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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO E INCLUSÃO EM CONTEXTOS EDUCACIONAIS JAISE DO NASCIMENTO SOUZA CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UM DIÁLOGO COM PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NATAL/RN 2021 JAISE DO NASCIMENTO SOUZA http://lattes.cnpq.br/5679206182601793 CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UM DIÁLOGO COM PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador(a): Profa. Dra. Maria Aparecida Dias NATAL/RN 2021 http://lattes.cnpq.br/5679206182601793 JAISE DO NASCIMENTO SOUZA http://lattes.cnpq.br/5679206182601793 CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UM DIÁLOGO COM PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. Aprovada em: 22/07/2021. BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Maria Aparecida Dias (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Profa. Dra. Luzia Guacira dos Santos Silva (Examinadora Interna Titular) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Profa. Dra. Débora Regina de Paula Nunes (Examinadora Interna Suplente) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Profa. Dra. Graciele Massoli Rodrigues (Examinadora Externa Titular) Universidade São Judas Tadeu (USJT) Profa. Dra. Michele Pereira de Souza da Fonseca (Examinadora Externa Suplente) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) http://lattes.cnpq.br/5679206182601793 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE Souza, Jaise do Nascimento. Corpo e aprendizagem da criança com Transtorno do Espectro Autista : um diálogo com professoras da educação infantil / Jaise do Nascimento Souza. - 2021. 138 f.: il. color. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. Natal, RN, 2021. Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida Dias. 1. Inclusão escolar - Dissertação. 2. Transtorno do Espectro Autista - Dissertação. 3. Corpo - Dissertação. 4. Formação de professores - Dissertação. I. Dias, Maria Aparecida. II. Título. RN/UF/Biblioteca Setorial Moacyr de Góes CDU 376 Elaborado por Jailma Santos - CRB-15/745 AGRADECIMENTOS Agradeço e dedico este estudo primeiramente a Deus, fonte de luz, inspiração e sabedoria. Nada teria sido possível sem os Seus cuidados diários e inquestionável amor. Ao meu papai (in memoriam), homem íntegro e destemido a quem devo a vida e o desejo pelo bem viver. Trago alguns de seus ensinamentos nesta pesquisa, com referência, inclusive, ao grande profissional que foi um dia. À minha mainha, Dona Nena, mulher simples, batalhadora, maior incentivadora, de um coração lindo e acolhedor. Estudar e debruçar-me sobre este texto dissertativo não teria sido possível sem o seu apoio e amor. Obrigada por tudo e por tanto, querida “veinha”. À minha linda filha Ana Caroline, que está com seis meses de nascida, contrariando um diagnóstico médico de que eu não poderia engravidar, embora em meu coração sempre tenha existido a certeza de que seria mãe um dia. Juntas, enfrentamos durante o ano de 2020, uma gravidez de risco, o distanciamento social, todas as dificuldades decorrentes da pandemia do novo coronavírus e uma exaustiva rotina de atividades on-line e estudos que se estendeu por noites e dias. Em meu ventre ela foi a minha força e companhia nessa solitária travessia que se chama Mestrado, e hoje é o Sol que aquece a minha vida. No seu sorriso banguela tenho encontrado motivos para sonhar novos sonhos e continuar a lutar. Te amo, minha pequena bonequinha! Ao meu irmão Jailton, por toda força, cuidados e alegria. Mesmo distantes fisicamente, beijo sua face todos os dias. O amo além das palavras. À Profa. Débora Regina de Paula Nunes, ser humano lindo e grande pesquisadora de quem tive o privilégio de ser aluna especial na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um ano antes de chegar ao Mestrado. Minha admiração e respeito por essa profissional que se dedica com amor à Educação Especial e aos estudos sobre o Transtorno do Espectro Autista, nos incentivando a olhar com zelo e responsividade para o exercício da pesquisa e da escrita acadêmica. À minha orientadora, a Profa. Maria Aparecida Dias, pelas contribuições e constante encorajamento. A concepção de corpo apresentada nesta dissertação é fruto de uma busca legítima e apaixonada entremeada a quatro mãos. Minha gratidão por sua parceria, compreensão e ensinamentos. Aos professores do PPGED/UFRN, em especial aos que fazem parte da Linha de Pesquisa “Educação e Inclusão em Contextos Educacionais”, pela contribuição no decorrer desta caminhada. Aos professores Jefferson Fernandes, Rita de Cássia Magalhães, Géssica Fabiely, Luzia Guacira e Débora Nunes, pelas valiosas contribuições nos Seminários de Dissertação. Aos professores da banca examinadora, pela disponibilidade e contribuição no trabalho proposto. À Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Parnamirim/RN, por concordar com a nossa pesquisa, e a toda a equipe do Centro Municipal de Educação Infantil lócus desta investigação, pela acolhida e colaboração, em especial aos professores participantes pela também possibilidade de formação. Às amigas Tatiana Rachel, Josélia Praxedes e Suênia Karla, por se fazerem sempre presentes na minha vida apesar da distância, e se alegrarem com as minhas realizações. Cada uma, a sua maneira, ocupa um lugar especial em meu coração. A todos, minha gratidão. Nós somos responsáveis pelo outro, estando atentos a isto ou não, desejando ou não, torcendo positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer) acaba afetando nossas vidas (BAUMAN, 2010, p. 75-76). RESUMO As políticas de inclusão do Brasil, a exemplo da Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ampliaram o debate acerca da garantia de direitos e do processo de inclusão escolar desses indivíduos no sistema regular de ensino. No entanto, há relatos, na literatura, de que esse movimento ainda enfrenta muitos desafios, sendo um dos mais graves a precariedade na formação dos professores para atuar numa perspectiva inclusiva, com reflexo na execução de práticas pedagógicas que ainda compreendem o corpo separado do sujeito. Considerando o exposto, nosso estudo se desenvolveu objetivando analisar a percepção de professoras da Educação Infantil sobre a relação entre corpo e aprendizagem no processo de inclusão escolar de crianças com Transtorno do Espectro Autista. Desse objetivo geral, desdobraram-se os seguintes objetivos específicos: a) Identificar a concepção de professoras da Educação Infantil sobre inclusão escolar,corpo e aprendizagem de crianças com Transtorno do Espectro Autista; b) Analisar a relação entre corpo e aprendizagem de crianças com TEA na concepção de professoras da Educação Infantil; c) Aplicar uma proposta de formação continuada com ênfase na relação corpo e aprendizagem e crianças com TEA. Dentre os autores a que recorremos para a consecução dos objetivos desta pesquisa, estão os trabalhos desenvolvidos por Mantoan (2003); Mendes (2006) e Magalhães (2007) sobre diversidade e inclusão escolar; Nóvoa (2009); Favoretto e Lamônica (2014) sobre formação de professores; Schuwartzman (2003); Nunes; Azevedo; Schmidt (2013) e Fernandes (2008) acerca do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Destacamos ainda os estudos de Merleau-Ponty (2006); Gaya (2006); Nóbrega (2005) e Freire (2011), onde encontramos subsídios para fundamentarmos nossas discussões sobre a relação corpo e aprendizagem. Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, na qual adotamos a técnica de Grupo Focal combinada às entrevistas individuais para obtenção de dados. Já o tratamento dos dados das entrevistas semiestruturadas, foi feito a partir da análise de conteúdo de Bardin (2016). Participaram desta investigação 05 professoras da Educação Infantil da rede municipal de Parnamirim/RN que tinham regularmente matriculadas em suas turmas crianças diagnosticadas com TEA, e a nossa proposta de formação se deu via plataforma digital de comunicação visando problematizar a relação corpo, aprendizagem e inclusão escolar de crianças com TEA no contexto da Educação Infantil. Os resultados apontam para a ausência de vivências coletivas e de espaços destinados à formação continuada para a construção de saberes a partir da ação- reflexão no fazer docente, desconhecimento das professoras acerca do TEA e a presença marcante de concepções que não valorizam o corpo da criança no processo educativo, por ainda o enxergarem apenas como um corpo físico, em muitos casos reprimido a favor da valorização do desenvolvimento cognitivo. Consideramos que a compreensão de corpo como espaço de aprendizagem na educação é indispensável à inclusão escolar de estudantes com TEA na escola regular, e nesse cenário, investir na formação do professor, remota ou presencialmente, continua sendo essencial. Palavras-chave: Corpo. Transtorno do Espectro Autista (TEA). Inclusão escolar. Formação docente. ABSTRACT The inclusion policies in Brazil, such as Law No. 12,764/2012, which establishes the National Policy for the Protection of the Rights of the Person with Autistic Spectrum Disorder (ASD), have broadened the debate about the guarantee of rights and the process of school inclusion of these individuals in the regular education system. However in the literature there are reports that this movement still faces many challenges, one of the most serious being the precariousness in the training of teachers to work