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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL BRUNO ÍTALO FRANCO DE OLIVEIRA AVALIAÇÃO DO CUSTO DO CICLO DE VIDA DE MATERIAIS CIMENTÍCIOS: ESTUDO PARA ARGAMASSAS INDUSTRIALIZADAS. NATAL/RN 2021 BRUNO ÍTALO FRANCO DE OLIVEIRA AVALIAÇÃO DO CUSTO DO CICLO DE VIDA DE MATERIAIS CIMENTÍCIOS: ESTUDO PARA ARGAMASSAS INDUSTRIALIZADAS. Dissertação apresentada ao curso de Pós- graduação em Engenharia Civil, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito final à obtenção do título de Mestre em Engenharia Civil. Orientadora: Profa. Dra. Luciana de Figueiredo Lopes Lucena. NATAL/RN 2021 Oliveira, Bruno Italo Franco de. Avaliação do custo do ciclo de vida de materiais cimentícios: estudo para argamassas industrializadas / Bruno Italo Franco de Oliveira. - 2021. 124f.: il. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Natal, 2021. Orientador: Luciana de Figueiredo Lopes Lucena. 1. Avaliação econômica - Dissertação. 2. Construção civil - Dissertação. 3. Externalidades - Dissertação. 4. Análise de cenários - Dissertação. 5. Valoração ambiental - Dissertação. I. Lucena, Luciana de Figueiredo Lopes. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 624 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede Elaborado por Raimundo Muniz de Oliveira - CRB-15/429 BRUNO ÍTALO FRANCO DE OLIVEIRA AVALIAÇÃO DO CUSTO DO CICLO DE VIDA DE MATERIAIS CIMENTÍCIOS: ESTUDO PARA ARGAMASSAS INDUSTRIALIZADAS. Dissertação apresentada ao curso de Pós- graduação em Engenharia Civil, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito final à obtenção do título de Mestre em Engenharia Civil. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Luciana de Figueiredo Lopes Lucena – Orientadora (UFRN) ___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Josyanne Pinto Giesta - Examinador Interno (IFRN) ___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Claudia Coutinho Nóbrega – Examinador Externo (UFPB) Natal, 01 de setembro de 2021. À Deus, por me tranquilizar e me fortalecer nos momentos difíceis. Sem Ele não teria conseguido. DEDICO AGRADECIMENTOS À Deus, pelo dom da vida, e por me ajudar a ultrapassar todos os obstáculos encontrados no decorrer deste trabalho. Sem Ele ao meu lado, certamente teria desistido. Aos meus pais, José Evandro Nunes de Oliveira e Maria das Graças Franco da Costa Oliveira; e aos meus irmãos Ellen Katilien Franco de Oliveira e Caio Endrews Franco de Oliveira, pelo incentivo em períodos complicados e pela compreensão em momentos em que precisei me ausentar para dedicar-me à execução desta pesquisa. À minha companheira, Carolina Mendes Lemos, que acima de tudo é uma grande amiga, pelo apoio, incentivo e confiança que sempre depositou em mim durante toda nossa relação. À minha orientadora, Luciana de Figueirêdo Lopes Lucena, que apesar da intensa rotina de sua vida acadêmica aceitou me orientar, conduzindo o estudo com paciência, humildade e dedicação, sempre se mostrando disponível a sanar dúvidas e compartilhar todo o seu amplo conhecimento, representando um exemplo de profissional a ser seguido. As suas valiosas recomendações fizeram toda a diferença. Aos docentes do Pós-graduação em Engenharia Civil da UFRN, pelos ensinamentos que me possibilitaram apresentar um melhor desempenho no meu processo de formação profissional ao longo do mestrado. Aos diretores do IFRN Campus Ceará-Mirim pela compreensão e flexibilização do expediente de trabalho para que fosse possível acompanhar as aulas do curso. Sem essa colaboração essa jornada não seria possível. Aos amigos e companheiros de curso, por compartilharam comigo todos os sofrimentos, angústias e desesperos, dando força para seguir em frente. Por fim, a todos que participaram, direta ou indiretamente do desenvolvimento deste estudo, otimizando o meu processo de aprendizado. Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável. Sêneca RESUMO A indústria da construção civil é um dos maiores consumidores de energia e materiais. Compreender como esse consumo ocorre durante o seu ciclo de vida é extremamente relevante para o planejamento de mudanças para o setor. Assim, considerando a importância de dentro da perspectiva do ciclo de vida analisar os aspectos ambientais e econômicos destes materiais, buscou-se nesta pesquisa, identificar os impactos causados pela produção de materiais cimentícios, em especial a argamassa ACII, a partir de um estudo de caso em uma empresa localizada no interior do Nordeste, empregando uma metodologia de custo do ciclo de vida (CCV). Os custos foram avaliados empregando a abordagem custo-benefício, associando os custos internos e externos do ciclo de vida do berço ao portão. A produção das argamassas foi analisada utilizando cenários alternativos visando minimizar as incertezas inerentes ao processo. Para cada cenário foram analisadas alternativas mitigadoras para os principais impactos ambientais associados, visando verificar sua viabilidade e efetividade. Os resultados do CCV mostraram que o cimento tem um elevado impacto econômico e ambiental e que os custos internos são os maiores contribuintes para os custos totais do processo, devido às elevadas quantidades de matérias-primas e insumos empregados e pela busca da empresa em se tornar mais sustentável. O cenário de economia aquecida possibilitou melhores resultados no que se refere a viabilidade econômica, motivados principalmente pela baixa cotação do dólar. Já o cenário com economia em retração pode dificultar que medidas para redução de impactos ambientais sejam implantadas, dificultando assim o aperfeiçoamento da produção. A utilização de equipamento de proteção individual, juntamente com a instalação de um sistema de exaustão e a substituição do cimento portland comum por um cimento LC3, se mostrou uma maneira viável e efetiva de amenizar os impactos ambientais associados, entretanto, necessitam de muitos recursos e tempo para sua implementação. Conclui-se com o estudo que a inclusão do pensamento do ciclo de vida no processo de tomada de decisões demonstrou ser de suma relevância para a obtenção de uma produção mais sustentável, uma vez que considera os diferentes estágios do ciclo de vida. Palavras-chave: Avaliação econômica. Construção civil. Externalidades. Análise de cenários. Valoração ambiental. ABSTRACT The construction industry is one of the biggest consumers of energy and materials. Understanding how this consumption occurs during its life cycle is extremely relevant for planning changes for the sector. Thus, considering the importance of analyzing the environmental and economic aspects of these materials from the perspective of the life cycle, this research sought to identify the impacts caused by the production of cementitious materials, in particular the ACII mortar, based on a study of case in a company located in the interior of the Northeast, using a life cycle cost (LCC) methodology. Costs were assessed using a cost- effective approach, associating the internal andexternal lifecycle costs of the crib to the gate. The production of mortars was analyzed using alternative scenarios in order to minimize the uncertainties inherent to the process. For each scenario, mitigating alternatives for the main associated environmental impacts were analyzed, in order to verify their feasibility and effectiveness. The CCV results showed that cement has a high economic and environmental impact and that internal costs are the biggest contributors to the total costs of the process, due to the high amounts of raw materials and inputs used and the company's quest to become more sustainable. The heated economy scenario enabled better results in terms of economic viability, mainly motivated by the low dollar exchange rate. The scenario with economy in retraction, on the other hand, can make it difficult for measures to reduce environmental impacts to be implemented, thus making it difficult to improve production. The use of personal protective equipment, together with the installation of an exhaust system and the replacement of common portland cement with LC3 cement, proved to be a viable and effective way to mitigate the associated environmental impacts, however, they require many resources and time for its implementation. The study concludes that the inclusion of life cycle thinking in the decision- making process proved to be of paramount importance for obtaining a more sustainable production, since it considers the different stages of the life cycle. Keywords: Economic evaluation. Construction. Externalities. Scenario analysis. Environmental valuation. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Etapas de um ciclo de vida ...................................................................................... 24 Figura 2 - Processo de seleção dos artigos ............................................................................... 37 Figura 3 - Etapas da pesquisa ................................................................................................... 42 Figura 4 - Etapas da metodologia de ACCV ............................................................................ 44 Figura 5 - Limite do Sistema .................................................................................................... 45 Figura 6 - Metodologia de valoração da emissão de dióxido de carbono ................................ 48 Figura 7 - Metodologia de valoração da emissão de material particulado ............................... 49 Figura 8 - Amostrador de partículas portátil Handi-vol ........................................................... 