Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL ARIANE SABRINA DA CUNHA FERREIRA O PROCESSO DE TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE: Atuar e sonhar num cenário de resistência NATAL/RN 2016 ARIANE SABRINA DA CUNHA FERREIRA O PROCESSO DE TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE: Atuar e sonhar num cenário de resistência Monografia apresentada ao curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Ilena Felipe Barros NATAL/RN 2016 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Ferreira, Ariane Sabrina da Cunha. O processo de trabalho do/a assistente social na área da saúde: Atuar e sonhar num cenário de resistência/ Ariane Sabrina da Cunha Ferreira. - Natal, RN, 2016. 137f. Orientadora: Profa. Dra. Ilena Felipe Barros. Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social. 1. Assistente Social - Processo de trabalho – Monografia. 2. Instrumentalidade Profissional – Monografia. 3. Saúde - Assistente social – Monografia. I. Barros, Ilena Felipe. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 364-4:61 Dedico este trabalho a Deus por iluminar meus passos nessa caminhada. A minha mãe (Dora) e o meu pai (Ari), meus exemplos de vida. A toda minha família materna e paterna, que ao longo da minha graduação sempre esteve me apoiando. As minhas amizades verdadeiras, que conquistei ao longo do tempo. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus pela vida, pela família maravilhosa e amizades que tenho. Por me ouvir e sempre derramar bênçãos sobre meu caminho preenchendo este de alegrias. Além de nunca me desamparar diante dos obstáculos que surgiram na minha caminhada, me fortalecendo diariamente para superá-los com sabedoria e discernimento. Agradeço a minha mãe que foi aquela quem me ensinou a escrever e ler as primeiras palavras, aquela que sempre esteve ao meu lado apoiando as minhas decisões, acreditando nos meus sonhos, sendo a principal incentivadora para que eu nunca desistisse dos meus objetivos ao longo da vida, pois é mãe, passamos por tantos momentos juntas entre eles alguns não tão felizes, mas que nos tornaram fortes e muito mais unidas. A concretização desse momento tão importante na minha vida também faz parte da sua. Obrigada minha mãe amada, por querer sempre ter conhecimento do meu desempenho acadêmico, desde a escola até a universidade, por ser a minha maior motivadora nos estudos, quando eu estava sem ânimo para persistir e principalmente por todo amor, carinho e dedicação que tens por sua única filha. Agradeço a meu pai por todo esforço e dedicação para garantir o melhor para minha vida, pelo investimento na minha educação. Obrigada por sempre enfatizar que eu nunca deveria deixar de estudar e ter determinação para seguir adiante. Lembro-me perfeitamente no dia que recebi um dos maiores presentes que poderia receber que foi a tão sonhada aprovação no vestibular da UFRN. Logo me emocionei não só pela conquista, mas pelo fato de lembrar às vezes que você e meu querido avô Manoel (In Memoriam), relatavam para mim sobre a vida difícil que tiveram em Santana do Matos/RN, fazendo com que você ainda muito jovem e toda sua família partissem para Natal/RN, em busca de melhores condições de vida. Emociono-me, pois sei que você pai, parou de estudar para ajudar no sustento dos seus pais, trabalhando vendendo balas e chicletes pelos corredores dessa Universidade. Não poderia deixar de escrever sobre esse fato da sua vida e da minha também, pois sei do seu reconhecimento em ter uma filha estudando e agora se formando nessa mesma universidade que um dia quando jovem sonhou em estudar, mas que pelo pouco recurso financeiro e adversidades da vida teve que continuar trabalhando para sua subsistência. Serei grata eternamente por cada sacrifício que fizeste por mim, pelos ensinamentos e afetos compartilhados. Também agradeço ao meu cachorro Pingo, meu pequeno de 7 anos, que tem me alegrado inclusive nos dias cansativos. Agradeço aqueles que sempre estarão presentes em minha memória, mas que partiram desse plano e que não poderão compartilhar dessa vitória, mesmo sabendo que no meu coração estarão felizes com esse momento, a minha avó materna (Francisca) e meu avô (José), bem como a minha avó paterna (Sabina) e meu avô (Manoel). Meu agradecimento se expande para todos os meus familiares, pela amabilidade, atenção e apoio incondicional, que de uma forma ou de outra dedicaram e contribuíram para minha felicidade. Farei de tudo para nunca decepcionar vocês. Sou grata, a Edvânia, Luciana, Luciene, Thiara e Washington vocês acompanharam minhas alegrias e tristezas no decorrer da vida, entenderam os momentos em que estive ausente em festas e cinemas, para me dedicar à graduação, principalmente nessa fase final do curso. Realmente posso dizer que são amizades verdadeiras que possuem um lugar reservado no meu coração. Agradeço imensamente as minhas queridas amigas, logo da primeira semana de curso, Alana, Dayane e Raniely, com vocês construí uma amizade sincera ao longo desses quatro anos, compartilhamos alegrias, anseios, dúvidas, sonhos, horas esperando o ônibus para voltar para casa e claro muitas risadas. A graduação tem um momento de término, no entanto os laços que unem a nossa amizade se perpetuarão pelo tempo. Como sempre afirmo para vocês, repito novamente conte comigo para o que precisarem. Cada uma de vocês possui um jeitinho especial, a começar por você Alana, uma amiga que iniciou o curso após passar por um momento recente e muito difícil na sua vida e de seus familiares, mesmo assim persistiu com muita coragem diariamente para conquistar seus objetivos. Bem a nossa amizade teve início através de um seminário na disciplina de Sociologia I, que por coincidência futuramente se tornaria parte da sua temática de pesquisa do TCC. Mas acredito que nossa amizade se fortaleceu quando juntas vivenciamos o importante processo de estágio curricular obrigatório I e II, através dessa etapa da nossa formação acadêmica tivemos a oportunidade de nos aproximar da realidade da população usuária, da importância da nossa profissão na sociedade e também de partilharmos nossas expectativas sobre nosso futuro pessoal e profissional. Você é uma pessoa atenciosa, meiga que se preocupa com todos que lhe cercam, tive a chance de me aproximar de seus familiares e perceber que essas qualidades também se estendem a eles. Desejo que Deus permaneça confortando o coração de vocês diante da saudade sentida. Tenho orgulho em poder chamá-la de amiga. Minha amiga Dayane, você é a alegria em pessoa, aquela que contagia todo mundo com seu sorriso e espontaneidade, quando estamos reunidas a risada é garantida, aquela que me acompanha nas festas, que sempre esta pronta para me ouvir, que entende o cuidado e o amor que tenho pelos animais, pois também tem esse afeto por seus pets. Minha dupla em alguns trabalhos e provas, nos eventos acadêmicos, entre tantos outros momentos que pareciam simples, mas na verdadecontribuíam para ampliar a nossa amizade. Por fim, Raniely, amiga intelectual, muito dedicada aos estudos do curso, não que as outras do trio não sejam, pelo contrário todas são muito empenhadas em obter conhecimentos, mas você era aquela que sempre nos alertava sobre os textos disponíveis no sigaa, na xerox, que enviava artigos, livros em PDF e links correspondentes ao curso para o nosso aprimoramento. Agradeço amiga pela atenção conosco, também partilhei muitos estudos dirigidos, seminários e outros trabalhos acadêmicos com você. Agradeço a todas desse querido trio que citei, pois cada uma contribuiu para minha formação acadêmica e espero que eu tenha feito o mesmo para vocês. Desejo que possamos trilhar a nossa trajetória profissional com competência e comprometimento pela defesa dos direitos da população. Tenho certeza que o curso de Serviço Social me presenteou com a amizade de vocês. Seria egoísta se eu não mencionasse o meu agradecimento ao meu amado grupo de tantos debates, seminários e relatórios, e claro de tantas emoções compartilhadas. Meninas, com vocês também construí uma linda amizade, obrigada por tudo Anny Beatriz, Laura, Marcella, Maressa, Roberttha, Yasmim e ao trio de amigas supracitado. Vocês são pessoas especiais que com o passar dos anos dessa graduação constituiu esse grupo de amigas que transpõe os muros da universidade. Que Deus ilumine cada uma de vocês. Sem dúvidas não poderia deixar de agradecer a todos/as excelentes professores/as do curso de Serviço Social que foram de fundamental importância na minha vida acadêmica, sou grata pelos ensinamentos compartilhados com a turma 2012.2. Aproveitando o momento, agradeço as/os colegas da turma pelos quatro anos de convivência diária, troca de conhecimentos durante as aulas e momentos descontraídos. Também agradeço as minhas Supervisoras de Campo, Luciara Morais e Adriana Santos, por nos receberem com muita atenção, simpatia, paciência e competência profissional. Sempre compromissadas em contribuir com o nosso aprendizado, sobretudo na área da saúde. Deixo meu sincero agradecimento à equipe do Serviço Social da UPA/Pajuçara pela disponibilidade e colaboração nos questionários utilizados para essa pesquisa. Sou profundamente grata, a Profª. DrªIlena Felipe Barros, não só pela supervisão acadêmica durante o processo de estágio, na qual foi muito qualificada e