in an inclusive perspective reflected in the execution of pedagogical practices that still understand the body as separate from the subject. Considering this, our study aimed to analyze the perception of Kindergarten teachers about the relationship between body and learning in the process of school inclusion of children with Autistic Spectrum Disorders. From this general objective the following specific objectives unfolded: a) Identify the conception of Kindergarten teachers about school inclusion, body, and learning of children with Autistic Spectrum Disorder; b) Analyze the relationship between body and learning of children with ASD in the conception of Kindergarten teachers; c) Apply a continuing education proposal with emphasis on the relationship between body and learning and children with ASD. Among the authors to which we resorted to achieve the objectives of this research are the works developed by Mantoan (2003); Mendes (2006) and Magalhães (2007) on school diversity and inclusion; Nóvoa (2009); Favoretto and Lamônica (2014) on teacher training; Schuwartzman (2003); Nunes; Azevedo; Schmidt (2013) and Fernandes (2008) on Autistic Spectrum Disorder (ASD). We also highlight the studies by Merleau-Ponty (2006); Gaya (2006); Nóbrega (2005), and Freire (2011), in which we found subsidies to base our discussions about the relationship between body and learning. This is, therefore, a qualitative, exploratory research, in which we adopted the focus group technique combined with individual interviews to obtain data. The data treatment of semi-structured interviews was based on Bardin's content analysis (2016). This research was conducted with the participation of 05 Kindergarten teachers from the municipal education system of Parnamirim/RN who had regularly enrolled in their classes children diagnosed with ASD, and our training proposal was by digital communication platform, aiming to problematize the relationship between body, learning and school inclusion of children with ASD in the context of Early Childhood Education. The results point to the absence of collective experiences and of spaces for continuing education to build knowledge from action-reflection in the teaching process, teachers' lack of knowledge about ASD, and the strong presence of conceptions that do not value the child's body in the educational process, for still seeing it only as a physical body, in many cases, repressed in favor of valuing cognitive development. We believe that understanding the body as a learning space in education is indispensable to the school inclusion of students with ASD in regular school. And in this scenario investing in teacher training, remotely or in person, continues to be essential. Keywords: Body. Autistic Spectrum Disorder (ASD). School inclusion. Teacher training. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABA – Análise Comportamental Aplicada ABRA – Associação Brasileira de Autismo AEE – Atendimento Educacional Especializado (AEE) AMA – Associação de Amigos do Autista APA – American Psychiatric Association BDTD – Banco Digital de Teses e Dissertações BNCC – Base Nacional Comum Curricular CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEI – Centro de Educação Infantil CEP – Conselho de Ética em Pesquisa CF – Constituição Federal CID – Classificação Internacional das Doenças CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil COVID-19 – Corona Vírus Disease (Doença do Coronavírus) DF – Distrito Federal DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais EI – Educação Infantil HOUL – Hospital Universitário Onofre Lopes IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia IES – Instituições de Ensino Superior LBI – Lei Brasileira de Inclusão LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional NAS – National Autistic Society NEE – Necessidades Educacionais Especiais OMS – Organização Mundial de Saúde PAEE – Público-alvo da Educação Especial PMEP – Plano Municipal de Educação de Parnamirim PPGED – Programa de Pós-Graduação em Educação PPP – Projeto Político-Pedagógico RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil RN – Rio Grande do Norte SEMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TEA – Transtorno do Espectro Autista TEACCH – Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com déficits relacionados à Comunicação TID – Transtornos Invasivos do Desenvolvimento UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Crianças presas a um radiador, no hospital psiquiátrico de Deir el Qamar, no centro-sul do Líbano, no ano de 1982 ...................................................................................... 39 Figura 2 – Operacionalizaçãodo Grupo Focal ......................................................................... 58 Figura 3 – Entrada principal do CMEI ..................................................................................... 64 Figura 4 – Área verde da instituição investigada ..................................................................... 65 Figura 5 – Convite virtual para os professores participarem da formação ............................... 72 Figura 6 – Teorias da Aprendizagem ..................................................................................... 102 Figura 7 – Formação das professoras via Google Meet ......................................................... 108 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Publicações selecionadas para a feitura do estado da arte ..................................... 20 Quadro 2 – Participantes do Grupo Focal de nossa pesquisa ................................................... 59 Quadro 3 – Quantitativo de crianças atendidas por turno e por turma no ano de 2020 ........... 65 Quadro 4 – Quantitativo de crianças com laudo de TEA matriculadas no CMEI no ano de 2020 .......................................................................................................................................... 67 Quadro 5 – Informações gerais sobre as participantes da pesquisa .......................................... 68 Quadro 6 – Fases da pré-análise ............................................................................................... 73 Quadro 7 – Respostas das professoras quanto à concepção de autismo ................................... 87 Quadro 8 – Respostas das professoras quanto às características do TEA ................................ 89 Quadro 9 – Desafios e possibilidades da prática docente para trabalhar com crianças autistas .................................................................................................................................................. 91 Quadro 10 – Proposta de formação docente via Google Meet ............................................... 105 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO: DAS INTENÇÕES À EFETIVAÇÃO DA PESQUISA ..................... 16 2 DO CORPO OBJETO AO CORPO SUJEITO: UMA TRAJETÓRIA DE GRANDES DESAFIOS .............................................................................................................................. 25 2.1 CORPO E DEFICIÊNCIA .............................................................................................. 25 2.2 O CORPO NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA ....................................... 33 2.3 EDUCAÇÃO INFANTIL, CORPO E APRENDIZAGEM ........................................... 44 3 FORMAÇÃO DOCENTE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ........................................... 48 3.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DE QUE ESTAMOS FALANDO? ...................................................................................................... 48 4 PERCURSO METODOLÓGICO ..................................................................................... 55 4.1 ASPECTOS ÉTICOS ..................................................................................................... 56 4.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA .............................................................................. 57 4.3 INSTRUMENTOS UTILIZADOS ................................................................................. 60 4.4 LÓCUS DA PESQUISA ................................................................................................ 63 4.5 PROFESSORAS PARTICIPANTES ............................................................................. 67 4.6 OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA .................................................................. 69 4.7 PROCEDIMENTOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS ............................................. 72 5 APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS ......................................................................... 76 5.1 A INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA COM TEA NO CONTEXTO DA ESCOLA REGULAR ............................................................................................................................ 77 5.2 CORPO E AUTISMO .................................................................................................... 87 5.3 RELAÇÃO CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TEA NA CONCEPÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................. 96 6 CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL VIA GOOGLE MEET ........................ 