50 Figura 9 - Metodologia de valoração da geração de ruído ....................................................... 52 Figura 10 - Decibelímetro digital portátil ................................................................................. 53 Figura 11 - Etapas da análise de cenários ................................................................................. 56 Figura 12 - Esquema para análise das alternativas Esquema para análise das alternativas...... 58 Figura 13 - Composição da Argamassa ACII ........................................................................... 64 Figura 14 - Fluxograma do sistema produtivo ......................................................................... 65 Figura 15 - Participação dos tributos no preço do cimento ...................................................... 67 Figura 16 - Custo do ciclo de vida do processo produtivo do cimento .................................... 69 Figura 17 - Custo do ciclo de vida do processo produtivo da areia.......................................... 71 Figura 18 - Emissão de CO2 dos componentes da Argamassa ACII ........................................ 74 Figura 19 - Peso das etapas no CCV da argamassa analisada .................................................. 80 Figura 20 - VPL para cada condição ........................................................................................ 82 Figura 21 - Relação B/C para cada condição ........................................................................... 82 Figura 22 - CCV por unidade produzida .................................................................................. 83 Figura 23 - VPL das alternativas .............................................................................................. 86 Figura 24 - Relação B/C das alternativas ................................................................................. 86 file:///G:/Meu%20Drive/MESTRADO/Feito/DISSERTAÇÃO%2011_08.docx%23_Toc79925509 file:///G:/Meu%20Drive/MESTRADO/Feito/DISSERTAÇÃO%2011_08.docx%23_Toc79925513 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Principais impactos da construção civil ................................................................. 21 Quadro 2 - Comparação das categorias de ACCV ................................................................... 27 Quadro 3 - Apresentação das características analisadas nos artigos selecionados ................... 38 Quadro 4 - Descrição das condições......................................................................................... 55 Quadro 5 - Descrição dos Cenários propostos.......................................................................... 57 Quadro 6 - Cenários propostos ................................................................................................. 57 Quadro 7 - Características das alternativas............................................................................... 59 Quadro 8 - Descrição das alternativas ...................................................................................... 59 Quadro 9 - Matriz de custo-efetividade .................................................................................... 61 Quadro 10 - Matriz de custo-efetividade das alternativas ........................................................ 88 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Principais análises econômicas ............................................................................... 30 Tabela 2 - Fator de emissão dos componentes ......................................................................... 48 Tabela 3 - Pesos dos impactos ambientais ............................................................................... 60 Tabela 4 - Inventário da Argamassa ACII ................................................................................ 64 Tabela 5 - Composição do custo de aquisição .......................................................................... 66 Tabela 6 - Composição dos custos de produção do cimento .................................................... 68 Tabela 7 - Composição dos custos de extração da areia ........................................................... 70 Tabela 8 - Composição da equipe para extração de areia ......................................................... 70 Tabela 9 - Consumo energético dos equipamentos empregados no processo .......................... 73 Tabela 10 - Composição dos custos internos............................................................................ 73 Tabela 11 - Custo externo da emissão de CO2 ......................................................................... 76 Tabela 12 - Medições diárias de PTS dos postos de trabalho .................................................. 76 Tabela 13 - Custo externo da emissão de Material Particulado ............................................... 78 Tabela 14 - Emissão de ruído por máquina .............................................................................. 78 Tabela 15 - Custo externo da geração de ruído ........................................................................ 79 Tabela 16 - CCV da argamassa analisada ................................................................................ 80 Tabela 17 - Receitas envolvidas no processo ...........................................................................81 Tabela 18 - Custo de implantação e efetividade das alternativas ............................................. 85 Tabela 19 - Custo e Índice de efetividade das alternativas....................................................... 88 LISTA DE ABREVIATURAS ACB Análise De Custo-Benefício ACCV Avaliação do Custo do Ciclo de Vida ACE Análise de Custo Efetividade ACV Avaliação do Ciclo de Vida CCV Custo do Ciclo de Vida CFEM Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais CO2 Dióxido de carbono CSC Custo Social do Carbono CV Ciclo de Vida EPI Equipamento de proteção individual GEE Gases do efeito estufa HUOL Hospital Universitário Onofre Lopes IGP-M Índice Geral de Preços – Mercado IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo LC3 Cimentos de Argila Calcária Calcinada MP Material Particulado MP10 Material Particulado 10 μm MP2,5 Material Particulado 2,5 μm NOx Óxidos de nitrogênio PCV Pensamento do Ciclo de Vida PET Razão Custo Efetividade Incremental PIB Produto Interno Bruto PTS Partículas Totais em Suspensão RCEI Razão Custo Efetividade Incremental RSL Revisão Sistemática da Literatura SELIC Sistema Especial de Liquidação e de Custódia SO2 Dióxido de enxofre TMA Taxa Mínima de Atratividade VPL Valor Presente Líquido SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 15 1.1 Justificativa .......................................................................................................... 17 1.1.1 Objetivo geral ........................................................................................................ 18 1.1.2 Objetivos específicos ............................................................................................. 18 2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................... 20 2.1 Sustentabilidade na construção civil .................................................................. 20 2.1.1 Produção de materiais de construção e os impactos associados ............................ 21 2.2 Pensamento do ciclo de vida (PCV) ................................................................... 23 2.3 Avaliação do custo do ciclo de vida (ACCV) .................................................... 25 2.3.1 Categorias .............................................................................................................. 25 2.3.2 Implementação da metodologia ............................................................................. 28 2.3.3 ACCV considerando cenários distintos ................................................................. 30 2.3.4 Externalidades........................................................................................................ 33 2.3.5 Vantagens e desvantagens ..................................................................................... 35 2.3.6 Produção científica da ACCV sobre a produção de materiais de construção civil 36 2.3.6.1 Considerações sobre a revisão sistemática ........................................................... 41 3 METODOLOGIA ................................................................................................ 42 3.1 Caracterização da empresa analisada e do seu sistema produtivo ................. 43 3.1.1 Pesquisa de campo ................................................................................................. 43 3.2 Avaliação do Custo do Ciclo de Vida (ACCV) .................................................. 44 3.2.1 Definição do escopo e fronteira do sistema ........................................................... 44 3.2.2 Estimativa dos custos e receitas ............................................................................. 45 3.2.2.1 Custos .................................................................................................................... 45 3.2.2.1.1 Custos Internos (CI) .............................................................................................. 46 3.2.2.1.2 Custos Externos (CE) ............................................................................................ 46 3.2.2.1.2.1 Emissão de dióxido de carbono (CCO2) ................................................................ 47 3.2.2.1.2.2 Emissão de material particulado (CMP) ............................................................... 