Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A ESCUTA DO DELÍRIO: DIÁLOGOS ENTRE A PSICANÁLISE E A SAÚDE MENTAL 
 
 
Jonas Rayfe Vasconcelos da Silva 
 
 
 
 
Natal/RN 
2022
 
 
Jonas Rayfe Vasconcelos da Silva 
 
 
 
A ESCUTA DO DELÍRIO: DIÁLOGOS ENTRE A PSICANÁLISE E A SAÚDE MENTAL 
 
 
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa 
de Pós-graduação em Psicologia da Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob 
orientação do Dr. Mário Francis Petry Londero e 
co-orientação da Dr. Ana Carolina Rios Simoni, 
como requisito parcial para obtenção do título de 
mestre em Psicologia. 
 
 
 
 
 
Natal/RN 
2022
iii 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
iv 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A dissertação “A escuta do delírio: diálogos entre a psicanálise e a saúde 
mental”, elaborada por " Jonas Rayfe Vasconcelos da Silva", foi considerada aprovada 
por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação 
em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM 
PSICOLOGIA. 
 
 
Natal, RN, 02 de Dezembro de 2022 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
DRº MÁRCIO MARIATH BELLOC- UFPA 
Examinador Externo à Instituição 
DRª ZAETH AGUIAR DO NASCIMENTO- UFPB 
Examinadora Externa à Instituição 
DR º MARIO FRANCIS PETRY LONDERO- UFRN 
Presidente 
v 
 
 
AGREDECIMENTOS 
Há muitas pessoas que conheci durante o percurso de escrita dessa dissertação, 
cada vez que me perguntavam sobre o que estava pesquisando/escrevendo me ajudaram 
a elaborar uma pequena parte dela. 
Faço menção inicialmente, como forma de agradecimento, aos meus pais, 
Zezinho e Tiquinha, que não tiveram a oportunidade de chegar à universidade, mas 
sempre acreditaram na potência transformadora da educação. 
Aos meus orientadores Francis e Ana que sustentaram as minhas incertezas, 
procrastinações e angústias de uma forma que tornou possível a concretização do 
mestrado com a entrega e defesa da dissertação. 
Aos que compõe o Hospital Geral Drº João Machado, o setor de psicologia o 
qual tenho a honra de coordenar, a direção geral na pessoa de Leidiane Queiroz, as 
assistentes sociais Fátima Couto e Vilca, que são fontes de inspiração no trabalho de 
desinstitucionalização, e a todos (as) usuários que me oportunizam aprender quando me 
coloco a escutá-los. 
À Clara e Wamberto, colegas do mestrado, que de forma muito especial me 
ajudaram a atravessar as angustias e frustações da formação, mesmo com a distância 
imposta pela pandemia da COVID-19. 
Enfim, a todas e todos que de alguma forma me impulsionaram e acreditaram, 
mesmo quando eu cogitei desistir. Escutar essas vozes me fez concluir essa etapa da 
vida acadêmica. Gratidão! 
 
 
vi 
 
 
Sumário 
Resumo vii 
Abstract .............................................................................................................................................. ix 
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 11 
2. OBJETIVOS ................................................................................................................................. 16 
2.1 Objetivo geral 16 
2.2 Objetivos específicos 16 
3. METODOLOGIA ......................................................................................................................... 17 
3.1 Método Psicanalítico 17 
3.2 Campo e participantes 20 
3.3.1 A construção do caso clínico 23 
3.3.2 Diário de experiência 27 
4. DESINSTITUCIONALIZAÇÃO E ESCUTA DO DELÍRIO ...................................................... 29 
4.1 Breve reflexão histórica sobre a loucura e o delírio 29 
4.2. O delírio para psicanálise e as interseções com a saúde mental 34 
4.3. Os processos de desinstitucionalização na Reforma Psiquiátrica Brasileira 40 
5. CONSTRUÇÕES DE CASOS CLÍNICOS E A CLÍNICA DA 
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO ...................................................................................................... 46 
5.1 Construção do Caso Eny 50 
5.2 Construção do caso Amy 57 
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 69 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 71 
 
 
 
 
vii 
 
 
Resumo 
 
Trata-se de um estudo a respeito dos efeitos da escuta do delírio psicótico para a 
construção de processos de desinstitucionalização. O discurso delirante provoca reações 
antagônicas, tanto de estranheza frente a dimensão enigmática da linguagem nas 
psicoses, quanto de fascínio em desejar saber como o delírio se constitui para cada 
sujeito e o que pode operar aquele que o escuta. Na atividade de escuta aos sujeitos 
psicóticos, que historicamente são silenciados como uma técnica de tratamento, 
interrogo sobre o que pode acontecer quando o delírio é escutado e quais os efeitos que 
se produzem nos modos de cuidar. A questão que baseia esta pesquisa é: como a escuta 
de sujeitos psicóticos, em seus discursos ditos delirantes, pode ousar a construção de 
processos de desinstitucionalização? Nesta perspectiva, analisamos os efeitos da escuta 
do delírio como verdade singular de um sujeito. A pesquisa teve como base a orientação 
do método psicanalítico. O campo de pesquisa foi o Hospital Geral Dr. João Machado, 
componente da Rede de Atenção Psicossocial do RN, que historicamente é conhecido 
como uma instituição psiquiátrica, com atenção à crise em saúde mental e possibilidade 
de internação. Utilizei o dispositivo clínico-metodológico denominado escuta-flânerie 
articulada com diários das experiências do campo problemático e a ferramenta de 
construção do caso clínico. A aposta de trabalho com delírio não foi de confrontá-lo, 
buscando certa adaptação do sujeito ao discurso compartilhado, mas de levar em conta 
sua força reconstrutiva na estabilização psicótica, bem como a capacidade de formar 
laço social e tecer caminhos que apontem saídas da clausura. No trabalho da 
desinstitucionalização, em suas itinerâncias pelos territórios, tratou-se de de-lirar 
ousando andar pelos caminhos indicados por aquilo que estava fora dos sulcos, fora dos 
viii 
 
 
caminhos retos da razão manicomial. Portanto, escutou-se o delírio para delirar um 
lugar no mundo junto com os sujeitos. 
 
Palavras-chave: Delírio; instituição psiquiátrica; psicanálise; escuta; 
desinstitucionalização. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ix 
 
 
Abstract 
This study analyzes the effects of listening to psychotic delirium for construction of 
deinstitutionalization processes. Delusional discourse provokes antagonistic reactions, 
both of strangeness regarding the enigmatic dimension of the language of psychoses and 
the fascination of wanting to know how the person who listens can operate. In the 
activity of listening to psychotic subjects, who historically have been silenced as a 
treatment technique, I ask what can happen when delirium is heard and what effects are 
produced in the modes of caregiving. The question that underpins this study is: How can 
listening to psychotic subjects, in their discourses said to be delusional, chance the 
construction of deinstitutionalization processes? From this perspective, I analyze the 
effects of listening to delirium as a singular truth of a subject. The study is based on the 
orientation of the psychoanalytic method. The research was carried out at Dr. João 
Machado General Hospital, a component of the Psychosocial Care Network in the state 
of Rio Grandedo Norte, which is historically known as a psychiatric institution, with 
focus on treating mental health crises and the possibility of hospitalization. I applied the 
clinical-methodological technique called flânerie listening, articulated with diaries of 
experiences as the problematic field and the clinical case as the construction tool. The 
proposal to work with delirium was not to confront it, seeking a certain adaptation of 
the subject to shared discourse, but rather to take into consideration the reconstructive 
force of psychotic stabilization, as well as the capacity to form social ties and define 
paths for escape from enclosure. Regarding the work of deinstitutionalization, in its 
ramblings, the effort was to de-lirar by hazarding to travel over the avenues indicated by 
that which is outside the mold, outside the straight paths of the asylum rationale. Thus, 
delirium was scrutinized to find a place in the world together with the subjects. 
x 
 