104 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 112 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 115 APÊNDICE A – CARTA DE ANUÊNCIA DA SEMEC, PARNAMIRIM/RN .............. 127 APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA APLICADA ÀS PROFESSORAS ................................................................................................................... 128 APÊNDICE C – TERMO DE ESCLARECIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ................................................................................................................................... 130 APÊNDICE D – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ ......... 134 ANEXO A – PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA (CEP) ................................................................................................................ 135 16 1 INTRODUÇÃO: DAS INTENÇÕES À EFETIVAÇÃO DA PESQUISA Nutro, desse a graduação em Pedagogia (2003-2007), um interesse especial por estudos relacionados à formação do profissional docente e as práticas em educação, sobretudo no que envolve a inclusão de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), na Educação Infantil (EI). O entusiasmo pela temática surgiu no início do ano de 2003, quando, pela primeira vez, no desempenho de minha atividade docente, tive a oportunidade de trabalhar com uma criança autista, de quatro anos, na escola regular. A situação era nova, extremamente desafiadora e, além de sozinha, eu me sentia totalmente despreparada para colaborar com a efetiva inclusão escolar daquela criança. Nesse processo, me vi tomada por muitos questionamentos: O que fazer? Quais estratégias de ensino eu poderia acionar para contribuir com o seu processo de aprendizagem? Como mediar situações de crise? Como dialogar com a família da criança? Eram tantas as interrogações que, em meio as minhas angústias, resolvi debruçar-me com mais afinco sobre o assunto. Movida pela inquietação e por uma necessidade constante de aprendizado participei de eventos, oficinas pedagógicas, cursos de capacitação na área de Educação Especial, e depois de alguns meses, concomitantemente as minhas atividades como professora da EI e também às da universidade, que desenvolvia no turno da noite, comecei a trabalhar como Terapeuta Ocupacional com base no Programa TEACCH1 (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com déficits relacionados à Comunicação), experiência muito enriquecedora, que despertou em mim um sentimento novo, um senso de curiosidade técnica e científica para o aperfeiçoamento de minha prática, que no espaço em questão seria o primeiro motivo a justificar minha procura pelo mestrado. Outro motivo a mobilizar-me na busca por essa formação envolve a falta que sempre senti, tanto na minha trajetória acadêmica quanto profissional, do diálogo com outros professores sobre aspectos teóricos e práticos relacionados à inclusão escolar de estudantes1 Programa interventivo criado por Eric Schopler e colaboradores na década de 1960, na Universidade da Carolina do Norte (EUA), amplamente disseminado na literatura científica como uma prática cientificamente válida ou PBE no contexto educacional (LACERDA et al., 2011). Em linhas gerais, o referido programa propõe o ensino individualizado e combina diferentes materiais concretos e visuais para auxiliar a criança a estruturar o seu ambiente e a sua rotina (SILVA, 2012), elementos considerados imprescindíveis para as pessoas com TEA que “precisam de uma estrutura externa para otimizar uma situação de aprendizagem” (GENTIL; NAMIUTI, 2015, p. 182). 17 com TEA na escola regular. Não se tratava, no entanto, de simplesmente saber o que pensavam e como trabalhavam meus colegas docentes para qualificá-los de competentes ou despreparados. Minha inquietação erguia-se sobre a sentida carência de comunicação entre nós professores, seguida da falta de envolvimento para a resolução de determinadas problemáticas que brotavam no espaço escolar. O desejo era mobilizar as vozes desses profissionais, seus saberes, e tratar possibilidades de reflexão teórica integrada à prática docente, como uma alternativa viável para o aperfeiçoamento de práticas pedagógicas inclusivas. O intento era chamar a atenção de forma delicada para a necessidade de se olhar para esse professor como um sujeito aprendente, que primeiramente precisaria “experimentar-se existente” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 4), para efetivamente poder contribuir com a vida escolar da criança com TEA. E, assim, configura-se o anseio de aprofundar minha formação e, através desta, quiçá, poder colaborar com a formação de outros de professores de Educação Infantil a favor da inclusão. Nessa busca, logo após terminar o curso de Pedagogia, dei início, no ano de 2008, a uma especialização em Psicopedagogia Educacional, na qual pude retomar questionamentos e abrir-me a novos aprendizados no que diz respeito à inclusão escolar das pessoas com deficiência, sempre atentando para a forma como nós, professores de EI, temos adequado nossas práticas para tal perspectiva. Posteriormente, alguns anos depois e já em solo potiguar – regalo de inesperadas e doces conquistas – ingresso como aluna especial no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGED/UFRN), no qual tive a oportunidade de cumprir dois almejados componentes curriculares: Formação, desenvolvimento e profissionalização docente (2017.1) e Educação de alunos com Transtorno do Espectro do Autismo (2018.2). Em linhas gerais, o primeiro componente me permitiu articular importantes reflexões à compreensão de fatores que influenciam na aprendizagem, formação e desenvolvimento do profissional docente na atualidade, assunto cada vez mais presente tanto no campo das reformas educacionais como, também, de boa parte das pesquisas em educação. Enquanto o segundo, respectivamente, constituiu-se numa singular oportunidade para trocas de experiências, estudo mais aprofundado sobre o TEA, reflexão, pesquisa e operacionalização entre teoria e prática, considerados elementos fundamentais para nossa formação enquanto professores pesquisadores. 18 Juntos, os dois componentes curriculares me ajudaram a escrever o projeto de pesquisa que levou a minha aprovação no Mestrado em Educação da UFRN e com ela ao desabrochar de novas possibilidades, e, por que não dizer, de novas inquietações. Desse modo, e tendo como cenário das discussões o espaço da Educação Infantil – lugar educativo voltado ao desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físicos, emocionais, cognitivos e sociais, onde também se podem vivenciar situações de inclusão – surge a pesquisa intitulada “Corpo e aprendizagem da criança com Transtorno do Espectro Autista: um diálogo com professoras da Educação Infantil”. Mas, por que dissertar acerca do corpo dentro desse contexto de buscas e reflexões sobre formação docente e inclusão escolar de estudantes com TEA na Educação Infantil? Bem, considerando que as minhas primeiras experiências formativas na perspectiva da inclusão se deram na gleba do TEACCH, a proposição não teria uma motivação infundada, haja vista tratar-se de uma prática cientificamente válida no contexto educacional (NUNES; AZEVEDO; SCHMIDT, 2013) que presume o envolvimento do corpo do estudante com TEA para o desenvolvimento de suas habilidades acadêmicas e funcionais. No entanto, a temática “corpo” só entrou nesta pesquisa após aprovação no mestrado, graças aos diálogos/discussões com a minha orientadora, a professora Maria Aparecida Dias, que o apresentou como sendo um lugar de inclusão, “vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída” (LE BRETON, 2007, p. 7). Além disso, o TEACCH figura-se mais próximo de uma compreensão organicista do corpo, que a rigor confere significativa importância ao visual como via sensorial de maior facilidade pela qual as pessoas com TEA demonstram aprender, e a nossa proposta nesta dissertação é perscrutar o desafio de estar falando de um corpo como “unidade expressiva” (MERLEAU PONTY, 2006), que me foi apresentado como capaz de construir narrativas mediante o diálogo com o mundo sensível para além da condição de objeto, por acreditarmos na hipótese de que os professores que atuam na Educação Infantil enfrentam dificuldades para desenvolver práticas inclusivas tendo o corpo como lugar de aprendizagem. O intento é explorar, a favor da inclusão escolar da criança com TEA na Educação Infantil, uma compreensão de corpo ausente à minha formação, e quem sabe à formação de colegas de profissão, frente à ideia de que o movimento corporal nem sempre é valorizado na prática pedagógica (CHICON et al., 2018), sendo considerado, em alguns casos, unicamente como sinal de indisciplina ou desorganização devido à constante agitação. 