49 3.2.2.1.2.3 Geração de ruído ................................................................................................... 52 3.2.2.2 Receitas .................................................................................................................. 53 3.2.3 Método de avaliação .............................................................................................. 53 3.2.3.1 Premissas básicas .................................................................................................. 54 3.2.3.2 Valor Presente Líquido (VPL) ............................................................................... 54 3.2.3.3 Relação Benefício/Custo (B/C) .............................................................................. 54 3.2.4 Análise e interpretação .......................................................................................... 55 3.3 Análise de Cenários ............................................................................................. 56 3.3.1 Composição dos cenários ...................................................................................... 57 3.3.2 Composição das alternativas.................................................................................. 57 3.3.3 Metodologias de análise ........................................................................................ 59 3.3.3.1 Análise custo-benefício .......................................................................................... 59 3.3.3.2 Análise custo-efetividade (ACE) ............................................................................ 60 3.3.4 Análise e interpretação .......................................................................................... 62 4 RESULTADOS .................................................................................................... 63 4.1 Caracterização da empresa analisada e do seu sistema produtivo ................. 63 4.1.1 Inventário do ciclo de vida .................................................................................... 64 4.2 Análise do Custo do Ciclo de Vida ..................................................................... 65 4.2.1 Custos e Receitas ................................................................................................... 65 4.2.1.1 Custos .................................................................................................................... 66 4.2.1.1.1 Custos Internos ...................................................................................................... 66 4.2.1.1.1.1 Custo de Aquisição ................................................................................................ 66 4.2.1.1.1.2 Custo de processamento ........................................................................................ 72 4.2.1.1.2 Custos Externos ..................................................................................................... 74 4.2.1.1.2.1 Emissão de dióxido de carbono ............................................................................. 74 4.2.1.1.2.2 Emissão de material particulado ........................................................................... 76 4.2.1.1.2.3 Emissão de Ruído .................................................................................................. 78 4.2.1.2 Receitas envolvidas no processo ...........................................................................81 4.2.2 Interpretação dos resultados .................................................................................. 81 4.3 Análise de Cenários ............................................................................................. 84 4.3.1 Análise Custo-Benefício ........................................................................................ 85 4.3.2 Análise Custo-efetividade ...................................................................................... 88 4.3.3 Considerações e sugestões ..................................................................................... 89 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 92 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 94 APÊNDICE A – FORMULÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA ............................................................................................................................. 111 APÊNDICE B – FORMULÁRIO PARA LEVANTAMENTO DOS CUSTOS E RECEITAS ..................................................................................................... 112 APÊNDICE C – ANÁLISE DA VIABILIDADE DO SISTEMA PRODUTIVO ..................................................................................................... 115 APÊNDICE D – ANÁLISE DA VIABILIDADE DAS ALTERNATIVAS .. 116 ANEXO A – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP .......................... 119 15 1 INTRODUÇÃO A indústria da construção civil apresenta relevância significativa sobre a economia do país, até mesmo na etapa pós-obra. Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC, 2021) cada real aplicado na execução de moradias motivará mais R$ 0,36 de gastos na etapa subsequente (pós-obra). Além disso, o setor é responsável por grande parcela dos empregos gerados no país e representa 7% do Produto Interno Bruto (PIB) (GUGGENBERGER; ROTONDARO, 2021). Essa representatividade está relacionada à elevada produção dessa indústria, que por sua vez, provoca grandes impactos ambientais, em especial, o consumo de recursos naturais (JOHN, 2010). A crise de 2020 provocada pela pandemia do vírus SARS-CoV-2, responsável pela doença COVID-19, causou queda no consumo desse setor e paralelamente, intensificou a discussão sobre sustentabilidade, motivando uma retomada no pós-pandemia com mudanças nos produtos e nos processos, baseadas em uma economia de baixo carbono, possibilitando a geração de empregos, infraestruturas limpas e um futuro resiliente (UNRIC, 2021). Por sua vez, a indústria de produtos cimentícios pode ser considerada atualmente, a maior indústria do mundo, por serem seus produtos os mais manufaturados em massa da Terra (SCRIVENER et al., 2018; LIPPIATT; LING; PAN, 2020; PIVÁK et al., 2020). Entretanto, ao mesmo tempo que exercem um papel significativo na economia mundial, são responsáveis também por grandes impactos ambientais durante seu processo de fabricação, principalmente devido ao consumo de recursos naturais, geração de resíduos sólidos, emissões de poeira, ruídos e gases de efeito estufa (GEE), sobretudo o dióxido de carbono (CO2) que afeta o meio ambiente e provoca mudanças climáticas (IGHALO; ADENIYI, 2020; MOHAMAD et al., 2021). A argamassa é um dos produtos cimentícios mais empregados na construção civil. Segundo Caldas e Toledo Filho (2019) o revestimento argamassado possui um papel fundamental no desempenho das edificações, auxiliando na melhoria do conforto térmico e acústico, estanqueidade e durabilidade. Entretanto, sua utilização provoca impactos ambientais, causados por seus materiais constituintes não renováveis, como cimento, cal e areia (PASSUELLO et al., 2019). A expectativa de urbanização para o futuro aponta que o consumo de materiais cimentícios só tende a crescer, tornando-se fundamental estratégias para diminuir os impactos ambientais de sua produção (HABERT et al., 2020) e torná-la mais sustentável. Aperfeiçoar a gestão da produção dos materiais de construção garante uma melhoria na pegada ecológica da construção civil e na diminuição global do consumo de recursos naturais e de impactos relacionados à sua fabricação, podendo impactar positivamente no preço de seus 16 produtos (PASSUELLO et al., 2014; CARVALHO et al., 2018). Hossain e Ng (2019), Huang et al. (2020), Bitsiou e Giarma (2020), afirmam que as avaliações de impacto de materiais de construção devem ser realizadas por meio do pensamento do ciclo de vida, pois, ao se considerar os diferentes estágios do ciclo de vida, evita-se que decisões tomadas em um estágio, prejudiquem outros estágios da vida. Pesquisas que tratam dos impactos ambientais de materiais cimentícios utilizando avaliação do ciclo de vida têm evoluído nas últimas décadas (ZHANG et al., 2019; SAADE; PASSER; MITTERMAYR, 2019). Oliveira, Pacca e John (2016) detectaram variações consideráveis nos impactos causados por diferentes fabricantes de blocos de concreto, motivadas pela tecnologia empregada e pelo consumo de cimento, revelando a possibilidade de uma produção mais limpa desses materiais. Caldas e Toledo Filho (2019) avaliaram argamassas, graute e bloco de concreto e constataram que o cimento se mostrou o insumo mais impactante para a produção da maioria dos materiais avaliados. Silva et al. (2019) avaliaram a produção de concreto usinado de várias fábricas no Brasil e detectaram um elevado potencial para melhoria de processos e apontaram que a escolha de um fornecedor com base no desempenho ambiental pode ser uma estratégia eficaz para tornar a construção sustentável. Selhorst, Nobre e Alves (2020) analisaram por meio de avaliação do ciclo de vida os impactos ambientais gerados no processo de fabricação de argamassa. Os resultados expõem a importância da aplicação da ferramenta ao longo do processo projetual do design sustentável, uma vez que identificam os principais impactos do processo e onde estão localizados, facilitando o desenvolvimento de soluções novas e mais assertivas. A ferramenta de análise do custo do ciclo de vida (ACCV) pode ser uma importante aliada para alcançar uma maior sustentabilidade na indústria da construção civil, uma vez que possibilita avaliar, conjuntamente, aspectos econômicos, ambientais e sociais em todas as etapas do ciclo