 
Keywords: Delirium; psychiatric institution; psychoanalysis; listening; 
deinstitutionalization. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
A minha inserção no campo da saúde mental se deu desde a graduação em 
psicologia e é profundamente marcada por aproximações e distanciamentos que me 
possibilitaram refletir sobre a minha práxis profissional e de pesquisador. O interesse 
em estudar sobre o delírio surge a partir da escuta de sujeitos psicóticos internados em 
um hospital historicamente psiquiátrico de Natal, Rio Grande do Norte. O discurso 
delirante, desde os meus primeiros contatos com o campo da saúde mental, provoca-me 
reações antagônicas, tanto de estranheza frente a dimensão enigmática da linguagem nas 
psicoses, quanto de fascínio em desejar saber como o delírio se constitui para cada 
sujeito e, principalmente, o que pode fazer aquele que o escuta. 
Recordo-me de quando estava na graduação em Psicologia e tive a experiência 
de visitar o Hospital João Machado no estágio básico, sendo o meu primeiro contato 
com o campo da “saúde mental”. Antes de entrar no hospital, a preceptora fez uma série 
de recomendações sobre os cuidados gerais (não podia usar brincos, relógios, anéis) 
com a alegação que os pacientes poderiam pedir ou simplesmente arrancar. Havia 
orientações até para o que responder caso os pacientes pedissem alguma coisa. Confesso 
que fiquei assustado, senti-me como uma visita ao zoológico, pois parecia que a 
qualquer momento alguma coisa muito ameaçadora fosse acontecer, senti-me preso 
como os que ali estavam. 
Então, depois dessa experiência, decidi me afastar completamente desse campo 
nomeado como “saúde mental”, haja vista este (des) encontro que reforçou todos os 
estereótipos da periculosidade da loucura sedimentados no laço social. Contudo, por 
outras vias, me aproximei da psicanálise e comecei a estudar a clínica das psicoses, com 
12 
 
 
a qual conheci a possibilidade de uma escuta ao sujeito dito louco, em um trabalho que 
aposta nos sujeitos, na invenção e que não recua, como diria Lacan (1955-1956) no 
seminário 3 As psicoses. Isso influenciou na minha decisão de estagiar, no último ano 
do curso de psicologia, no Centro de Atenção Psicossocial III de Natal, no qual 
desenvolvi um trabalho com oficinas terapêuticas, permitindo-me experienciar outras 
formas de cuidado em saúde mental e também compreender que não há apenas 
manicômios físicos, mas também mentais (Pelbart, 1991), os quais dizem respeito a 
nossa forma de conceber e tratar a loucura, o diferente de nós mesmos. 
Assim que terminei a graduação, iniciei a residência multiprofissional em 
atenção básica na cidade de Caicó, pela Escola Multicampi de Ciências Médicas da 
UFRN, e pude conhecer durante dois anos a realidade da rede de saúde em uma cidade 
do interior do estado. Um dos rodízios nos equipamentos de saúde foi no CAPS III, lá 
conheci uma pessoa que estava internada, a qual foi encontrada pela polícia errante pela 
BR que liga Currais Novos a Caicó. O transeunte estava sem documentos de 
identificação e dizia que não era do planeta terra, pois pertencia a um povo vivente no 
subsolo e que possuía mais de 1000 anos e inúmeros filhos. Escutar essa pessoa era um 
grande desafio, ficava me perguntando de onde aquilo tudo que me contava havia 
surgido, o que eu poderia fazer para ajudá-la. Certamente, foi o delírio mais estruturado 
que já escutei, não à toa que questões sobre o delírio retornam como um problema de 
pesquisa. 
Por ironia do destino, junto ao início do mestrado em 2020, retorno ao Hospital 
João Machado, dessa vez como servidor público. A minha chegada ao hospital se deu 
com o desejo decidido de lutar pela desconstrução do manicômio por dentro. Já 
conhecia a história de luta de alguns trabalhadores, e o primeiro momento foi de 
13 
 
 
conhecer o território e me apresentar como mais um a movimentar as estruturas e 
processos do hospital psiquiátrico. 
Esse retorno ao hospital me possibilitou iniciar um trabalho de escuta aos 
sujeitos psicóticos internados e perceber um processo de silenciamento que se apresenta 
através de discursos proferidos pela própria equipe de cuidado ou pelos processos 
institucionais. Mas o que há de se escutar na fala do louco? 
A escuta é um dispositivo clínico fundamental no processo de cuidado em saúde. 
Uma das principais falas que se ouve no hospital é “Doutor, cadê minha alta?”, ou seja, 
o desejo pulsante pela liberdade. Entretanto, apesar da rotatividade e os investimentos 
de diminuir o tempo de permanência na instituição, ainda sim existem casos que 
desafiam a equipe pela longa permanência na internação. Esses casos acontecem, 
sobretudo, por questões relativas a vulnerabilidades sociais, fragilização de vínculos 
familiares e, por que não, pelo preconceito e a discriminação. 
Nesta perspectiva, o trabalho em equipe é fundamental para destravar processos 
de desinstitucionalização que visem o direito à saúde e cidadania, levando em conta o 
singular do caso. É assim que a clínica e a política se encontram no cuidado em saúde 
mental, e isso só é possível quando se dá a dignidade de escuta aos protagonistas das 
cenas de desinstitucionalização, usuários e equipe – a qual, em alguma medida, também 
são considerados delirantes por ousar romper com a naturalização da inscrição da 
loucura no registro da doença, da periculosidade e da incapacidade. 
Na atividade de escuta aos sujeitos psicóticos, internados e imersos em um 
contexto institucional psiquiátrico historicamente responsável pelo silenciamento do 
discurso delirante como uma técnica de tratamento, interrogo-me sobre o que pode 
acontecer quando o delírio é escutado, tornado peça fundamental para o cuidado e 
14 
 
 
terapêutica. Nesse sentido, quais efeitos podem gerar nos modos de cuidar e na lógica 
institucional quando o delírio começa a ser escutado? Assim, a partir do território 
psicanalítico se tem a intenção de pensar sobre tais efeitos no cuidado dos sujeitos 
psicóticos em uma instituição psiquiátrica, propondo a construção de casos e mesmo o 
caso da clínica para pôr em análise este cenário institucional. 
A clínica psicanalítica das psicoses entende que o delírio tem uma função da 
estabilização psicótica, ou seja, a direção do tratamento não visa à eliminação do delírio, 
mas o escutar em sua própria articulação significante e como portador de uma verdade 
do sujeito. Já a instituição psiquiátrica, ao longo da sua história, promoveu um processo 
de silenciamento do delírio, concebendo-o apenas como um sintoma da doença que 
deve, necessariamente, ser abafado para uma possível “cura”. A perspectiva 
psicanalítica permite pensar o delírio para além da dimensão sintomática de uma 
doença, possibilitando a partir da escuta analítica dos sujeitos e a reflexão sobre os 
atravessamentos institucionais, problematizar a direção do tratamento na clínica das 
psicosese interrogar o saber/poder da psiquiatria. Ressaltando que historicamente a 
psicanálise também esteve enlaçada com a captura da loucura enquanto doença e foi 
usada para reforçar a manicomialização das pessoas com experiência de sofrimento 
psíquico. 
Esse trabalho, então, analisou os efeitos de se tomar a escuta do delírio como 
uma direção no cuidado a pessoas cujo discurso é definido pelo poder psiquiátrico como 
delirante, partindo-se de investigações sobre as formas de conceber e tratar o delírio, 
bem como os modos de silenciamento do discurso do louco que se colocam nas práticas 
em saúde mental. Para estudar esse campo problemático, trabalhou-se a partir do 
método psicanalítico, o qual desde Freud se configura com um método de tratamento e 
de pesquisa. O dispositivo ético-metodológico da escuta dos usuários, da equipe, 
15 
 
 
familiares e a própria instituição psiquiátrica compôs o instrumental metodológico, com 
uma proposta que articula a clínica psicanalítica a perspectiva benjaminiana, 
denominada de escuta flanerie. Ademais, trabalhei com a ferramenta de construção do 
caso clínico, importante contribuição da psicanálise a psicopatologia e saúde mental 
(Figueiredo, 2004), e a ferramenta de diários de experiência, nos quais também se 
conjugam os operadores metodológicos da psicanálise freudiana e lacaniana com outras 
perspectivas de construção de conhecimento. 
 