satisfatória, mas pela honra em tê-la como Orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso. Palavras não são suficientes para agradecê-la por toda sua compreensão, esclarecimentos partilhados, pelos livros que foram significativos na produção dessa pesquisa, por acompanhar com dedicação cada detalhe dessa produção teórica e pelo carinho que teve comigo e com as meninas que também foram suas orientandas. Querida professora, tenha certeza que minha formação profissional, nãо teria sido а mesma sem а sua presença como incrível docente, exemplo de profissional, entusiasmo e alegria. Você é bombação! (risos). Por fim, agradeço a todas as pessoas que foram importantes na minha vida durante essa caminhada de quatro anos. Ariane Sabrina da Cunha Ferreira. “Nós vos pedimos com insistência não digam nunca: isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia numa época em que reina a confusão em que corre o sangue em que o arbítrio tem força de lei em que a humanidade se desumaniza não digam nunca: isso é natural! Para que nada possa ser imutável!” (Bertolt Brecht) RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo analisar o processo de trabalho do/a assistente social na área da saúde, apreendendo como a instrumentalidade profissional facilita o desenvolvimento do processo de trabalho do/a assistente social na Unidade de Pronto Atendimento – UPA/Pajuçara. Essa pesquisa originou-se da experiência de estágio curricular obrigatório ocorrido nos semestres de 2015.1 e 2015.2 na referida instituição, que ao desenvolver os relatos no diário de campo, notava-se a importância que a utilização da instrumentalidade possuía no cotidiano profissional da nossa categoria. A instrumentalidade tem sido fundamental para responder, de modo totalizante, as demandas apresentadas durante o plantão na instituição supracitada, mas para a própria reflexão crítica da equipe de assistentes sociais em pensar qual a expressividade que a instrumentalidade profissional possui enquanto condição necessária para o processo de trabalho do/a assistente social. A metodologia utilizada foi à pesquisa qualitativa, sendo a análise dos dados apreendida através do método crítico-dialético. Para atingir os objetivos traçados para a realização dessa pesquisa, foram aplicados questionários com perguntas abertas para a equipe de três assistentes sociais que possuíam vínculo empregatício na referida instituição. A partir da coleta de dados foi possível constatar que as assistentes sociais visualizam a instrumentalidade e os instrumentos como espaço e possibilidade de mediação e articulação para a defesa dos direitos daqueles que demandam a sua intervenção, no entanto tem enfrentado muitos desafios que se introduzem na cotidianidade de seu exercício profissional em decorrência dos limites postos pelo capital e pela hegemonia neoliberal. Palavras-chave: Processo de Trabalho do/a Assistente Social. Saúde. Instrumentalidade Profissional. ABSTRACT The present work of conclusion of course aims to analyze the process of social worker in the health area, seizing as the instrumentality facilitates the development of professional working process of social worker in the Er-UPA/Pajuçara. This research originated from the internship experience required in semesters of 2015.1 and 2015.2 in that institution to develop reports in the field journal, noted the importance that the use of instrumentality owned professional everyday our category. The instrumentality has been critical to respond, totalizing mode, the demands presented during the on duty the above-mentioned institution, but to his own critical reflection of the team of social workers to think what the expressiveness that the instrumentality has professional as a necessary condition for the worker process of social worker. The methodology used was the qualitative research, and the analysis of the data seized through the dialectic-critical method. To achieve the goals set for the completion of this research, questionnaires were applied with open-ended questions to the team of three social workers who had employment in that institution. From the collection of data was found that social workers see the instrumentality and the instruments as space and possibility of mediation and coordination for the defense of the rights of those who require his intervention, however has faced many challenges into the daily lives of your professional practice as a result of limits and capital losses by the neoliberal hegemony. Keywords: Worker process of Social worker. Health. Professional Instrumentality. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) .............................. 38 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 – Dimensões das privações humanas no mundo ............................................... 42 GRÁFICO 2 – Taxa de desocupação (PME) ......................................................................... 51LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Taxa de desocupação ........................................................................................ 40 TABELA 2 – Composição da equipe multiprofissional da instituição ................................. 101 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABESS – Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade AIS – Ações Integradas de Saúde ANAS – Associação Nacional dos Assistentes Sociais CAP – Caixa de Aposentadoria e Pensões CBAS – Congresso Brasileiro de Serviço Social CBCISS – Comitê Brasileiro da Conferência Internacional de Serviço Social CEBES – Centro Brasileiro de Estudo de Saúde CEAS – Centro e Estudos e Ação Social de São Paulo CENEAS – Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais e Pré-Sindicais de Assistentes Sociais CFAS – Conselho Federal de Assistentes Sociais CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CLT – Consolidação das Leis de Trabalho CooperaSUS – Rede de Cooperação Técnica e Apoio à Gestão do SUS CNS – Conferência Nacional de Saúde CNS – Conselho Nacional de Saúde CONASP – Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária CRESS – Conselho Regional de Serviço social CUT – Central Única dos Trabalhadores DAD – Departamento de Apoio à Descentralização DATA-PREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social DRU – Desvinculação de Receitas da União EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares EUA – Estados Unidos da América FENTAS – Fórum de Entidades Nacionais de Trabalhadores de Saúde FHC – Fernando Henrique Cardoso FMI – Fundo Monetário Internacional HUs – Hospitais Universitários IAPs – Instituto de Aposentadoria e Pensões IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística http://www.contraprivatizacao.com.br/2012/03/contra-ebserh-assine-o-abaixo-assinado.html IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS – Instituto Nacional de Previdência Social IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LOS – Lei Orgânica da Saúde MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social NOB -RH – Norma Operacional Básica de Recursos Humanos OMC – Organização Mundial do Comércio ONGs – Organizações não governamentais ONU – Organização das Nações Unidas OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde PCCs – Plano de Carreira, Cargos e Salários PME – Pesquisa Mensal de Emprego PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento POSDR – Partido Operário Social-Democrata Russo PREV-SAÚDE – Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde PSF – Programa de Saúde da Família RJU – Regime Jurídico Único RNB – Renda Nacional Bruta RN – Rio Grande do Norte SAMU – Serviço Médico de Urgência SE – Salas de Estabilização SESP – Serviço Especial de Saúde Pública SMS – Secretaria Municipal de Saúde SUDS – Sistema Unificado Descentralizado de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde UPA – Unidade de Pronto Atendimento URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas UTI – Unidade de Tratamento Intensivo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 17 2 TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E O PROCESSO DE TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL ......................................................................................................... 21 2.1 O CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITAL E SEUS REFLEXOS NA SOCIEDADE .......................................................................................................................... 21 2.2 O TRABALHO E SUAS MUTAÇÕES NA SOCIEDADE CAPITALISTA .................... 43 2.3 O PROCESSO DE TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL .................................... 52 3 A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE NO BRASIL:ATUAÇÃO DO/A ASSISTENTE SOCIAL E INSTRUMENTALIDADE PROFISSIONAL ........................ 61 3.1 RESGATE DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE BRASILEIRA ........................................................................................................................... 62 3.1.2 A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE BRASILEIRA: Uma análise a partir da Constituição Federal de 1988 até os dias atuais ....................................................................... 71 3.2 ANALISANDO O TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA SAÚDE ............... 