de vida (HUNKELER; LICHTENVORT; REBITZER, 2008; RAHIM et al., 2014; ZAKI et al., 2019). A diminuição dos ciclos de vida dos produtos, associada à obrigação econômica constante de elevação dos resultados e por consequência análise dos custos, incentivaram a utilização dessa ferramenta no processo de tomada de decisões (MIAH, KOH; STONE, 2017). A ACCV já foi aplicada na análise de alguns materiais de construção, como pisos cerâmicos (SETTANNI; EMBLEMSVÅG, 2010), louças sanitárias (LV et al., 2019), blocos de vedação (UDAWATTHA; HALWATURA, 2017) e asfalto (REHAN; QI; WERNER, 2018), em geral, comparando materiais que possuem a mesma finalidade, com o objetivo de identificar aquele com o menor custo do ciclo de vida. 17 1.1 Justificativa Nota-se que dentre os materiais amplamente empregados no setor da construção civil os produtos cimentícios merecem destaque pelo seu elevado consumo e pelos impactos causados, de modo que analisar e aperfeiçoar a cadeia produtiva desses produtos é importante. A relevância desta pesquisa se justifica na necessidade de aprimorar as rotinas de planejamento e gestão econômica para obtenção de alternativas economicamente sustentáveis para as empresas responsáveis pela produção desses materiais, principalmente as argamassas industrializadas, uma vez que seu consumo tem passado por crescentes aumentos, e por representar um setor bastante competitivo (SABATKE; NUNES; SALES, 2021). Dessa forma, o presente trabalho busca realizar uma análise detalhada dos aspectos econômicos associadosao ciclo de vida da fabricação de uma argamassa colante tipo II (ACII), empregando ACCV, a partir de um estudo de caso em uma empresa localizada na Região Nordeste do Brasil. A Associação Brasileira de Argamassa Industrializada (ABAI, 2016), estima que a Região Nordeste foi responsável por 22% da produção de argamassas industrializadas no ano de 2015, representando cerca de 26 milhões de toneladas. Entretanto, são necessários estudos que estimulem o crescimento e o desenvolvimento de cadeias produtivas nessa região, pois estima-se que 31,48% dos investimentos iniciais do ramo da construção civil no Nordeste transbordam para outras regiões do país, evidenciando a dependência do Nordeste com o resto do país (VIEIRA; PEREIRA, 2013). Esforços para minimizar os impactos no ecossistema são necessários e urgentes, e demandam um esforço coletivo, necessitando que empresas, governos e indivíduos atuem, modificando as formas de consumo e produção, estabelecendo políticas e alterando práticas. A indústria de materiais cimentícios, com seu elevado consumo e impacto ambiental, exige que seu ciclo de vida seja analisado, aperfeiçoando a gestão desses produtos, melhorando seu desempenho e reduzindo os custos e os impactos ambientais associados. As demandas da sociedade devem ser atendidas por produtos e serviços proporcionados através de sistemas otimizados de consumo e produção que não ultrapassem a capacidade do ecossistema. Devi e Palaniappan (2014) analisaram a energia do ciclo de vida para a produção de materiais, processos de construção no local, uso e demolição. Essas etapas representaram, respectivamente, 32%, 4%, 63% e 1% da energia do ciclo de vida, considerando uma vida útil de 50 anos. O levantamento feito por Chau, Leung e Ng (2015) aponta que a etapa de utilização de uma construção colabora com a maior parcela de impacto ambiental de seu ciclo de vida, sendo os materiais estruturais os principais responsáveis. 18 Entretanto, considerando as recentes estratégias de diminuição do consumo energético, como a utilização de equipamentos com menor consumo de energia, a existência de melhores opções de isolamento térmico, entre outras, espera-se que a fase de uso tenha seu impacto diminuído com o tempo, fazendo com que outras etapas ganhem mais relevância, como por exemplo, a produção de materiais. Portanto, é necessário conhecer a cadeia produtiva dos materiais de construção e os impactos associados, para uma seleção de materiais mais consciente e sustentável. Outro fator que justifica a realização desta pesquisa é a disseminação da metodologia da ACCV, fornecendo melhores informações para o processo de tomada de decisões, de modo que estratégias mais vantajosas sejam traçadas e fortalecendo a competitividade do setor. Constatou-se ainda uma lacuna na revisão da literatura, pois muito já se conhece sobre os impactos causados pelos materiais cimentícios, entretanto, a variável custo, considerando todas as etapas do ciclo de vida e incluindo a vertente ambiental, ainda não é amplamente discutida, mostrando que estudos que analisem o impacto do CCV desses componentes são necessários, uma vez que a falta desses dados pode dificultar o processo de tomada de decisão, já que, segundo Patil et al. (2020), todos os custos incorridos ao longo do ciclo de vida devem ser considerados. Assim, para obter uma cadeia produtiva cada vez mais sustentável torna-se necessário conhecer o ciclo de vida desses materiais, bem como incluir o pensamento do ciclo de vida no processo de tomada de decisão. 1.1.1 Objetivo geral O objetivo geral da pesquisa é identificar os impactos causados pela produção de materiais cimentícios, em especial a argamassa ACII, considerando as perspectivas ambientais e econômicas do seu ciclo de vida. 1.1.2 Objetivos específicos ● Identificar e quantificar os impactos ambientais provenientes da fabricação da argamassa ACII. ● Identificar e quantificar os custos envolvidos na fabricação da argamassa ACII. ● Identificar e quantificar os custos externos à fabricação da argamassa ACII. 19 ● Identificar, dentre os custos levantados, qual possui mais impacto no processo produtivo da argamassa ACII. ● Realizar uma análise econômica dos cenários alternativos ao atual sistema de produção, a fim de identificar aquele mais vantajoso. 20 2 REVISÃO DE LITERATURA Neste capítulo serão discutidos os aspectos relacionados à construção civil, os impactos que esse setor causa ao meio ambiente, bem como o uso da ferramenta de Avaliação do Custo do Ciclo de Vida como forma de analisar a sustentabilidade. Assim, serão abordadas as definições do pensamento do ciclo de vida e o ciclo de vida dos materiais de construção, as características de uma ACCV e seu emprego em conjunto com uma análise de cenários, finalizando com uma análise de outras pesquisas que empregaram a ACCV em análises de materiais de construção. 2.1 Sustentabilidade na construção civil De acordo com o relatório da Comissão Brundtland (BRUNDTLAND, 1987), o desenvolvimento sustentável é definido como aquele que atende as necessidades da geração atual sem prejudicar a capacidade das gerações futuras de satisfazer às suas próprias necessidades, levando em consideração o crescimento econômico, a proteção ao meio ambiente e a igualdade social. O ramo da construção civil tem significativa importância para a economia de um país. Desse modo, pequenas modificações nas suas diversas etapas construtivas podem impulsionar tanto uma maior eficiência ambiental e econômica, quanto um aumento nos investimentos no setor. Estima-se que foi responsável por empregar aproximadamente 6,3 milhões de pessoas de 14 anos ou mais de idade em 2020 (CBIC, 2020), com a criação de 317.159 vagas de emprego, entre junho/2020 e maio/2021, representando aproximadamente 12% do total de empregos criados no Brasil em um ano (CAGED, 2021). Considerando que as áreas construídas brasileiras se mostram insuficientes para atender à demanda habitacional (GONÇALVES; KALLÁS FILHO, 2020) e que até 2030 espera-se uma demanda por mais 30,7 milhões de novas residências (ABRAINC, 2021), é previsível que essa indústria continue crescendo. Em contrapartida, esse aumento da demanda habitacional provoca significativos impactos ambientais ao meio ambiente, principalmente devido às emissões relacionadas à fabricação de insumos, gasto energético durante a produção de materiais de construção e no canteiro de obras, além da produção crescente de resíduos da construção decorrentes do desperdício de materiais e nas demolições (PASSUELLO et al., 2014; LASSIO; HADDAD, 2016; KLEPA et al., 2019). 21 Segundo John (2010) estima-se que, em diferentes países, a construção civil consome algo entre 40% e 75% dos recursos naturais, sem considerar petróleo e água e muitos materiais já são escassos em algumas regiões próximas a pontos de consumo, principalmente em cidades médias, onde já é possível detectar escassez de argila para cerâmica e até de areia. De acordo com o levantamento realizado por McCormack et al. (2007) a quantidade de água incorporada na construção pode chegar a 20,1 kL/m2, já o consumo de energia das edificações representa cerca de 30% do consumo total de energia do mundo (ROMERO; REIS, 2012). A construção civil ainda é responsável por 25% das emissões de CO2 do mundo (AGOPYAN; JOHN, 2011) e por produzir, no Brasil, em torno de 500 kg de resíduos por habitante ao ano (JOHN,2010). O Quadro 1 mostra os principais impactos da construção civil em termos de consumo. Quadro 1 - Principais impactos da construção civil Impacto Quantidade Consumo de recursos naturais Entre 40% e 75% dos recursos do planeta Água incorporada na construção 20,1 kL/m2 Consumo de energia das edificações 30% do consumo total de energia do mundo Emissão de CO2 25% das emissões de CO2 domundo Produção de resíduos 500 kg de resíduos por habitante ao ano (Brasil) Fonte: Autor (2021). Além do consumo de materiais, produção de resíduos e emissões provenientes dos processos construtivos, novas construções trazem consigo outros impactos como: maior consumo de água e eletricidade; maior produção de resíduos; necessidade de infraestrutura e planejamento urbano para atender às demandas dos novos usuários e assim iniciando novamente o ciclo. Esses problemas evidenciam a necessidade da criação de políticas públicas e formas de produção que sejam sustentáveis. 