16 
 
 
2. OBJETIVOS 
 
2.1 Objetivo geral 
 
 Analisar os efeitos da escuta do delírio como verdade singular de um sujeito, no 
contexto de um hospital historicamente psiquiátrico. 
2.2 Objetivos específicos 
 
 Identificar as formas de conceber e tratar o discurso delirante em um hospital 
historicamente psiquiátrico; 
 Analisar os processos de desintitucionalização que se desdobram a partir do 
campo problemático da escuta do delírio em um hospital; 
 Pensar as possibilidades de cuidado produzidas a partir da escuta do delírio de 
usuários no contexto da internação. 
 
17 
 
 
3. METODOLOGIA 
 
3.1 Método Psicanalítico 
 
A pesquisa trabalha de acordo com a orientação do método psicanalítico. A 
partir do século XIX, a Psicanálise surge no cenário científico, no qual ocorria a 
ascensão triunfante da razão cientificista, em que a física se configurava como o modelo 
ideal de ciência. Em seu princípio, Freud pensava a psicanálise como uma disciplina 
científica, haja vista a escrita do Projeto para uma psicologia científica de 1895 
(Macedo & Dockhorn, 2015). 
A psicanálise foi considerada por Freud (1926-1929/2014) como ciência e 
investigação, abrangendo três sentidos: uma forma de tratamento, um método 
investigativo e uma teoria. Em Recomendações ao médico que pratica a psicanálise, 
Freud afirma: “Um dos méritos que a psicanálise reivindica para si é o fato de nela 
coincidirem pesquisa e tratamento” (1912/2010, p. 153), argumentando que a pesquisa 
em psicanálise diz respeito a cada caso específico e não a um experimentalismo. 
De acordo com Nogueira (2004, pg. 1) "a metodologia científica em Psicanálise 
confunde-se com a própria pesquisa, ou seja, a psicanálise é uma pesquisa”. Nesse 
campo, como já apontava Freud (1912/2006; 1932-1933/2006), saber teórico e prática 
clínica são inseparáveis, sendo esta última concebida como um lugar de produção de um 
saber, visto que a origem da psicanálise se deu como método de tratamento, dessa 
forma, a clínica é o lugar privilegiado que sustenta a pesquisa em psicanálise. 
18 
 
 
É inquestionável o fato de a investigação ter, por excelência, o campo da clínica 
como o locus privilegiado de seu fazer, é por meio da escuta analítica de uma história 
singular que se apresentam os diversos enredos humanos que contam do aprisionamento 
do sujeito no circuito de dor psíquica (Macedo & Dockhorn, 2015). Entretanto, é 
necessário problematizar a utilização da psicanálise para além da clínica tradicional e 
realizar esforços de aproximação com outras possibilidades metodológicas de pesquisa. 
Em que pese, cabe diferenciar pesquisas em psicanálise e pesquisas sobre 
psicanálise, a primeira acontece a partir de material clínico e do método analítico e a 
segunda sobre questões que interessam à psicanálise, não necessariamente conduzida 
por analistas, articulando a psicanálise com outros campos, com diferentes estratégias 
metodológicas, e cujos resultados podem ser compreendidos à luz da psicanálise 
(Fontelle et al, 2018). Isso dialoga com o que Lacan diz na Proposição de 9 de outubro 
de 1967 sobre o psicanalista da escola, referente à dicotomia sobre psicanálise em 
intenção e em extensão, no qual a primeira derivada da clínica e a segunda das 
aplicações da psicanálise (Figueiredo, 2008). 
Na investigação psicanalítica não há separação entre sujeito e objeto, mas 
fundamentalmente opera-se com a transferência, que não é puramente um conceito 
psicanalítico, mas um fenômeno humano. Nesta perspectiva, a pesquisa em psicanálise 
se dá invariavelmente na relação analítica, considerando o fenômeno da transferência e 
o desejo do analista, sendo este último um termo cunhado por Lacan para designar uma 
posição ética. 
Conforme Castro (2020), toda pesquisa que pretenda se qualificar como 
psicanalítica deveria levar em conta tanto os pressupostos teóricos como os princípios 
éticos neles entrelaçados, como o desejo do analista. A ética em Psicanálise tem como 
19 
 
 
fundamento uma reflexão profunda sobre o desejo do analista/pesquisador como uma 
condição para o processo de análise/investigação, que se desdobra no ato do 
analista/pesquisador de produzir questionamentos sobre si mesmo e sobre o laço social, 
ou seja, sobre o contexto da pesquisa em geral (Dallazen et al., 2012) 
Segundo Silva e Macedo (2016) o processo de pesquisa com o método 
psicanalítico ocorre de forma ativa com vistas à emergência do material, enfatizando-se 
o exercício da escuta em transferência como condição investigativa. Entretanto, 
tomando o conceito de atenção flutuante como operador de pesquisa, entende-se que a 
atenção do pesquisador ocorre sem fixidez, sem querer notar nada em especial, mas 
oferecer a tudo que se ouve a mesma atenção (Magtaz & Berlinck, 2012). 
Nesse sentido, tomamos como referência o trabalho de Gurski (2019), que 
propõe a escuta-flânerie como um resultado da articulação entre a ética da psicanálise 
com a questão da flânerie encontrada nas teorizações de Benjamin. Esse dispositivo 
clínico-metodológico surgiu a partir dos estudos de Gurski (2008) em sua tese de 
doutorado sobre a violência juvenil, na qual forjou a metodologia do ensaio-flânerie a 
partir do enlace de três elementos: “da flânerie como um modo de olhar do pesquisador, 
do ensaio como a „janela da escrita‟ e do tema da experiência como uma tentativa de 
produzir polissemia e criação ao invés de repetição e fechamento de sentidos” ( p. 25). 
De acordo com Pires e Gurski (2020) a flânerie se evidencia conforme se 
conjuga a posição do flâneur com a do psicanalista, em que enunciamos a atenção 
flutuante, preconizada pela psicanálise, e o flâneur, os quais, a partir do que seria 
descartado ou negado, oferecem um espaço para o tropeço, o impensável e o detalhe. É 
válido ressaltar que apesar das pesquisas destacarem a escuta flânerie no âmbito da 
instituição socioeducativa, Guski (2019) sublinha que esse dispositivo ético-
20 
 
 
metodológico configura-se como uma inspiração possível para a pesquisa psicanalítica 
em diferentes cenários. 
Escutar e possibilitar processos de desinstitucionalização a partir do delírio em 
um contexto institucional psiquiátrico para além de ser uma intervenção analítica, é 
também uma forma de pesquisa-intervenção. Nesse sentido, ratifica-se que o método 
psicanalítico se desdobra em uma ética que se dá no próprio fazer do psicanalista 
(Lacan, 1959-1960/2010), convocando a um desdobramento da clínica que resulta em 
uma aposta de escutaros sujeitos em contextos outros ao consultório, reatualizando a 
clínica de acordo com as demandas do laço social e de seus diferentes dispositivos
1
. 
 
