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Corpoaprendizagemcrianca-Souza-2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO E INCLUSÃO EM CONTEXTOS EDUCACIONAIS 
 
 
 
 
JAISE DO NASCIMENTO SOUZA 
 
 
 
 
CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO 
AUTISTA: UM DIÁLOGO COM PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2021 
 
 
 
 
 
JAISE DO NASCIMENTO SOUZA 
http://lattes.cnpq.br/5679206182601793 
 
 
 
 
 
 
 
CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO 
AUTISTA: UM DIÁLOGO COM PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de 
Educação da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte como parte dos requisitos 
para obtenção do título de Mestre em 
Educação. 
 
Orientador(a): Profa. Dra. Maria Aparecida 
Dias 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2021 
 
http://lattes.cnpq.br/5679206182601793
 
 
 
 
JAISE DO NASCIMENTO SOUZA 
http://lattes.cnpq.br/5679206182601793 
 
CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO 
AUTISTA: UM DIÁLOGO COM PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de 
Educação da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte como parte dos requisitos 
para obtenção do título de Mestre em 
Educação. 
 
Aprovada em: 22/07/2021. 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
Profa. Dra. Maria Aparecida Dias (Orientadora) 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 
 
Profa. Dra. Luzia Guacira dos Santos Silva (Examinadora Interna Titular) 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 
 
Profa. Dra. Débora Regina de Paula Nunes (Examinadora Interna Suplente) 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 
 
Profa. Dra. Graciele Massoli Rodrigues (Examinadora Externa Titular) 
Universidade São Judas Tadeu (USJT) 
 
Profa. Dra. Michele Pereira de Souza da Fonseca (Examinadora Externa Suplente) 
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 
 
 
http://lattes.cnpq.br/5679206182601793
 
 
 
 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE 
 
 Souza, Jaise do Nascimento. 
 Corpo e aprendizagem da criança com Transtorno do Espectro 
Autista : um diálogo com professoras da educação infantil / Jaise 
do Nascimento Souza. - 2021. 
 138 f.: il. color. 
 
 Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. 
Natal, RN, 2021. 
 Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida Dias. 
 
 
 1. Inclusão escolar - Dissertação. 2. Transtorno do Espectro 
Autista - Dissertação. 3. Corpo - Dissertação. 4. Formação de 
professores - Dissertação. I. Dias, Maria Aparecida. II. Título. 
 
RN/UF/Biblioteca Setorial Moacyr de Góes CDU 376 
 
 
 
 
 
Elaborado por Jailma Santos - CRB-15/745 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço e dedico este estudo primeiramente a Deus, fonte de luz, inspiração e 
sabedoria. Nada teria sido possível sem os Seus cuidados diários e inquestionável amor. 
Ao meu papai (in memoriam), homem íntegro e destemido a quem devo a vida e o 
desejo pelo bem viver. Trago alguns de seus ensinamentos nesta pesquisa, com referência, 
inclusive, ao grande profissional que foi um dia. 
À minha mainha, Dona Nena, mulher simples, batalhadora, maior incentivadora, de 
um coração lindo e acolhedor. Estudar e debruçar-me sobre este texto dissertativo não teria 
sido possível sem o seu apoio e amor. Obrigada por tudo e por tanto, querida “veinha”. 
À minha linda filha Ana Caroline, que está com seis meses de nascida, contrariando 
um diagnóstico médico de que eu não poderia engravidar, embora em meu coração sempre 
tenha existido a certeza de que seria mãe um dia. Juntas, enfrentamos durante o ano de 2020, 
uma gravidez de risco, o distanciamento social, todas as dificuldades decorrentes da pandemia 
do novo coronavírus e uma exaustiva rotina de atividades on-line e estudos que se estendeu 
por noites e dias. Em meu ventre ela foi a minha força e companhia nessa solitária travessia 
que se chama Mestrado, e hoje é o Sol que aquece a minha vida. No seu sorriso banguela 
tenho encontrado motivos para sonhar novos sonhos e continuar a lutar. Te amo, minha 
pequena bonequinha! 
Ao meu irmão Jailton, por toda força, cuidados e alegria. Mesmo distantes 
fisicamente, beijo sua face todos os dias. O amo além das palavras. 
À Profa. Débora Regina de Paula Nunes, ser humano lindo e grande pesquisadora de 
quem tive o privilégio de ser aluna especial na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 
um ano antes de chegar ao Mestrado. Minha admiração e respeito por essa profissional que se 
dedica com amor à Educação Especial e aos estudos sobre o Transtorno do Espectro Autista, 
nos incentivando a olhar com zelo e responsividade para o exercício da pesquisa e da escrita 
acadêmica. 
À minha orientadora, a Profa. Maria Aparecida Dias, pelas contribuições e constante 
encorajamento. A concepção de corpo apresentada nesta dissertação é fruto de uma busca 
legítima e apaixonada entremeada a quatro mãos. Minha gratidão por sua parceria, 
compreensão e ensinamentos. 
 
 
 
 
Aos professores do PPGED/UFRN, em especial aos que fazem parte da Linha de 
Pesquisa “Educação e Inclusão em Contextos Educacionais”, pela contribuição no decorrer 
desta caminhada. 
Aos professores Jefferson Fernandes, Rita de Cássia Magalhães, Géssica Fabiely, 
Luzia Guacira e Débora Nunes, pelas valiosas contribuições nos Seminários de Dissertação. 
Aos professores da banca examinadora, pela disponibilidade e contribuição no 
trabalho proposto. 
À Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Parnamirim/RN, por concordar com 
a nossa pesquisa, e a toda a equipe do Centro Municipal de Educação Infantil lócus desta 
investigação, pela acolhida e colaboração, em especial aos professores participantes pela 
também possibilidade de formação. 
Às amigas Tatiana Rachel, Josélia Praxedes e Suênia Karla, por se fazerem sempre 
presentes na minha vida apesar da distância, e se alegrarem com as minhas realizações. Cada 
uma, a sua maneira, ocupa um lugar especial em meu coração. 
A todos, minha gratidão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nós somos responsáveis pelo outro, estando atentos 
a isto ou não, desejando ou não, torcendo 
positivamente ou indo contra, pela simples razão de 
que, em nosso mundo globalizado, tudo o que 
fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida 
de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se 
privam de fazer) acaba afetando nossas vidas 
(BAUMAN, 2010, p. 75-76). 
 
 
 
 
RESUMO 
 
As políticas de inclusão do Brasil, a exemplo da Lei nº 12.764/2012, que institui a Política 
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), 
ampliaram o debate acerca da garantia de direitos e do processo de inclusão escolar desses 
indivíduos no sistema regular de ensino. No entanto, há relatos, na literatura, de que esse 
movimento ainda enfrenta muitos desafios, sendo um dos mais graves a precariedade na 
formação dos professores para atuar numa perspectiva inclusiva, com reflexo na execução de 
práticas pedagógicas que ainda compreendem o corpo separado do sujeito. Considerando o 
exposto, nosso estudo se desenvolveu objetivando analisar a percepção de professoras da 
Educação Infantil sobre a relação entre corpo e aprendizagem no processo de inclusão escolar 
de crianças com Transtorno do Espectro Autista. Desse objetivo geral, desdobraram-se os 
seguintes objetivos específicos: a) Identificar a concepção de professoras da Educação Infantil 
sobre inclusão escolar,corpo e aprendizagem de crianças com Transtorno do Espectro 
Autista; b) Analisar a relação entre corpo e aprendizagem de crianças com TEA na concepção 
de professoras da Educação Infantil; c) Aplicar uma proposta de formação continuada com 
ênfase na relação corpo e aprendizagem e crianças com TEA. Dentre os autores a que 
recorremos para a consecução dos objetivos desta pesquisa, estão os trabalhos desenvolvidos 
por Mantoan (2003); Mendes (2006) e Magalhães (2007) sobre diversidade e inclusão escolar; 
Nóvoa (2009); Favoretto e Lamônica (2014) sobre formação de professores; Schuwartzman 
(2003); Nunes; Azevedo; Schmidt (2013) e Fernandes (2008) acerca do Transtorno do 
Espectro Autista (TEA). Destacamos ainda os estudos de Merleau-Ponty (2006); Gaya 
(2006); Nóbrega (2005) e Freire (2011), onde encontramos subsídios para fundamentarmos 
nossas discussões sobre a relação corpo e aprendizagem. Trata-se, portanto, de uma pesquisa 
qualitativa, de caráter exploratório, na qual adotamos a técnica de Grupo Focal combinada às 
entrevistas individuais para obtenção de dados. Já o tratamento dos dados das entrevistas 
semiestruturadas, foi feito a partir da análise de conteúdo de Bardin (2016). Participaram 
desta investigação 05 professoras da Educação Infantil da rede municipal de Parnamirim/RN 
que tinham regularmente matriculadas em suas turmas crianças diagnosticadas com TEA, e a 
nossa proposta de formação se deu via plataforma digital de comunicação visando 
problematizar a relação corpo, aprendizagem e inclusão escolar de crianças com TEA no 
contexto da Educação Infantil. Os resultados apontam para a ausência de vivências coletivas e 
de espaços destinados à formação continuada para a construção de saberes a partir da ação-
reflexão no fazer docente, desconhecimento das professoras acerca do TEA e a presença 
marcante de concepções que não valorizam o corpo da criança no processo educativo, por 
ainda o enxergarem apenas como um corpo físico, em muitos casos reprimido a favor da 
valorização do desenvolvimento cognitivo. Consideramos que a compreensão de corpo como 
espaço de aprendizagem na educação é indispensável à inclusão escolar de estudantes com 
TEA na escola regular, e nesse cenário, investir na formação do professor, remota ou 
presencialmente, continua sendo essencial. 
 