2.1.1 Produção de materiais de construção e os impactos associados A produção de materiais de construção é responsável por grande parte das emissões de gases poluentes. Segundo Bribián, Capilla e Usón (2011), considerando apenas os impactos associados aos materiais de construção, cada metro quadrado construído tem uma emissão média de 0,5 toneladas de CO2 e um consumo de 5754 MJ de energia. A indústria do cimento, 22 por exemplo, é responsável por 6,1% de todas as emissões de CO2 no Brasil (AGOPYAN; JOHN, 2011) e o concreto, segunda substância mais utilizada no mundo depois da água (SCRIVENER; JOHN; GARTNER, 2018), tem uma emissão total de 167,73 kg CO2/m 3, considerando um concreto de 40 MPa (SANTORO; KRIPKA, 2016). Diversos estudos apontaram materiais cimentícios, aço, e materiais cerâmicos como os principais responsáveis pelos impactos ambientais de uma construção, em especial por estarem associados a um consumo considerável de energia não renovável, intensificação do aquecimento global e toxicidade para a saúde humana (LASSIO; HADDAD, 2016; CALDAS; LIRA; SPOSTO, 2017; LEI; HUANG; HUANG, 2020). O processo produtivo da areia é fundamental para a indústria da construção civil, possui um elevado faturamento e gera muitos empregos. A etapa de transporte representa aproximadamente 2/3 do preço final dos produtos, evidenciando a necessidade de aproximar a produção cada vez mais dos consumidores, que são os grandes centros urbanos. Entretanto, as políticas ambientais que norteiam a extração de areia de várzeas e leitos de rios tornam as possíveis áreas de extração cada vez mais afastadas dos pontos de consumo, tornando o preço final dos produtos mais elevado (QUARESMA, 2009). Paralelamente, aos poucos as matérias- primas vão esgotando e os locais para disposição dos resíduos vão ficando cada vez mais difíceis, tornando necessário modificar o atual sistema produtivo das empresas, principalmente no que concerne ao consumo dos recursos naturais e, a geração e a reutilização de resíduos. Tradicionalmente, segundo Augusto, Bragança e Almeida (2016) o preço de aquisição, na prática, é o critério dominante na escolha do material, no que se refere a custos. Entretanto, Sackey e Kim (2018) afirmam que a seleção de materiais de construção, por existir uma vasta opção e diversos fatores de influência, necessita de uma abordagem matemática mais exata. Para Worth, Boyle e Mcdowall (2007), na construção civil, por se tratar de um setor extremamente competitivo, é possível que continue se considerando o custo como fator determinante na escolha de materiais e técnicas de construção. Entretanto, para determinar o custo real de opções concorrentes, é preciso realizar uma análise mais abrangente, incluindo, por exemplo, o custo do ciclo de vida, incorporando energia e emissões de CO2 do material com os dados econômicos, gerando uma base de custos mais completa. Mesmo que a construção das edificações, em especial as verticalizadas, tenham um consumo maior de materiais, tornar a produção de materiais de construção mais eficientes diminuiu o consumo de energia e as emissões de cada unidade desses materiais, permitindo que a energia incorporada nos edifícios residenciais urbanos permaneça estável (ZHANG et al., 2019). Os processos de produção, vida útil e condições necessárias para manutenção de cada 23 material influenciará na respectiva energia incorporada e nas emissões de CO2. Ao incluir os custos de energia e emissões no custo total dos materiais, possibilita-se que decisões mais acertadas sejam tomadas na escolha de materiais sustentáveis (WORTH; BOYLE; MCDOWALL, 2007). Uma maior vida útil da construção ou de seus materiais, resulta em menores custos econômicos e ambientais, devido a menor necessidade de manutenção, menor geração de resíduos e material substituído. Produzir em um material mais sustentável ou em uma linha de produção mais sustentável dos materiais, requer uma visão mais abrangente e envolve todas as fases do processo, para isso recomenda-se uma análise sistêmica que pode ser alcançada introduzindo o pensamento do ciclo de vida. 2.2 Pensamento do ciclo de vida (PCV) O pensamento do ciclo de vida tem como principais objetivos a redução do consumo de recursos de um produto e as emissões para o meio ambiente e o aprimoramento do seu desempenho socioeconômico no decorrer de seu ciclo de vida, o que pode favorecer os vínculos entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais dentro de uma organização e em toda a sua cadeia de valor (VALDIVIA et al., 2012; GHEEWALA, 2020; LIFE CYCLE INITIATIVE, 2021). De acordo com Mazzi (2020) o PCV amplia o conceito instituído de produção mais limpa para incorporar o ciclo de vida completo do produto e sua sustentabilidade. Em todas as fases do ciclo de vida é possível diminuir o consumo de recursos e aperfeiçoar o desempenho dos produtos. Para obter êxito no processo, todas as partes interessadas da cadeia de produtos devem estar envolvidos, empregando uma abordagem colaborativa e englobando esforços com o mesmo objetivo: atingir a sustentabilidade. A tomada de decisões sobre a elaboração de produtos e processos, investimentos e políticas deve considerar as três dimensões da sustentabilidade, empregando o PCV focado no impacto socioeconômico. Assim, o PCV pode ser operacionalizado através de perspectivas, técnicas e ferramentas de gerenciamento do ciclo de vida (VALDIVIA et al., 2012; MAZZI, 2020). O termo ciclo de vida diz respeito a todas as fases e processos de um sistema de produtos ou serviços, abrangendo por completo a produção e o consumo, considerando aquisição de energia, matérias-primas e produtos auxiliares; questões dos sistemas de transportes e logística; informações da aplicação, manuseio, embalagem e consumo; sobras e resíduos e sua reutilização ou descarte (PASSUELLO et al., 2014). Estudos de um ciclo de vida 24 podem ser realizados com base em quatro modulações: do berço ao portão (Cradle-to-Gate); do portão ao túmulo (Gate-to-grave); do berço ao túmulo (Cradle-to-Grave); e do berço ao berço (Cradle-to-Cradle). Cada vez mais o conceito “do berço ao túmulo” tem dado lugar ao conceito “do berço ao berço”, incentivando o ciclo de vida circular, evitando o descarte final através da reutilização, reciclagem, e reaproveitamento da energia embutida nas embalagens e produtos. Todo e qualquer ciclo de vida de um produto é um processo dinâmico e abrangente, e é composto basicamente por quatro etapas: 1) aquisição de materiais (englobando as atividades necessárias para obter as matérias-primas e os insumos que serão utilizados na etapa seguinte); 2) produção (contempla todas as etapas de transformação até o produto a ser comercializado); 3) utilização (contemplando a comercialização, processo construtivo, manutenção e vida útil da edificação); 4) disposição final (considera os destinos dos produtos pós consumo, podendo contemplar reuso, reciclagem, recuperação de energia e até a destinação final) (LANGER et al., 2018; LEI; HUANG; HUANG, 2020). As etapas de um ciclo de vida são representadas na Figura 1. Fonte: Autor (2021). Muitas dessas etapas provocam perda e desperdício de materiais, agravando ainda mais os impactos associados, caminhando no sentido contrário da sustentabilidade,como a etapa de extração, por exemplo, que muitas vezes não leva em consideração o esgotamento dos recursos e os impactos que causam sistematicamente. Assim, estudos que avaliam os ciclos de vida dos componentes de uma construção são cada vez mais necessários, inclusive para incentivar Figura 1 - Etapas de um ciclo de vida 25 produtores e consumidores a investir em produtos e serviços que possuem inovações em seu ciclo de vida, estimulando a criação de ferramentas de análise do ciclo de vida. 2.3 Avaliação do custo do ciclo de vida (ACCV) A avaliação do custo do ciclo de vida (ACCV) é um processo de análise econômica que possibilita obter o custo durante todo o ciclo de vida de um ativo. Tem como objetivo estimar, avaliar e gerenciar os custos de cada fase do ciclo de vida, da concepção à destinação final (YAO; JIA; MAO, 2010; SILVA et al., 2018; KERDLAP; CORNAGO, 2020; MEDINA- SALGADO et al., 2021). Para Sackey e Kim (2018) uma ACCV é executada para estimar os custos gerais dos produtos ou analisar opções de projeto a fim de escolher o design que proporcionará o menor custo total de produção, mantendo sua qualidade e função. Conforme Wang, Chang e El-Sheikh (2012) o custo do ciclo de vida não deve ser entendido como apenas um meio de realização de um orçamento, mas também como uma forma de determinar possibilidades do projeto e rever seu fluxo de caixa, objetivando analisar a viabilidade do projeto. Kambanou e Lindahl (2016) afirmam que uma ACCV é realizada para um determinado agente específico, como o fornecedor ou o cliente. Para Kerdlap e Cornago (2020) a ferramenta é versátil, uma vez que pode ser empregada para diferentes objetivos e projetos em diversos estágios e escalas para auxiliar na tomada de decisões. Inicialmente, a ACCV era empregada principalmente para decisões que envolviam a aquisição de bens de capital, como equipamentos, veículos, dentre outros artigos duradouros, de elevado custo (HUNKELER; LICHTENVORT; REBITZER, 2008). Entretanto, com o passar dos anos outros itens foram sendo considerados, como os custos associados ao material, energia, mão de obra, transporte, escritório, gerenciamento, vendas, não excluindo os custos ambientais (SHI et al., 2018), cobrindo os custos do produto nas diferentes fases do ciclo de vida financeiro, como investimento, operação, manutenção e demolição (MIAH; KOH; STONE, 2017). Considerando que o cliente procura por produtos, sistemas e serviços melhores a preços mínimos, tornando o mercado cada vez mais competitivo, os fabricantes de produtos devem avaliar e fornecer estimativas do custo do ciclo de vida aos clientes. 