19 Assim sendo, discorrer sobre aprendizagem considerando a condição corpórea e sensível do ser humano, pressupõe sair de minha zona de conforto, enveredar por campos desconhecidos, possivelmente flagelar algumas de minhas percepções, e refazer-me enquanto profissional docente ao passo que almejo contribuir com a formação de outros professores da Educação Infantil. Algo assentado na linha do desafio, da impermanência, da ideia que se fazia casulo para ganhar ares de inquietação. E justamente aí se dá o interesse pelo estudo do tema corpo associado às discussões sobre TEA, inclusão escolar na Educação Infantil e formação docente. Sob essa perspectiva e utilizando como critérios de inclusão trabalhos nacionais e em língua portuguesa, foi realizado um levantamento de dados nos ambientes virtuais do Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT/BDTD), no Repositório de Teses e Dissertações da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando os descritores “corpo”, “Transtorno do Espectro Autista”, “inclusão escolar” AND “formação docente”. Esses descritores também são conceitos que orientaram a nossa pesquisa e fundamentaram esta dissertação. Partindo desses descritores, utilizamos como filtro para refinar o resultado de nossas buscas, pesquisas dos últimos oito anos, ou seja, desde a promulgação da Lei nº 12.764/2012, que institui a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista” até dezembro de 2020. Já os critérios de exclusão foram: duplicidade dos trabalhos, indisponibilidade nos sistemas pesquisados e falta de aproximação com os temas de nossas discussões. Considerando o período em foco, foram encontradas 78 publicações, entre artigos, teses e dissertações, sendo 39 no Portal de Periódicos Fundação CAPES/MEC;11 no Repositório Institucional da UFRN e 28 na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD). Na sequência, após a leitura na íntegra de títulos e resumos, conforme será exposto no Quadro 1, apenas duas pesquisas foram selecionadas para análise por envolverem alunos com TEA e trazerem a concepção de corpo como espaço de aprendizagem, cujo estudo não deve ser dissociado do estudo da criança. 20 Quadro 1 – Publicações selecionadas para a feitura do estado da arte Fonte: Elaborado pela autora (2020). O estudo de Chicon et al. (2018) buscou compreender os aspectos relacionais de uma criança autista com outras crianças em situações de brincadeiras, no lócus de uma brinquedoteca universitária. Participaram desse estudo 17 crianças de três a seis anos, sendo dez de um Centro de Educação Infantil (CEI) com desenvolvimento típico, seis com TEA e uma com Síndrome de Down, todas oriundas da comunidade de Vitória/ES. Nos resultados da pesquisa, os autores afirmam que o trabalho pedagógico desenvolvido em um ambiente social inclusivo, potencializado pela mediação de profissionais experientes capazes de articular a ação reflexão teórico-prática, favoreceu a predisposição da criança com TEA para compartilhar interesses, objetos e brincadeiras com outras crianças, sendo a qualidade dessas relações algo crucial para o desenvolvimento infantil. Para Chicon et al. (2018, p. 171), a criança deve ser “compreendida como uma totalidade, e não a partir de uma separação entre corpo e mente ou de uma dicotomia entre o social e o individual”. Assim sendo, embora os 17 participantes dessa pesquisa tenham sido atendidos por 13 estagiários do curso de Educação Física em um ambiente controlado (realidade apartada do chão da escola regular), o estudo se torna relevante para os nossos constructos por problematizar e refletir sobre o desenvolvimento integral das crianças com autismo nas relações estabelecidas na escola, como também por conferir importância à necessidade de se investir continuamente na formação do professor, para que este seja capaz BANCO DE DADOS TIPO DE PUBLICAÇÃO/ANO TÍTULO AUTORES PALAVRAS- CHAVE Portal de Periódicos Fundação CAPES/MEC Artigo da Revista Brasileira de Ciência do Esporte (2018) Brincando e aprendendo: aspectos relacionais da criança com autismo CHICON, José Francisco; OLIVEIRA, Ivone Martins de; GAROZZI, Gabriel Vighini; COELHO, Marcos Ferreira; SÁ, Maria das Graças Carvalho Silva de. Autismo infantil; Interação social; Mediação pedagógica; Brincadeira. Biblioteca digital de Teses e Dissertações (BDTD) Tese doutoral em educação (PUC Goiás, 2015) Corpo e percepções no espectro autista FREITAS, Ana Beatriz Machado de. Fenomenologia; Percepção; Educação Especial; Corpo; Autismo. 21 de desenvolver mediações pedagógicas intencionais, que sejam sensíveis às experiências corporais da criança com TEA. A tese doutoral de Freitas (2015) objetivou desvelar modos de percepção característicos do espectro autista, predominantemente a partir da perspectiva de quem o apresenta, ou seja, pelo viés da existência, por considerar que o conhecimento e a relevância da dimensão perceptiva pouco são destacados na Educação, mesmo nos estudos e formações pedagógicas concernentes à Educação Especial. Partindo desse pressuposto, a autora buscou na literatura testemunhos de pessoas com deficiência ou alterações sensoriais e/ou de profissionais que estudaram o fenômeno da percepção nesse público, abrindo janelas para reflexões acerca do corpo como espaço de expressão dos indivíduos com TEA, a partir de suas falas. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, à luz de Merleau-Ponty [1908-1961], que convida o leitor a refletir se o estudo das corporeidades de pessoas com deficiências ou alterações sensoriais poderia ser o caminho para desvendar aspectos da corporeidade autista. Em linhas gerais, as duas publicações selecionadas e na íntegra analisadas, podem ser classificadas como investigações de natureza qualitativa que tratam da perspectiva educativa e pedagógica perpassada pela ótica inclusiva no ensino formal. Além disso, nelas aparece o descritor “corpo” atrelado à preocupação com o processo de inclusão escolar de estudantes com TEA na escola regular, com relatos de que o corpo e os movimentos corporais dessas crianças não são cuidados na prática pedagógica, sendo na verdade reprimidos a favor da valorização do desenvolvimento cognitivo. Nesse sentido, as discussões suscitadas nessas pesquisas são enriquecedoras, principalmente no que diz respeito ao (re)conhecimento do corpo como espaço de aprendizagem no TEA. No entanto, nossas buscas revelaram a ausência de uma conexão da temática com os saberes dos docentes e o fazer pedagógico, o que, por consequência, compreendemos que os impedem de integrar a dimensão do corpo e do movimento às suas práticas. Assim sendo, nesta pesquisa trataremos da inclusão de crianças com TEA no contexto da escola regular com foco na formação de professores para a concretização de uma prática pedagógica inclusiva que estabeleça uma relação uníssona entre corpo e aprendizagem, visto que, na maioria das escolas, ainda predomina o ensino “hegemonicamente centrado na racionalização” (GAYA, 2006, p. 254). 22 Nossa intenção é agregar valores ao processo de formação de professores para atuarem numa vertente inclusiva, por meio de uma ação que estabeleça uma relação dialógica entre teoria e prática. Ademais, propomo-nos pensar no corpo dentro do processo educativo como uma reserva de potência (MERLEAU-PONTY, 2006), por entendermos, a partir do levantamento realizado, que a ideia de corpo manipulável, separado da mente, conforme apontam os trabalhos selecionados para a feitura do estado da arte, ainda persiste nas práticas pedagógicas atuais, configurando-se como um entrave ao processo de aprendizagem de todas as crianças, inclusive as que se encontram dentro do espectro autista. Em face à relevância desses aspectos, nossa pesquisa buscará responder o seguinte problema: O que uma proposta de formação continuada sobre a relação corpo e aprendizagem da criança com Transtorno do Espectro Autista poderá provocar em professoras de Educação Infantil? Com base nisso, esta pesquisa se desenvolveu objetivando analisar a percepção de professoras da Educação Infantil sobre a relação entre corpo e aprendizagem no processo de inclusão escolar de crianças com Transtorno do Espectro Autista. Desse objetivo geral, desdobram-se os seguintes objetivos específicos: a) Identificar a concepção de professoras da Educação Infantil sobre inclusão escolar, corpo e aprendizagem de crianças com Transtorno do Espectro Autista; b) Analisar a relação entre corpo e aprendizagem de crianças com TEA na concepção de professoras da Educação Infantil; c) Aplicar uma proposta de formação continuada com ênfase na relação corpo e aprendizagem de crianças com TEA. Vale ressaltar que o grupo investigado era formado predominantemente por professoras, o que justifica a utilização do termo no título, objetivos geral e específicos, estrutura e elementos desta pesquisa. Dentre os autores a que recorremos para a consecução dos objetivos desta pesquisa, estão os trabalhos desenvolvidos por Mantoan (2003); Mendes (2006) e Magalhães (2007) sobre diversidade e inclusão escolar; Nóvoa (2009); Favoretto; Lamônica (2014) sobre formação de professores; Schuwartzman (2003); Nunes; Azevedo; Schmidt (2013); Fernandes (2008) acerca do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Destacamos ainda os estudos de Merleau-Ponty (2006); Gaya (2006); Nóbrega (2005) e Freire (2011), onde encontramos subsídios para fundamentar nossas discussões sobre a relação corpo e aprendizagem. Para a concretização dos objetivos propostos nesta investigação, optou-sepor uma abordagem metodológica qualitativa (FLICK, 2009), aqui entendida como aquela que se 23 ocupa do nível subjetivo e relacional da realidade social, onde um fenômeno pode ser melhor entendido a partir da compreensão das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes (MINAYO, 2001), que no espaço em questão corresponde às relações estabelecidas entre o processo formativo e a prática pedagógica do professor. Nessa perspectiva, adotamos a técnica de Grupo Focal, caracterizada como uma estratégia metodológica predominantemente qualitativa, de inegável importância para tratar questões da educação, que sugere a integração, discussão