3.2 Campo e participantes 
 
O Hospital Dr. João Machado é um dos componentes da Rede de Atenção 
Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde no Rio Grande do Norte (RN). Foi 
construído em 1957 na qualidade de colônia psiquiátrica. Inicialmente, foi nomeado 
como Hospital Colônia de Psicopatas, mas teve seu nome alterado em homenagem a seu 
idealizador, o médico psiquiatra João da Costa Machado. O hospital vem passando por 
inúmeras transformações ao longo dos anos, é referência no RN para internações em 
saúde mental, mas vem ampliando a assistência em outras linhas de cuidado, com o 
 
1
 O conceito de dispositivo é trabalhado por Broide (2014), que diz ser constituído por uma relação entre 
diferentes aspectos institucionais que se incluem os discursos, instalações arquitetônicas, leis, medidas 
administrativas, enunciados científicos, morais e filosóficos que bordeiam essa relação. O autor destaca a 
escuta, sob transferência, como um elemento primordial dos dispositivos para o aparecimento do sujeito 
do inconsciente, quer seja no consultório particular (dispositivo criado por Freud) ou nos espaços 
institucionais. 
21 
 
 
objetivo de se transformar em um complexo clínico hospitalar, inclusive para o 
tratamento de COVID-19 com leitos de enfermaria e Unidade de Terapia Intensiva. 
Nesta perspectiva de transformação, a missão e visão do hospital foram 
reformuladas, o que antes tínhamos como missão “cuidar do cidadão acometido de 
transtorno mental agudo, com humanização e internação integral no menor espaço de 
tempo possível”, passamos a “oferecer assistência em saúde à pessoa adulta e idosa em 
sofrimento agudo e/ou crônico com foco em qualidade e segurança do paciente, além de 
formação de profissionais de saúde”, sendo a nova visão “um centro de excelência em 
assistência hospitalar de cuidados clínicos de maneira integral, sustentável, alicerçado 
na humanização, inovação, ensino e pesquisa” (Regimento interno, 2021). 
Nesta linha transformativa do hospital, foram constituídos espaços dentro e fora 
dele (com outros dispositivos da RAPS) para a discussão dos casos de longa 
permanência de internação. Esse trabalho já existia antes da minha chegada ao hospital 
através de alguns profissionais comprometidos com a ideia do cuidado em liberdade, 
entretanto, esse movimento ganhou força com o aceleramento do processo de 
transformação do perfil de assistência hospitalar, no qual há um investimento em 
diminuir os indicadores de tempo de permanência na internação, bem como contribuir 
com o avanço da reforma psiquiátrica e luta antimanicomial no que tange a garantia do 
cuidado em rede e territorial. 
Somam-se a esse trabalho alguns dispositivos importantes, como a Coordenação 
de Saúde Mental do RN e o Observatório de Saúde Mental da UFRN através de 
supervisões e ações de articulação com os serviços assistenciais da rede de saúde 
municipal de Natal, como os Centros de Atenção Psicossocial, Atenção Básica e outros. 
As discussões aconteciam conforme a disponibilidade dos participantes e o próprio 
22 
 
 
percurso de evolução dos casos, sendo que havia um compromisso pactuado de 
encontros pelos menos uma vez por mês, o que não isentava as equipes de fazerem 
contatos de articulação em outros momentos. 
Nestes espaços, algumas histórias me causaram reflexões enquanto pesquisador. 
Uma delas é a de uma paciente aqui nomeada de Eny, caso no qual pude experienciar 
um trabalho coletivo de desinstitucionalização em que foram construídas condições de 
escuta para destituir os modos de silenciamento institucional e legitimar a fala do sujeito 
que, pela marca do delírio, acaba sendo descredibilizada. 
Outra história é a de Amy, paciente em regime de moradia provisória no 
hospital, advinda da penitenciária onde cumpria medida de segurança há 14 anos por 
homicídio do pai. Este caso, que também será tratado como objeto de análise nesta 
dissertação, tem movido um trabalho de desinstitucionalização, que, como não poderia 
deixar de ser, leva em conta a singularidade do caso e os efeitos institucionais dos anos 
em privação da liberdade. Isso tem proporcionado análises sobre as dimensões 
delirantes que se operam no ambiente hospitalar que vão da paciente, daqueles que 
trabalham no hospital e dos meus próprios delírios de desinstitucionalização no que 
tange aos atravessamentos institucionais psiquiatrizantes da loucura. 
São, portanto, as construções feitas a partir do trabalho com Eny e Amy que 
ganharão espaço de tematização neste trabalho, naquilo que elas convocaram ao 
trabalho entre vários, à escuta do delírio como ferramenta da desinstitucionalização, à 
ousadia de romper com os silenciamentos institucionais e delirar a Reforma 
Psiquiátrica. 
Nesta perspectiva, pretende-se problematizar a clínica operada no contexto 
hospitalar a partir da escuta dos usuários, dos trabalhadores e das minhas próprias 
23 
 
 
afetações que emergem do meu percurso pela instituição. Vale ressaltar que esta 
pesquisa tem autorização do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte através do Certificado de Apresentação 
de Apreciação Ética (CAAE) número: 51872821.3.0000.5537. 
 
3.3.1 A construção do caso clínico 
 
Na condução deste estudo utilizei o método de construção do caso clínico, 
importante contribuição da psicanálise a psicopatologia e a saúde mental (Figueiredo, 
2004). De acordo com Bursztyn e Figueiredo (2012) essa proposta de trabalho e de 
pesquisa de orientação psicanalítica visa uma conduta em equipe a partir da transmissão 
da lógica única e singular do sintoma em cada caso. 
Conforme Figueiredo (2004), o termo construção refere justamente a ideia de 
partilhar determinados elementos de cada caso em um trabalho conjunto, já o termo 
caso, segundo Viganó (2010), diz do encontro direto com o real indizível que escapa a 
regulação simbólica, e, por último, o sentido do termo clínico, que originariamente 
define-se como um debruçar-se sobre o leito do doente e produzir um saber a partir daí, 
para psicanálise seria uma inclinação não ao pé do leito, mas ao pé da letra. De acordo 
com Nasio (2001), o caso é um relato singular, redigido por um psicanalista para 
testemunhar o encontro com o analisando e fundamentar um avanço teórico, de modo a 
promover uma passagem do inteligível para o sensível, sendo como uma pintura viva de 
um pensamento abstrato. 
24 
 
 
Segundo Durões e Mori (2018) o trabalho de construção do caso tendo como 
orientação as incidências do real, é bancar uma proposta que se faz a partir de um vazio, 
no rompimento da cadeia simbólica, em que o real passa a ser o vetor da experiência, o 
que significa acolher o imprevisto, a incerteza e os riscos no trabalho clínico (Durões & 
Mori, 2018). Nesse ponto é que o método de construção do caso se articula com a 
escuta flanerie, pois ambos se desenrolam por um perambular despretensioso do não 
saber, em uma abertura para a surpresa e desconhecido. 
Vígano (1999) aponta uma discussão interessante entre caso clínico e caso 
social, sendo o primeiro uma condição para que o segundo aconteça, apesar de existir 
construções da clínica que separem ambos e outras que os articulam entre si. Segundo o 
mesmo autor, há lugares psiquiátricos que podem ofertar uma clínica do caso social, 
desde que o momento clínico não seja comprimido pelo Projeto Terapêutico da Equipe, 
esvaziando qualquer possibilidade do sujeito elaborar sobre seu sintoma e iniciar a 
transferência. O vazio que interessa é o do saber, o qual permite a passagem para um 
processo de construção. 
A noção de construção para Freud se diferencia da interpretação (Viganó, 1999). 
De acordo com Figueiredo(2004) a construção é uma concatenação de elementos 
discursivos visando a uma conduta, já a interpretação é pontual e visa a um sentido, 
destarte, o propósito da construção deve ser justamente a de partilhar determinados 
elementos de cada caso em um trabalho conjunto, o que seria impossível na via da 
interpretação. 
Nesta perspectiva, Dias e Neto (2016) apontam duas consequências ao trabalho 
do analista, a primeira é que a construção, bem como a interpretação, não estaria 
reservado ao lugar de completude; já a segunda, relaciona-se a possibilidade de uma 
construção provocar no pacientes convicções próximas a de uma lembrança. 
25 
 