83 3.3 UMA VISÃO SOBRE A UNIDADE DE PRONTO ATENDIMENTO (UPA- PAJUÇARA) – O lócus de pesquisa ........................................................................................ 97 3.4 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: A experiência do processo de trabalho na Unidade de Pronto Atendimento (UPA-Pajuçara) .............................................. 104 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 123 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 127 APÊNDICES ......................................................................................................................... 136 Apêndice A ............................................................................................................................. 136 17 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho trata de analisar sobre o processo de trabalho do/a assistente social na área da saúde, apreendendo como a instrumentalidade profissional facilita o desenvolvimento do processo de trabalho do/a assistente social, tendo como lócus da pesquisa a Unidade de Pronto Atendimento – UPA/Pajuçara, localizada na Avenida Moema Tinoco da Cunha Lima, 3393 - Pajuçara, CEP: 59136-245na zona norte do município de Natal/RN.E como público alvo a equipe de assistentes sociais que possuíam vínculo empregatício na referida instituição, durante a vivência de estágio curricular obrigatório que se realizou na mesma nos semestres de 2015.1 e 2015.2. Deste modo, como objetivos específicos para subsidiar essa pesquisa, buscaram-se analisar a trajetória histórica do desenvolvimento do capitalismo e seu embate na sociedade, evidenciando as transformações no mundo do trabalho; em seguida particularizar o processo de trabalho do/a assistente social; por conseguinte apresentar o contexto histórico da Política Nacional de Saúde, desde sua gênese até a contemporaneidade; e posteriormente analisar como é a percepção da equipe de assistentes sociais com relação ao processo de trabalho na UPA/Pajuçara, bem como desenvolver um estudo a respeito da instrumentalidade profissional e sua importância para o cotidiano das assistentes sociais da instituição referida. Sendo assim, como opção metodológica foi utilizada a pesquisa qualitativa, como sendo um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação. Esse processo implica em estudos segundo a literatura pertinente ao tema, observações, aplicação de questionários, entrevistas e análise de dados. (OLIVEIRA, 2012, p.37). Diante disso, a análise dos dados se realizou através do método crítico-dialético, que segundo Oliveira (2012, p.53) “requer o estudo da realidade em seu movimento, analisando as partes em constante relação com a totalidade. Nessa perspectiva, em pesquisa qualitativa, além de ser recomendável a utilização dos fundamentos da dialética.” Segundo Marx, a dialética afirma a unidade inseparável entre a realidade objetiva e o sujeito que pensa e atua sobre essarealidade. Não se pode separar a teoria da prática, o dizer do fazer, a realidade do pensamento, o objeto do sujeito, nem o conhecimento da ação. A dialética de Marx é crítica e revolucionária porque considera e aborda toda realidade como histórica e transitória. Não se ajoelha diante de qualquer instituição nem teme o antagonismo da contradição. (KOHAN, 2005, p.3-4) 18 Corroborando com essa afirmação, é importante destacar o que Chagas (2012, p.2-3) aborda em relação ao método dialético de Marx, no qual pressupõe, sim, dois momentos inseparáveis: a investigação (ou a pesquisa) e a exposição (ou a apresentação). A investigação, ou o método de investigação (Forschungsmethode), é o esforço prévio de apropriação, pelo pensamento, das determinações do conteúdo do objeto no próprio objeto, quer dizer, uma apropriação analítica, reflexiva, do objeto pesquisado antes de sua exposição metódica. E a exposição, ou o método de exposição (Darstellungsmethode), não é simplesmente uma auto-exposição do objeto, senão ele seria acrítico, mas é uma exposição crítica do objeto com base em suas contradições, quer dizer, uma exposição crítico-objetiva da lógica interna do objeto, do movimento efetivo do próprio conteúdo do objeto. A exposição é uma expressão (tradução) ideal do movimento efetivo do real, isto é, trata-se não de uma produção, mas de uma reprodução do movimento efetivo do material, do real, de tal modo que o real se “espelhe” no ideal. Reproduzir quer dizer aqui para Marx reconstruir criticamente, no plano ideal, o movimento sistemático do objeto, pois o objeto não é dado pela experiência direta e imediatamente. Além disso, a metodologia utilizada nesse trabalho também contemplou pesquisa bibliográfica, tendo como referencial as categorias que abrangem a temática com autores/as de grande importância para o Serviço Social, tais como: José Paulo Netto (1999); (2011); (2012), Marcelo Braz (2012), Ricardo Antunes (2004); (2006), Elaine Behring (2003); (2004); (2011), Ivanete Boschetti (2011), Marilda Villela Iamamoto (2006); (2009); (2010); (2011), Sergio Lessa (1999), Giovanni Alves (2000); (2004); (2007), Maria Carmelita Yazbeck (1999), Maria Inês Bravo (2004); (2006); (2007); (2009); (2011); (2013), Yolanda Guerra (1997); (2000); (2007); (2013), e tantos/as outros/as que foram de fundamental contribuição para embasar esta pesquisa. Diante disso, a pesquisa apresenta os resultados da coleta de dados realizados mediante a aplicação de questionário com a equipe de três assistentes sociais que fizeram parte do setor de Serviço Social na Unidade de Pronto-Atendimento UPA/Pajuçara. Para tal coleta dos dados foi oportunizada a aplicação de questionários com perguntas abertas, significando que este se compõe de questões cuja formulação e ordens são unificadas, ou seja, o questionado acha simplesmente um espaço para emitir sua opinião. Tendo assim a ocasião para exprimir seu pensamento pessoal, traduzi-lo com suas próprias palavras, segundo seu próprio sistema de referências. Tal instrumento mostra-se particularmente precioso quando o leque das respostas possíveis é amplo ou então imprevisível, mal conhecido. 19 Permitindo ao mesmo tempo ao pesquisador assegurar-se da competência do interrogado, competência demonstrada pela qualidade de suas respostas. (LAVILLE, 1999, p.186). No que tange a temática esta tornou-se importante para a realização da pesquisa devido à experiência de estágio no âmbito da saúde pública e por meio da execução do projeto de intervenção, no qual tinha a finalidade de oportunizar a implementação das normas e rotinas institucionais do Serviço Social, bem como o planejamento da inserção do instrumento ficha social no conjunto de instrumentais existentes no setor. Justamente, no intuito de pensar a relevância e o significado da instrumentalidade no exercício profissional do/a assistente social na área da saúde. Visto que, durante o período do estágio curricular obrigatório ao desenvolver os relatos no diário de campo, notava-se a importância que a utilização da instrumentalidade possuía no cotidiano profissional da nossa categoria não apenas no sentido de responder de modo totalizante as demandas apresentadas durante o plantão na Unidade de Pronto Atendimento – UPA/Pajuçara, mas para a própria reflexão crítica da equipe de assistentes sociais em pensar qual a expressividade e materialidade que a instrumentalidade profissional possuía enquanto condição necessária para o processo de trabalho do/a assistente social. A pesquisa está estruturada em dois capítulos. O primeiro aborda as “Transformações Societárias e o Processo de Trabalho do/a Assistente Social” e esta dividido em três itens, o primeiro trata da contextualização do desenvolvimento do capitalismo e seus reflexos na sociedade, o segundo vai discorrer sobre a categoria trabalho, bem como as transformações no mundo do trabalho causadas pelo capital e por fim, o terceiro diz respeito ao processo de trabalho do/a assistente social fazendo uma análise sobre como este se constitui e suas particularidades. O segundo capítulo por sua vez refere-se “A Política Nacional de Saúde no Brasil: Atuação do/a assistente social e instrumentalidade profissional”, estando inicialmente dividido em dois subitens, o primeiro visa resgatar a trajetória histórica da Política Nacional de Saúde brasileira e o segundo trata de analisar a referida política a partir da Constituição Federal de 1988 até a contemporaneidade. Em seguida, apresenta mais três itens, sendo o primeiro a respeito do trabalho do/a assistente social inserido na área da saúde, o segundo tratando sobre caracterização do espaço de pesquisa, e por fim o terceiro item vem debater a instrumentalidade profissional, levando em consideração os resultados da coleta de dados realizados para a construção dessa pesquisa. Nesse sentido, considera-se que a presente produção teórica possibilitará um aprofundamento da temática estudada, visando contribuir e ao mesmo tempo proporcionar 20 visibilidade para o fazer profissional da equipe de assistentes sociais da instituição pesquisada, bem como para o debate a respeito do processo de trabalho do/a assistente social e da instrumentalidade no âmbito da formação profissional, no tocante aos desafios e possibilidades de atuação postas a profissão no campo da saúde. 