e avaliação de um tema proposto visando à produção de conhecimento (GATTI, 2005; ASCHIDAMINI; SAUPE, 2014; MINAYO, COSTA, 2018). Combinada à técnica de Grupo Focal, utilizamos como instrumento para a construção dos dados desta pesquisa, a entrevista do tipo semiestruturada (TRIVIÑOS, 1987; RESTE, 2015), aplicada individualmente com cinco professoras de um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) da cidade de Parnamirim/RN, que tinham regularmente matriculadas em suas turmas crianças com TEA, a fim de identificarmos os conhecimentos delas sobre os eixos que fundamentam esta dissertação. Já os dados, por sua vez, foram analisados a partir da utilização da técnica de Análise de Conteúdo, fundamentada por Bardin (2016). Do tratamento das entrevistas realizadas, emergiram três categorias, a serem apresentadas no corpo desta dissertação. São elas: a inclusão escolar da criança com TEA no contexto da escola regular; corpo e autismo; relação corpo e aprendizagem da criança com TEA na concepção de professoras da Educação Infantil. Cabe ressaltar que iniciamos nosso estudo nos moldes da pesquisa-ação (THIOLLENT, 2009), porém, no dia 17 de março de 2020, poucos dias após o início do ano letivo e bem no começo de nossa prática interventiva, fomos abruptamente surpreendidos pelo fechamento das escolas em virtude da propagação do novo coronavírus2 (Covid-19), e sem que houvesse tempo hábil para entendermos a situação e nos reorganizarmos metodologicamente, vimos a nossa pesquisa que dependia da participação das professoras parar quase que completamente. Sob os reflexos da Covid-19, que não poupou o setor educacional de suas agruras, a prática interventiva de nossa pesquisa permaneceu suspensa por exatamente seis meses, sendo retomada acanhadamente apenas no segundo semestre do ano de 2020, após a reorganização de nossa metodologia e a retomada do contato com as professoras participantes da 2 Sobre a doença. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2021/09/29/brasil-registra- media-movel-de-544-mortes-diarias-por-covid-obitos-estao-em-estabilidade-ha-5-dias.ghtml. Acesso em: 30 ago. 2021. https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2021/09/29/brasil-registra-media-movel-de-544-mortes-diarias-por-covid-obitos-estao-em-estabilidade-ha-5-dias.ghtml https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2021/09/29/brasil-registra-media-movel-de-544-mortes-diarias-por-covid-obitos-estao-em-estabilidade-ha-5-dias.ghtml 24 investigação, que na ocasião relataram estarem passando por dificuldades para desenvolverem suas atividades pedagógicas no formato virtual, reflexo do despreparo generalizado das instituições educativas ao modelo remoto de ensino (MATUOKA, 2020). Respeitando todos os protocolos de distanciamento segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prática interventiva de nossa pesquisa ocorreu de forma síncrona através de encontros virtuais via Google Meet, plataforma digital de comunicação desenvolvido pelo Google. Ademais, a presente dissertação está estruturada em seis seções, incluindo esta introdução, na qual procuramos apresentar os caminhos que nos levaram à busca por esta formação em nível de mestrado, as intenções de nosso estudo e de que maneira buscaremos efetivá-lo. Também dialogamos com publicações cujos temas apresentados se aproximaram de nossa pesquisa de mestrado. Na segunda seção, denominada de “Do corpo objeto ao corpo sujeito: uma trajetória de grandes desafios”, conferimos valor ao modo como a sociedade vem percebendo a corporeidade autista ao longo dos anos, buscando entrelaçar as discussões desenvolvidas com reflexões acerca da construção do sujeito aprendente no âmbito da Educação Infantil, cujas experiências corporais podem e devem ser valorizadas no desenvolvimento de mediações pedagógicas. Antes, porém, faremos uma breve caminhada pela História, a fim de situarmo- nos a partir da observação de diferentes formas de tratar o corpo. Na terceira seção, exploramos a temática formação de professores para atuarem numa perspectiva inclusiva atentando para a necessidade da construção de um diálogo mais profundo entre teoria, prática e o revelar do conhecimento. Na quarta seção, traçamos o percurso metodológico de nossa pesquisa, com destaque para a apresentação da técnica de Grupo Focal, e, na seção seguinte, apresentamos as três categorias de análise obtidas após o tratamento dos dados das entrevistas: a inclusão escolar da criança com TEA no contexto da escola regular; corpo e autismo; relação corpo e aprendizagem da criança com TEA na concepção de professoras da Educação Infantil. Na sexta e última seção, encontra-se a descrição da prática interventiva elaborada com vistas à formação de professores da Educação Infantil. Logo após, as considerações finais, que sintetizam os resultados alcançados a partir dos objetivos propostos. 25 2 DO CORPO OBJETO AO CORPO SUJEITO: UMA TRAJETÓRIA DE GRANDES DESAFIOS No corpo estão inscritas todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contacto primário do indivíduo com o ambiente que o cerca (DAOLIO, 1995, p. 105). Neste capítulo, conferimos valor ao modo como a sociedade vem percebendo a corporeidade autista ao longo dos anos, acenando para a possibilidade de uma prática docente que faça a leitura do espectro a partir de um olhar fenomenológico. Antes, porém, faremos uma breve caminhada pela História, a fim de entendermos os sentidos e significados atribuídos ao corpo na atualidade. Desta feita, o presente capítulo está dividido em três tópicos: Corpo e deficiência A educação do corpo no Transtorno do Espectro Autista Educação Infantil, corpo e aprendizagem Em linhas gerais, no primeiro tópico, é feita uma breve incursão pela história ocidental do corpo, a fim de situarmo-nos em relação à temática. No segundo tópico, buscaremos compreender como se dá a educação do corpo no TEA a partir da ascensão do transtorno. Por fim, entrelaçaremos as discussões desenvolvidas nos tópicos anteriores com reflexões acerca da construção do sujeito aprendente no âmbito da Educação Infantil, cujas experiências corporais podem e devem ser valorizadas no desenvolvimento de mediações pedagógicas. 2.1 CORPO E DEFICIÊNCIA O que é corpo? A epígrafe de Daolio utilizada no começo deste capítulo nos remete às contribuições do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (2006), que em sua perspectiva fenomenológica concebe o corpo como lugar onde se fundem as noções de sujeito e objeto. 26 De acordo com a fenomenologia3 merleaupontyana, o corpo está no mundo a entranhar-se nele, de modo que o biológico e o cultural se fundem na estrutura da existência. Para Merleau-Ponty (2006, p. 203): O corpo é nosso meio geral de ter um mundo. Ora ele se limita aos gestos necessários à conservação da vida e, correlativamente, põe em torno de nós um mundo biológico; ora, brincando com seus primeiros gestos e passando de seu sentido próprio a um sentido figurado, ele manifesta através deles um novo núcleo de significação: é o caso dos hábitosmotores da dança. Ora enfim, a significação visada não pode ser alcançada pelos meios naturais do corpo; é preciso então que ele construa um instrumento, e ele projeta em torno de um mundo cultural. Por essa perspectiva, consideramos que o corpo é fluido, socialmente construído, e a concepção que temos do mundo advém das experiências pelas quais nosso corpo passa. Desse modo, o corpo não pode ser apreendido apenas como um objeto visto apenas pelo viés biológico, mas elemento vital para a constituição da nossa consciência, condição e base para a existência. A fim de entendermos exatamente o que isso significa e de que forma reverbera na educação, estabelece-se a necessidade de fazermos uma breve imersão pela história do corpo, aqui especificamente, pela história ocidental do corpo, desde os primórdios até a atualidade, considerando que, ao longo dos anos, ele tem sido objeto de diferentes formas de atenção e valorização. Nossa intenção não é fazermos um apanhado de datas e marcos históricos, mas situarmo-nos e situar o leitor. Nas sociedades primitivas, estruturalmente mais simples e predominantemente nômades, o corpo humano se apresenta como instrumento de sobrevivência e expressão suprema das atividades artísticas (BIANCHETTI, 1998). Nesse período, ter um corpo com aspecto vigoroso, forte e saudável, era fundamental para a manutenção dos grupos de indivíduos, que, além da intensa participação corporal nos acontecimentos importantes da comunidade, a exemplo de rituais e celebrações (GONÇALVES, 2012), constantemente se deslocavam à procura de abrigo e alimentos. Na luta pela sobrevivência existia uma espécie de seleção natural, onde apenas os indivíduos mais fortes e saudáveis eram aceitos pelo grupo, e, embora não existam vestígios arqueológicos de como os primeiros homens se comportavam em relação às pessoas com deficiência, presume-se que, nas sociedades primitivas, em virtude desse processo seletivo, elas eram submetidas a sentimentos de intolerância, destruição ou abandono. 3 O termo fenomenologia significa estudo dos fenômenos, daquilo que aparece à consciência, daquilo que é dado, buscando explorá-lo (SILVA et al., 2008, p. 254). 