 
Entende-se que o trabalho com o delírio é da ordem da construção, não cabe ao 
analista interpretar, pois ele é dado na certeza, que faz signo, que não tem possibilidade 
de interpretação por meio da posição do sujeito, que não faz metáfora. De acordo com 
Dias e Neto (2016), a noção de construção tem parentesco com a concepção freudiana 
de delírio, na medida em que através de ambas nos aproximamos da verdade do sujeito 
e revelam algo que estruturalmente se equivoca no momento em que aparece. Assim 
como assinala Freud: 
Os delírios dos pacientes parecem-me ser os equivalentes das construções 
que erguemos no decurso de um tratamento analítico – tentativas de 
explicação e de cura, embora seja verdade que estas, sob as condições de uma 
psicose, não podem fazer mais do que substituir o fragmento de realidade que 
está sendo rejeitado no passado remoto. [...]. Tal como nossa construção só é 
eficaz porque recupera um fragmento de experiência perdida, assim também 
o delírio deve seu poder convincente ao elemento de verdade histórica que 
ele insere no lugar da realidade rejeitada (Freud, 1937/1996, p. 286). 
Em “Moisés e o Monoteísmo” Freud (1937-1939; 2018) lança o conceito de 
verdade histórica, a qual é distinta da verdade material, é aquela verdade pela qual não 
podemos nos apoiar objetivamente, não é a verdade dos fatos, do acontecido (Durões & 
Mori, 2018). Nesse sentido, a construção nada mais é que uma das formas de nos 
aproximarmos da verdade daquele sujeito, ou seja, o saber oriundo de uma construção, 
assim como de um delírio, teria como subsídio a verdade daquele paciente (Dias & 
Neto, 2016). 
O método de construção do caso consiste em discutir um caso apresentado 
através de um registro escrito por um dos participantes da equipe de saúde mental. 
Segundo a proposta de Viganò (2010) a construção deve compreender três etapas: a 
narrativa (do sujeito, da família, da instituição); as escansões do tratamento e o 
cotejamento entre o diagnóstico do DSM ou CID e o psicanalítico. 
26 
 
 
Segundo Val e Lima (2014), que pensaram quatro momentos da construção do 
caso clínico, o processo inicia quando o analista elege o caso e faz um consolidado, a 
posteriori, de memórias dos conteúdos das sessões em um texto com formato de uma 
história clínica. Entretanto, Figueiredo (2004) faz a distinção entre a história e o caso, 
sendo este último produto do que se extrai das intervenções do analista na condução do 
tratamento e do que é decantado de seu relato. 
No segundo momento temos a supervisão individual com outro analista, com 
vistas à localização dos pontos em que a relação com a fantasia produz obstáculos para 
extração da lógica do caso, permitindo reorientar a transferência (Val & Lima, 2014). 
Para Figueiredo (2004) as discussões realizadas em equipe sustentam o funcionamento 
do método e remetem mais a um trabalho de construção do que de supervisão, ainda que 
no seu desenrolar tangenciem a experiência de supervisão. 
Na reunião de equipe, terceiro momento, os elementos do texto podem ser 
verificados e ampliados a partir da conversação com outros profissionais envolvidos no 
caso, os quais assumem uma posição de ignorância em função do privilégio conferido à 
pesquisa e ao questionamento, próprios da clínica. E por último, ocorre a verificação do 
que se construiu do caso a partir das intervenções da equipe, em que a construção do 
caso continua após o ato analítico com um novo texto que conecte o que se aprendeu do 
caso e o tratamento possível (Val & Lima, 2014). 
Segundo Bursztyn e Figueiredo (2012) o que caracteriza a construção do caso na 
equipe de saúde mental é composição múltipla do trabalho, essencialmente no coletivo, 
no qual a ação do psicanalista direciona a discussão do caso a partir da posição 
assumida por uma equipe como “aprendizes da clínica”, possibilitando colher das 
produções do sujeito os indicadores para seu tratamento e da singularidade de seus 
sintomas uma orientação clínica para o trabalho. 
27 
 
 
3.3.2 Diário de experiência 
 
Os diários de experiência foram realizados no processo de pesquisa para 
registrar as vivências no campo e nos espaços de construção do caso. Conforme Pires e 
Gurski (2020), registra-se qualquer coisa que atravessa o pesquisador a partir da sua 
vivência, sendo essa ferramenta inspirada no trabalho de Benjamin sobre o tema da 
experiência em articulação a escuta psicanalítica, remetendo-se aos diários de campo 
das pesquisas antropológicas e etnográficas, os curtos diários escritos por Freud no final 
de sua vida e a notas confeccionadas por Walter Benjamin em suas narrativas sobre as 
memórias e experiências pela cidade (Pires & Gurski, 2020). 
Conforme Gurski (2019) os diários consistem em um compilado escrito pelo 
pesquisador-psicanalista acerca de suas vivências, experiências e reflexões em suas 
atividades da pesquisa, metodologicamente guiados pelo movimento da associação 
livre, o que pode causar estranhamento pela (des) organização da escrita, e só se tornam 
possíveis quando o psicanalista ocupa o lugar de estrangeiro, fazendo anotações no a 
posteriori, possibilitando que a experiência seja compartilhada no só depois. 
A mesma autora destaca que essa premissa do registro permite o pesquisador-
psicanalista seguir a noção de imprevisibilidade, como na clínica, e as recomendações 
freudianas de conduzir o tratamento (e a pesquisa) sem qualquer intuito em vista, na 
medida em que o pesquisador é convidado a registrar sua experiência em outra 
temporalidade, no a posteriori, um tempo mais distendido que permite o surgimento das 
marcas do vivido, as quais em um caminho de escuta ganham lugar no dispositivo da 
construção do caso, possibilitando à equipe se enlaçar com a produção do cuidado na 
contramão do silenciamento institucional. 
28 
 
 
Conforme Broide (2014) entendemos, também com Deleuze, que cada 
dispositivo diferente capta uma subjetividade distinta e o material inconsciente que 
surge no atendimento individual no consultório particular não é exatamente igual àquele 
que emerge em um grupo, em determinada instituição pública, privada ou na rua, 
todavia, em todas essas situações há um sujeito do inconsciente que fala e quer falar, e 
que se apresenta à nossa escuta através da transferência, pela busca do espaço vazio de 
que nos diz Badiou, e que permite o surgimento do sujeito do desejo. 
 
29 
 
 
 
4. DESINSTITUCIONALIZAÇÃO E ESCUTA DO DELÍRIO 
 
4.1 Breve reflexão histórica sobre a loucura e o delírio 
 
Os estudos sobre o delírio abordam concepções diferentes ao longo da história 
da humanidade e desaguaram em modos diferentes de tratá-lo. Na antiga Grécia a 
loucura era apreciada por compreensões antagônicas que correspondiam ao 
favorecimento ou hostilidade divina. Segundo Pelbart (1989), o filósofo Platão, em seu 
livro o Fredo, destaca que Sócrates impetra um elogio a loucura como a fonte de 
maiores bens, especificando um modo de loucura que ocorre como efeito de favor 
divino. 
De acordo com Ribas (2014) a tragédia grega antiga apresenta a “loucura” como 
algo múltiplo por meio do delírio e de estados alterados, em que se davam os transes, os 
festejos e os rituais, nos quais era preciso reconhecer a divindade causadora do mal parapoder apaziguá-la com os devidos ritos, isto é, a intenção era revelar a identidade da 
divindade atuante. Nessa concepção, o delírio possui uma dimensão oracular e se 
relaciona intimamente com a sabedoria, ou seja, a profecia mântica (um modo de 
loucura mencionada por Sócrates) produz algo que é da ordem do saber, atravessado por 
uma linguagem desarrazoada que nem por isso a desqualifica e que tem um efeito de 
verdade cuja densidade está perdida para nós, mesmo que isso provoque estranheza 
(Pelbart, 1989). 
Essa estranheza frente ao sem-sentido conduziu, historicamente, a maneira de 
lidar com loucura ou com aquilo que foge aos limites colocados por certo tipo de 
30 
 
 
racionalidade vigente. Então, foi assim que as figuras da desrazão, quais sejam: loucos, 
prostitutas, devassos, feiticeiros e tantos outros, tiveram seus corpos aprisionados 
distantes da cena social. Segundo Foucault (1961-1972/2012), o fim da idade média foi 
o ponto inicial de silenciamento da loucura pela razão, configurando-se uma destituição 
da experiência trágica e enigmática da loucura. 
Destarte, a loucura perdeu a força primitiva de revelação oracular, sendo 
progressivamente destituída como saber que expressa a experiência trágica do homem 
no mundo. Na época clássica, inicia-se o processo de enclausuramento do louco e, 
supostamente da loucura, tomando-se uma percepção que estabelece a razão como 
critério para distinguir, isolar e excluir as figuras da desrazão descritas anteriormente 
(Laia & Aguiar, 2017). 
Ainda de acordo com Laia e Aguiar (2017), com o capitalismo emergente, 
constatou-se que aprisionar não constitui uma solução adequada frente aos novos 
problemas econômicos. A necessidade de mão de obra operária faz da população como 
um todo um recurso para produção de riqueza. Então, a política assistencial da segunda 
metade do século XVIII distinguiu duas categorias: pobres válidos, os quais se tornaram 
mão de obra trabalhadora, e os pobres doentes, que ficariam sob responsabilidade da 
assistência social. 
Ao passar do tempo algumas figuras da desrazão foram ocupando lugares no 
cenário social para compor a força produtiva, já os loucos, impossibilitados ao trabalho 
e perigosos, acabaram como últimos remanescentes daquilo que Foucault (1961-
1972/2012) chamou de Grande Enclausuramento. Assim, segundo Laia e Aguiar (2017), 
nasceu o manicômio e a loucura foi capturada como objeto do conhecimento médico, 
31 
 