21 2.TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E O PROCESSO DE TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL O presente capítulo será dividido em três itens, inicialmente traremos um resgate histórico do desenvolvimento do capitalismo, passando desde a sua existência que dá início na acumulação primitiva até a fase do capitalismo contemporâneo. Apresentando as diversas transformações que ocorreram de acordo com o avanço do capital, bem como serão expostos alguns dados estáticos em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil (IDH), o Índice de Gini e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), etc. Em seguida no segundo item, iremos apresentar o debate a respeito da categoria trabalho que tanto sofre os rebatimentos do sistema capitalista, diante disso evidenciaremos as repercussões postas a está categoria fundante para o ser social. Posteriormente, no terceiro item traremos o debate para a nossa profissão, destacando num primeiro plano uma breve análise do Serviço Social na sociedade capitalista, enfatizando que a nossa profissão esta inserida no processo de divisão social e técnica do trabalho, bem como salientaremos o trabalho do/a assistente social compreendido nesta sociabilidade. Por fim, trataremos de discutir sobre o modo como se constitui o processo de trabalho do/a assistente social e suas particularidades. 2.1 O CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITAL E SEUS REFLEXOS NA SOCIEDADE A começar pela acumulaçãoprimitiva torna-se relevante destacar o que Netto e Braz (2012) assinalam que a acumulação primitiva produziu-se na Inglaterra na sua forma mais “clássica”, marcada pela violência contra os camponeses que possuíam terras e acabaram sendo expulsos. Após algumas décadas o resultado desse processo cruel foi, de um lado, a concentração da propriedade da terra nas mãos de poucos e, de outro, o deslocamento para as cidades, de uma grande parcela de homens desapropriados de suas terras e de tudo, tendo apenas sua força de trabalho para oferecer. Sendo assim, de outro pólo, surgiu uma classe que detinha condições para comprar a força de trabalho que agora se oferecia: a burguesia, formada por grandes grupos comerciais aos quais se juntaram segmentos de antigos mestres- artesãos que enriqueceram. Corroborando com o que foi exposto, os autores ressaltam que a 22 acumulação primitiva ocorreu ainda no âmbito do regime feudal, sob o Estado absolutista, no qual criou a condição fundamental para o surgimento do modo de produção capitalista: a relação capital/trabalho. Diante disso, é necessário evidenciar o estágio inicial do capital denominado como capitalismo comercial ou mercantil, no qual a burguesia afirmava-se como classe que tinha nas mãos o controle das principais atividades econômicas e confrontava-se com os privilégios da nobreza fundiária. Para Netto e Braz (2012) a burguesia se apresentava como uma classe revolucionária, cujos interesses se combinavam com os da massa da população, em especial pelo fato de ser a classe que tinha por tarefa liberar as forças produtivas dos limites que lhes eram colocados pelas relações feudais de produção e seu específico regime de propriedade. Um fato marcante observado pelos autores diz respeito à saga da expansão marítima1 conduzida pelos grupos mercantis do sul da Europa que abriram as rotas para o Oriente e para as Américas. Posteriormente, a partir da oitava década do século XVIII, inicia-se o segundo estágio do capitalismo, chamado de capitalismo concorrencial persistindo até o último terço do século XIX, e se consolidando nos principais países da Europa Ocidental. De acordo com Netto e Braz (2012) a caracterização desse estágio como concorrencial diz respeito às amplas possibilidades de negócios que se abriam aos pequenos e médios capitalistas, na escala em que as dimensões das empresas não demandavam grandes massas de capitais para a sua constituição, a “livre iniciativa” tinha muitas chances de se consolidar em meio a uma concorrência desenfreada e generalizada. 1A expansão marítima ocorreu nos séculos XV e XVI. Desse modo, a expansão marítima portuguesa caracterizou-se por duas vertentes. A primeira, de aspecto imediatista, realizada ao norte do continente africano, visava à obtenção de riquezas acumuladas naquelas regiões através de prática de pilhagens. A tomada de Ceuta, no norte da África (Marrocos), em 1415, seria um dos exemplos mais representativos deste tipo de empreendimento e marca o início da expansão portuguesa rumo à África e à Ásia. Em menos de um século, Portugal dominou as rotas comerciais do Atlântico Sul, da África e da Ásia, cuja presença foi tão marcante nesses mercados que, nos séculos XVI e XVII, a língua portuguesa era usada nos portos como língua franca – aquela que permite o entendimento entre marinheiros de diferentes nacionalidades. Na segunda vertente, o objetivo colocava-se mais a longo prazo, já que se buscava conquistar pontos estratégicos das rotas comerciais com o Oriente, criando ali entrepostos (feitorias) controlados pelos comerciantes lusos. Foi o caso da tomada das cidades asiáticas. Tal modo de expansão também ficou marcado pelo aspecto religioso (cruzadas), pois mantinha-se a idéia de luta cristã contra os muçulmanos. A expansão ultramarina permitiu, assim, uma convergência de interesses entre os setores mercantis e a nobreza, tendo o Estado o papel de controle e direção de tal empreendimento. O monopólio do comércio dos produtos asiáticos e o tráfico de escravos africanos (mão- de-obra para as regiões produtoras de matérias-primas) enriqueciam não só os grupos mercantis, como geravam vultosas receitas para o tesouro régio, as quais a coroa, em certa medida, repassava à nobreza através da doação de mercês, bens móveis e de raiz, bem como de privilégios. (DIRETORIA DE ENSINO DA MARINHA, 2006, p.24-34). 23 É válido ressaltar que as lutas de classes2 fundadas na contradição entre capital e trabalho surgiram no capitalismo concorrencial, representando conforme Netto e Braz (2012) o antagonismo entre a burguesia e os trabalhadores, que inicialmente surgiram de modo grosseiro, mas foi ganhando politização que as tornaram mais conscientes. Outro aspecto que Netto e Braz (2012) analisam tem relação coma ausência de garantias aos trabalhadores que estavam à mercê do patronato, já que o Estado estava vinculado aos capitalistas e por isso atendia em grande parte aos interesses do capital. Os autores salientam que as funções do Estado burguês restringiam-se as tarefas de caráter repressivo, assegurando as condições externas para a acumulação capitalista, a manutenção da propriedade privada e da ordem pública. Sendo assim, a partir das últimas três décadas do século XIX, século XX e início do século XXI, destaca-se o estágio imperialista, caracterizado por mudanças econômicas como o surgimento dos monopólios e do papel dos bancos. No que tange ao capital monopolista, conforme Netto e Braz (2012), este foi consolidado na produção industrial, se constituindo como o oxigênio da economia capitalista, mobilizando formas particulares de controle das atividades econômicas, tais como o pool, o cartel, o sindicato, o truste3, etc. 2 Com relação às lutas de classes, Marx e Engels indicaram – e sua posição passou a ser o ponto de vista marxista mais generalizado – que é na sociedade capitalista que as classes fundamentais se diferenciam mais claramente, que a consciência de classe se desenvolve de maneira mais completa e que as lutas de classes são mais agudas. Nesse sentido, a sociedade capitalista constitui, sob esses aspectos, um ponto culminante na evolução histórica das formas da sociedade dividida em classes. Nessa perspectiva, as lutas de classes modernas têm importância fundamental na teoria marxista, porque seu resultado final é concebido como uma transição para o socialismo, isto é, para uma sociedade sem classes. (BOTTOMORE, 2012, p.355). 3 A começar pelo Pool este denomina-se como uma reunião temporária de duas ou mais empresas com fins especulativos. É justamente o caráter de manipulação de preços que diferencia o pool do consórcio, este regulamentado normalmente. O pool forma estoques de ações ou mercadorias comercializadas em Bolsas (cereais, café, açúcar etc.), procura forçar a elevação de preços e, então, vende com lucros elevados. Por Cartel tem-se que são grupos de empresas independentes que formalizam um acordo para sua atuação coordenada, com vistas a interesses comuns. O tipo mais freqüente de cartel é o de empresas que produzem artigos semelhantes, de forma a constituir um monopólio de mercado. O termo “cartel” refere-se em geral ao mercado internacional — onde chegam a existir cartéis de países —, enquanto se prefere utilizar termos como truste e sindicato para os mercados regionais. Os objetivos mais comuns dos cartéis são: 1) controle do nível de produção e das condições de venda; 2) fixação e controle de preços; 3) controle das fontes de matéria-prima (cartel de compradores); 4) fixação de margens de lucros e divisão de territórios de operação. As empresas que formam um cartel mantêm sua independência e individualidade, mas devem respeitar as regras aceitas pelo grupo, como a divisão do mercado e a manutenção dospreços combinados. Em geral, formam um fundo comum que serve de reserva orçamentária ao cartel. Esse fundo é