2.3.1 Categorias 26 A ACCV pode ser dividida em três categorias (HUNKELER; LICHTENVORT; REBITZER, 2008; KERDLAP; CORNAGO, 2020; MEDINA-SALGADO et al., 2021): a) Convencional: Avalia os custos internos, ou seja, os custos associados ao ciclo de vida de um produto que são diretamente abrangidos pelos atores principais. b) Ambiental: Consiste em uma avaliação aprimorada do ACCV convencional, incluindo as externalidades monetizadas (custos externos) que devem ser internalizadas para a tomada de decisão. O ponto de vista analisado é o de um ou mais atores do mercado, em especial fabricantes. c) Social: Avalia todos os custos relacionados ao ciclo de vida de um produto que são cobertos por qualquer indivíduo na sociedade a curto ou longo prazo. Inclui todo o ACCV ambiental e adiciona outros custos externos à avaliação. Considera a perspectiva da sociedade em geral, nacional e internacionalmente, incluindo governos. Os custos internos são os custos diretamente suportados pelos agentes envolvidos no ciclo de vida de um produto. Já os custos externos, ou externalidades, são suportados por agentes que são indiretamente impactados pelas atividades do ciclo de vida de um produto. As externalidades não são incluídas no cálculo da ACCV convencional, entretanto, fazem parte da ACCV ambiental e social. A inclusão, ou não, dessas externalidades (ambientais e sociais) depende do objetivo da empresa, do escopo de sua ACCV e de seu público-alvo (KERDLAP; CORNAGO, 2020). O custo ambiental pode ser definido como aquele que está associado aos impactos das atividades antrópicas sobre o meio ambiente. Nesse tipo de custo, em geral, estão inclusas categorias de impacto ambiental, como por exemplo, o aquecimento global, efeito crônico na saúde e danos graves à saúde (SHI et al., 2018). Para o cálculo desse custo, muitas vezes é empregada a avaliação do ciclo de vida (ACV), que segundo Passuello et al. (2014) é um mecanismo que permite identificar, quantificar e avaliar os impactos ambientais que são gerados em todas as fases do ciclo de vida de um produto. Entretanto, como será visto posteriormente, a consideração de custos ambientais em uma ACCV não necessariamente carece da realização de uma ACV. Os custos sociais representam os custos e benefícios de um projeto, e consideram tanto externalidades monetizáveis, quanto aquelas difíceis de monetizar. Podem avaliar tanto o impacto de uma produção industrial ao meio ambiente, quanto para a economia de uma cidade. Geração de empregos, segurança do trabalhador, questões relacionadas à terra, questões de gênero e impactos a comunidade local são exemplos de questões sociais analisadas 27 (HUNKELER, LICHTENVORT; REBITZER, 2008; ATILGAN; AZAPAGIC, 2016; RAFIAANI et al., 2018; STAMFORD, 2020). Jørgensen, Hermann e Mortensen (2010) afirmam que é possível realizar uma avaliação de sustentabilidade apenas avaliando o impacto ambiental e o capital social. Os autores complementam que a ACCV é importante para a sustentabilidade de uma empresa, visto que os custos monetários influenciarão em sua sobrevivência. Entretanto, esse fator não apresenta relevância para a sustentabilidade da sociedade em geral. Todas as categorias possuem características e metodologias próprias, variando conforme a sua função e, juntas, formam o tripé de uma avaliação de sustentabilidade: economia, ambiente e sociedade. O Quadro 2 apresenta uma comparação entre as categorias. Quadro 2 - Comparação das categorias de ACCV Aspecto Convencional Ambiental Social Valor agregado em comparação ao LCC convencional - Avaliação ambiental e abordagem consistente para avaliações de sustentabilidade de produtos Custos de oportunidade ou créditos considerados Sistema de produto (modelo) Fases do ciclo de vida suportadas pelo ator principal Ciclo de vida completo Ciclo de vida completo Limites do sistema Apenas custos internos Custos internos, mais os custos externos que devem ser internalizados Interno adicionado de todos os custos de externalidades Perspectivas: atores Principalmente um ator, seja o fabricante, o usuário ou consumidor Um ou mais atores conectados ao ciclo de vida do produto. Principalmente fabricantes, cadeia de suprimentos e usuário final ou consumidor Sociedade em geral, incluindo governos Unidade de referência Artigo ou produto Unidade funcional Sistema Categorias de custo Principalmente custos de aquisição e custos operacionais Principalmente custos de desenvolvimento, materiais, energia, máquinas, mão de obra, gestão de resíduos, controles de emissão, transporte, manutenção e reparo, responsabilidade, impostos e subsídios Principalmente custos de construção, manutenção e danos ambientais; impostos e subsídios não têm efeito de custo líquido ACV Não Sim Não recomendado devido ao risco de contagem dupla e inconsistências 28 Uso na gestão do ciclo de vida Principalmente tomada de decisão interna para organizações privadas e considerações sobre a cadeia de suprimentos Principalmente tomada de decisão interna do produtor ou usuário do produto, mas também para comunicação externa (semelhante a ACV)Principalmente interno para organizações públicas Fonte: Adaptado de Hunkeler, Lichtenvort e Rebitzer (2008). Todavia, por falta de uma metodologia padronizada, nota-se na literatura outras formas de execução de uma ACCV, entre as quais destaca-se a utilização da ACCV convencional adicionada da monetização das principais externalidades, sem a realização de uma ACV. Para Hunkeler, Lichtenvort e Rebitzer (2008) é possível considerar externalidades em uma ACCV convencional, desde que estejam associadas a riscos ou custos significativos. Os estudos de Hong, Ji e Park (2012), Hong, Koo e Kwak (2013), Ji, Hong e Park (2014), Robati, McCarthy e Kokogiannakis (2018), por exemplo, consideraram os custos externos associados às emissões de CO2 em seus modelos de ACCV convencional, por identificar-se que o aquecimento global é a categoria mais comum de impacto ambiental empregada em estudos de ACV (ROBATI; MCCARTHY; KOKOGIANNAKIS, 2018). 2.3.2 Implementação da metodologia Não existe uma metodologia ou diretriz padrão empregada para realização da coleta e compilação de todos os dados de custo relevantes. Isso pode justificar o fato do ACCV atrair principalmente acadêmicos interessados em estudar sua teoria e conceito, do que equipes interessadas em sua aplicação em projetos de construção (HASSAN; ZAKARIA; ISMAIL, 2014). O auxílio no processo de tomada de decisões pode ocorrer de diversas formas, como aponta Langdon (2007): • Avaliando o compromisso de custo total de investir e manter um ativo, durante todo o seu ciclo de vida ("do berço ao túmulo") ou um determinado intervalo de tempo. • Aperfeiçoando o entendimento do custo total de um ativo e tornando mais clara a composição desses custos. • Possibilitando escolhas eficientes entre as diversas formas de atingir os objetivos desejados, como diminuir o consumo de energia ou prolongar um ciclo de manutenção. 29 • Auxiliando na obtenção do correto equilíbrio entre os custos de capital inicial e custos de receita futura; ajudando na identificação de oportunidades de maior custo- benefício, como escolha de componentes com maior vida útil. • Estimulando uma maior confiança na tomada de decisões em um projeto. Uma estimativa de custo depende principalmente da qualidade e confiabilidade dos dados que são coletados, entretanto, muitas vezes o acompanhamento desses dados, ao longo do tempo, não é realizado pelos fabricantes, logo não são coletados. Em geral, o foco dos fabricantes é reduzir o custo de produção, não se preocupando com os custos e impactos ambientais que ocorrem durante a etapa de utilização. A forma de obtenção dos preços envolvidos em uma ACCV é diversa. Segundo Schade (2007) as principais fontes de dados para uma ACCV são: ● Primárias: obtidos dos produtores, fornecedores, empreiteiros e especialistas; ● Secundárias: dados históricos ou gerados por meio de técnicas de modelagem. Uma vez que os custos e as receitas acontecem no decorrer de uma vida, a avaliação precisa levar em consideração os fluxos monetários em diferentes instantes. O valor monetário de um produto ou serviço pode variar conforme as alterações que ocorrem no mercado. Para considerar a influência do tempo em uma ACCV, a análise necessita comparar os custos em um determinado ano de referência definido e ajustar os demais custos futuros ao ano de referência ao realizar a comparação (KERDLAP; CORNAGO, 2020). A seleção da fórmula de cálculo do custo do ciclo de vida pode influenciar na interpretação dos resultados (MIAH; KOH; STONE, 2017), isso porque, essa análise de investimento auxilia na tomada de decisão da realização ou não de determinado investimento. Diversas técnicas foram empregadas na literatura para análises de investimento, podendo-se citar: valor presente líquido (VPL) (KOVACIC; WALTENBEREGER; GOURLIS, 2016), taxa interna de retorno (TIR) (MARIA; EYCKMANS; VAN ACKER, 2020), custo anual equivalente (PRETEL et al., 2016), custo global (MOSCHETTI; MAZZARELLA; NORD, 2015), entre outros. Segundo Assaf Neto (1992) o método do VPL é superior, na maioria dos casos, entre os métodos de fluxo de caixa descontado. As avaliações