27 Conforme assevera Gaio (2004, p. 147): Para uma sociedade na qual as relações de produção eram baseadas na coletividade, principalmente ligadas ao trabalho com a terra, sem recursos materiais e somente com a força do ser humano, o corpo deficiente se viu isolado [...] a sobrevivência era o maior dos problemas e os corpos deficientes pouco poderiam auxiliar no tocante à solução. Na Antiguidade, se instaura a filosofia racionalista, que tem Sócrates4 e Platão5 como principais representantes, e o homem, que até então se envolvia intensamente com a natureza como ser corporal e sensível, passa a viver sob a égide de um pensamento dicotomizado que promove a divisão do ser humano em corpo e mente (GONÇALVES, 2012). Desse modo, o corpo se desenha na Idade Antiga como um artefato de poder e a exclusão de pessoas com deficiência justifica-se pelo fato de serem consideradas inabilitadas mental ou corporalmente. É nesse cenário, de acordo com a literatura, que abrolham Grécia, Roma e Egito na história ocidental do corpo das pessoas com deficiência. No contexto greco-romano, os homens eram valorizados pela beleza e pelo bom condicionamento físico, enquanto as pessoas que nasciam ou adquiriam alguma deficiência (o que muito acontecia principalmente em virtude das guerras) eram marginalizadas ou sacrificadas por ordem do Estado. Nessas civilizações, estampava-se no corpo a busca por uma imagem perfeita, sinônimo de saúde e força, por isso, a eugenia6 instaurou-se como prática comum para uma sociedade que não conseguia enxergar possibilidades em “corpos diferenciados” (OLIVEIRA, 2013). Os sobreviventes ao processo de higienização predominante nesse período, fossem cegos, surdos, deficientes mentais, deficientes físicos ou pessoas nascidas com má formação (SILVA, 1987), foram explorados comercialmente nas cidades ou serviram de entretenimento para as famílias mais abastadas, principalmente nos circos. “Corpos disformes/anômalos “justificavam” práticas excludentes sob o auspício de uma sociedade da eugenia, que se baseava na ‘higienização’ social com fins de categorizar os aptos e não aptos ao exercício da cidadania” (SILVA; SILVA, 2019, p. 4). No Egito Antigo, evidências arqueológicas, a exemplo de túmulos, múmias, papiros, obras de arte e afrescos, revelam que as pessoas com deficiência não eram necessariamente 4 Sócrates (469-399 a.C.). 5 Platão (427-347 a.C.). 6 A eugenia é uma teoria presente desde a Antiguidade que busca produzir um aperfeiçoamento da espécie humana baseado em leis genéticas. Considera que existe grau de humanidade, seres inferiores e superiores, e vidas que não merecem ser vividas. Ela está presente na origem de crimes da humanidade como os praticados por nazistas contra judeus, eslavos, ciganos etc. (Cf., 2006, p. 12). 28 isoladas da sociedade, sugerindo que algumas se integravam às mais distintas classes sociais da época como nobres, artesãos, agricultores, pescadores, escravos e outros. Muitos estudos também fazem referência às pessoas com nanismo, que não encontravam empecilhos para realizar suas ocupações e ofícios. Conforme Lopes (2013, p. 6): De maneira geral os anões tinham uma representação muito positiva no Egito Antigo, pois se acreditava que seu aspecto representava alguma significância mágica, existindo inclusive preces específicas para proteção em situações de perigo. Outro aspecto bastante interessante reside no fato de que alguns deuses eram anões e tinham culto próprio. Uma dessas divindades era o Deus anão Bes, que era cultuado como o Deus do Amor, da Fertilidade e da Sexualidade. Essa aceitação dava-se, principalmente, porque os “médicos egípcios acreditavam que as doenças graves e as deficiências físicas ou os problemas mentais graves eram provocados por maus espíritos, por demônios ou por pecados de vidas anteriores que deviam ser pagos” (PEREIRA; SARAIVA, 2017, p. 170). Desse modo, só por imissão dos deuses essas pessoas poderiam ser exterminadas. Todavia, as evidências disponíveis também apontam que, apesar da atestada “complacência”, a aparência física era o principal fator de exclusão das pessoas com deficiência na sociedade egípcia, sobretudo e as que adivinham de famílias menos privilegiadas e que, por consequência, eram totalmente desassistidas pelos médicos-sacerdotes (SILVA, 1987). Nesse contexto, podemos observar que, o peso da atitude discriminatória estaria não na deformidade do corpo, mas sim na condição social do indivíduo. Por isso, compreendemos nesta pesquisa, que a constituição da deficiência se mostra como um conceito histórico, social e cultural carregado de significados de como o sujeito se vê e é visto na sociedade. Na Idade Média, com o advento do Cristianismo, a dicotomia muda de corpo/mente para corpo/alma. Nesse período, a deficiência passa a ser associada ao pecado, sendo a morte, em grande parte, substituída pela segregação. Com isso, os infanticídios outrora praticados, tornaram-se inaceitáveis e as crianças nascidas com deficiência passaram a ser responsabilidade da família ou da Igreja, que tinham a obrigação de afastá-las do convívio social, pois seus corpos imperfeitos não refletiam a imagem de Deus. Condenadas à marginalização, as pessoas “marcadas pelo pecado”, passaram a ser recolhidas em porões, asilos, igrejas ou ainda confinadas em instituições quase sempre de caráter filantrópico que não lhes ofereciam nenhuma assistência humanitária. É nesse período 29 da História que surgem os primeiros hospitais de caridade para pessoas com deficiência,que mais tarde, já ao final da Idade Média, passaram a receber e abrigar também mendigos, leprosos, doentes terminais e indivíduos considerados loucos, tornando-se verdadeiros depósitos insalubres de pessoas pobres. A tudo isso se acresce que, além das condutas segregatícias, à instituição religiosa do período medieval também estão associadas práticas duramente punitivas7 contra as pessoas com deficiências físicas ou mentais, e contra os indivíduos que se manifestassem criativamente através de seus corpos, pois considerava-se que estariam possessos pelo demônio. Conforme Gaio (2004, p. 153): Apesar de encontrarmos, com a propagação e solidificação do cristianismo, um outro posicionamento em relação ao ser humano, mais justo, mais atencioso, no qual os valores de caridade, fraternidade, compaixão, amor ao próximo elevaram a vida ao posto de direito adquirido de todo ser humano, seja ele normal ou anormal, dando fim aos tempos de infanticídio e extermínio de deficientes, não podemos afirmar que houve uma mudança radical e efetiva no conjunto da sociedade. O que predominou verdadeiramente ao longo de todos esses anos, foi o desprezo, a negligência, e as atitudes apenas de tolerância em relação aos corpos deficientes. Na Idade Moderna, que se inicia ao final da Idade Média e se estende até as Revoluções do século XVIII, ocorreram sensíveis transformações socioculturais8 no mundo europeu cristão, e o corpo, até então considerado prisão da alma, torna-se servo da razão. Com isso, as ações humanas passam a se orientar por valores capitalistas e pelo avanço da ciência, revelando um homem cada vez mais preocupado com o domínio e controle da natureza assim como de seu corpo (GONÇALVES, 2012). É nesse período da História que ganham notoriedade duas distintas correntes ideológicas: o racionalismo de René Descartes [1596-1650], base do cartesianismo9, e o empirismo de Francis Bacon [1561-1626], considerado o fundador da ciência moderna. Segundo Barbosa et al. (2011, p. 28): 7 JÚLIO, Rennan A. As dez técnicas de tortura mais assustadoras da Idade Média: métodos terríveis marcaram o período conhecido como “Idade das Trevas”. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2014/10/10-tecnicas-de-tortura-mais-assustadoras-da-idade- media.html. Acesso em: 29 maio 2020. 8 SILVA, Odair Vieira da. A idade moderna e a ruptura cultural com a tradição medieval: reflexões sobre o renascimento e a reforma religiosa. Revista Científica Eletrônica da Pedagogia, ano XVI, n. 28 jan. 2017. Disponível em: http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/P4zxYBJG5YWskHR_2018-3-17- 11-31-51.pdf. Acesso em: 29 maio 2020. 9 BATTISTI, César Augusto. O método de análise cartesiano e seu fundamento. Sci. stud., São Paulo, v. 8, n.4, Dec. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678- 31662010000400004. Acesso em: 30 maio 2020. https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2014/10/10-tecnicas-de-tortura-mais-assustadoras-da-idade-media.html https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2014/10/10-tecnicas-de-tortura-mais-assustadoras-da-idade-media.html http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/P4zxYBJG5YWskHR_2018-3-17-11-31-51.pdf http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/P4zxYBJG5YWskHR_2018-3-17-11-31-51.pdf https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662010000400004 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662010000400004 30 O corpo, agora sob um olhar “científico”, serviu de objecto de estudos e experiências. Passa-se do teocentrismo ao antropocentrismo. O conhecimento científico, a matemática, enfim, o ideal renascentista: O corpo investigado, descrito e analisado, o corpo anatómico e biomecânico. A redescoberta do corpo, nessa época, aparece principalmente nas obras de arte, como as pinturas de Da Vinci e Michelangelo, valorizando-se, deste modo, o trabalho artesão, juntamente com o pensamento científico e o estudo do corpo (Rosário, 2006). A disciplina e controle corporais eram preceitos básicos. Todas as actividades físicas eram prescritas por um sistema de regras rígidas, visando a saúde corporal. Estando o corpo imerso num sistema de sujeição insensível