Palavras-chave: Corpo. Transtorno do Espectro Autista (TEA). Inclusão escolar. Formação 
docente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The inclusion policies in Brazil, such as Law No. 12,764/2012, which establishes the National 
Policy for the Protection of the Rights of the Person with Autistic Spectrum Disorder (ASD), 
have broadened the debate about the guarantee of rights and the process of school inclusion of 
these individuals in the regular education system. However in the literature there are reports 
that this movement still faces many challenges, one of the most serious being the 
precariousness in the training of teachers to work in an inclusive perspective reflected in the 
execution of pedagogical practices that still understand the body as separate from the subject. 
Considering this, our study aimed to analyze the perception of Kindergarten teachers about 
the relationship between body and learning in the process of school inclusion of children with 
Autistic Spectrum Disorders. From this general objective the following specific objectives 
unfolded: a) Identify the conception of Kindergarten teachers about school inclusion, body, 
and learning of children with Autistic Spectrum Disorder; b) Analyze the relationship 
between body and learning of children with ASD in the conception of Kindergarten teachers; 
c) Apply a continuing education proposal with emphasis on the relationship between body 
and learning and children with ASD. Among the authors to which we resorted to achieve the 
objectives of this research are the works developed by Mantoan (2003); Mendes (2006) and 
Magalhães (2007) on school diversity and inclusion; Nóvoa (2009); Favoretto and Lamônica 
(2014) on teacher training; Schuwartzman (2003); Nunes; Azevedo; Schmidt (2013) and 
Fernandes (2008) on Autistic Spectrum Disorder (ASD). We also highlight the studies by 
Merleau-Ponty (2006); Gaya (2006); Nóbrega (2005), and Freire (2011), in which we found 
subsidies to base our discussions about the relationship between body and learning. This is, 
therefore, a qualitative, exploratory research, in which we adopted the focus group technique 
combined with individual interviews to obtain data. The data treatment of semi-structured 
interviews was based on Bardin's content analysis (2016). This research was conducted with 
the participation of 05 Kindergarten teachers from the municipal education system of 
Parnamirim/RN who had regularly enrolled in their classes children diagnosed with ASD, and 
our training proposal was by digital communication platform, aiming to problematize the 
relationship between body, learning and school inclusion of children with ASD in the context 
of Early Childhood Education. The results point to the absence of collective experiences and 
of spaces for continuing education to build knowledge from action-reflection in the teaching 
process, teachers' lack of knowledge about ASD, and the strong presence of conceptions that 
do not value the child's body in the educational process, for still seeing it only as a physical 
body, in many cases, repressed in favor of valuing cognitive development. We believe that 
understanding the body as a learning space in education is indispensable to the school 
inclusion of students with ASD in regular school. And in this scenario investing in teacher 
training, remotely or in person, continues to be essential. 
 
Keywords: Body. Autistic Spectrum Disorder (ASD). School inclusion. Teacher training. 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
ABA – Análise Comportamental Aplicada 
ABRA – Associação Brasileira de Autismo 
AEE – Atendimento Educacional Especializado (AEE) 
AMA – Associação de Amigos do Autista 
APA – American Psychiatric Association 
BDTD – Banco Digital de Teses e Dissertações 
BNCC – Base Nacional Comum Curricular 
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 
CEI – Centro de Educação Infantil 
CEP – Conselho de Ética em Pesquisa 
CF – Constituição Federal 
CID – Classificação Internacional das Doenças 
CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil 
COVID-19 – Corona Vírus Disease (Doença do Coronavírus) 
DF – Distrito Federal 
DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais 
EI – Educação Infantil 
HOUL – Hospital Universitário Onofre Lopes 
IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia 
IES – Instituições de Ensino Superior 
LBI – Lei Brasileira de Inclusão 
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 
NAS – National Autistic Society 
NEE – Necessidades Educacionais Especiais 
OMS – Organização Mundial de Saúde 
PAEE – Público-alvo da Educação Especial 
PMEP – Plano Municipal de Educação de Parnamirim 
PPGED – Programa de Pós-Graduação em Educação 
PPP – Projeto Político-Pedagógico 
RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil 
RN – Rio Grande do Norte 
 
 
 
 
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura 
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 
TEA – Transtorno do Espectro Autista 
TEACCH – Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com déficits relacionados à 
Comunicação 
TID – Transtornos Invasivos do Desenvolvimento 
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1 – Crianças presas a um radiador, no hospital psiquiátrico de Deir el Qamar, no 
centro-sul do Líbano, no ano de 1982 ...................................................................................... 39 
Figura 2 – Operacionalizaçãodo Grupo Focal ......................................................................... 58 
Figura 3 – Entrada principal do CMEI ..................................................................................... 64 
Figura 4 – Área verde da instituição investigada ..................................................................... 65 
Figura 5 – Convite virtual para os professores participarem da formação ............................... 72 
Figura 6 – Teorias da Aprendizagem ..................................................................................... 102 
Figura 7 – Formação das professoras via Google Meet ......................................................... 108 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE QUADROS 
 
Quadro 1 – Publicações selecionadas para a feitura do estado da arte ..................................... 20 
Quadro 2 – Participantes do Grupo Focal de nossa pesquisa ................................................... 59 
Quadro 3 – Quantitativo de crianças atendidas por turno e por turma no ano de 2020 ........... 65 
Quadro 4 – Quantitativo de crianças com laudo de TEA matriculadas no CMEI no ano de 
2020 .......................................................................................................................................... 67 
Quadro 5 – Informações gerais sobre as participantes da pesquisa .......................................... 68 
Quadro 6 – Fases da pré-análise ............................................................................................... 73 
Quadro 7 – Respostas das professoras quanto à concepção de autismo ................................... 87 
Quadro 8 – Respostas das professoras quanto às características do TEA ................................ 89 
Quadro 9 – Desafios e possibilidades da prática docente para trabalhar com crianças autistas
 .................................................................................................................................................. 91 
Quadro 10 – Proposta de formação docente via Google Meet ............................................... 105 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO: DAS INTENÇÕES À EFETIVAÇÃO DA PESQUISA ..................... 16 
2 DO CORPO OBJETO AO CORPO SUJEITO: UMA TRAJETÓRIA DE GRANDES 
DESAFIOS .............................................................................................................................. 25 
2.1 CORPO E DEFICIÊNCIA .............................................................................................. 25 
2.2 O CORPO NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA ....................................... 33 
2.3 EDUCAÇÃO INFANTIL, CORPO E APRENDIZAGEM ........................................... 44 
3 FORMAÇÃO DOCENTE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ........................................... 48 
3.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DE QUE 
ESTAMOS FALANDO? ...................................................................................................... 48 
4 PERCURSO METODOLÓGICO ..................................................................................... 55 
4.1 ASPECTOS ÉTICOS ..................................................................................................... 56 
4.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA .............................................................................. 57 
4.3 INSTRUMENTOS UTILIZADOS ................................................................................. 60 
4.4 LÓCUS DA PESQUISA ................................................................................................ 63 
4.5 PROFESSORAS PARTICIPANTES ............................................................................. 67 
4.6 OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA .................................................................. 69 
4.7 PROCEDIMENTOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS ............................................. 72 
5 APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS ......................................................................... 76 
5.1 A INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA COM TEA NO CONTEXTO DA ESCOLA 
REGULAR ............................................................................................................................ 77 
5.2 CORPO E AUTISMO .................................................................................................... 87 
5.3 RELAÇÃO CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TEA NA 
CONCEPÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................. 96 
6 CORPO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO 
ESPECTRO AUTISTA: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA 
PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL VIA GOOGLE MEET ........................ 104 
 
 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 112 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 115 
APÊNDICE A – CARTA DE ANUÊNCIA DA SEMEC, PARNAMIRIM/RN .............. 127 
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA APLICADA ÀS 
PROFESSORAS ................................................................................................................... 128 
APÊNDICE C – TERMO DE ESCLARECIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 
(TCLE) ................................................................................................................................... 130 
APÊNDICE D – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ ......... 134 
ANEXO A – PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM 
PESQUISA (CEP) ................................................................................................................ 135 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO: DAS INTENÇÕES À EFETIVAÇÃO DA PESQUISA 
Nutro, desse a graduação em Pedagogia (2003-2007), um interesse especial por 
estudos relacionados à formação do profissional docente e as práticas em educação, sobretudo 
no que envolve a inclusão de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), na 
Educação Infantil (EI). 
O entusiasmo pela temática surgiu no início do ano de 2003, quando, pela primeira 
vez, no desempenho de minha atividade docente, tive a oportunidade de trabalhar com uma 
criança autista, de quatro anos, na escola regular. A situação era nova, extremamente 
desafiadora e, além de sozinha, eu me sentia totalmente despreparada para colaborar com a 
efetiva inclusão escolar daquela criança. 
Nesse processo, me vi tomada por muitos questionamentos: O que fazer? Quais 
estratégias de ensino eu poderia acionar para contribuir com o seu processo de aprendizagem? 
Como mediar situações de crise? Como dialogar com a família da criança? Eram tantas as 
interrogações que, em meio as minhas angústias, resolvi debruçar-me com mais afinco sobre o 
assunto. 
Movida pela inquietação e por uma necessidade constante de aprendizado participei de 
eventos, oficinas pedagógicas, cursos de capacitação na área de Educação Especial, e depois 
de alguns meses, concomitantemente as minhas atividades como professora da EI e também 
às da universidade, que desenvolvia no turno da noite, comecei a trabalhar como Terapeuta 
Ocupacional com base no Programa TEACCH1 (Tratamento e Educação para Autistas e 
Crianças com déficits relacionados à Comunicação), experiência muito enriquecedora, que 
despertou em mim um sentimento novo, um senso de curiosidade técnica e científica para o 
aperfeiçoamento de minha prática, que no espaço em questão seria o primeiro motivo a 
justificar minha procura pelo mestrado. 
Outro motivo a mobilizar-me na busca por essa formação envolve a falta que sempre 
senti, tanto na minha trajetória acadêmica quanto profissional, do diálogo com outros 
professores sobre aspectos teóricos e práticos relacionados à inclusão escolar de estudantes1 Programa interventivo criado por Eric Schopler e colaboradores na década de 1960, na Universidade da 
Carolina do Norte (EUA), amplamente disseminado na literatura científica como uma prática cientificamente 
válida ou PBE no contexto educacional (LACERDA et al., 2011). Em linhas gerais, o referido programa propõe 
o ensino individualizado e combina diferentes materiais concretos e visuais para auxiliar a criança a estruturar o 
seu ambiente e a sua rotina (SILVA, 2012), elementos considerados imprescindíveis para as pessoas com TEA 
que “precisam de uma estrutura externa para otimizar uma situação de aprendizagem” (GENTIL; NAMIUTI, 
2015, p. 182). 
17 
 
