propósito, e conforme fora combinado, depois de algum tempo, eu 
deveria acompanhá­lo, junto com vários outros para servir a bordo do navio. 
 
Todos havíamos ouvido que em Nova York não havia escravidão; que lá era um 
país livre e que se conseguíssemos chegar lá nada mais teríamos a temer dos nossos 
cruéis senhores de escravos, e todos estávamos muitíssimo ansiosos para lá chegar. 
 
Antes  da  hora do  navio  levantar  velas,  fomos  informados  que  estávamos  indo 
para uma terra de  liberdade. Eu disse, então, que vocês  jamais me verão depois que 
eu chegar lá. Fiquei radiante de alegria com a ideia de ir para um país livre, e um raio 
de esperança brilhou sobre mim: de que não estava muito longe o dia em que eu seria 
um homem livre. Na verdade, eu já me sentia livre! Quão formosamente o sol brilhou 
naquela manhã tumultuada, a manhã da nossa partida para aquela terra de liberdade 
da qual tanto tínhamos ouvido falar. Os ventos também nos eram favoráveis, e logo a 
vela se armou diante da brisa estimulante, e o nosso navio partiu em direção àquela 
terra  feliz. As obrigações do ofício, naquela  viagem, pareceram  leves para mim, na 
verdade, pela expectativa de ver a terra bondosa, e absolutamente nada parecia me 
incomodar. Eu obedecia todas as ordens alegremente e com espontaneidade. 
 
 
Aquela foi a época mais feliz da minha vida, mesmo hoje o meu coração dispara 
com o alegre deleite que me sobrevêm ao pensar nesta viagem, e creio que o Deus 
de todas as misericórdias ordenou tudo para o meu bem; quão grato eu estava.  
 
Os  ventos  sopraram  favoravelmente  vários  dias  para  uma  travessia  rápida, 
depois do que experimentamos um clima muito agitado e tempestuoso que, de certa 
forma,  retardou  o  nosso  progresso,  e  nos  pôs  em  risco  de  sermos  enviados  "para 
aquela  fronteira  donde  nenhum  viajante  jamais  retorna" à medida  que  os  temores 
pela nossa segurança eram considerados. Certa noite, durante a viagem, soprou um
perfeito  furacão  a  noite  toda,  e  pouco  antes  do  romper  do  dia,  as  lamparinas  da 
bitácula se apagaram com o movimento  lateral brusco do navio. Recebi ordem para 
acendê­las, mas por causa do vento forte, depois de várias tentativas eu fracassei por 
completo. — A­ham, disse o comandante, meu  jovem, você não consegue acender o 
bináculo, não é mesmo? 
 
O  homem  no  timão  disse  que  havia  luz  suficiente,  que  ele  conseguia  [guiar  a 
embarcação], ele conseguia ver a bússola muito bem; porém as ordens foram dadas, 
fossem  as  luzes  desejadas  ou  não,  elas  precisavam ser  obedecidas;  portanto,  três 
outros marujos  foram chamados e um  lençol  foi colocado ao  redor do bitácula para 
protegê­la  do  vento,  quando  eles  conseguiram,  finalmente,  acendê­la, mas  eu  não 
entendi como fazer aquilo e não consegui acendê­la, mesmo tendo tentado repetidas 
vezes. Depois disso, o comandante  levantou do  seu  leito, vestiu­se e me deu ordens 
para acender a sua  lamparina; quando eu  fui até ele, ele  tomou um  pesado porrete 
para me bater, com objetivo de golpear a minha cabeça. Levantei o meu braço para 
impedir que a minha cabeça fosse atingida, ele disse para eu abaixar a minha mão. Eu 
fiz isso, mas quando o golpe foi novamente desferido, voltei a erguer a mão e consegui 
impedir que o meu crânio fosse rachado; ele não queria bater na minha mão,  já que 
isso me impediria de fazer o meu trabalho, mas se a minha cabeça estivesse quebrada 
ou não, eu teria que continuar fazendo o meu trabalho de rotina. Ele, então, disse­me 
para eu me virar para que ele pudesse bater nas minhas costas. Eu disse a ele para me 
bater em tudo o que quisesse. Ele estava muito irritado e me bateu aleatoriamente, na 
cabeça, pelo corpo, onde  lhe ocorria fazê­lo. E  lhe desafiei a fazer pior, a fazer o que 
ele podia e  liberar  totalmente a  sua vingança  sobre um  ser miserável como eu. Ele, 
então, chamou  três dos marujos e ordenou­lhes que me amarrassem ao canhão. Eu 
pensei em pular na água, mas não estava muito satisfeito em fazer isto sozinho; se eu 
pudesse ter o prazer de levá­lo comigo eu estaria disposto a fazer isto. Os três homens 
me amarraram e me  colocaram em  cima do  canhão,  com o  rosto para baixo; eles, 
então,  receberam  ordens  para me  açoitar,  o  que  fizeram  sem  demora;  ele,  então, 
exigiu que eu demonstrasse submissão e implorasse por misericórdia, mas isso eu não 
faria. Eu disse a ele que me matasse se isso lhe fosse agradável, mas por misericórdia 
das suas mãos eu não clamaria! Eu também disse a ele que quando eles me soltassem 
 