à diversidade humana, onde “só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e submisso” (FOUCAULT, 1987, p. 26), a pessoa com deficiência continuou sendo marginalizada, se antes por representar a materialização do pecado, agora por não se ajustar aos critérios de rendimento e eficácia exigidos pela sociedade. Essa marginalização deu origem às primeiras casas de correção e de trabalho, e aos hospitais gerais, que tinham “autoridade para fazer uso de recursos curativos e corretivos que a biomedicina comumente oferecia como única alternativa para o bem-estar das pessoas com deficiência” (DINIZ et al., 2009, p. 69). Só ao final do século XVIII, tendo por base as ideias iluministas difundidas pela Revolução Francesa (1789-1799), e sob o argumento de um tratamento mais humanizado, é que surgiram as primeiras instituições especializadas de atendimento às pessoas com deficiência. Cabe-nos aqui ressaltar que, nas situações acima referenciadas de atendimento à pessoa com deficiência predominou, nesse período, o caráter assistencialista, sem que se perceba nenhuma atenção com propósito educacional. No entanto, de acordo Martins (2015), há evidências históricas de iniciativas particulares muito significativas, que foram decisivas para a construção de um pensamento voltado ao atendimento educacional dessas pessoas. Dentre elas, destacam-se as que foram protagonizadas na Espanha pelo monge Pedro Ponce de Leon [1520-1584], considerado um dos pioneiros na educação de surdos entre os anos de 1541 até 1549, como também pelo padre espanhol Juan Pablo Bonet [1573-1633], que publicou em 1619 a obra Redação das Letras e Artes de Ensinar os Mudos a Falar, “considerado o primeiro manual de ensino de surdos-mudos, exercendo grande influência nesta área também em outros países” (MARTINS, 2015, p. 31). Chegando à contemporaneidade, ocorre uma “redefinição do significado de habitar um corpo que havia sido considerado, por muito tempo, anormal” (DINIZ et al., 2009, p. 65), e 31 cresce a discussão sobre a deficiência como sendo um problema de ordem social. Por consequência, surge um interesse quanto aos direitos das pessoas com deficiência, sendo a sociedade provocada a assumir posturas que respeitem em princípios, políticas e práticas a manifestação da diversidade humana. Porém, antes de adentramos no campo dessa redefinição, uma prática discriminatória ocorrida entre os anos de 1840 e 1970 merece atenção no contexto de nossas discussões sobre corpo e deficiência. São os denominados “freak shows” e os espetáculos dos corpos monstruosos traduzidos como “circo dos horrores” ou “show de aberrações” (FABRI; FISCHER, 2017; PEIXOTO, 2019). Com registro de ocorrência em várias partes do mundo, a exemplo dos EUA, Paris e Londres, os “freak shows”eram realizados geralmente em teatros itinerantes, circos, praças públicas ou parques de diversões, e os elencos incluíam indivíduos com nanismo, albinismo, mulheres barbadas, gêmeos xifópagos ou qualquer outra pessoa que chamasse a atenção por sua aparência. De acordo com Fabri e Fischer (2017), nesse cenário reinava o modelo do “monstro”, que anulava a diversidade humana com o objetivo de ensinar à sociedade o poder da norma, sendo o corpo projetado como um produto de grande valor em um mercado de massa. Um exemplo dessa forma de entretenimento pode ser visto em trechos do filme norueguês “A leoa”, lançado no ano de 2016, que conta a história de Eva Arctander, que nasceu com uma doença rara denominada hipertricose10. Naobra, o circo dos horrores aparece como única alternativa de sobrevivência para a jovem Eva, vítima de rejeição por sua família, como também do preconceito existente na sociedade, assim como todos que, à época, também se integravam aos espetáculos dos corpos monstruosos. Os “freak shows” tratavam-se, portanto, de uma prática excludente que por muitas décadas explorou o corpo considerado “anormal” para alimentar a curiosidade de multidões e fomentar a indústria capitalista em expansão (COURTINE, 2009). Com a multiplicação dos estudos científicos, a monstruosidade humana se mostra passível de observação apenas nos ambientes médicos tornando-se proibidos os espetáculos para exibição de pessoas com “anormalidades”. No entanto, há registros de que os “freak shows” ainda existem nos dias atuais, porém, com a então apresentação de “corpos saudáveis, esteticamente normais transformados em deformidades por artistas que não querem ser incluídos no padrão da sociedade ocidental” (VERGARA, 2013, p. 62). 10 Hipertricose – Hypertrichosis. Disponível em: https://pt.qwe.wiki/wiki/Hypertrichosis. Acesso em: 30 maio 2020. https://pt.qwe.wiki/wiki/Hypertrichosis 32 Além dos “freak shows”, a eugenia, já referenciada neste texto dissertativo, corresponde a outra prática preconceituosa e discriminatória com grande notoriedade entre o final do século XIX e as primeiras décadas da Idade Contemporânea, visto envolver o extermínio elevado de vários grupos de indivíduos, a exemplo de pessoas com deficiências físicas ou mentais, idosos, doentes incuráveis, homossexuais etc., frente à ideia de que algumas pessoas eram biologicamente superiores a outras. Segundo a literatura, essa e outras práticas discriminatórias ocorridas nessa época evidenciam que, apesar da expansão da ciência e da tecnologia terem promovido profundas mudanças na sociedade entre os séculos XIX e XX, o olhar voltado às pessoas com deficiência permanecia engessado nos princípios arcaicos da exclusão. Assim sendo, as primeiras mudanças na maneira como a sociedade via e tratava as pessoas com deficiência só são realmente percebidas após a Segunda Guerra Mundial, a partir dos esforços realizados para reabilitar o elevado número de indivíduos que voltavam para seus lares mutilados e/ou com estresse pós-traumático. Portanto, é nesse movimento a favor dos “filhos da guerra” que se observa o despontar de novas expectativas em relação às pessoas com deficiência. Algumas tendências teóricas que emergiram nesse período também abriram novas possiblidades de ressignificação para a vida humana, incluindo a corporeidade, ao se posicionarem radicalmente contra a metafisica cartesiana que separava a matéria do espírito ou o sujeito do objeto, provocando uma ruptura no conhecimento (SIQUEIRA, 2014, p. 12). Destacamos, nesse cenário, a fenomenologia elucidada pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty [1908-1961], que se opõe às dicotomias e afirma que o ser humano pode ser compreendido de várias maneiras, por sua condição de ser corpóreo em incessante movimento. Nessa perspectiva, Nóbrega (2010, p. 54), assevera: Merleau-Ponty apresenta uma visão de corpo diferente desse modelo matemático: nem coisa, nem ideia, o corpo está associado à motricidade, à percepção, à sexualidade, à linguagem, ao mito, à experiência vivida, à subjetividade, às relações com o outro, à poesia, ao sensível, apresentando-se como um fenômeno enigmático e paradoxal, não se reduzindo à perspectiva de objeto, fragmento do mundo regido pelas leis de movimento da mecânica clássica submetido a leis e estruturas matemáticas exatas e invariáveis. Assim sendo, na perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty (2006, p. 122), dialeticamente, temos consciência do corpo por meio do mundo, e do mundo por meio do corpo: “O corpo é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles”. 33 Desse modo, pouco a pouco, a deficiência, que já fora considerada “um drama pessoal ou familiar, com explicações religiosas que a aproximaram ora do infortúnio, ora da benção divina em quase todas as sociedades” (DINIZ et al., 2009, p. 68), vai sendo redefinida como um assunto de ordem pública, uma questão social que repercute nos processos de constituição das identidades dos indivíduos. Assim, começa a se desenhar a partir da década de 1960, o modelo social segundo o qual as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência resultariam da forma pela qual a sociedade compreende as limitações de cada indivíduo. Nessa perspectiva, dois importantes marcos sociais merecem destaque no século XX: a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien – 1990), que incide sobre a Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem; e a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais (Salamanca – 1994), a partir da qual se expande e começa a ser sistematizada a ideia de inclusão das pessoas com deficiência e sua importância para a sociedade. Chegando ao século XXI, observa-se uma “redução dos fenômenos sociais a favor do plano da psique individual” (BAUMAN; DONSKIS, 2014, p. 33), sendo perceptível o desenvolvimento de uma sociedade cética, narcisista e marcadamente tecnológica que caminha cada vez mais firme sob as insígnias da globalização. Dentro dessa nova narrativa, embora existam divergências entre muitos autores a respeito do atual lugar do corpo na sociedade, já é possível situar “distintas funções exercidas pelo corpo em seus diversos aspectos: corpo território, corpo viril, corpo excesso e corpo beleza” (CARRETEIRO, 2005, p. 65), posições que, fatidicamente, têm exacerbado o individualismo e anestesiado as relações sociais. Nessa perspectiva, coloca-se ao homem hodierno, o desafio de não perder a sensibilidade (BAUMAN; DONSKIS, 2014), superar os paradoxos e contradições que reforçam as desigualdades, e aperceber-se enquanto “sujeito consagrado ao mundo” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 6), tendo o corpo como condição e base para a própria existência. 