 
 
com TEA na escola regular. Não se tratava, no entanto, de simplesmente saber o que 
pensavam e como trabalhavam meus colegas docentes para qualificá-los de competentes ou 
despreparados. Minha inquietação erguia-se sobre a sentida carência de comunicação entre 
nós professores, seguida da falta de envolvimento para a resolução de determinadas 
problemáticas que brotavam no espaço escolar. 
O desejo era mobilizar as vozes desses profissionais, seus saberes, e tratar 
possibilidades de reflexão teórica integrada à prática docente, como uma alternativa viável 
para o aperfeiçoamento de práticas pedagógicas inclusivas. O intento era chamar a atenção de 
forma delicada para a necessidade de se olhar para esse professor como um sujeito 
aprendente, que primeiramente precisaria “experimentar-se existente” (MERLEAU-PONTY, 
2006, p. 4), para efetivamente poder contribuir com a vida escolar da criança com TEA. 
E, assim, configura-se o anseio de aprofundar minha formação e, através desta, quiçá, 
poder colaborar com a formação de outros de professores de Educação Infantil a favor da 
inclusão. 
Nessa busca, logo após terminar o curso de Pedagogia, dei início, no ano de 2008, a 
uma especialização em Psicopedagogia Educacional, na qual pude retomar questionamentos e 
abrir-me a novos aprendizados no que diz respeito à inclusão escolar das pessoas com 
deficiência, sempre atentando para a forma como nós, professores de EI, temos adequado 
nossas práticas para tal perspectiva. 
Posteriormente, alguns anos depois e já em solo potiguar – regalo de inesperadas e 
doces conquistas – ingresso como aluna especial no Programa de Pós-Graduação em 
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGED/UFRN), no qual tive a 
oportunidade de cumprir dois almejados componentes curriculares: Formação, 
desenvolvimento e profissionalização docente (2017.1) e Educação de alunos com Transtorno 
do Espectro do Autismo (2018.2). 
Em linhas gerais, o primeiro componente me permitiu articular importantes reflexões à 
compreensão de fatores que influenciam na aprendizagem, formação e desenvolvimento do 
profissional docente na atualidade, assunto cada vez mais presente tanto no campo das 
reformas educacionais como, também, de boa parte das pesquisas em educação. Enquanto o 
segundo, respectivamente, constituiu-se numa singular oportunidade para trocas de 
experiências, estudo mais aprofundado sobre o TEA, reflexão, pesquisa e operacionalização 
entre teoria e prática, considerados elementos fundamentais para nossa formação enquanto 
professores pesquisadores. 
18 
 
 
 
Juntos, os dois componentes curriculares me ajudaram a escrever o projeto de pesquisa 
que levou a minha aprovação no Mestrado em Educação da UFRN e com ela ao desabrochar 
de novas possibilidades, e, por que não dizer, de novas inquietações. 
Desse modo, e tendo como cenário das discussões o espaço da Educação Infantil – 
lugar educativo voltado ao desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físicos, 
emocionais, cognitivos e sociais, onde também se podem vivenciar situações de inclusão – 
surge a pesquisa intitulada “Corpo e aprendizagem da criança com Transtorno do Espectro 
Autista: um diálogo com professoras da Educação Infantil”. 
Mas, por que dissertar acerca do corpo dentro desse contexto de buscas e reflexões 
sobre formação docente e inclusão escolar de estudantes com TEA na Educação Infantil? 
Bem, considerando que as minhas primeiras experiências formativas na perspectiva da 
inclusão se deram na gleba do TEACCH, a proposição não teria uma motivação infundada, 
haja vista tratar-se de uma prática cientificamente válida no contexto educacional (NUNES; 
AZEVEDO; SCHMIDT, 2013) que presume o envolvimento do corpo do estudante com TEA 
para o desenvolvimento de suas habilidades acadêmicas e funcionais. 
No entanto, a temática “corpo” só entrou nesta pesquisa após aprovação no mestrado, 
graças aos diálogos/discussões com a minha orientadora, a professora Maria Aparecida Dias, 
que o apresentou como sendo um lugar de inclusão, “vetor semântico pelo qual a evidência da 
relação com o mundo é construída” (LE BRETON, 2007, p. 7). 
Além disso, o TEACCH figura-se mais próximo de uma compreensão organicista do 
corpo, que a rigor confere significativa importância ao visual como via sensorial de maior 
facilidade pela qual as pessoas com TEA demonstram aprender, e a nossa proposta nesta 
dissertação é perscrutar o desafio de estar falando de um corpo como “unidade expressiva” 
(MERLEAU PONTY, 2006), que me foi apresentado como capaz de construir narrativas 
mediante o diálogo com o mundo sensível para além da condição de objeto, por acreditarmos 
na hipótese de que os professores que atuam na Educação Infantil enfrentam dificuldades para 
desenvolver práticas inclusivas tendo o corpo como lugar de aprendizagem. 
O intento é explorar, a favor da inclusão escolar da criança com TEA na Educação 
Infantil, uma compreensão de corpo ausente à minha formação, e quem sabe à formação de 
colegas de profissão, frente à ideia de que o movimento corporal nem sempre é valorizado na 
prática pedagógica (CHICON et al., 2018), sendo considerado, em alguns casos, unicamente 
como sinal de indisciplina ou desorganização devido à constante agitação. 
19 
 
 
 
Assim sendo, discorrer sobre aprendizagem considerando a condição corpórea e 
sensível do ser humano, pressupõe sair de minha zona de conforto, enveredar por campos 
desconhecidos, possivelmente flagelar algumas de minhas percepções, e refazer-me enquanto 
profissional docente ao passo que almejo contribuir com a formação de outros professores da 
Educação Infantil. Algo assentado na linha do desafio, da impermanência, da ideia que se 
fazia casulo para ganhar ares de inquietação. E justamente aí se dá o interesse pelo estudo do 
tema corpo associado às discussões sobre TEA, inclusão escolar na Educação Infantil e 
formação docente. 
Sob essa perspectiva e utilizando como critérios de inclusão trabalhos nacionais e em 
língua portuguesa, foi realizado um levantamento de dados nos ambientes virtuais do Banco 
Digital de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e 
Tecnologia (IBICT/BDTD), no Repositório de Teses e Dissertações da Universidade Federal 
do Rio Grande do Norte (UFRN), e no Portal de Periódicos da Coordenação de 
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando os descritores “corpo”, 
“Transtorno do Espectro Autista”, “inclusão escolar” AND “formação docente”. Esses 
descritores também são conceitos que orientaram a nossa pesquisa e fundamentaram esta 
dissertação. 
Partindo desses descritores, utilizamos como filtro para refinar o resultado de nossas 
buscas, pesquisas dos últimos oito anos, ou seja, desde a promulgação da Lei nº 12.764/2012, 
que institui a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do 
Espectro Autista” até dezembro de 2020. Já os critérios de exclusão foram: duplicidade dos 
trabalhos, indisponibilidade nos sistemas pesquisados e falta de aproximação com os temas de 
nossas discussões. 
Considerando o período em foco, foram encontradas 78 publicações, entre artigos, 
teses e dissertações, sendo 39 no Portal de Periódicos Fundação CAPES/MEC;11 no 
Repositório Institucional da UFRN e 28 na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações 
(BDTD). Na sequência, após a leitura na íntegra de títulos e resumos, conforme será exposto 
no Quadro 1, apenas duas pesquisas foram selecionadas para análise por envolverem alunos 
com TEA e trazerem a concepção de corpo como espaço de aprendizagem, cujo estudo não 
deve ser dissociado do estudo da criança. 
 