utilizado para punir as empresas do grupo que não respeitarem o acordo e também para impedir que outras empresas penetrem em mercados já dominados. Na maioria dos países, a formação de cartéis que atuem internamente é proibida, por configurar uma situação de monopólio. Com relação ao Sindicato este refere-se a uma associação de trabalhadores assalariados visando à defesa de seus interesses perante os patrões e o Estado. Os sindicatos reúnem trabalhadores de uma mesma profissão, deum mesmo ramo industrial ou empresa. A organização de sindicatos operários acompanhou o desenvolvimento e a consolidação do capitalismo industrial. Nos primórdios da Revolução Industrial, a organização de sindicatos foi considerada ação criminosa. Na França, os sindicatos só foram reconhecidos como entidades legais em 1864, 24 Segundo, analisam Netto e Braz (2012) os bancos, inicialmente, funcionavam como intermediários de pagamentos e com o desenvolvimento do capitalismo, tornaram-se o instrumento essencial sistema de crédito. Desse modo, ainda nessa análise a fusão dos capitais monopolistas industriais com os bancários formou o capital financeiro, que ganhou centralidade no terceiro estágio evolutivo do capitalismo – o estagio imperialista. Torna-se então relevante destacar que este estágio evolutivo do capitalismo passou por transformações expressivas, podendo ser divididas em três fases, sendo a primeira delas a fase “clássica” que vai de 1890 a 1940, posteriormente a fase dos “anos dourados” localizada no fim da segunda guerra mundial até a entrada dos anos setenta e por último a fase do capitalismo contemporâneo de meados dos anos setenta aos dias atuais. A começar pela fase denominada “clássica” do imperialismo compete destacar o contexto sociopolítico da época que foi marcado por sucessivas crises, sendo a principal e mais profunda delas a crise de 1929, na qual revelava para os dirigentes da burguesia que eram imprescindíveis novas formas de intervenção do Estado na economia capitalista. Tendo em vista este contexto, evidencia-se que na Europa Ocidental e Nórdica industrializada, conforme Netto e Braz (2012) ocorreram o surgimento de partidos políticos que representavam os trabalhadores e desenvolvia políticas de massas chegando aos parlamentos, atrelado a isto o fortalecimento do movimento sindical levantou bandeiras que mobilizavam grandes contingentes de trabalhadores. Além disso, em 1917 na Revolução Russa4 ocorreu à sendo sua proibição decretada durante a Revolução Francesa pela Lei Chapellier. No Brasil, uma lei promulgada em 1907 reconheceu o direito de os trabalhadores se organizarem livremente, mas, com o Estado Novo (1937- 1945), os sindicatos foram enquadrados numa estrutura corporativista controlada pelo Ministério do Trabalho. Baseado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Estado fiscaliza toda atividade sindical no país, desde a carta de autorização para a criação de determinado sindicato até as finanças da entidade, podendo decretar a intervenção quando julgar que a atuação da entidade não corresponde às determinações legais. No que tange ao Truste este se caracteriza por ser um tipo de estrutura empresarial na qual várias empresas, já detendo a maior parte de um mercado, combinam-se ou fundem-se para assegurar esse controle, estabelecendo preços elevados que lhes garantam elevadas margens de lucro. Os trustes têm sido proibidos em vários países, mas a eficácia dessa proibição não é muito grande. (SANDRONI, 1999, p.84-616). 4 A Revolução Russa é o resultado de um processo de três movimentos: as revoluções de 1905, de setembro e de outubro de 1917. A Revolução de 1905 (ou “Domingo Sangrento”), após a derrota da Rússia para o Japão, significou um conjunto de revoltas, coordenadas pelo Conselho Operário (Sovietes), que enfraqueceram o poder absoluto do Czar (monarca russo), que respondeu reprimindo os movimentos dos trabalhadores. Anos mais tarde, e pela situação econômica e social a partir do envolvimento russo na Primeira Guerra Mundial, as revoltas voltaram a fragilizar o poder do Czar, levando à sua deposição e decapitação e instalando-se um governo provisório (liberal), o que é conhecido como a Revolução de Fevereiro (1917).O Partido Operário Social- Democrata Russo (POSDR) dividiu-se desde 1903 em duas tendências: os Mencheviques (grupo minoritário, que entendia a luta dos trabalhadores mediante a participação na política institucional, e que um processo revolucionário deveria esperar o pleno desenvolvimento do capitalismo na Rússia, um país que saía do feudalismo e desindustrializado) e os Bolcheviques (tendência majoritária, liderada por Lênin, que defendia uma luta revolucionária imediata, para desenvolver a “ditadura do proletariado”). Os bolcheviques, em outubro e novembro de 1917, promoveram a Revolução de Outubro, sob o lema “Todo Poder aos Sovietes”. Inicia-se o processo de conformação da União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que vai dar origem ao “Bloco 25 criação do primeiro Estado proletário, significando um conjunto de promessas há muito tempo inscrito no imaginário dos trabalhadores, atraindo a simpatia e o apoio das frentes operárias, demonstrando ser um duro golpe contra o imperialismo. Diante desse contexto, os autores apontam que na Europa Nórdica, Inglaterra, França e Estados Unidos, a nova forma de intervenção do estado na economia não destruiu a democracia política. Mas no tocante aos países como Alemanha, Itália, Portugal e Espanha, instalou-se o regime político, que valorizava o controle monopolista da economia, instaurando em especial o cerceamento de todos os direitos e garantias ao trabalho e aos trabalhadores, o fascismo. Sendo assim, um suporte teórico era necessário, tendo em vista que esse tipo de intervenção estatal contrariava os dogmas do pensamento liberal- conservador, no qual determinava que o papel do Estado devesse ser mínimo. O principal responsável por essa inovação foi Keynes, no qual afirmava que o capitalismo não dispõe espontânea e automaticamente da faculdade de utilizar inteiramente os recursos econômicos, seria preciso para tal utilização plena que o Estado operasse como um regulador dos investimentos privados através do direcionamento dos seus próprios gastos. (NETTO; BRAZ, 2012, p.207-208). No tocante aos “anos dourados” o capitalismo monopolista vivenciou uma fase excelente, haja vista que foram quase três décadas em que o sistema apresentou resultados econômicos nunca vistos. No entanto, como fazem notar Netto e Braz (2012), apresentou-se um paradoxo a está realidade a União Soviética passou a usufruir de grande prestígio e poder, deixando de ficar isolada e passando a ser cercada por um conjunto de países que, libertados da ocupação nazista, romperam com o capitalismo e se preparavam para experiência socialista. Corroborando com o que foi exposto na Europa Nórdica e Ocidental (à exceção de Espanha e Portugal), o movimento operário e sindical e os partidos ligados aos trabalhadores conquistaram enorme legitimidade, estabelecendo limites e restrições efetivos aos monopólios. Além disso, a direção militar, política e econômica do sistema imperialista, a partir do Eixo (Alemanha/Itália/Japão), transferiram-se da Europa para os Estados Unidos. E diante desse marco, a economia do imperialismo apresentou mudanças significantes, no qual o fluxo das exportações de capitais se alterou passando dos países cêntricos para outros países cêntricos, bem como as transferências para países periféricos passaram a serem, sobretudo empréstimos de Estado imperialista a Estado periférico(NETTO; BRAZ, 2012, p.209-210) Socialista” (promovendo e inspirando as lutas de classes e revolucionários em todo o mundo) e à Guerra Fria. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.251-252). 26 Um aspecto importante que merece ser destacado no contexto dos “anos dourados” diz respeito à organização do trabalho industrial chamada de taylorismo-fordismo que conforme analisa Antunes (2006, p.24-25) entende-se o fordismo essencialmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho concretizou-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; por meio do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. Menos do que um modelo de organização societal, que abarcaria igualmente esferas ampliadas da sociedade, compreende-se o fordismo como o processo de trabalho que, junto com o taylorismo, predominou na grande indústria capitalista ao longo deste século. Desse modo, o fordismo se apresentava não apenas com um caráter técnico sobre a divisão social do trabalho, mas sendo capaz de regular as relações sociais, exercendo o controle sobre o modo de vida e de consumo dos trabalhadores. Ainda em torno deste debate, Behring e Boschetti (2011) analisam que o keynesianismo5 e o fordismo, associados, 5Modalidade de intervenção do Estado na vida econômica, com a qual não se atinge totalmente a autonomia da empresa privada, e que prega a adoção, no todo ou em parte, das políticas sugeridas na principal obra de Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, 1936. Tais políticas propunham solucionar o problema do desemprego pela intervenção estatal, desencorajando o entesouramento em proveito das despesas produtivas, por meio da redução da taxa de juros e do incremento dos investimentos públicos. As