 
classificada e medicalizada das mais variadas formas ao longo dos últimos séculos, 
reduzida a condição de doença mental, mero erro da razão ou do cérebro. 
Segundo Pelbart (1989), a antiguidade grega manteve com o louco uma certa 
proximidade, contrariamente à época moderna, de distanciamento radical através da 
reclusão asilar. De acordo com o autor, o tratamento moral preconizado por Pinel 
consistia, simploriamente, em aplicar quatro técnicas: o silêncio institucional (que 
esvaziasse por si só os delírios, tornando-os literalmente "sem efeito"), o julgamento 
perpétuo (a vigilância e a punição interiorizariam a culpa e a consciência da loucura), a 
ridicularização da loucura (que Foucault chamou de "reconhecimento pelo espelho", em 
que se convocava a loucura de um para julgar absurda a do outro, e assim invalidar a 
ambas) e, finalmente, a autoridade do médico, peça chave do dispositivo. 
Como vimos, o silêncio institucional forma o quarteto técnico estruturante do 
tratamento moral, constituindo o manejo “terapêutico” do delírio nos primórdios da 
psiquiatria. Dessa forma, faz-se necessário investigar o lugar do discurso delirante no 
cuidado em saúde mental em uma instituição que está em processo de transformação de 
sua lógica de atenção e o que pode o dispositivo da construção do caso produzir de 
mudanças nesta lógica, problematizando os modos de silenciamento estigmatizantes que 
colocam o sujeito psicótico na posição de objeto e excluem a sua possibilidade de fala. 
No final do século XX, em muitos países, tal qual o Brasil, temos a 
problematização deste aparato manicomial que encarcera os loucos e a loucura. No 
Brasil, tivemos a Reforma Psiquiátrica, a qual produziu dispositivos de cuidado em rede 
e territorial para enfrentar a lógica manicomial. Infelizmente, como anuncia Pelbart 
(1991), não basta derrubar os muros para acabar com os manicômios, pois os mesmos 
retornam sutilmente no cotidiano dos serviços de saúde mental caso não se problematize 
32 
 
 
as práticas de regulamentação do discurso louco. É necessária, neste sentido, uma 
radicalização na escuta, para que um esburacamento dos muros institucionais dos 
manicômios ocorra. A escuta do delírio, no que consta em sua bizarrice para um mundo 
ainda transferenciado pela razão, é um desafio, e a construção do caso, tal qual aqui 
apresentada, se faz como um dispositivo de resistência frente aos manicômios 
institucionais vigentes. 
Gabriel García Márquez escreve um conto intitulado “Só vim telefonar” 
(Márquez, 2013), que compõe um de seus Doze Contos Peregrinos, no qual alude ao 
estigma da loucura e da consequente perda de autonomia que ela impõe a quem recebe 
sua marca. A personagem principal, Maria, ao pegar carona em um ônibus repleto de 
mulheres sonolentas, depois de um incidente com seu carro, foi capturada pela 
engrenagem do hospício e seu pedido por um telefone foi interpretado como um delírio, 
que se somaram as suas reações ao regime manicomial (tentativas de fuga, horror e 
descontrole emocional diante do que vê) e foram satisfatórios para completar o 
diagnóstico médico de doente mental. Nesse sentido, o delírio é sempre interpretado 
como um sintoma que coloca o louco na condição incapaz de distinguir entre o falso e o 
verdadeiro, de gerir sua própria vida ou de incredibilidade discursiva, justificando todo 
confinamento e tutela do louco ao longo da história pelo saber médico e manicomial 
(Neto, 2016). 
A psicanálise se insere na história da loucura de maneira dual, com posições 
antagônicas. De acordo com Martins (2016), Foucault refere-se tanto a uma tradição 
crítica quanto uma tradição trágica do pensamento concernente a loucura, sendo crítica, 
quando entende a loucura por meio de uma metapsicologia, na qual há uma reprodução 
do tratamento moral no dispositivo clínico, e por outro lado é trágica, quando recolhe a 
palavra do louco para inscrevê-la em narrativas romanescas cujo personagem central 
33 
 
 
não é um sujeito da razão, mas uma verdade do real, sendo essa verdade atravessada por 
uma historicidade. Em Freud, a dimensão trágica se expressa por meio de narrativas 
clínicas. É no relato dos casos clínicos que a loucura como experiência primitiva pode 
ser resgatada, dando lugar à linguagem e ao delírio do louco, experiência positivada 
antes da divisão entre razão e desrazão (Foucault, 2009). 
Isso tem comparecido nos espaços constituídos dentro e fora do hospital que 
visam discutir a longa permanência de alguns sujeitos na internação hospitalar, 
especialmente quando o delírio não é tomado como um signo que elimina a 
possibilidade dos sujeitos habitarem os lugares onde a “razão” impera, mas como 
construção possível de modos de se relacionar com o mundo que aponta direções no 
caminho da criação de formas de alojar a singularidade no tecido social. 
Em se tratando do delírio, segundo Laia e Aguiar (2017) não existe uma 
definição unificada e completa. Foucault, em A história da loucura (1961-1972/2012), 
escreveu que a designação de um delírio situa-se na dependência da sensibilidade com 
que se julga o grau do afastamento que uma ideia apresenta, seja em relação aos 
discursos estabelecidos ou no que diz respeito a uma suposta realidade das coisas. 
O termo delírio surge no século XVI, originado da palavra latina lira, que 
significa sulco (do arado). Logo, de-liro surge como aquilo que está fora do sulco, fora 
do caminho reto da razão. Os estudiosos se dividemem dois grupos com acepções 
diferentes, o primeiro influenciado por Jonh Locke postulavam que o delírio era 
causado por um erro da sensopercepção, já o segundo acreditava se tratar de um erro do 
julgamento, relacionado ao adoecimento da alma (Briggs & Rinaldi, 2014). 
Essas noções dicotômicas influenciaram a psiquiatria e a psicanálise, de um lado 
estava a corrente alemã que predomina nos manuais psiquiátricos atuais com uma 
34 
 
 
abordagem descritiva, na qual o delírio é definido como um falso juízo psicopatológico, 
e em oposição há a corrente francesa que influenciou Freud no desenvolvimento da sua 
teoria sobre a paranóia e particularmente sobre o delírio, como veremos a seguir. 
 