20 
 
 
 
Quadro 1 – Publicações selecionadas para a feitura do estado da arte 
Fonte: Elaborado pela autora (2020). 
O estudo de Chicon et al. (2018) buscou compreender os aspectos relacionais de uma 
criança autista com outras crianças em situações de brincadeiras, no lócus de uma 
brinquedoteca universitária. Participaram desse estudo 17 crianças de três a seis anos, sendo 
dez de um Centro de Educação Infantil (CEI) com desenvolvimento típico, seis com TEA e 
uma com Síndrome de Down, todas oriundas da comunidade de Vitória/ES. 
Nos resultados da pesquisa, os autores afirmam que o trabalho pedagógico 
desenvolvido em um ambiente social inclusivo, potencializado pela mediação de profissionais 
experientes capazes de articular a ação reflexão teórico-prática, favoreceu a predisposição da 
criança com TEA para compartilhar interesses, objetos e brincadeiras com outras crianças, 
sendo a qualidade dessas relações algo crucial para o desenvolvimento infantil. 
Para Chicon et al. (2018, p. 171), a criança deve ser “compreendida como uma 
totalidade, e não a partir de uma separação entre corpo e mente ou de uma dicotomia entre o 
social e o individual”. Assim sendo, embora os 17 participantes dessa pesquisa tenham sido 
atendidos por 13 estagiários do curso de Educação Física em um ambiente controlado 
(realidade apartada do chão da escola regular), o estudo se torna relevante para os nossos 
constructos por problematizar e refletir sobre o desenvolvimento integral das crianças com 
autismo nas relações estabelecidas na escola, como também por conferir importância à 
necessidade de se investir continuamente na formação do professor, para que este seja capaz 
BANCO DE 
DADOS 
TIPO DE 
PUBLICAÇÃO/ANO 
TÍTULO AUTORES 
PALAVRAS-
CHAVE 
Portal de 
Periódicos 
Fundação 
CAPES/MEC 
 
Artigo da Revista 
Brasileira de Ciência do 
Esporte (2018) 
Brincando e 
aprendendo: 
aspectos 
relacionais da 
criança com 
autismo 
 
CHICON, José 
Francisco; 
OLIVEIRA, Ivone 
Martins de; 
GAROZZI, Gabriel 
Vighini; COELHO, 
Marcos Ferreira; 
SÁ, Maria das 
Graças Carvalho 
Silva de. 
Autismo infantil; 
Interação social; 
Mediação 
pedagógica; 
Brincadeira. 
Biblioteca digital 
de Teses e 
Dissertações 
(BDTD) 
Tese doutoral em 
educação 
(PUC Goiás, 2015) 
 
Corpo e 
percepções no 
espectro autista 
FREITAS, Ana 
Beatriz Machado 
de. 
Fenomenologia; 
Percepção; 
Educação Especial; 
Corpo; Autismo. 
21 
 
 
 
de desenvolver mediações pedagógicas intencionais, que sejam sensíveis às experiências 
corporais da criança com TEA. 
A tese doutoral de Freitas (2015) objetivou desvelar modos de percepção 
característicos do espectro autista, predominantemente a partir da perspectiva de quem o 
apresenta, ou seja, pelo viés da existência, por considerar que o conhecimento e a relevância 
da dimensão perceptiva pouco são destacados na Educação, mesmo nos estudos e formações 
pedagógicas concernentes à Educação Especial. 
Partindo desse pressuposto, a autora buscou na literatura testemunhos de pessoas com 
deficiência ou alterações sensoriais e/ou de profissionais que estudaram o fenômeno da 
percepção nesse público, abrindo janelas para reflexões acerca do corpo como espaço de 
expressão dos indivíduos com TEA, a partir de suas falas. Trata-se de uma pesquisa 
bibliográfica, à luz de Merleau-Ponty [1908-1961], que convida o leitor a refletir se o estudo 
das corporeidades de pessoas com deficiências ou alterações sensoriais poderia ser o caminho 
para desvendar aspectos da corporeidade autista. 
Em linhas gerais, as duas publicações selecionadas e na íntegra analisadas, podem ser 
classificadas como investigações de natureza qualitativa que tratam da perspectiva educativa e 
pedagógica perpassada pela ótica inclusiva no ensino formal. Além disso, nelas aparece o 
descritor “corpo” atrelado à preocupação com o processo de inclusão escolar de estudantes 
com TEA na escola regular, com relatos de que o corpo e os movimentos corporais dessas 
crianças não são cuidados na prática pedagógica, sendo na verdade reprimidos a favor da 
valorização do desenvolvimento cognitivo. 
Nesse sentido, as discussões suscitadas nessas pesquisas são enriquecedoras, 
principalmente no que diz respeito ao (re)conhecimento do corpo como espaço de 
aprendizagem no TEA. No entanto, nossas buscas revelaram a ausência de uma conexão da 
temática com os saberes dos docentes e o fazer pedagógico, o que, por consequência, 
compreendemos que os impedem de integrar a dimensão do corpo e do movimento às suas 
práticas. 
Assim sendo, nesta pesquisa trataremos da inclusão de crianças com TEA no contexto 
da escola regular com foco na formação de professores para a concretização de uma prática 
pedagógica inclusiva que estabeleça uma relação uníssona entre corpo e aprendizagem, visto 
que, na maioria das escolas, ainda predomina o ensino “hegemonicamente centrado na 
racionalização” (GAYA, 2006, p. 254). 
22 
 
 
 
Nossa intenção é agregar valores ao processo de formação de professores para atuarem 
numa vertente inclusiva, por meio de uma ação que estabeleça uma relação dialógica entre 
teoria e prática. Ademais, propomo-nos pensar no corpo dentro do processo educativo como 
uma reserva de potência (MERLEAU-PONTY, 2006), por entendermos, a partir do 
levantamento realizado, que a ideia de corpo manipulável, separado da mente, conforme 
apontam os trabalhos selecionados para a feitura do estado da arte, ainda persiste nas práticas 
pedagógicas atuais, configurando-se como um entrave ao processo de aprendizagem de todas 
as crianças, inclusive as que se encontram dentro do espectro autista. 
Em face à relevância desses aspectos, nossa pesquisa buscará responder o seguinte 
problema: O que uma proposta de formação continuada sobre a relação corpo e aprendizagem 
da criança com Transtorno do Espectro Autista poderá provocar em professoras de Educação 
Infantil? 
Com base nisso, esta pesquisa se desenvolveu objetivando analisar a percepção de 
professoras da Educação Infantil sobre a relação entre corpo e aprendizagem no processo de 
inclusão escolar de crianças com Transtorno do Espectro Autista. 
Desse objetivo geral, desdobram-se os seguintes objetivos específicos: a) Identificar a 
concepção de professoras da Educação Infantil sobre inclusão escolar, corpo e aprendizagem 
de crianças com Transtorno do Espectro Autista; b) Analisar a relação entre corpo e 
aprendizagem de crianças com TEA na concepção de professoras da Educação Infantil; c) 
Aplicar uma proposta de formação continuada com ênfase na relação corpo e aprendizagem 
de crianças com TEA. 
Vale ressaltar que o grupo investigado era formado predominantemente por 
professoras, o que justifica a utilização do termo no título, objetivos geral e específicos, 
estrutura e elementos desta pesquisa. 
Dentre os autores a que recorremos para a consecução dos objetivos desta pesquisa, 
estão os trabalhos desenvolvidos por Mantoan (2003); Mendes (2006) e Magalhães (2007) 
sobre diversidade e inclusão escolar; Nóvoa (2009); Favoretto; Lamônica (2014) sobre 
formação de professores; Schuwartzman (2003); Nunes; Azevedo; Schmidt (2013); Fernandes 
(2008) acerca do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Destacamos ainda os estudos de 
Merleau-Ponty (2006); Gaya (2006); Nóbrega (2005) e Freire (2011), onde encontramos 
subsídios para fundamentar nossas discussões sobre a relação corpo e aprendizagem. 
Para a concretização dos objetivos propostos nesta investigação, optou-sepor uma 
abordagem metodológica qualitativa (FLICK, 2009), aqui entendida como aquela que se 
23 
 
 
 
ocupa do nível subjetivo e relacional da realidade social, onde um fenômeno pode ser melhor 
entendido a partir da compreensão das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos 
de vista relevantes (MINAYO, 2001), que no espaço em questão corresponde às relações 
estabelecidas entre o processo formativo e a prática pedagógica do professor. 
Nessa perspectiva, adotamos a técnica de Grupo Focal, caracterizada como uma 
estratégia metodológica predominantemente qualitativa, de inegável importância para tratar 
questões da educação, que sugere a integração, discussão e avaliação de um tema proposto 
visando à produção de conhecimento (GATTI, 2005; ASCHIDAMINI; SAUPE, 2014; 
MINAYO, COSTA, 2018). 
Combinada à técnica de Grupo Focal, utilizamos como instrumento para a construção 
dos dados desta pesquisa, a entrevista do tipo semiestruturada (TRIVIÑOS, 1987; RESTE, 
2015), aplicada individualmente com cinco professoras de um Centro Municipal de Educação 
Infantil (CMEI) da cidade de Parnamirim/RN, que tinham regularmente matriculadas em suas 
turmas crianças com TEA, a fim de identificarmos os conhecimentos delas sobre os eixos que 
fundamentam esta dissertação. 
Já os dados, por sua vez, foram analisados a partir da utilização da técnica de Análise 
de Conteúdo, fundamentada por Bardin (2016). Do tratamento das entrevistas realizadas, 
emergiram três categorias, a serem apresentadas no corpo desta dissertação. São elas: a 
inclusão escolar da criança com TEA no contexto da escola regular; corpo e autismo; relação 
corpo e aprendizagem da criança com TEA na concepção de professoras da Educação Infantil. 
Cabe ressaltar que iniciamos nosso estudo nos moldes da pesquisa-ação 
(THIOLLENT, 2009), porém, no dia 17 de março de 2020, poucos dias após o início do ano 
letivo e bem no começo de nossa prática interventiva, fomos abruptamente surpreendidos pelo 
fechamento das escolas em virtude da propagação do novo coronavírus2 (Covid-19), e sem 
que houvesse tempo hábil para entendermos a situação e nos reorganizarmos 
metodologicamente, vimos a nossa pesquisa que dependia da participação das professoras 
parar quase que completamente. 
Sob os reflexos da Covid-19, que não poupou o setor educacional de suas agruras, a 
prática interventiva de nossa pesquisa permaneceu suspensa por exatamente seis meses, sendo 
retomada acanhadamente apenas no segundo semestre do ano de 2020, após a reorganização 
de nossa metodologia e a retomada do contato com as professoras participantes da 
 