econômicas, comparam diferentes caminhos através de seus custos e resultados, objetivando contribuir com a tomada de decisão, são classificadas conforme o eixo de resultados e podem ser divididas em análise de custo-minimização, custo-efetividade, custo- benefício, entre outras. Em uma análise de custo-minimização, as intervenções são tidas como semelhantes, e, assim, a comparação é realizada apenas entre os custos de cada uma. Análises de custo-efetividade (ACE) comparam as alternativas em termos de custos e de consequências, 30 ou seja, avaliam a efetividade de se atingir os objetivos desejados. Análises de custo-benefício (ACB) têm como objetivo comparar tanto os custos como as consequências (receitas ou benefícios) em termos monetários (RIBEIRO et al.,2016). A ACB pode ser realizada por diferentes técnicas, tais como valor presente líquido (VPL), taxa interna de retorno (TIR) e relação benefício custo (B/C). A Tabela 1 apresenta uma comparação dos principais tipos de análises econômicas. Tabela 1 - Principais análises econômicas Tipo de análise Medida de custos Medida de desfecho Medida de resultado [Fórmula] Custo- minimização Valor monetário Assume-se que os desfechos são semelhantes Compara somente custos [(C1-C2 )] Custo- efetividade Valor monetário Eventos evitados R$ / medida de desfecho ganho [(C1 -C2)/(E1 -E2 )] Custo-benefício Valor monetário Convertida para valor monetário R$ líquido [ (C total-E total) ] (será um valor positivo ou negativo) Fonte: Adaptado de Ribeiro et al. (2016) Legenda: C: custo. E: efetividade. As avaliações econômicas, em geral, consideram a perspectiva da sociedade, e se diferenciam de acordo com as consequências analisadas, a cobertura da avaliação e as implicações dos diversos métodos desta análise. A seleção do método depende da finalidade da pesquisa e da existência de dados. A ACB é empregada para auxiliar os tomadores de decisão a verificar viabilidade econômica de alternativas com base na possibilidade de diminuir custos e elevar lucros. A ACM é utilizada para comparar alternativas que resultam nas mesmas consequências. Já a ACE é aplicada na comparação de opções que não são equivalentes, fornecendo dados para que o tomador de decisão defina qual a mais custo efetiva. A ACU é adotada quando se almeja avaliar impactos de forma qualitativa e quantitativa. 2.3.3 ACCV considerando cenários distintos Como o processo de planejamento trabalha com projeções para o futuro, é necessário empregar ferramentas que auxiliem nas estimativas. A construção de cenários pode ser uma importante aliada, principalmente devido às incertezas envolvidas no processo e por se tratar de sistemas bastante complexos e dinâmicos, que sofrem constantes alterações. A análise do 31 futuro segundo Marques (1988, p.297) “implica vencer três grandes dificuldades: a primeira é a própria incerteza, a ser estruturada; a segunda é a complexidade, a ser reduzida; e a terceira é a organicidade, a ser respeitada”. Pesquisas envolvendo ACCV e análise de cenários são comuns na literatura, avaliando, por exemplo, a geração de eletricidade (WELDU; ASSEFA, 2017; GUSTAFSSON et al., 2019), sistemas de retrofit (SALEM et al., 2020) e gestão de resíduos sólidos (SHARMA; CHANDEL, 2021), com a finalidade de determinar a alternativa que apresente a maneira mais econômica de atingir a sustentabilidade ambiental. Os estudos evidenciam a importância de considerar possíveis cenários futuros ao analisar alternativas que são executadas hoje, mas que duram longos períodos. O estudo de cenários começou a ser empregado de maneira sistemática entre os militares no decorrer da Segunda Guerra Mundial, predominantementenos Estados Unidos, como uma ferramenta de apoio à formulação de estratégias bélicas. No Brasil, a técnica teve seu início de fato na segunda metade da década de 1980, por meio de empresas estatais que necessitavam de decisões de longo prazo, por operarem em segmentos de longo prazo de maturação (BUARQUE, 2003). Em geral, os cenários são empregados pela alta administração para proporcionar um melhor entendimento das possibilidades de ambientes de negócios que devem encarar no futuro. À medida que possibilitam imaginar futuros alternativos, a análise de projetos envolvendo cenários têm auxiliado muitos dirigentes na busca por vantagem competitiva (MILLETT, 2003). Segundo Wright e Spers (2006) a elaboração de cenários não consiste em um exercício de previsão, mas sim um empenho de descrever de forma consistente possíveis eventos futuros, exibindo as condicionantes do caminho entre a condição atual e cada cenário futuro, mostrando os fatores fundamentais a serem considerados no processo de tomada de decisão. O cenário precisa englobar os principais aspectos do problema, e seus autores precisam desvencilhar-se dos eventos passados, mantendo-se nos limites do conhecimento científico e sugerindo alterações possíveis no horizonte de tempo considerado. Para Marques (1988) numa construção de cenário os atores mais importantes são os econômicos e os políticos, que possuem o papel fundamental de alterar a realidade conforme buscam tornar viável o seu projeto de futuro. Uma etapa crítica da análise de cenário abrange a seleção de indicadores de mudança que podem afetar um determinado sistema ou sua gestão. Diversas variáveis podem ser consideradas em estudos de cenários dependendo do tipo de análise realizada envolvendo aspectos econômicos como o aquecimento do mercado, tarifa de frete, o produto interno bruto (PIB) e a taxa de 32 câmbio; aspectos ambientais, como a qualidade da água e alterações climáticas; e aspectos geopolíticos (BIEGELMEYER; CAMARGO; MOTTA, 2015; STEENBERG et al.,2019). A técnica de cenários se destaca como o principal recurso metodológico entre os estudos prospectivos, compondo processos de planejamento estratégico tanto empresarial quanto sociogovernamental. Os cenários buscam retratar futuros alternativos visando fundamentar a decisão e a escolha de alternativas e destacam-se, assim, como instrumentos de planejamento numa realidade repleta de incertezas e riscos. Por lidarem com a incerteza, os cenários visam estudar e estruturar as diversas probabilidades dos eventos e dos processos, de maneira que os caminhos mais possíveis sejam antecipados (MARQUES, 1988; BUARQUE, 2003). Segundo Riahi et al. (2019) os cenários se dividem em duas linhas de pensamento, “qualitativos versus quantitativos” ou “normativos versus descritivos”. Cenários quantitativos fornecem dados numéricos e informações detalhadas sobre processos e dinâmicas subjacentes, já os cenários qualitativos têm o objetivo de descrever de forma textual e narrativa as possibilidades que o futuro tem de se desenvolver. Os cenários descritivos objetivam, em geral, investigar diversos cenários, e desse modo, aperfeiçoar o entendimento das incertezas futuras. Já os cenários normativos, por sua vez, analisam cenários e investigam a dinâmica de mudança com o intuito de atingir metas desejáveis, normalmente considerando a implantação de um certo conjunto de medidas ou políticas. Um bom processo de cenário inicia com uma alegação clara do gestor de por que o projeto necessita de cenários e o que deve receber deles (MILLETT, 2003). Alterações e incertezas estão sempre presentes e provavelmente o futuro não será uma continuação do passado e do presente. Entretanto, as mudanças da realidade seguem padrões e condições estabelecidas ao manterem componentes importantes da realidade atual. Assim, os cenários não podem seguir exclusivamente o presente nem se influenciar pelas dinâmicas e tendências de curto prazo (BUARQUE, 2003). O autor cita recomendações metodológicas básicas para enfrentar a complexidade e a incerteza, bem como introduzir a sensibilidade e a percepção ao processo de construção de cenários: a) Evitar o impressionismo e o imediatismo – considerar horizontes de planejamento de longo prazo. b) Recusar consensos – suspeitar do senso comum e das ideias. c) Ampliar e confrontar as informações – considerar informações científicas, dados e informações estruturais. d) Explorar a intuição – incentivar a manifestação dos sentimentos e das percepções. 33 e) Aceitar o impensável – buscar equipe criativa e com pensamento não convencional. f) Reforçar a diversidade de visões – as equipes precisam possuir diferentes capacidades técnicas e intelectuais. g) Ressaltar a análise qualitativa – compreender a natureza e a qualidade da realidade futura. Além do pensamento estratégico corporativo, cenários necessitam ser empregados aos desafios operacionais para afetar a performance. O estudo de cenários consegue identificar questões estratégicas microscópicas e macroscópicas. Outra possibilidade é levar a discussão a grupos sobre ações específicas que coloquem em prática estratégias de diferentes cenários, o que exige extensa divulgação e discussão dos cenários entre gestores e operários (MILLETT, 2003). Segundo Marques (1988) o modelo mais empregado é o econômico, uma vez que devido a quantificação e a disseminação dos conhecimentos teóricos, a sua construção torna-se mais fácil. Todavia, é necessário levar em conta que muitas alterações estruturais partem de aspectos qualitativos, como as relacionadas à política. A interpretação dos cenários tem o objetivo de identificar, para cada evento futuro, as possíveis repercussões futuras e, por meio delas, definir medidas no presente, que possibilitem lidar com essas consequências (BIEGELMEYER; CAMARGO; MOTTA, 2015), ou seja, o estudo de cenários é uma metodologia que emprega o conhecimento científico para trabalhar com eventos e processos e assim construir tendências lógicas e consistentes. 