4.2. O delírio para psicanálise e as interseções com a saúde mental 
 
A noção de delírio para psicanálise é derivada da corrente francesa que pontua 
sua psicogênese, opondo-se radicalmente à visão organicista da época. Em Freud, no 
texto Neurose e Psicose (1924/2011), ele faz referência à gênese do delírio ao dizer que 
este surge no lugar em que originalmente “uma fenda apareceu na relação do ego com o 
mundo externo” (p.169), ou seja, o delírio se constitui como uma espécie de remendo. 
Em sua elaboração do caso Aimée, Lacan opõe-se também ao organicismo (Miller, 
1995), pois aborda as psicoses a partir da linguagem e conclui não se tratar de um 
déficit ou doença, mas um modo específico com que esses sujeitos se manifestam, 
causando uma revolução no pensamento científico da época (Maffili et al., 2014). 
Freud no início dos seus estudos situa a paranoia no campo das neuroses, como 
sendo uma enfermidade que se origina dos conflitos psíquicos, contudo, posteriormente 
desenvolve uma teoria que tenta explicar a função do delírio para o sujeito como o 
mecanismo específico da psicose, o qual será mais bem trabalhado por Lacan, 
afirmando que tanto na estruturação neurótica, quanto na psicótica haveria uma tentativa 
de apaziguamento (Briggs & Rinaldi, 2014). Lacan (1932; 1987) em sua tese de 
doutorado começa a circunscrever, a partir do caso Aimée, a relação dos mecanismos da 
paranoia com as operações lógicas do pensamento de criadores e teóricos. 
35 
 
 
Nesta perspectiva, conforme Simoni (2012) o delírio foi definido como 
importante à interpretação e processos de criação, retirando a psicose do lugar (fora da 
razão) que o discurso médico a colocou. Para a autora, o que Lacan explicita em seus 
estudos sobre as psicoses é que não é a capacidade que uma ideia tem de espelhar a 
“realidade” que a faz verdadeira e que o delírio não seria um déficit no acesso àquela, 
mas sim uma construção feita a partir “de uma particular posição frente à linguagem.” 
(Simoni, 2012, p.52). 
Na verdade, desde Freud (1911-1913/2010), a formação delirante, que pode ser 
considerada como produto da doença, é na realidade tentativa de cura, reconstrução. De 
acordo com Maranhão (2016) a associação entre delírio e construção acompanha as 
produções teóricas de Freud sobre a psicose em diferentes momentos, reconhecendo 
uma tentativa de autocura do sujeito psicótico. Nesta perspectiva, entende-se que é 
possível operar e construir dispositivos de cuidado a partir da potência inventiva do 
delírio. 
De acordo com Laia e Aguiar (2017) o discurso delirante está referido à 
realidade psíquica de quem o enuncia, de forma que ele é sempre verdadeiro e é preciso 
tomá-lo em sua própria articulação significante devido a sua estrutura de linguagem, 
sem pretender referi-lo à prova de realidade. Como dizem Rey e Ramos (2014), o apego 
do psicótico ao seu delírio é questão de sobrevivência, o delírio é o que pode dizer quem 
ele é. Nesse sentido, a aposta de trabalho com delírio não é de confrontá-lo, buscando 
certa adaptação do sujeito ao discurso compartilhado, mas é necessário que se leve em 
conta sua força reconstrutiva na estabilização psicótica, bem como a capacidade de 
formar laço social e tecer caminhos que apontem para um lugar no mundo. 
36 
 
 
De acordo com J.-A. Miller (1999), se quisermos manter a definição do delírio 
como pensamento que não encontra seu correlato de realidade, temos de nos haver com 
o caráter universal da constatação de que todo mundo delira, perspectiva denominada de 
delírio generalizado, que remete ao pensamento lacaniano a qual “todo mundo é louco, 
isto é, delirante”. Destarte, o delírio universal passa a significar a condição de todo 
sujeito ou ser falante, no sentido em que a dependência da linguagem produz 
necessariamente uma separação em relação à realidade que se tenta designar por seu 
intermédio, ou seja, todo sentido dado através da linguagem a alguma coisa se produz 
num campo separado da coisa, sem que haja uma instância superior que permita regular 
a relação entre o se diz e aquilo do que se fala. 
Nesta perspectiva, parte-se da ideia que o sentido não representa a coisa, então, 
qualquer nomeação é uma tentativa de produção de sentido sobre o vivido, porém, 
nenhuma forma de nomear é capaz de responder em sua totalidade ao referente 
nomeado, de modo que o próprio ato de nomear produz a perda da possibilidade de 
acessar o vivido em si. A partir dessa premissa, é possível apostar na legitimidade de 
qualquer discurso que esteja nessa tentativa de dizer do vivido, nesse esforço de 
construção da realidade, aí incluído o discurso delirante. É esta a tese que Lacan nos 
possibilita acessar por meio da ideia de delírio universal. 
Conforme Laia e Aguiar (2017), a clínica psicanalítica das psicoses permite 
verificar duas funções do delírio: na primeira, na ausência do significante fálico que 
articula o gozo à sua mediação simbólica, o delírio cumpre a função então de 
reconstrução imaginária da realidade, criando para o sujeito uma espécie de cenário no 
qual ele tenta reorganizar o elemento pulsional que transborda o seu corpo e que se 
manifesta no desencadeamento do delírio; na segunda, a função do delírio também se 
37 
 
 
estende, no sentido de um tratamento do real a partir do simbólico, permitindo localizar, 
dominar e cifrar uma parcela de gozo invasivo e transbordante da experiência psicótica. 
Maleval (1998) compreende o delírio como uma notável forma de 
apaziguamento da angústia do sujeito e, além disso, busca uma construção possível a 
partir da falta do significante que o permita tornar suportável a incompletude do Outro. 
Conforme nos orienta Monteiro e Queiroz (2006, p. 114): 
O bom uso do delírio pode promover o advento de um sujeito, destituindo-o 
da condição de objeto de gozo do Outro, posição na qual o psicótico se 
encontra. Uma das advertências do psicanalista na instituição é a de que o 
delírio é um modo de expressão subjetiva, não devendo ser debelado a todo 
custo, mas usado na perspectiva da construção de uma metáfora delirante, 
através da qual significante e significado se estabilizam, possibilitando um 
efeito de significação. 
 
A atuação da psicanálise nas instituições requer manejos diferenciados da clínica 
tradicional. Monteiro e Queiroz (2006) elencam três indicativos de trabalhos nas 
instituições, a saber: a atuação baseada no singular de cada caso, convocando o sujeito, 
as contribuições da escuta psicanalítica na equipe e a incidência da escuta junto aos 
familiares. Nesta direção, os autores propõem introduzir o termo inclusão subjetiva à 
proposta de reinserção social da loucura, na qual é preciso fazer comparecer a dimensão 
da clínica em uma “prática feita por muitos”, compreendendo que excluir a clínica no 
campo da saúde mental não é apenas excluir a psicanálise, mas o próprio sujeito e o 
direito a fala. 
38 
 
 
Com base em Veras (2007), o campo da saúde mental e sua interseção com a 
psicanálise não se trata da clínica do social, mas da clínica no social, o que nos convoca 
a pensar na direção do tratamento ofertada pela psicanálise aos sujeitos psicóticos. 
Conforme nos orienta o mesmo autor, deve-se passarde um ideal político de uma 
sociedade sem sintomas, que formula debelar o sintoma a qualquer custo, e provocar a 
partir da escuta o surgimento dos dispositivos clínicos e de um tratamento possível, 
encarando a função do sintoma não necessariamente como prejudicial. 
Nesta perspectiva, é que propomos a criação de um dispositivo de escuta do 
delírio que aponte caminhos possíveis para desinstitucionalização, quer seja da 
compreensão hegemônica a qual silencia a voz dos loucos, quer seja para construção 
coletiva, “entre muitos”, no tecido social. 
De acordo com Monteiro e Queiroz (2006), a inserção psicanalítica nas 
instituições de saúde mental é complexa, visto que é um campo diversificado, e que 
trata de questões que não são específicas à psicanálise. Contudo, a mesma autora aponta 
que “é preciso destituir o status de especialista e, como propõe Eric Laurent, passar à 
posição de “analista-cidadão”, “um a mais” em uma prática feita por muitos”. O termo 
analista-cidadão cunhado por Laurent (1999, p.13) compete aquele que “é perfeitamente 
compatível com as novas formas de assistência em saúde mental, formas democráticas, 
anti-normativas e irredutíveis a uma causalidade ideal”. 
Entretanto, o que fazer para articular a dimensão clínica com o ideal político em 
jogo na clínica psicossocial? Segundo Borsoi (2011) a atenção psicossocial, define o 
projeto terapêutico orientando-se por dois significantes universais: inclusão e 
cidadania, deixando de fora, na maioria das vezes, o sujeito e suas invenções singulares. 
Nesta perspectiva, convocar o sujeito a partir do universal é querer não encontrá-lo. A 
39 
 