do canhão ele deveria se cuidar naquele dia, pois quando eu olhei para o meu corpo 
dilacerado e ensanguentado, refleti que embora eu estivesse contundido e rasgado, o 
meu coração não fora subjugado. 
 
Tão  logo  fui  solto,  dirigi­me  até  o  comandante,  que  deu  ordens  para  que  os 
homens  me  colocassem  em  segurança  na  proa  do  navio  e  não  deixasse  que  eu 
voltasse a me aproximar dele. Fiquei  tão machucado com as contusões e cortes que 
não consegui fazer nada por vários dias. 
 
O comandante, durante a minha doença, enviava­me bons mantimentos da sua 
própria mesa, sem dúvida para se reconciliar comigo depois das cruéis ofensas que 
ele  cometeu  contra mim, mas aquilo  era  em  vão.  Eu  não  tinha  pressa  alguma de 
retornar ao  trabalho,  já que ele costumava — em ocasiões anteriores —  fazer com 
que eu fosse açoitado por não fazer o serviço que caberia a três homens comuns, de 
modo  que  agora  eu me  sentia  inclinado  a  deixá­lo  sem  nenhum  outro  serviço  da 
minha parte. 
 
A escravidão é ruim, a escravidão é errada. Este comandante fazia muitas coisas 
cruéis  que  seriam  horríveis  de  se  relatar;  ele  tratava  escravas  mulheres  com 
muitíssima  crueldade e barbaridade;  tudo era do  seu  jeito, não havia ninguém que 
pudesse  tomar  parte;  ele  era,  naquela  hora  "o  monarca  de  todos  que  ele 
inspecionava;" "o rei da casa flutuante," ninguém ousava questionar o seu poder ou 
controlar  a  sua  vontade.  Porém,  está  chegando  o  dia  em  que  o  seu  poder  será 
revestido por outro, e dos seus criados ele terá que prestar contas; ai dele, que contas 
poderá ele prestar pelos crimes cometidos contra os corpos contorcidos dos pobres e 
desgraçados indignos de piedade que ele tinha sob o seu comando, quando cessar o 
seu reinado e a grande prestação de contas for convocada; como ele responderá por 
isso? E qual será o seu destino? ­ Isto somente será conhecido quando o grande livro 
for  aberto. Que  Deus  possa  perdoá­lo  (na  sua  infinita misericórdia)  pelas  torturas 
infligidas sobre as criaturas que eram seus companheiros, embora de diferente cor de 
pele. 
 
A  primeira  palavra  do  inglês  que  os  meus  dois  companheiros,  e  eu  mesmo, 
aprendemos foi F­r­e­e (Livre); quem no­la ensinou foi um inglês a bordo, e ó quantas 
vezes eu a repeti, muitas e muitas vezes. Este mesmo homem me contou muito sobre 
a Cidade de Nova York (ele sabia falar o português). Ele me contou como as pessoas 
de  cor  em Nova  York  eram  todas  livres,  e  isto  fez  com  que  eu me  sentisse  feliz,  e 
ansiava pelo dia em que pudesse estar  lá. Este dia, finalmente, chegou, mas não era 
uma questão simples para dois moços e uma moça, que somente sabiam  falar uma 
única  palavra  em

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