propostas da chamada “revolução keynesiana” foram feitas no momento em que a economia mundial sofria o impacto da Grande Depressão, que se estendeu por toda a década de 30 até o início da Segunda Guerra Mundial. Suas idéias influenciaram alguns pontos do New Deal, o programa de recuperação econômica de Franklin D. Roosevelt (1933-1939). De fato, sob o estímulo de grandes despesas governamentais, impostas pelo conflito mundial, a crise do desemprego deu lugar à escassez de mão-de-obra na maioria dos países capitalistas. Para a maioria dos economistas, era a comprovação da eficácia das propostas keynesianas. Surgiu a convicção de que o capitalismo poderia ser salvo, desde que os governos soubessem fazer uso de seu poder de cobrar impostos, reduzir juros, contrair empréstimos e gastar dinheiro. Após 1945, a teoria econômica keynesiana converteu-se em ortodoxia, tanto para os economistas quanto para a maioria dos políticos. O keynesianismo lançou raízes principalmente nos Estados Unidos, temerosos de que o regresso dos veteranos de guerra pudesse provocar nova depressão. Em 1946, foi aprovada a Lei do Emprego, que transformou em obrigação legal do governo manter o pleno emprego mediante empréstimos e financiamentos de obras públicas. No período imediatamente posterior à guerra, a política econômica e uma parcela importante dos trabalhos teóricos dos keynesianos centraram-se no problema da manutenção do pleno emprego. Assim, as pesquisas voltavam-se para as flutuações da atividade econômica a curto prazo, para os meios de vencer a depressão e para a tendência à estagnação, manifestada a longo prazo pelo sistema econômico. Os trabalhos mais importantes baseados nas idéias de Keynes surgiram nos Estados Unidos, elaborados por um grupo de jovens economistas liderados por Alvin Hansen, professor em Harvard. Alguns desses trabalhos referem-se ao arcabouço técnico de A Teoria Geral; outros procuram analisar as relações entre os salários reais e nominais, tendo como preocupação o equilíbrio no desemprego, bem como os fatores que contribuem para o esgotamento dos períodos de elevado nível de atividade econômica e o início das depressões. Mas os trabalhos teóricos de maior alcance dos keynesianos prendiam se às tendências, a longo prazo, da economia capitalista (a chamada teoria do declínio das oportunidades de investimento) e à possibilidade de o nível de atividade econômica ser influenciado ou determinado pelo governo mediante uma política monetária e fiscal. (SANDRONI, 1999, p.324). 27 constituíam os pilares do processo de acumulação acelerada de capital no pós-1945, com forte expansão da demanda efetiva, altas taxas de lucros, elevação do padrão de vida das massas no capitalismo central, e um alto grau de internacionalização do capital, sob o comando da economia norte-americana, que sai da guerra sem grandes perdas físicas e com imensa capacidade de investimento e compra de matérias primas, bem como de dominação militar. O Estado a serviço dos monopólios para legitimar-se passou a reconhecer os direitos sociais, a consequência desse reconhecimento e a pressão da classe trabalhadora consolidaram as políticas sociais e ampliaram a sua abrangência, na configuração de um conjunto de instituições que dariam forma aos vários modelos de Estado de Bem-Estar Social. Conforme aponta Netto e Braz (2012) Nesses modelos, a orientação macroeconômica de caráter keynesiano combinado com a organização da produção taylorista-fordista alcançou o seu auge durante os anos de ouro e o capitalismo monopolista o seu dinamismo econômico a garantia de expressivos direitos sociais e o fez no marco de sociedades nas quais tinham vigência instituições políticas democráticas, apoiadas por ativa ação sindical e pela presença de partidos políticos de massas. No entanto, a onda longa expansiva dos “anos dourados” esgotou-se entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a segunda metade dos anos sessenta. Diante dessa conjuntura, foi constituída a terceira fase do estágio imperialista, denominado de capitalismo contemporâneo que teve sua gênese na década de 1970.Ainda nessa década segundo os autores, ocorreu um fato importante que já foi mencionado anteriormente, isto é, o esgotamento da onda longa de expansão econômica, na qual a taxa de lucro começou a declinar em alguns países europeus, Estados Unidos e no Japão, atrelado a isto também ocorreu à redução do crescimento econômico nos países capitalistas. Partindo para o plano político dessa conjuntura do final dos anos sessenta e entrada dos anos setenta, é possível destacar algumas manifestações anticapitalistas como, por exemplo: a mobilização francesa de 19686. 6O Maio de 1968 na França foi um fato sócio-político e cultural que entrou para o acervo das memórias do século XX como um legado histórico. Não se trata de um fato isolado em um país, região, continente ou região do hemisfério terrestre. Ele somou-se a outros fatos históricos, em diferentes partes e tomou proporções de um grande furacão que atingiu todo o globo, ocidental e oriental. O Maio de 68 francês não foi uma simples rebelião juvenil porque os ideais libertários que ele continha rapidamente espalharam-se em diferentes partes do mundo, em diferentes conjunturas sócio-políticas e culturais. Expressou-se pelo inconformismo, como um gritode revolta de estudantes, que se disseminou entre trabalhadores, mulheres, negros e outras categorias sociais oprimidas, que passaram a se organizar em movimentos sociais. Os sujeitos que protagonizaram as ações de rebeldia e consagraram-se como atores principais do Maio de 68 francês não foram inicialmente os operários-ainda que muitos deles tenham aderido, num segundo momento, ao movimento, deflagrando uma grande greve, principalmente na indústria automobilística (Renault e Citröen). Os protagonistas principais do Maio 1968 francês foram os estudantes, os professores, jornalistas, poetas, escritores, cineastas e alguns técnicos do setor público. Inicialmente, os conflitos que levaram a eclosão do movimento em 28 Netto e Braz (2012) apresentam que o peso do movimento sindical aumentou significativamente nos países centrais, demandando não somente melhorias salariais, mas ainda contestando a organização da produção nos moldes taylorista-fordistas. Acrescentando ao conjunto destas mobilizações, também ocorreu a revolta estudantil, a mobilização dos negros norte-americanos e o movimento feminista. Conforme estes autores afirmam o cenário de 1967 a 1973 se demonstrou desfavorável ao imperialismo, tendo em vista a estabilidade das experiências socialistas, bem como a derrota dos Estados Unidos no Vietnã7, evidenciando assim que o capital monopolista encontrava-se na defensiva. No que tange ao contexto econômico, novamente é preciso afirmar que havia uma acentuada desaceleração do crescimento econômico vinculada à queda da taxa de lucros, além disso, os custos das garantias sociais conquistadas por meio do trabalho estavam aumentando, mediante o reconhecimento dos direitos sociais, provocando uma alta da carga tributária. Sendo assim, torna-se importante apresentar a analise de Netto e Braz (2012, p.227) a respeito da estratégia política global implementada pelo capitalismo monopolista diante da recessão de 1974-1975, que conforme os autores o primeiro passo realizado foi o ataque ao movimento sindical, considerado um dos suportes do sistema de regulação social introduzido nos vários tipos de Welfare State, com o capital atribuindo às conquistas do movimento sindical a responsabilidade pelos gastos públicos com as garantias sociais e a queda da taxa de lucro às suas demandas salariais. No final da década de 1970, o ataque se deu através de medidas legais restritivas, que culminaram na redução do poder de intervenção do movimento sindical. Nanterre não eram diretamente econômicos, não era a exploração do capital que contestavam, mas a opressão/dominação cultural. Por isto, Maio francês, pelo seu conteúdo libertário, tornou-se o mais emblemático símbolo das lutas de 1968, que eclodiram em outras partes do globo. (GOHN, 2008, p-4-7) 7A Revolução no Vietnã. Sob o comando de Ho Chi Minh, na “Liga pela Independência” (Vietminh), o Vietña liberta-se da colonização francesa no fim da Segunda Guerra Mundial (1945). Após a divisão do país em dois (na Conferência de Genebra), em 1954, o norte constitui a República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte). É em 1976, com as forças do governo do norte junto à “Frente Nacional para a Libertação do Vietnã” (FNL, os Vietcongues, do sul), que se reunifica o país, formando assim a República Socialista do Vietnã. A revolução, de orientação pró-soviética, promoveu uma significativa reforma agrária, a nacionalização das indústrias e a produção cooperativada. Para evitar a “expansão comunista”, a revolução (e a libertação do sul) foi enfrentada pelos Estados Unidos, na conhecida “Guerra do Vietnã”. Essa guerra se estendeu desde 1959 até a derrota dos invasores norte-americanos e sua retirada em 1973, e onde morreram entre 3 a 4 milhões de vietnamitas (do sul e do norte), 2 milhões de cambojanos e cerca de 50 mil soldados norte-americanos. Diante disso, as repercussões desse conflito, pela sua duração e dramaticidade, e nos Estados Unidos, pelos altos custos e pela derrota militar, foram enormes: ondas de protestos antiguerras e pela paz nos Estados Unidos e no mundo todo; o antiamericanismo e o anti-imperialismo se fortaleciam, e com a consigna Yanquies go home!, os movimentos guerrilheiros e de libertação nacional tiveram um estímulo com o triunfo da revolução vietnamita. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.253). 29 Concomitantemente ocorre o esgotamento do padrão de acumulação rígida o taylorismo-fordismo e funda-se a acumulação flexível que se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Esse processo caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado "setor de serviços", bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (HARVEY, 1992, p. 140). Ainda sobre as observações de Harvey (1992), é destacado que a acumulação flexível, na medida em que ainda é uma forma própria do capitalismo, mantém três características fundamentais desse modo de produção. A começar pelo fato que é voltado para o crescimento; em segundo lugar, este crescimento em valores reais se sustenta na exploração do trabalho vivo no universo da produção e respectivamente o capitalismo tem uma intrínseca dinâmica tecnológica e organizacional. E, particularmente no que diz respeito à segunda característica, os autores acrescentam: “Curiosamente, o desenvolvimento de novas tecnologias gerou excedentes de força de trabalho, que tornaram o retorno de estratégias absolutas de extração de mais-valia, mais viável mesmo nos países capitalistas avançados... O retorno da superexploração em Nova Iorque e Los Angeles, do trabalho em casa e do "teletransporte", bem como o enorme crescimento das práticas de trabalho do setor informal por todo o mundo capitalista avançado, representa de fato uma visão bem sombria da história supostamente progressista do capitalismo. Em condições de acumulação flexível, parece que sistemas de trabalho alternativos podem existir lado a lado, no mesmo espaço, de uma maneira que permita que os empreendedores capitalistas escolham à vontade entre eles.” (HARVEY, 1992, p.175). A acumulação flexível basilou-se também na reestruturação produtiva que provocou um deslocamento dos suportes eletromecânicos para os eletroeletrônicos, e como consequências dessa mudança foram geradas três implicações, conforme os autores, sendo a primeira referente ao trabalhador coletivo, no qual as atividades intelectuais e operações foram se complexificando e se ampliando. A segunda refere-se às exigências postas a força de trabalho diretamente envolvida na produção, isto é, quem entra no mercado de trabalho deve ter qualificação, polivalência e multifuncionalidade. No entanto, essa realidade apresenta dois 30 pólos, um deles é a garantia mínima de segurança no emprego para alguns trabalhadores, enquanto no outro pólo, existe uma grande quantidade de trabalhadores precarizados. Com relação à terceira implicação de acordo com Netto e Braz (2012), o que se destaca é a gestão da força de trabalho pautada no controle dessa força pelo capital através da participação e envolvimento dos trabalhadores, valorizando a comunicação e a redução das hierarquias mediante a utilização de equipes de trabalho, caracterizando o toyotismo8, nas relações de trabalho, estimulando o sindicalismode empresa. Um aspecto importante abordado pelos autores refere-se ao fato de que o capital empenhava-se em dissolver a consciência de classe9 dos trabalhadores, utilizando o discurso de que a empresa era a extensão de sua casa, fazendo com que os trabalhadores vinculassem o seu êxito pessoal com o êxito da empresa. Dessa forma, os capitalistas passaram a denominar os trabalhadores não mais como “operários” ou “empregados”, mas a chamá-los de “colaboradores” entre outras denominações. Em vista disto, não é surpreendente que como consequências dessas transformações realizadas pelo capital, a principal classe afetada tenha sido a dos trabalhadores que sofreram com a redução salarial, bem como a precarização do emprego, demarcando um ponto expressivo da ofensiva do capital contra o trabalho, que substituiu o pleno emprego presente 8O toyotismo não é meramente “modelo japonês” ou o “japonismo”. Apesar de ter a sua gênese histórica no Japão, nos anos 50, é a partir da mundialização do capital que ele adquiriu uma dimensão universal. A partir daí ele perde sua singularidade restrita e seu valor ontológico para a produção capitalista o projeta como uma categoria universal, que articula, em si, um complexo de particularidades regionais, nacionais (e locais), seja de setores e empresas. (ALVES, 2007, p.158). O toyotismo é regido pelo princípio da flexibilidade, que articula alguns 3 valores universais – o valor do envolvimento (o nexo essencial do toyotismo, que implica a captura da subjetividade do trabalho pelo capital) e os valores da produção fluída e da produção difusa. O cerne do toyotismo é a busca do “engajamento estimulado” do trabalho, principalmente do trabalhador central, o assalariado “estável”, para que ele possa operar uma série de dispositivos organizacionais que sustentam a produção fluída e difusa. Como exemplo do toyotismo percebemos os mais diversos tipos de Programas de Gerenciamento pela Qualidade Total, pela busca da produção “just-in-time”, pela utilização do “kan-ban”, pelas novas formas de pagamento e de remuneração flexível, pela terceirização capaz de instaurar uma “produção enxuta”. Tais dispositivos organizacionais contingentes são inúmeros. Mas o que cabe resgatar são seus princípios intrínsecos de busca do envolvimento do trabalho e da busca recorrente de uma produção difusa (através da terceirização) e fluída (recorrendo, nesse caso, em última instância, a utilização de novas tecnologias microeletrônicas). Seja nas indústrias, onde tal sistema produtivo se originou, sejam nos bancos e empresas capitalistas as mais diversas, o toyotismo tenta se tornar um “senso comum” da produção de valor. Estamos diante, portanto, de um conceito com maior densidade ontológica do que imaginam sociólogos ou engenheiros de produção, muitos deles voltados para a análise empirista e restrita do processo real. (ALVES, 2000, p.4) 9 Sobre consciência de classe tem-se o seguinte: Identidade cultural e compreensão política, pensada, vivida e sentida por cada grupo social sobre seus interesses estratégicos a longo prazo. Não se adquire nem se logra por decreto, mas a partir de experiências históricas, tradições e lutas políticas. Nunca está dada, jamais existe previamente: vai sendo construída a partir dos conflitos. Na maioria das vezes, é gerada a saltos. Quando a conquista, a classe trabalhadora pode passar da necessidade econômica à vontade política. A consciência de classe é parte integrante da luta de classes. Começar a construí-la é começar a ganhar a luta. (KOHAN, 2005, p.3). 31 nos “anos dourados” pela defesa de formas precárias de emprego, eximindo os trabalhadores de garantias sociais, além de criar empregos em tempo parcial forçando o trabalhador a se submeter a várias ocupações para prover o seu sustento. É nessa perspectiva que surge a subcontratação, terceirização, externalização do trabalho, ao retirar o trabalhador da formal relação salarial, permitindo ao capital dispor, quase na sua totalidade, da mão de obra de acordo com suas necessidades. A relação “formal (regulada e relativamente protegida por lei e com a presença do Estado) passa agora a se tornar “informal” (desprotegida, desregulada e numa relação direta, quase pessoal, entre empregado e empregador, por cada empresa e sem a mediação, compulsória de leis, direitos e do Estado). Agora a tendência é que quase todos os postos de trabalho dependam das flutuações do mercado, estando o trabalhador na sua quase totalidade à mercê desse processo, sem garantias, sem estabilidade (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.199-200). Além disso, outras conseqüências foram acentuadas como a crise do movimento sindical, bem como a redução do contingente de operários industriais. E principalmente o desemprego maciço permanente tornando irreversível o exército industrial de reserva. Diante da ofensiva do capital ao trabalho, é valido destacar a análise realizada por Netto e Braz (2012) no qual, evidenciam que a exponenciação da “questão social” se caracteriza como um aspecto marcante do capitalismo contemporâneo, sendo está naturalizada e acrescida da criminalização do pauperismo e dos pobres. Nesse sentido, Netto e Braz (2012), salientam que o capitalismo contemporâneo detalhou-se pelo fato de, nele o capital estar destruindo as regulamentações, colocadas através das lutas do movimento operário e dos trabalhadores. Culminando no desmonte dos vários tipos de Welfare State10, que atualmente se expressa como exemplo da estratégia do capital 10Com relação aos tipos de Welfare State, segundo Mishra (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 94) destacam à começar pelo Plano Beveridge, criado na Inglaterra, este apresentou como princípios que estruturou o Welfare State, os seguintes: 1) responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos, por meio de um conjunto ações em três direções: regulação da economia de mercado a fim de manter elevado nível de emprego; prestação pública de serviços sociais universais, como educação, segurança social, assistência médica e habitação; e um conjunto de serviços sociais pessoais; 