2 Sobre a doença. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2021/09/29/brasil-registra-
media-movel-de-544-mortes-diarias-por-covid-obitos-estao-em-estabilidade-ha-5-dias.ghtml. Acesso em: 30 
ago. 2021. 
https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2021/09/29/brasil-registra-media-movel-de-544-mortes-diarias-por-covid-obitos-estao-em-estabilidade-ha-5-dias.ghtml
https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2021/09/29/brasil-registra-media-movel-de-544-mortes-diarias-por-covid-obitos-estao-em-estabilidade-ha-5-dias.ghtml
24 
 
 
 
investigação, que na ocasião relataram estarem passando por dificuldades para desenvolverem 
suas atividades pedagógicas no formato virtual, reflexo do despreparo generalizado das 
instituições educativas ao modelo remoto de ensino (MATUOKA, 2020). 
Respeitando todos os protocolos de distanciamento segundo a Organização Mundial 
da Saúde (OMS), a prática interventiva de nossa pesquisa ocorreu de forma síncrona através 
de encontros virtuais via Google Meet, plataforma digital de comunicação desenvolvido pelo 
Google. 
Ademais, a presente dissertação está estruturada em seis seções, incluindo esta 
introdução, na qual procuramos apresentar os caminhos que nos levaram à busca por esta 
formação em nível de mestrado, as intenções de nosso estudo e de que maneira buscaremos 
efetivá-lo. Também dialogamos com publicações cujos temas apresentados se aproximaram 
de nossa pesquisa de mestrado. 
Na segunda seção, denominada de “Do corpo objeto ao corpo sujeito: uma trajetória 
de grandes desafios”, conferimos valor ao modo como a sociedade vem percebendo a 
corporeidade autista ao longo dos anos, buscando entrelaçar as discussões desenvolvidas com 
reflexões acerca da construção do sujeito aprendente no âmbito da Educação Infantil, cujas 
experiências corporais podem e devem ser valorizadas no desenvolvimento de mediações 
pedagógicas. Antes, porém, faremos uma breve caminhada pela História, a fim de situarmo-
nos a partir da observação de diferentes formas de tratar o corpo. 
Na terceira seção, exploramos a temática formação de professores para atuarem numa 
perspectiva inclusiva atentando para a necessidade da construção de um diálogo mais 
profundo entre teoria, prática e o revelar do conhecimento. 
Na quarta seção, traçamos o percurso metodológico de nossa pesquisa, com destaque 
para a apresentação da técnica de Grupo Focal, e, na seção seguinte, apresentamos as três 
categorias de análise obtidas após o tratamento dos dados das entrevistas: a inclusão escolar 
da criança com TEA no contexto da escola regular; corpo e autismo; relação corpo e 
aprendizagem da criança com TEA na concepção de professoras da Educação Infantil. 
Na sexta e última seção, encontra-se a descrição da prática interventiva elaborada com 
vistas à formação de professores da Educação Infantil. Logo após, as considerações finais, 
que sintetizam os resultados alcançados a partir dos objetivos propostos. 
 
25 
 
 
 
2 DO CORPO OBJETO AO CORPO SUJEITO: UMA TRAJETÓRIA DE GRANDES 
DESAFIOS 
 
No corpo estão inscritas todas as regras, todas as 
normas e todos os valores de uma sociedade específica, 
por ser ele o meio de contacto primário do indivíduo com 
o ambiente que o cerca (DAOLIO, 1995, p. 105). 
 
 
Neste capítulo, conferimos valor ao modo como a sociedade vem percebendo a 
corporeidade autista ao longo dos anos, acenando para a possibilidade de uma prática docente 
que faça a leitura do espectro a partir de um olhar fenomenológico. Antes, porém, faremos 
uma breve caminhada pela História, a fim de entendermos os sentidos e significados 
atribuídos ao corpo na atualidade. Desta feita, o presente capítulo está dividido em três 
tópicos: 
 
 Corpo e deficiência 
 A educação do corpo no Transtorno do Espectro Autista 
 Educação Infantil, corpo e aprendizagem 
 
Em linhas gerais, no primeiro tópico, é feita uma breve incursão pela história ocidental 
do corpo, a fim de situarmo-nos em relação à temática. No segundo tópico, buscaremos 
compreender como se dá a educação do corpo no TEA a partir da ascensão do transtorno. Por 
fim, entrelaçaremos as discussões desenvolvidas nos tópicos anteriores com reflexões acerca 
da construção do sujeito aprendente no âmbito da Educação Infantil, cujas experiências 
corporais podem e devem ser valorizadas no desenvolvimento de mediações pedagógicas. 
2.1 CORPO E DEFICIÊNCIA 
O que é corpo? A epígrafe de Daolio utilizada no começo deste capítulo nos remete às 
contribuições do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (2006), que em sua perspectiva 
fenomenológica concebe o corpo como lugar onde se fundem as noções de sujeito e objeto. 
26 
 
 
 
De acordo com a fenomenologia3 merleaupontyana, o corpo está no mundo a entranhar-se 
nele, de modo que o biológico e o cultural se fundem na estrutura da existência. Para 
Merleau-Ponty (2006, p. 203): 
 
O corpo é nosso meio geral de ter um mundo. Ora ele se limita aos gestos 
necessários à conservação da vida e, correlativamente, põe em torno de nós 
um mundo biológico; ora, brincando com seus primeiros gestos e passando 
de seu sentido próprio a um sentido figurado, ele manifesta através deles um 
novo núcleo de significação: é o caso dos hábitosmotores da dança. Ora 
enfim, a significação visada não pode ser alcançada pelos meios naturais do 
corpo; é preciso então que ele construa um instrumento, e ele projeta em 
torno de um mundo cultural. 
 
Por essa perspectiva, consideramos que o corpo é fluido, socialmente construído, e a 
concepção que temos do mundo advém das experiências pelas quais nosso corpo passa. Desse 
modo, o corpo não pode ser apreendido apenas como um objeto visto apenas pelo viés 
biológico, mas elemento vital para a constituição da nossa consciência, condição e base para a 
existência. 
A fim de entendermos exatamente o que isso significa e de que forma reverbera na 
educação, estabelece-se a necessidade de fazermos uma breve imersão pela história do corpo, 
aqui especificamente, pela história ocidental do corpo, desde os primórdios até a atualidade, 
considerando que, ao longo dos anos, ele tem sido objeto de diferentes formas de atenção e 
valorização. Nossa intenção não é fazermos um apanhado de datas e marcos históricos, mas 
situarmo-nos e situar o leitor. 
Nas sociedades primitivas, estruturalmente mais simples e predominantemente 
nômades, o corpo humano se apresenta como instrumento de sobrevivência e expressão 
suprema das atividades artísticas (BIANCHETTI, 1998). Nesse período, ter um corpo com 
aspecto vigoroso, forte e saudável, era fundamental para a manutenção dos grupos de 
indivíduos, que, além da intensa participação corporal nos acontecimentos importantes da 
comunidade, a exemplo de rituais e celebrações (GONÇALVES, 2012), constantemente se 
deslocavam à procura de abrigo e alimentos. 
Na luta pela sobrevivência existia uma espécie de seleção natural, onde apenas os 
indivíduos mais fortes e saudáveis eram aceitos pelo grupo, e, embora não existam vestígios 
arqueológicos de como os primeiros homens se comportavam em relação às pessoas com 
deficiência, presume-se que, nas sociedades primitivas, em virtude desse processo seletivo, 
elas eram submetidas a sentimentos de intolerância, destruição ou abandono. 
 
3 O termo fenomenologia significa estudo dos fenômenos, daquilo que aparece à consciência, daquilo que é 
dado, buscando explorá-lo (SILVA et al., 2008, p. 254). 
27 
 
 
 
Conforme assevera Gaio (2004, p. 147): 
 
Para uma sociedade na qual as relações de produção eram baseadas na 
coletividade, principalmente ligadas ao trabalho com a terra, sem recursos 
materiais e somente com a força do ser humano, o corpo deficiente se viu 
isolado [...] a sobrevivência era o maior dos problemas e os corpos 
deficientes pouco poderiam auxiliar no tocante à solução. 
 