2.3.4 Externalidades A mensuração econômica dos impactos da degradação ambiental, assim como dos bens e serviços ambientais, auxilia na quantificação dos custos e benefícios relacionados à alteração da disponibilidade e qualidades desses, e tem sido cada vez mais relevante na avaliação de processos produtivos, na exploração de recursos naturais, entre outros. Tratar com externalidades e questões não financeiras estão entre as principais incertezas e dificuldades de uma ACCV. Entre essas externalidades estão os impactos ambientais causados durante o ciclo de vida de um projeto, que prejudicam não apenas a qualidade como a quantidade dos bens ambientais, e no geral, não são incluídos no sistema de preço. Segundo Kerdlap e Cornago (2020) a inclusão dos custos externos em um ACCV exige que as externalidades sejam 34 monetizadas. Uma maneira de monetizar esses impactos e incluí-los em uma ACCV é empregando as técnicas de valoração ambiental. A valoração ambiental consiste em um conjunto de métodos e técnicas que têm como objetivo mensurar como estará o bem-estar da população em razão da variação na disponibilidade de bens e serviços ambientais, e dos impactos e danos ambientais causados pela ação do homem, tendo como ponto de partida a identificação e mensuração dos impactos causados (DIXON; PAGIOLA, 1998; MOTTA, 2011). Diversos métodos são empregados atualmente para a valoração dos recursos ambientais, cada um com suas características e limitações. Conforme Motta (1997) os métodos classificam-se em dois grupos: os métodos da função de produção (métodos indiretos) e métodos da função de demanda (métodos diretos). Os métodos de função de demanda, assumem que a variação da quantidade de um recurso modifica o nível de bem-estar da população. Dessa forma consegue-se identificar os valores de disposiçãoa pagar ou aceitar dos indivíduos no tocante a estas variações (MOTTA, 1997). Os métodos de função de produção estimam a variação de determinado produto, resultante da variação da disponibilidade de bens e serviços ambientais de determinado recurso ambiental, empregado na fabricação deste produto. Para a utilização deste método é necessário conhecer os preços de mercado para a variação do produto ou de seus substitutos (MOTTA, 1997). A presente pesquisa, por analisar uma cadeia produtiva que pode impactar o meio ambiente, o bem-estar da população e outras produções, empregará o método da função de produção para a valoração ambiental. O método se divide em duas subclassificações: método da produtividade marginal e método dos bens substitutos. O método da produtividade marginal confere um valor à utilização da biodiversidade relacionando diretamente a quantidade, ou qualidade, de determinado bem ambiental à fabricação de outro produto de valor de mercado conhecido. Para estabelecer a função do bem ambiental na cadeia produtiva é empregada uma função dose resposta, que quantifica o impacto na cadeia produtiva ocasionado pela alteração marginal na provisão do bem ou serviço ambiental, e, com base nessa alteração, estima o valor econômico de utilização do bem ambiental. O método dos bens substitutos é utilizado nos casos em que o preço de um produto, afetado pela variação da quantidade ou qualidade de um recurso ambiental, não pode ser calculado diretamente, tornando-se necessária a realização de estimativas de bens substitutos presentes no mercado para a obtenção desses valores (MAIA; ROMEIRO; REYDON, 2004). 35 Assim, o mercado de bens substitutos pode ser analisado a partir de quatro técnicas, como segue: ● Custos evitados: Utiliza os gastos com ações defensivas substitutas ou complementares para estimar o valor de um recurso ambiental (MAIA; ROMEIRO; REYDON, 2004). ● Custos de controle: Estima o valor do recurso ambiental por meio dos custos necessários para manter a qualidade ou a disponibilidade de um bem ambiental (MOTTA, 1997). ● Custos de reposição: Estima o valor do recurso ambiental através dos gastos necessários para sua reposição ou reparação após ser danificado (MAIA; ROMEIRO; REYDON, 2004). ● Custo de oportunidade: Mensura benefício perdido ao manter o recurso ambiental (MOTTA, 1997). 2.3.5 Vantagens e desvantagens O emprego da ACCV garante diversas vantagens para os envolvidos, principalmente no que se refere ao processo de tomada de decisões, considerando que uma vez evidenciados os custos, torna-se mais fácil encontrar formas de reduzi-los. Zaki et al. (2019) apontam que as principais vantagens do ACCV são: ● Responsabilidade e visibilidade dos custos operacionais e de manutenção futuros. ● Aumento da consciência entre os interessados pelos custos do ciclo de vida. ● Possibilidade de otimização do custo futuro na fase inicial, acrescentando valor pelo dinheiro no projeto. ● Estimular o desenvolvimento sustentável, com foco na relação entre desempenho e custo. ● Análise das melhores possibilidades para toda a vida dos ativos ou peças. As desvantagens da ACCV estão relacionadas principalmente à complexidade do processo e à falta de dados. Segundo Oduyemi, Okoroh e Dean (2014) grande parte dos obstáculos para implementação da ACCV está diretamente relacionada à falta de conhecimento adequado dos envolvidos no que se refere aos seus processos e mecanismos. As demais barreiras apontadas pelo estudo são: ● Falta de dados disponíveis e confiáveis. 36 ● Falta de uma metodologia comum e padrão para a realização de uma ACCV. ● Lidar com fatores intangíveis (externalidades e questões não financeiros). ● Condições de mercado (custos de manutenção e operação, taxa de juros, inflação, preços de materiais e componentes). ● Falha ou falta de interesse da equipe em visualizar todo o custo do ciclo de vida. ● Risco e incerteza dos resultados. Para Kambanou e Lindahl (2016) grande parte das incertezas está relacionada à etapa de uso, como manutenção e reparos. Essas incertezas, rodeiam análises de custos de ciclo de vida por incluir diversos dados de difícil estimativa a longo prazo. O custo do ciclo de vida é válido em muitas vertentes do ramo da construção e pode ser empregado em diversas fases da vida de um projeto de construção. Desde que utilizada com flexibilidade e criatividade, a metodologia é relativamente irrestrita em sua capacidade de identificar setores potenciais da economia que não são imediatamente evidentes (RAHIM et al., 2014). Ao encontrar a solução com o menor custo de longo prazo, uma ACCV adequada favorece a competitividade do produto. Assim, a ferramenta tem sido empregada por diversos setores da engenharia, modelando a metodologia às características de cada caso específico (FOLGADO; PEÇAS; HENRIQUES, 2010). Estudos de ACCV que incluem as características apresentadas são considerados mais completos e sustentáveis e dessa forma podem ser preferíveis quando comparados com os demais. 2.3.6 Produção científica da ACCV sobre a produção de materiais de construção civil Por falta de procedimentos normatizados, as metodologias empregadas atualmente apresentam diferenças entre si, sendo necessário identificar as principais questões avaliadas nesses estudos, como recurso para novas pesquisas. Assim, foi realizada uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL) com o objetivo de compreender quais as metodologias em evidência no que concerne a ACCV e como está a sua aplicação na produção de materiais de construção civil. A RSL foi orientada pela seguinte pergunta de pesquisa: “Quais são os fatores considerados nas avaliações do custo do ciclo de vida da produção de materiais de construção civil nas publicações atuais?”. Assim, três etapas principais foram realizadas: (i) identificação e seleção dos artigos nas bases de dados, (ii) verificação e exclusão dos artigos repetidos e (iii) aplicação dos requisitos de inclusão e exclusão, conforme representado na Figura 2. A busca 37 bibliográfica foi realizada nas bases de dados Web of Science, Scopus, Ebscohost, bases consolidadas, que possuem periódicos relevantes para o tema em estudo e são de livre acesso. Figura 2 - Processo de seleção dos artigos Fonte: Autor (2021). A busca foi realizada utilizando as seguintes palavras-chave e operadores booleanos: Life cycle cost AND Construction civil AND building materials NOT Building systems. As palavras foram buscadas em inglês por esse ser o idioma padrão de grande parte dos periódicos analisados. Os critérios de inclusão se restringiram aos estudos que possuíam como objetivo analisar o custo do ciclo de vida do processo de produção de materiais de construção civil, publicados em um intervalo de dez anos (2010 a 2020). Os artigos de revisão teórica ou sistemática e os trabalhos que não tratavam de fato da etapa de fabricação foram descartados. Dos artigos selecionados foram extraídos: o periódico e o país do(s) autor(es) da publicação e os aspectos metodológicos das pesquisas, como abordagens e ferramentas utilizadas. Com a pesquisa nas bases de dados, foram encontrados 55 artigos, destes, 8 eram duplicados, 32 foram excluídos por não contemplarem de fato a temática foco desse estudo, ou não a colocarem em prática e 8 foram excluídos por não tratarem da produção de materiais, tendo seu foco direcionado a sistemas construtivos. Assim, foram selecionados sistematicamente 7 artigos. Os dados extraídos são apresentados no Quadro 3, onde é possível comparar os resultados da RSL. 38 Quadro 3 - Apresentação das características analisadas nos artigos selecionados Citação Periódico País Área de atuação do (s) autor (es) Materiais analisados ACV Custos ambientais Custos sociais Bens de capital Forma de obtenção dos preços Métodos de
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