2.2 O CORPO NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Embora nas últimas décadas tenhamos avançado nos estudos, compreensão do TEA, e debate sobre inclusão (BAPTISTA; BOSA, 2002), frequentemente ouvimos o termo 34 “autismo” associado quase que exclusivamente à ideia de um indivíduo antissocial que, na maioria dos casos, está com o corpo sempre em frenético movimento. Para essa discussão, trouxemos como exemplo, a fala de uma das professoras participantes desta pesquisa sobre como ela vê o corpo da criança com TEA na Educação Infantil: O corpo da criança com TEA é bem mais agitado. A gente percebe que é bem mais agitado. Falando sobre essa questão de agitação no caso de (X), a mãe me revelou que tinha ido ao médico e ele passou uma substância, é... Não sei se é a substância: Depakene porque ele não conseguia dormir. Ele era agitado em casa, né? E por causa dessa agitação ele não conseguia dormir. E aí teve que usar pra ajudar... O Depakene11, se não me engano, era 25 miligramas líquido pra ele. E tem toda uma queixa de problemas porque disse que causava prisão de ventre, né? E aí eu vejo essa questão do corpo como algo que não pode ficar muito agitado porque transparece que a criança realmente tem algo digamos, né? Precisa ser tratado, mas também não tem como a criança ficar totalmente estática porque por ele ficar assim, mais contido, tá relacionado aí, acredito, a prisão de ventre também, né? Que precisa de um pouco de movimento... Era uma (como posso dizer?) uma espada de dois gumes, podemos dizer assim, né? Que tinha que conter aquela agitação dele, mas, ao mesmo tempo precisava que ele também se movimentasse (MILITANA, 12/03/2020). Partindo do pressuposto de queo corpo é pleno de subjetividade, se encontra perpassado pela historicidade, e nos permite perceber o mundo e tudo o que nele há (MERLEAU-PONTY, 2006), podemos considerar que na fala acima apresentada, está evidenciada uma noção de corpo, que, por ser “inquieto e agitado”, estaria a revelar “que a criança tem algo” que “precisa ser tratado”. O que pode sugerir que se passe na mente da professora, a ideia de que aquele corpo inquieto e agitado da criança com TEA, em função do próprio transtorno, seja algo incapacitante, bastante limitado para a aprendizagem. Indo um pouco mais adiante, ao analisar como a escola vem concebendo a noção de corpo no TEA, Freitas (2015, p. 09), considera que: As propostas curriculares costumam enfocar o estudo das deficiências, suas características clínicas e o uso de recursos pedagógicos que compensem diretamente a perda biológica de uma função [...]. Recai-se, assim na 11 A título de conhecimento, o Depakene é indicado isoladamente ou em combinação a outros medicamentos, no tratamento de pacientes adultos e crianças acima de 10 anos (grifo nosso) com crises parciais complexas, que ocorrem tanto de forma isolada ou em associação com outros tipos de crises. Também é indicado isoladamente ou em combinação a outros medicamentos no tratamento de quadros de ausência simples e complexa em pacientes adultos e crianças acima de 10 anos. Disponível em: https://consultaremedios.com.br/depakene/bula. Acesso em: 17 mar. 2021. https://consultaremedios.com.br/depakene/bula 35 instrumentalização, como se aos professores bastassem conhecimentos sobre critérios diagnósticos e o provimento de recursos específicos, conforme suspeita, para lidar com o aluno considerado com deficiência. Depreende-se, assim que, anulada a corporeidade do aluno com TEA, os entraves à sua aprendizagem seriam superados basicamente via utilização de técnicas e materiais concretos, fundamentos bem presentes nos cursos de formação e capacitação pedagógica (GAYA, 2006), que preparam os professores para a execução de práticas que priorizam a disciplina dos corpos e/ou a compensação da perda biológica de uma função do estudante com deficiência (FREITAS, 2015). A fim de dialogarmos um pouco mais sobre essa consideração, buscamos recuperar na literatura, alguns dos elementos que cumulativamente ao longo da história auxiliaram a constituir o discurso de corpo no Transtorno do Espectro Autista. De acordo com a literatura, a concepção de autismo se desenvolveu no campo médico- psiquiátrico entre os séculos XVIII e XIX, época em que, provavelmente, as pessoas acometidas pelo transtorno foram consideradas “idiotas” ou “débeis mentais”, assim como aquelas que sofriam de retardo metal, psicoses ou esquizofrenia (GAUDERER, 1997). Silenciadas as diferenças individuais, rigorosas intervenções medicamentosas, exclusão, sacrifícios e punições a partir de processos de controle do corpo e modificação do comportamento marcaram, possivelmente, a atenção dada às pessoas com TEA nesse período. Três médicos psiquiatras destacaram-se nas primeiras pesquisas sobre o TEA, a começar pelo psiquiatra Plouller, em 1906, o primeiro estudioso a introduzir o adjetivo “autista” na literatura mundial após estudos desenvolvidos com pacientes esquizofrênicos com sinal clínico de isolamento. Alguns anos depois, em 1911, o também psiquiatra suíço Eugen Bleuler [1857-1939] apregoou o termo definindo-o como uma perda de contato com a realidade para descrever um dos sintomas da esquizofrenia no adulto (ORRÚ, 2012). Mas, foi por intermédio do médico austríaco Leo Kanner [1894-1981], no ano de 1943, a partir de experiências desenvolvidas com onze12 crianças americanas, que se difundiu a existência do autismo e os dois critérios que seriam os eixos da desordem: a solidão e a insistência pelo imutável (sameness). Kanner descreveu o autismo como sendo uma patologia que se estruturava nos dois primeiros anos de vida e sugeriu que seu aparecimento estaria associado a questões ambientais, de modo mais específico, a maternagem inadequada, que geravam no indivíduo 12 A primeira pessoa da história a receber o diagnóstico de autismo foi o americano Donald Triplett [1933], classificado como o “caso 1” entre 11 crianças estudadas pelo médico Léo Kanner (DONVAN; ZUCKER, 2017). 36 com TEA a impossibilidade na comunicação, na linguagem e na capacidade de estabelecer vínculos afetivos. Para Kanner, o autismo estaria dentro do grupo das psicoses infantis e os pais de pessoas com TEA tinham um perfil de “mães emocionalmente frias e de pais intelectuais que investiam mais na observação do seu bebê do que no contato com ele” (CAVALCANTI; ROCHA, 2001, p. 48). Essa visão, acolhida por vários autores e clínicos de renome, impulsionou o desdobramento do conceito da “mãe geladeira” e fez com que se difundisse a “etiologia relacional do AI” (SCHWARTZMAN, 2003, p. 6). Com o passar dos anos, as ideias apregoadas pelo psiquiatra Léo Kanner sofreram significativas alterações, sendo o TEA considerado na atualidade um “conjunto de transtornos neurodesenvolvimentais de causas orgânicas, caracterizado por dificuldades de interação e comunicação que podem vir associadas a alterações sensoriais, comportamentos estereotipados e/ou interesses restritos” (SCHMIDT et al., 2016, p. 223), o que desmitifica a crença de que os pais seriam os culpados pelo quadro de autismo apresentado por seus filhos. Todavia: Responsabilizar a mãe ainda é muito comum hoje em dia por diversos profissionais da área da saúde, que ficaram parados no tempo e reproduzem a teoria de Léo Kanner. É uma teoria equivocada, mas que foi muito divulgada. No entanto, o que poucas pessoas sabem é que anos mais tarde o mesmo psiquiatra veio a público para retrata-se por essa consideração (SILVA, 2012, p. 160). Subsequente às pesquisas de Kanner, outros autores também se dedicaram ao estudo do autismo e suas possíveis causas. Entre eles, o médico austríaco Hans Asperger [1906- 1980], que popularizou o termo “Síndrome de Asperger” ao descrever no seu artigo “Psicopatologia Autística da Infância”, no ano de 1944, indivíduos bem semelhantes aos descritos pelo Léo Kanner, após estudo observacional com mais de 400 crianças avaliando seus padrões de comportamento e habilidades. Seus estudos também o levaram a concluir que o autismo estaria associado a fatores ambientais, como também a comprometimentos orgânicos, afetando mais meninos que meninas. Conforme assevera Silva (2012, p. 160): Hans Asperger descreveu um transtorno da personalidade que incluía falta de empatia, baixa capacidade de fazer amizades, monólogo, hiperfoco em assunto de interesse especial e dificuldade de coordenação motora (quadro que depois ficou denominado síndrome de Asperger). Hans Asperger cunhou o termo psicopatia autística e chamava as crianças que estudou de 37 “pequenos mestres”, devido à sua habilidade de discorrer sobre um tema minunciosamente. No ano de 1965, em meio a discussões sobre as possíveis causas do autismo, a americana Mary Temple Grandin13 [1947], diagnosticada ainda na infância com autismo, cria a “Máquina do abraço”, um aparelho projetado para acalmar e aliviar a sentida ansiedade proveniente das alterações sensoriais14 características do transtorno. As experiências sensoriais vivenciadas e descritas por Temple, bem como a veiculação de todos os fatores que a colocam dentro do espectro autista, contribuíram com o alargamento de muitas pesquisas desenvolvidas na busca pela compreensão do transtorno, e, de acordo Freitas (2015, p. 103) servem de fundamento para a “compreensão acerca de perceptualidade da pessoa com TEA sob a perspectiva dos dizeres do corpo”. Isso porque extrapolam a
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