Na Antiguidade, se instaura a filosofia racionalista, que tem Sócrates4 e Platão5 como 
principais representantes, e o homem, que até então se envolvia intensamente com a natureza 
como ser corporal e sensível, passa a viver sob a égide de um pensamento dicotomizado que 
promove a divisão do ser humano em corpo e mente (GONÇALVES, 2012). 
Desse modo, o corpo se desenha na Idade Antiga como um artefato de poder e a 
exclusão de pessoas com deficiência justifica-se pelo fato de serem consideradas inabilitadas 
mental ou corporalmente. É nesse cenário, de acordo com a literatura, que abrolham Grécia, 
Roma e Egito na história ocidental do corpo das pessoas com deficiência. 
No contexto greco-romano, os homens eram valorizados pela beleza e pelo bom 
condicionamento físico, enquanto as pessoas que nasciam ou adquiriam alguma deficiência (o 
que muito acontecia principalmente em virtude das guerras) eram marginalizadas ou 
sacrificadas por ordem do Estado. 
Nessas civilizações, estampava-se no corpo a busca por uma imagem perfeita, 
sinônimo de saúde e força, por isso, a eugenia6 instaurou-se como prática comum para uma 
sociedade que não conseguia enxergar possibilidades em “corpos diferenciados” (OLIVEIRA, 
2013). Os sobreviventes ao processo de higienização predominante nesse período, fossem 
cegos, surdos, deficientes mentais, deficientes físicos ou pessoas nascidas com má formação 
(SILVA, 1987), foram explorados comercialmente nas cidades ou serviram de entretenimento 
para as famílias mais abastadas, principalmente nos circos. “Corpos disformes/anômalos 
“justificavam” práticas excludentes sob o auspício de uma sociedade da eugenia, que se 
baseava na ‘higienização’ social com fins de categorizar os aptos e não aptos ao exercício da 
cidadania” (SILVA; SILVA, 2019, p. 4). 
No Egito Antigo, evidências arqueológicas, a exemplo de túmulos, múmias, papiros, 
obras de arte e afrescos, revelam que as pessoas com deficiência não eram necessariamente 
 
4 Sócrates (469-399 a.C.). 
5 Platão (427-347 a.C.). 
6 A eugenia é uma teoria presente desde a Antiguidade que busca produzir um aperfeiçoamento da espécie 
humana baseado em leis genéticas. Considera que existe grau de humanidade, seres inferiores e superiores, e 
vidas que não merecem ser vividas. Ela está presente na origem de crimes da humanidade como os praticados 
por nazistas contra judeus, eslavos, ciganos etc. (Cf., 2006, p. 12). 
28 
 
 
 
isoladas da sociedade, sugerindo que algumas se integravam às mais distintas classes sociais 
da época como nobres, artesãos, agricultores, pescadores, escravos e outros. Muitos estudos 
também fazem referência às pessoas com nanismo, que não encontravam empecilhos para 
realizar suas ocupações e ofícios. 
Conforme Lopes (2013, p. 6): 
 
De maneira geral os anões tinham uma representação muito positiva no 
Egito Antigo, pois se acreditava que seu aspecto representava alguma 
significância mágica, existindo inclusive preces específicas para proteção em 
situações de perigo. Outro aspecto bastante interessante reside no fato de que 
alguns deuses eram anões e tinham culto próprio. Uma dessas divindades era 
o Deus anão Bes, que era cultuado como o Deus do Amor, da Fertilidade e 
da Sexualidade. 
 
Essa aceitação dava-se, principalmente, porque os “médicos egípcios acreditavam que 
as doenças graves e as deficiências físicas ou os problemas mentais graves eram provocados 
por maus espíritos, por demônios ou por pecados de vidas anteriores que deviam ser pagos” 
(PEREIRA; SARAIVA, 2017, p. 170). Desse modo, só por imissão dos deuses essas pessoas 
poderiam ser exterminadas. Todavia, as evidências disponíveis também apontam que, apesar 
da atestada “complacência”, a aparência física era o principal fator de exclusão das pessoas 
com deficiência na sociedade egípcia, sobretudo e as que adivinham de famílias menos 
privilegiadas e que, por consequência, eram totalmente desassistidas pelos médicos-sacerdotes 
(SILVA, 1987). 
Nesse contexto, podemos observar que, o peso da atitude discriminatória estaria não 
na deformidade do corpo, mas sim na condição social do indivíduo. Por isso, compreendemos 
nesta pesquisa, que a constituição da deficiência se mostra como um conceito histórico, social 
e cultural carregado de significados de como o sujeito se vê e é visto na sociedade. 
Na Idade Média, com o advento do Cristianismo, a dicotomia muda de corpo/mente 
para corpo/alma. Nesse período, a deficiência passa a ser associada ao pecado, sendo a morte, 
em grande parte, substituída pela segregação. Com isso, os infanticídios outrora praticados, 
tornaram-se inaceitáveis e as crianças nascidas com deficiência passaram a ser 
responsabilidade da família ou da Igreja, que tinham a obrigação de afastá-las do convívio 
social, pois seus corpos imperfeitos não refletiam a imagem de Deus. 
Condenadas à marginalização, as pessoas “marcadas pelo pecado”, passaram a ser 
recolhidas em porões, asilos, igrejas ou ainda confinadas em instituições quase sempre de 
caráter filantrópico que não lhes ofereciam nenhuma assistência humanitária. É nesse período 
29 
 
 
 
da História que surgem os primeiros hospitais de caridade para pessoas com deficiência,que 
mais tarde, já ao final da Idade Média, passaram a receber e abrigar também mendigos, 
leprosos, doentes terminais e indivíduos considerados loucos, tornando-se verdadeiros 
depósitos insalubres de pessoas pobres. 
A tudo isso se acresce que, além das condutas segregatícias, à instituição religiosa do 
período medieval também estão associadas práticas duramente punitivas7 contra as pessoas 
com deficiências físicas ou mentais, e contra os indivíduos que se manifestassem 
criativamente através de seus corpos, pois considerava-se que estariam possessos pelo 
demônio. 
Conforme Gaio (2004, p. 153): 
 
Apesar de encontrarmos, com a propagação e solidificação do cristianismo, 
um outro posicionamento em relação ao ser humano, mais justo, mais 
atencioso, no qual os valores de caridade, fraternidade, compaixão, amor ao 
próximo elevaram a vida ao posto de direito adquirido de todo ser humano, 
seja ele normal ou anormal, dando fim aos tempos de infanticídio e 
extermínio de deficientes, não podemos afirmar que houve uma mudança 
radical e efetiva no conjunto da sociedade. O que predominou 
verdadeiramente ao longo de todos esses anos, foi o desprezo, a negligência, 
e as atitudes apenas de tolerância em relação aos corpos deficientes. 
 
Na Idade Moderna, que se inicia ao final da Idade Média e se estende até as 
Revoluções do século XVIII, ocorreram sensíveis transformações socioculturais8 no mundo 
europeu cristão, e o corpo, até então considerado prisão da alma, torna-se servo da razão. Com 
isso, as ações humanas passam a se orientar por valores capitalistas e pelo avanço da ciência, 
revelando um homem cada vez mais preocupado com o domínio e controle da natureza assim 
como de seu corpo (GONÇALVES, 2012). 
É nesse período da História que ganham notoriedade duas distintas correntes 
ideológicas: o racionalismo de René Descartes [1596-1650], base do cartesianismo9, e o 
empirismo de Francis Bacon [1561-1626], considerado o fundador da ciência moderna. 
Segundo Barbosa et al. (2011, p. 28): 
 
7 JÚLIO, Rennan A. As dez técnicas de tortura mais assustadoras da Idade Média: métodos terríveis 
marcaram o período conhecido como “Idade das Trevas”. Disponível em: 
https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2014/10/10-tecnicas-de-tortura-mais-assustadoras-da-idade-
media.html. Acesso em: 29 maio 2020. 
8 SILVA, Odair Vieira da. A idade moderna e a ruptura cultural com a tradição medieval: reflexões sobre o 
renascimento e a reforma religiosa. Revista Científica Eletrônica da Pedagogia, ano XVI, n. 28 jan. 2017. 
Disponível em: http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/P4zxYBJG5YWskHR_2018-3-17-
11-31-51.pdf. Acesso em: 29 maio 2020. 
9 BATTISTI, César Augusto. O método de análise cartesiano e seu fundamento. Sci. stud., São Paulo, v. 8, n.4, 
Dec. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-
31662010000400004. Acesso em: 30 maio 2020. 
https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2014/10/10-tecnicas-de-tortura-mais-assustadoras-da-idade-media.html
https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2014/10/10-tecnicas-de-tortura-mais-assustadoras-da-idade-media.html
http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/P4zxYBJG5YWskHR_2018-3-17-11-31-51.pdf
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https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662010000400004
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O corpo, agora sob um olhar “científico”, serviu de objecto de estudos e 
experiências. Passa-se do teocentrismo ao antropocentrismo. O 
conhecimento científico, a matemática, enfim, o ideal renascentista: O corpo 
investigado, descrito e analisado, o corpo anatómico e biomecânico. A 
redescoberta do corpo, nessa época, aparece principalmente nas obras de 
arte, como as pinturas de Da Vinci e Michelangelo, valorizando-se, deste 
modo, o trabalho artesão, juntamente com o pensamento científico e o estudo 
do corpo (Rosário, 2006). A disciplina e controle corporais eram preceitos 
básicos. Todas as actividades físicas eram prescritas por um sistema de 
regras rígidas, visando a saúde corporal. 
 