2) universalidade dos serviços sociais; e 3) implantação de uma “ rede de segurança” de serviços de assistência social. Corroborando com isto existem outros tipos de Welfare State, como por exemplo, o liberal, predominando nos Estados Unidos, Canadá e Austrália, com as seguintes características: políticas focalizadas de assistência aos comprovadamente pobres, reduzidas transferências universais ou planos modestos de previdência; benefícios restritos à população de baixa renda; reforma social limitada pelas normas tradicionais e liberais da ética do trabalho; critérios rigorosos para acesso aos benefícios e associados ao estigma e benefícios modestos. Nos países em que predominam tais características, o Estado encoraja o mercado, tanto passiva (ao garantir apenas o mínimo) quanto ativamente (ao subsidiar esquemas privados de previdência). Outro tipo de Welfare State teria como base o modelo bismarckiano, que predominou na Áustria, França, Alemanha e Itália. Nestes, não havia uma obsessão liberal com a mercadoria e a busca pela eficiência nunca foi marcante, a consessão de direitos sociais não era uma questão controvertida; os direitos preservam o status ligado à estratificação social, o que limitaria sua capacidade redistributiva; o edifício estatal substitui o mercado enquanto provedor de benefícios 32 para suprimir os direitos sociais duramente alcançados pelos trabalhadores, bem como acabar com as garantias ao trabalho, por meio, da flexibilização. Sendo assim, neste momento cabe salientarmos o debate a respeito do neoliberalismo que por sua vez contribuiu para aguçar ainda mais a ofensiva do capital e a desregulamentação dos direitosda população. Desse modo, o avanço dos ideais neoliberais começou a se estruturar a partir da crise capitalista de 1969-1973 marcada pela desaceleração do crescimento econômico, no qual já salientamos anteriormente. Conforme afirma Anderson (1995) o neoliberalismo surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial, como uma reação teórica ao Estado intervencionista e de bem-estar social, tendo suas premissas elaboradas no texto de Friedrich Hayeck, “O caminho da servidão”, publicado em 1944, sendo que “seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases para um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro” (Anderson, 1995, p.10). O que se pode denominar ideologia neoliberal compreende uma concepção de homem (considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e calculista), uma concepção de sociedade (tomada como um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na ideia da natural e necessária desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade vista como função da liberdade de mercado (NETTO; BRAZ, 2012, p.238) Dessa forma, os neoliberais partiam do pressuposto que a proteção social garantida pelo Estado social, por meio de políticas redistributivas, prejudicava o desenvolvimento econômico pelo fato de aumentar o consumo e diminuir a poupança da população. Se baseando por isso, conforme Navarro (apud Behring e Boschetti, 2011, p.126) os neoliberais defendem uma programática em que o Estado não deve intervir na regulação do comércio exterior nem na regulação dos mercados financeiros, pois o livre movimento de capitais garantirá maior eficiência na redistribuição de recursos internacionais. sociais, de modo que a previdência privada possui papel secundário. Nesses regimes corporativos havia uma ênfase estatal na manutenção das diferenças de status, os benefícios eram comprometidos com a família tradicional devido ao legado da Igreja, os benefícios voltados para as famílias incentivavam a maternidade e baseava-se no princípio da subsidiaridade, o que levaria o Estado a intervir apenas quando a capacidade da família se exaurisse. Por fim, tem-se o regime “social-democrata”, que conforme Esping-Andersen (1991) agrupava os países que instituíram políticas sociais universais e cujos direitos sociais foram estendidos às classes médias. Esse modelo de Welfare State promovia uma igualdade com melhores padrões de qualidade e não apenas igualdade das necessidades mínimas. Sendo sustentados em dois princípios para a implementação das políticas sociais: serviços e benefícios compatíveis com os gastos mais refinados da classe média e igualdade na prestação de serviços que garante aos trabalhadores plena participação na qualidade dos direitos desfrutados pelos mais ricos. Os benefícios são desmercadorizantes e universalistas, todas as camadas são incorporadas a um sistema universal de seguros, mas com benefícios graduados de acordo com os ganhos habituais. (ESPING- ANDERSEN, 1991 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p.99-100). Conforme Behring e Boschetti (2011, p.108) o Brasil acompanha as tendências internacionais de incremento da intervenção do Estado diante das expressões da questão social, mas com características muito particulares. 33 A hegemonia do neoliberal se deu inicialmente nos governos de Thatcher (Inglaterra, 1979), Reagan (EUA, 1980), Khol (Alemanha, 1982) e Schlutter (Dinamarca, 1983). Mas essa doutrina econômica não se restringiu apenas a estes países citados. Conforme Anderson (1995), quase todos os governos eleitos na Europa ocidental na década de 1980 implementaram programas seguindo suas diretivas. Dessa forma, a Inglaterra foi o país que incrementou os princípios neoliberais de forma mais “pura”: contraiu a emissão monetária, elevou as taxas de juros, rebaixou os impostos sobre os altos ganhos, eliminou o controle sobre os fluxos financeiros, criou níveis de desemprego maciço, atenuou as greves, aprovou legislações anti-sindicais, realizou corte nos gastos sociais e estabeleceu um vasto programa de privatização. No que concerne ao governo norte-americano de Reagan, sua política neoliberal pautou-se na competição militar com a União Soviética como estratégia para “quebrar” a economia soviética e reindustrializar a América, reduzindo impostos em favor dos ricos, elevando as taxas de juros, enfraquecendo a única greve de trabalhadores em sua gestão e criando um déficit público ao entrar na corrida armamentista. Posteriormente a ideologia neoliberal ao demonizar o Estado, afirmando que este deveria passar por uma reforma propiciou a partir da década de 1980 um processo de contra- reforma do Estado promovendo o desmonte ou a redução de direitos e garantias sociais. Assim, Behring e Boschetti (2011), acrescem que nesta mesma conjuntura os países capitalistas centrais não foram capazes de resolver a crise do capitalismo nem alteraram os índices de recessão e baixo crescimento econômico, no entanto, as medidas que foram tomadas apresentaram efeitos destrutivos para as condições de vida da classe trabalhadora, tendo em vista que gerou um aumento significativo do desemprego, destruição de postos de trabalho não qualificados, redução dos salários por causa do aumento da oferta de mão-de- obra e redução de gastos com as políticas sociais. Vale notar a contribuição de Netto e Braz (2012) ao apontar que o ataque do grande capital às dimensões democráticas da intervenção do Estado começou tendo por alvo a regulamentação das relações de trabalho e se desenvolveu no sentido de reduzir, fragmentar e privatizar os sistemas de seguridade social. Prosseguiu estendendo-se à intervenção do Estado na economia, pautando-se num processo de privatização, no qual o grande capital impôs “reformas” que retiraram do controle estatal empresas e serviços, através do qual o Estado entregou ao grande capital, para exploração privada e lucrativa, complexos industriais inteiros (siderurgia, indústria naval e automotiva, petroquímica) e serviços essenciais como distribuição de energia, transportes, saneamento básico, telecomunicações entre outros. 34 Ainda nesta linha de discussão torna-se importante traçar um breve panorama do neoliberalismo no Brasil. Sendo assim, a partir da década de 1980 o cenário brasileiro passou por profundas mudanças começando pela retomada do Estado democrático de direito, que nas décadas anteriores no longo período de ditadura militar a população brasileira sofria com a repressão, com a crescente desigualdade social, o desemprego exacerbado e a falta de perspectiva de melhores condições de vida. E diante desse novo contexto social e político os sujeitos passaram ter a liberdade de expressão e a lutar pela defesa da democracia e de seus respectivos direitos. Como faz notar Behring e Boschetti (2011), o movimento operário e popular era um ingrediente político da história recente do país, que ultrapassou o controle das elites. Sua presença e sua ação interferiram na agenda política ao longo dos anos 1980 e pautaram alguns eixos na Constituinte, como exemplo, a reafirmação das liberdades democráticas; impugnação da desigualdade descomunal e afirmação dos direitos sociais; reafirmação das ingerências do FMI; direitos trabalhistas; e reforma agrária. A Constituição demonstrou o duro processo de mobilizações dos sujeitos sociais, bem como a disputa de interesses específicos, no entanto, alguns aspectos tiveram evolução como os direitos sociais, no que tange a seguridade social, os direitos humanos e políticos, a ponto de Ulisses Guimarães considerar uma “Constituição Cidadã”. Conforme Sader (2016) apresenta, o esgotamento dos planos heterodoxos de controle
Compartilhar