Estando o corpo imerso num sistema de sujeição insensível à diversidade humana, 
onde “só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e submisso” (FOUCAULT, 
1987, p. 26), a pessoa com deficiência continuou sendo marginalizada, se antes por 
representar a materialização do pecado, agora por não se ajustar aos critérios de rendimento e 
eficácia exigidos pela sociedade. 
Essa marginalização deu origem às primeiras casas de correção e de trabalho, e aos 
hospitais gerais, que tinham “autoridade para fazer uso de recursos curativos e corretivos que 
a biomedicina comumente oferecia como única alternativa para o bem-estar das pessoas com 
deficiência” (DINIZ et al., 2009, p. 69). 
Só ao final do século XVIII, tendo por base as ideias iluministas difundidas pela 
Revolução Francesa (1789-1799), e sob o argumento de um tratamento mais humanizado, é 
que surgiram as primeiras instituições especializadas de atendimento às pessoas com 
deficiência. 
Cabe-nos aqui ressaltar que, nas situações acima referenciadas de atendimento à 
pessoa com deficiência predominou, nesse período, o caráter assistencialista, sem que se 
perceba nenhuma atenção com propósito educacional. No entanto, de acordo Martins (2015), 
há evidências históricas de iniciativas particulares muito significativas, que foram decisivas 
para a construção de um pensamento voltado ao atendimento educacional dessas pessoas. 
Dentre elas, destacam-se as que foram protagonizadas na Espanha pelo monge Pedro Ponce 
de Leon [1520-1584], considerado um dos pioneiros na educação de surdos entre os anos de 
1541 até 1549, como também pelo padre espanhol Juan Pablo Bonet [1573-1633], que 
publicou em 1619 a obra Redação das Letras e Artes de Ensinar os Mudos a Falar, 
“considerado o primeiro manual de ensino de surdos-mudos, exercendo grande influência 
nesta área também em outros países” (MARTINS, 2015, p. 31). 
Chegando à contemporaneidade, ocorre uma “redefinição do significado de habitar um 
corpo que havia sido considerado, por muito tempo, anormal” (DINIZ et al., 2009, p. 65), e 
31 
 
 
 
cresce a discussão sobre a deficiência como sendo um problema de ordem social. Por 
consequência, surge um interesse quanto aos direitos das pessoas com deficiência, sendo a 
sociedade provocada a assumir posturas que respeitem em princípios, políticas e práticas a 
manifestação da diversidade humana. 
Porém, antes de adentramos no campo dessa redefinição, uma prática discriminatória 
ocorrida entre os anos de 1840 e 1970 merece atenção no contexto de nossas discussões sobre 
corpo e deficiência. São os denominados “freak shows” e os espetáculos dos corpos 
monstruosos traduzidos como “circo dos horrores” ou “show de aberrações” (FABRI; 
FISCHER, 2017; PEIXOTO, 2019). 
Com registro de ocorrência em várias partes do mundo, a exemplo dos EUA, Paris e 
Londres, os “freak shows”eram realizados geralmente em teatros itinerantes, circos, praças 
públicas ou parques de diversões, e os elencos incluíam indivíduos com nanismo, albinismo, 
mulheres barbadas, gêmeos xifópagos ou qualquer outra pessoa que chamasse a atenção por 
sua aparência. De acordo com Fabri e Fischer (2017), nesse cenário reinava o modelo do 
“monstro”, que anulava a diversidade humana com o objetivo de ensinar à sociedade o poder 
da norma, sendo o corpo projetado como um produto de grande valor em um mercado de 
massa. 
Um exemplo dessa forma de entretenimento pode ser visto em trechos do filme 
norueguês “A leoa”, lançado no ano de 2016, que conta a história de Eva Arctander, que 
nasceu com uma doença rara denominada hipertricose10. Naobra, o circo dos horrores aparece 
como única alternativa de sobrevivência para a jovem Eva, vítima de rejeição por sua família, 
como também do preconceito existente na sociedade, assim como todos que, à época, também 
se integravam aos espetáculos dos corpos monstruosos. Os “freak shows” tratavam-se, 
portanto, de uma prática excludente que por muitas décadas explorou o corpo considerado 
“anormal” para alimentar a curiosidade de multidões e fomentar a indústria capitalista em 
expansão (COURTINE, 2009). 
Com a multiplicação dos estudos científicos, a monstruosidade humana se mostra 
passível de observação apenas nos ambientes médicos tornando-se proibidos os espetáculos 
para exibição de pessoas com “anormalidades”. No entanto, há registros de que os “freak 
shows” ainda existem nos dias atuais, porém, com a então apresentação de “corpos saudáveis, 
esteticamente normais transformados em deformidades por artistas que não querem ser 
incluídos no padrão da sociedade ocidental” (VERGARA, 2013, p. 62). 
 
10 Hipertricose – Hypertrichosis. Disponível em: https://pt.qwe.wiki/wiki/Hypertrichosis. Acesso em: 30 maio 
2020. 
https://pt.qwe.wiki/wiki/Hypertrichosis
32 
 
 
 
Além dos “freak shows”, a eugenia, já referenciada neste texto dissertativo, 
corresponde a outra prática preconceituosa e discriminatória com grande notoriedade entre o 
final do século XIX e as primeiras décadas da Idade Contemporânea, visto envolver o 
extermínio elevado de vários grupos de indivíduos, a exemplo de pessoas com deficiências 
físicas ou mentais, idosos, doentes incuráveis, homossexuais etc., frente à ideia de que 
algumas pessoas eram biologicamente superiores a outras. 
Segundo a literatura, essa e outras práticas discriminatórias ocorridas nessa época 
evidenciam que, apesar da expansão da ciência e da tecnologia terem promovido profundas 
mudanças na sociedade entre os séculos XIX e XX, o olhar voltado às pessoas com 
deficiência permanecia engessado nos princípios arcaicos da exclusão. 
Assim sendo, as primeiras mudanças na maneira como a sociedade via e tratava as 
pessoas com deficiência só são realmente percebidas após a Segunda Guerra Mundial, a partir 
dos esforços realizados para reabilitar o elevado número de indivíduos que voltavam para seus 
lares mutilados e/ou com estresse pós-traumático. Portanto, é nesse movimento a favor dos 
“filhos da guerra” que se observa o despontar de novas expectativas em relação às pessoas 
com deficiência. 
Algumas tendências teóricas que emergiram nesse período também abriram novas 
possiblidades de ressignificação para a vida humana, incluindo a corporeidade, ao se 
posicionarem radicalmente contra a metafisica cartesiana que separava a matéria do espírito 
ou o sujeito do objeto, provocando uma ruptura no conhecimento (SIQUEIRA, 2014, p. 12). 
Destacamos, nesse cenário, a fenomenologia elucidada pelo filósofo francês Maurice 
Merleau-Ponty [1908-1961], que se opõe às dicotomias e afirma que o ser humano pode ser 
compreendido de várias maneiras, por sua condição de ser corpóreo em incessante 
movimento. Nessa perspectiva, Nóbrega (2010, p. 54), assevera: 
 
Merleau-Ponty apresenta uma visão de corpo diferente desse modelo 
matemático: nem coisa, nem ideia, o corpo está associado à motricidade, à 
percepção, à sexualidade, à linguagem, ao mito, à experiência vivida, à 
subjetividade, às relações com o outro, à poesia, ao sensível, apresentando-se 
como um fenômeno enigmático e paradoxal, não se reduzindo à perspectiva 
de objeto, fragmento do mundo regido pelas leis de movimento da mecânica 
clássica submetido a leis e estruturas matemáticas exatas e invariáveis. 
 
Assim sendo, na perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty (2006, p. 122), 
dialeticamente, temos consciência do corpo por meio do mundo, e do mundo por meio do 
corpo: “O corpo é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a 
um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles”. 
33 
 
 
 
Desse modo, pouco a pouco, a deficiência, que já fora considerada “um drama pessoal 
ou familiar, com explicações religiosas que a aproximaram ora do infortúnio, ora da benção 
divina em quase todas as sociedades” (DINIZ et al., 2009, p. 68), vai sendo redefinida como 
um assunto de ordem pública, uma questão social que repercute nos processos de constituição 
das identidades dos indivíduos. Assim, começa a se desenhar a partir da década de 1960, o 
modelo social segundo o qual as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência 
resultariam da forma pela qual a sociedade compreende as limitações de cada indivíduo. 
Nessa perspectiva, dois importantes marcos sociais merecem destaque no século XX: a 
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien – 1990), que incide 
sobre a Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem; e a Conferência Mundial 
sobre Necessidades Educativas Especiais (Salamanca – 1994), a partir da qual se expande e 
começa a ser sistematizada a ideia de inclusão das pessoas com deficiência e sua importância 
para a sociedade. 
Chegando ao século XXI, observa-se uma “redução dos fenômenos sociais a favor do 
plano da psique individual” (BAUMAN; DONSKIS, 2014, p. 33), sendo perceptível o 
desenvolvimento de uma sociedade cética, narcisista e marcadamente tecnológica que 
caminha cada vez mais firme sob as insígnias da globalização. 
Dentro dessa nova narrativa, embora existam divergências entre muitos autores a 
respeito do atual lugar do corpo na sociedade, já é possível situar “distintas funções exercidas 
pelo corpo em seus diversos aspectos: corpo território, corpo viril, corpo excesso e corpo 
beleza” (CARRETEIRO, 2005, p. 65), posições que, fatidicamente, têm exacerbado o 
individualismo e anestesiado as relações sociais. Nessa perspectiva, coloca-se ao homem 
hodierno, o desafio de não perder a sensibilidade (BAUMAN; DONSKIS, 2014), superar os 
paradoxos e contradições que reforçam as desigualdades, e aperceber-se enquanto “sujeito 
consagrado ao mundo” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 6), tendo o corpo como condição e 
base para a própria existência. 
2.2 O CORPO NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA 
Embora nas últimas décadas tenhamos avançado nos estudos, compreensão do TEA, e 
debate sobre inclusão (BAPTISTA; BOSA, 2002), frequentemente ouvimos o termo 
34 
 
 
 
“autismo” associado quase que exclusivamente à ideia de um indivíduo antissocial que, na 
maioria dos casos, está com o corpo sempre em frenético movimento. 
Para essa discussão, trouxemos como exemplo, a fala de uma das professoras 
participantes desta pesquisa sobre como ela vê o corpo da criança com TEA na Educação 
Infantil: 
O corpo da criança com TEA é bem mais agitado. A gente percebe que é 
bem mais agitado. Falando sobre essa questão de agitação no caso de (X), a 
mãe me revelou que tinha ido ao médico e ele passou uma substância, é... 
Não sei se é a substância: Depakene porque ele não conseguia dormir. Ele 
era agitado em casa, né? E por causa dessa agitação ele não conseguia 
dormir. E aí teve que usar pra ajudar... O Depakene11, se não me engano, era 
25 miligramas líquido pra ele. E tem toda uma queixa de problemas porque 
disse que causava prisão de ventre, né? E aí eu vejo essa questão do corpo 
como algo que não pode ficar muito agitado porque transparece que a 
criança realmente tem algo digamos, né? Precisa ser tratado, mas também 
não tem como a criança ficar totalmente estática porque por ele ficar assim, 
mais contido, tá relacionado aí, acredito, a prisão de ventre também, né? Que 
precisa de um pouco de movimento... Era uma (como posso dizer?) uma 
espada de dois gumes, podemos dizer assim, né? Que tinha que conter 
aquela agitação dele, mas, ao mesmo tempo precisava que ele também se 
movimentasse (MILITANA, 12/03/2020). 
Partindo do pressuposto de queo corpo é pleno de subjetividade, se encontra 
perpassado pela historicidade, e nos permite perceber o mundo e tudo o que nele há 
(MERLEAU-PONTY, 2006), podemos considerar que na fala acima apresentada, está 
evidenciada uma noção de corpo, que, por ser “inquieto e agitado”, estaria a revelar “que a 
criança tem algo” que “precisa ser tratado”. O que pode sugerir que se passe na mente da 
professora, a ideia de que aquele corpo inquieto e agitado da criança com TEA, em função do 
próprio transtorno, seja algo incapacitante, bastante limitado para a aprendizagem. 
Indo um pouco mais adiante, ao analisar como a escola vem concebendo a noção de 
corpo no TEA, Freitas (2015, p. 09), considera que: 
 
As propostas curriculares costumam enfocar o estudo das deficiências, suas 
características clínicas e o uso de recursos pedagógicos que compensem 
diretamente a perda biológica de uma função [...]. Recai-se, assim na 
 
11 A título de conhecimento, o Depakene é indicado isoladamente ou em combinação a outros medicamentos, no 
tratamento de pacientes adultos e crianças acima de 10 anos (grifo nosso) com crises parciais complexas, que 
ocorrem tanto de forma isolada ou em associação com outros tipos de crises. Também é indicado isoladamente 
ou em combinação a outros medicamentos no tratamento de quadros de ausência simples e complexa em 
pacientes adultos e crianças acima de 10 anos. Disponível em: https://consultaremedios.com.br/depakene/bula. 
Acesso em: 17 mar. 2021. 
https://consultaremedios.com.br/depakene/bula
35 
 
 
 
instrumentalização, como se aos professores bastassem conhecimentos sobre 
critérios diagnósticos e o provimento de recursos específicos, conforme 
suspeita, para lidar com o aluno considerado com deficiência. 
 
Depreende-se, assim que, anulada a corporeidade do aluno com TEA, os entraves à 
sua aprendizagem seriam superados basicamente via utilização de técnicas e materiais 
concretos, fundamentos bem presentes nos cursos de formação e capacitação pedagógica 
(GAYA, 2006), que preparam os professores para a execução de práticas que priorizam a 
disciplina dos corpos e/ou a compensação da perda biológica de uma função do estudante com 
deficiência (FREITAS, 2015). 
A fim de dialogarmos um pouco mais sobre essa consideração, buscamos recuperar na 
literatura, alguns dos elementos que cumulativamente ao longo da história auxiliaram a 
constituir o discurso de corpo no Transtorno do Espectro Autista. 
De acordo com a literatura, a concepção de autismo se desenvolveu no campo médico-
psiquiátrico entre os séculos XVIII e XIX, época em que, provavelmente, as pessoas 
acometidas pelo transtorno foram consideradas “idiotas” ou “débeis mentais”, assim como 
aquelas que sofriam de retardo metal, psicoses ou esquizofrenia (GAUDERER, 1997). 
Silenciadas as diferenças individuais, rigorosas intervenções medicamentosas, exclusão, 
sacrifícios e punições a partir de processos de controle do corpo e modificação do 
comportamento marcaram, possivelmente, a atenção dada às pessoas com TEA nesse período. 
Três médicos psiquiatras destacaram-se nas primeiras pesquisas sobre o TEA, a 
começar pelo psiquiatra Plouller, em 1906, o primeiro estudioso a introduzir o adjetivo 
“autista” na literatura mundial após estudos desenvolvidos com pacientes esquizofrênicos 
com sinal clínico de isolamento. Alguns anos depois, em 1911, o também psiquiatra suíço 
Eugen Bleuler [1857-1939] apregoou o termo definindo-o como uma perda de contato com a 
realidade para descrever um dos sintomas da esquizofrenia no adulto (ORRÚ, 2012). Mas, foi 
por intermédio do médico austríaco Leo Kanner [1894-1981], no ano de 1943, a partir de 
experiências desenvolvidas com onze12 crianças americanas, que se difundiu a existência do 
autismo e os dois critérios que seriam os eixos da desordem: a solidão e a insistência pelo 
imutável (sameness). 
Kanner descreveu o autismo como sendo uma patologia que se estruturava nos dois 
primeiros anos de vida e sugeriu que seu aparecimento estaria associado a questões 
ambientais, de modo mais específico, a maternagem inadequada, que geravam no indivíduo 
 
12 A primeira pessoa da história a receber o diagnóstico de autismo foi o americano Donald Triplett [1933], 
classificado como o “caso 1” entre 11 crianças estudadas pelo médico Léo Kanner (DONVAN; ZUCKER, 
2017). 
36 
 
 
 
com TEA a impossibilidade na comunicação, na linguagem e na capacidade de estabelecer 
vínculos afetivos. 
Para Kanner, o autismo estaria dentro do grupo das psicoses infantis e os pais de 
pessoas com TEA tinham um perfil de “mães emocionalmente frias e de pais intelectuais que 
investiam mais na observação do seu bebê do que no contato com ele” (CAVALCANTI; 
ROCHA, 2001, p. 48). Essa visão, acolhida por vários autores e clínicos de renome, 
impulsionou o desdobramento do conceito da “mãe geladeira” e fez com que se difundisse a 
“etiologia relacional do AI” (SCHWARTZMAN, 2003, p. 6). 
Com o passar dos anos, as ideias apregoadas pelo psiquiatra Léo Kanner sofreram 
significativas alterações, sendo o TEA considerado na atualidade um “conjunto de transtornos 
neurodesenvolvimentais de causas orgânicas, caracterizado por dificuldades de interação e 
comunicação que podem vir associadas a alterações sensoriais, comportamentos 
estereotipados e/ou interesses restritos” (SCHMIDT et al., 2016, p. 223), o que desmitifica a 
crença de que os pais seriam os culpados pelo quadro de autismo apresentado por seus filhos. 
Todavia: 
 
Responsabilizar a mãe ainda é muito comum hoje em dia por diversos 
profissionais da área da saúde, que ficaram parados no tempo e reproduzem 
a teoria de Léo Kanner. É uma teoria equivocada, mas que foi muito 
divulgada. No entanto, o que poucas pessoas sabem é que anos mais tarde o 
mesmo psiquiatra veio a público para retrata-se por essa consideração 
(SILVA, 2012, p. 160). 
 
Subsequente às pesquisas de Kanner, outros autores também se dedicaram ao estudo 
do autismo e suas possíveis causas. Entre eles, o médico austríaco Hans Asperger [1906-
1980], que popularizou o termo “Síndrome de Asperger” ao descrever no seu artigo 
“Psicopatologia Autística da Infância”, no ano de 1944, indivíduos bem semelhantes aos 
descritos pelo Léo Kanner, após estudo observacional com mais de 400 crianças avaliando 
seus padrões de comportamento e habilidades. Seus estudos também o levaram a concluir que 
o autismo estaria associado a fatores ambientais, como também a comprometimentos 
orgânicos, afetando mais meninos que meninas. 
Conforme assevera Silva (2012, p. 160): 
 
Hans Asperger descreveu um transtorno da personalidade que incluía falta 
de empatia, baixa capacidade de fazer amizades, monólogo, hiperfoco em 
assunto de interesse especial e dificuldade de coordenação motora (quadro 
que depois ficou denominado síndrome de Asperger). Hans Asperger cunhou 
o termo psicopatia autística e chamava as crianças que estudou de 
37 
 
 
 
“pequenos mestres”, devido à sua habilidade de discorrer sobre um tema 
minunciosamente. 
 
No ano de 1965, em meio a discussões sobre as possíveis causas do autismo, a 
americana Mary Temple Grandin13 [1947], diagnosticada ainda na infância com autismo, cria 
a “Máquina do abraço”, um aparelho projetado para acalmar e aliviar a sentida ansiedade 
proveniente das alterações sensoriais14 características do transtorno. 
As experiências sensoriais vivenciadas e descritas por Temple, bem como a veiculação 
de todos os fatores que a colocam dentro do espectro autista, contribuíram com o alargamento 
de muitas pesquisas desenvolvidas na busca pela compreensão do transtorno, e, de acordo 
Freitas (2015, p. 103) servem de fundamento para a “compreensão acerca de perceptualidade 
da pessoa com TEA sob a perspectiva dos dizeres do corpo”. Isso porque extrapolam a

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