 
mesma autora aponta que os efeitos da psicanálise se desdobram em uma política que é 
do sintoma, na qual dá lugar ao singular, o caso a caso. 
De acordo com Costa (2009) a psicanálise historicamente teceu várias críticas à 
psiquiatria, e, por conseguinte aos hospitais psiquiátricos, especialmente pela 
medicalização excessiva dos pacientes internos ocasionando a supressão do delírio. 
Portanto, o trabalho de escutar o delírio trata-se de um ato subversivo, rompe-se com 
uma lógica na qual o sujeito psicótico é colocado como mero objeto do gozo do Outro, 
subjetividade descartável, como acontece na lógica manicomial. Parte-se do princípio de 
que a fala-escuta é o centro de referência do tratamento da psicose. 
Lacan (1955-1956/1985) propõe a expressão “secretário do alienado” para 
assinalar a posição do analista frente ao psicótico, aconselhando-nos a “tomar ao pé da 
letra” o que o sujeito nos conta. Neste trabalho, acolhemos a indicação lacaniana de se 
colocar na posição de “secretariar o alienado”, mas tratamos de não apenas tirar 
consequências deste lugar para acompanhar processos de estabilização psicótica, mas 
sobretudo para a construção de processos de desinstitucionalização a partir da escuta da 
construção delirante. 
Assim, a psicanálise comparece de forma importante na tessitura dos caminhos 
desta pesquisa por ofertar a possibilidade de apostarmos na verdade do discurso 
delirante das psicoses, mas foi preciso não apenas se conformar com sua função na 
estabilização psicótica, senão que ousar andar mais longe. Foi preciso aliançar a ética da 
psicanálise à política antimanicomial para ousar sulcar, com os significantes do delírio, 
lugar no território para o sujeito de direitos. 
Neste sentido, entendendo que a psicanálise tem papel fundamental para o 
campo da reforma psiquiátrica, mas também que esta conjuga territórios potentes 
40 
 
 
capazes de fazer a psicanálise reinventar-se, propomos esta pesquisa como um ato 
subversivo e, por isso político, de intervir e problematizar os modos de escuta e 
tratamento, no cotidiano de cuidado do Hospital Dr. João Machado e em outros espaços 
em que a lógica manicomial insista em permanecer. 
 
4.3. Os processos de desinstitucionalização na Reforma Psiquiátrica Brasileira 
 
A institucionalização da loucura ao longo dos tempos é marcada por práticas de 
isolamento e exclusão, em que os sujeitos eram apartados do laço social para 
tratamento. De acordo com Sampaio e Bispo Junior (2021), à medida que o asilamento 
se fortalecia como um imperativo terapêutico e a periculosidade como atributo inerente 
à loucura, o hospital psiquiátrico se destacava como única instituição adequada ao 
tratamento das pessoas com transtornos mentais. A legitimação do saber médico sobre o 
louco e da instituição psiquiátrica como lócus de tratamento tinha como foco a 
produção, classificação e tratamento da doença, excluindo o sujeito e sua experiência 
com a loucura (Paiva et al, 2021). 
Após uma série de questionamentos sobre as práticas institucionalizantes e o 
próprio saber psiquiátrico, surgiram diferentes movimentos relativos à reforma 
psiquiátrica com a premissa da desinstitucionalização. De acordo com Sampaio e Bispo 
Junior (2021), o termo desinstitucionalização é polissêmico e, por apresentar diferentes 
perspectivas, influenciou vários modelos de reformas ao redor do mundo. Conforme 
Paiva et al. (2021) os movimentos reformistas são divididos em três momentos, cada um 
possuindo suas especificidades quanto ao caráter de crítica a psiquiatria. O primeiro 
41 
 
 
momento é marcado pela comunidade terapêutica na Inglaterra e pela psiquiatria 
institucional na França. 
Ambas as experiências supracitadas reconheciam a violência e ineficácia dos 
manicômios, mas tinha como proposta uma mudança interna da instituição para torná-la 
efetivamente terapêutica, seria uma espécie de “humanização” do hospital psiquiátrico 
(Desviat, 2015). Destarte, não se pode falar de desinstitucionalização da loucura nessas 
experiências, haja vista que não se questionava a existência dos hospitais como 
prioridade no tratamento, tampouco a noção de saúde mental e sua relação com o laço 
social (Sampaio & Bispo Jr., 2021). 
Já o segundo momento, tem dois principais movimentos, a psiquiatria de setor 
francesa e a psiquiatria comunitária e preventiva dos Estados Unidos, os quais não se 
restringiam ao espaço asilar, mas propuseram a conexão com o espaço público 
objetivando prevenir o adoecimento e promover a saúde mental (Amarante, 2013; Paiva 
et al. 2021). 
Pode-se dizer que esses movimentos abordaram a perspectiva da 
desinstitucionalização da loucura para espaços comunitários e territoriais, entretanto, 
não questionaram o saber/poder psiquiátrico sobre os sujeitos, ou seja, avançou-se na 
criação de novos serviços, porém eram limitados na construção de uma saúde mental 
emancipadora (Sampaio & Bispo Jr., 2021; Paiva et al. 2021). 
É no terceiro momento que se inicia a crítica e desconstrução do aparato 
psiquiátrico através de dois movimentos denominados Antipsiquiatria, originado na 
Inglaterra em 1960, e a Psiquiatria Democrática Italiana. De acordo com Sampaio e 
Bispo Jr. (2021), a antipsiquiatria se propõe como antítese do marco teórico conceitual 
da psiquiatria tradicional ao defender a indissociabilidade entre adoecimento, sujeito e 
relações sociais, fomentando uma desautorização do saber psiquiátrico sobre o louco e a 
42 
 
 
loucura. Já a psiquiatria democrática italiana é a experiência mais expressiva desse 
modelo e influenciou fortemente os marcos conceituais e epistemológicos da Reforma 
Psiquiátrica Brasileira, por criar uma nova forma de organização de serviços, em meio 
aberto e comunitário, para produzir cuidado e ao mesmo tempo promover novas formas 
de sociabilidade e subjetivação. 
O processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) iniciou na década de 70, 
contexto de redemocratização, impulsionado estrategicamente pelo Movimento dos 
Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) do Rio de Janeiro (Tenório, 2002). De acordo 
com Amarante (1995), o MTSM inicialmente organizou um conjunto de críticas ao 
modelo psiquiátrico manicomial, procurando entender a função social da psiquiatria e 
suas instituições, vislumbrando apossibilidade de inversão deste modelo a partir do 
conceito de desinstitucionalização. 
Conforme Pitta (2011), que se refere ao processo de desinstitucionalização 
responsável, isto é, tratar o sujeito em sua existência e em relação com suas condições 
concretas de vida. Destarte, o tratamento deixa de ser a exclusão em espaços de 
violência e morte social para tornar-se criação de possibilidades concretas de 
subjetivação e interação social. 
Nesta perspectiva, o Brasil instituiu através da lei 10.216/2001 a proteção e os 
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo 
assistencial em saúde mental por serviços inovadores e intervenções comunitárias, com 
ênfase na expansão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e do Programa Volta 
para Casa, mudando o foco paulatinamente do hospital para a comunidade (Pitta, 2011). 
É importante se questionar assim como Rotelli (2001), por que queremos esta 
desinstitucionalização? Ressalta-se que a ruptura do paradigma fundante das instituições 
manicomiais, o paradigma clínico, foi o verdadeiro objeto do projeto de 
43 
 
 
desinstitucionalização. Conforme Braga (2019) é necessária uma ruptura em relação às 
bases do saber psiquiátrico e à prática realizada em manicômios, o que inclui seus 
aparatos científicos, assistenciais, relacionais, administrativos, legislativos e culturais. 
De acordo com Sampaio e Bispo Jr. (2021) entende-se que o processo de 
desinstitucionalização vai muito além do lócus de intervenção, o que envolve mudanças 
no fundamento epistemológico centrado no conceito ampliado de saúde e na 
integralidade, na qual o foco deixa de ser a doença mental e passa a ser a pessoa em 
sofrimento mental possuidora de subjetividades, desejos e perspectivas de vida singular. 
Para Braga (2019), o processo de desinstitucionalização não se refere ao mero 
fechamento ou reforma do hospital psiquiátrico, mas ao desmonte da lógica da 
instituição psiquiátrica em todas suas formas de expressão, com a superação do modelo 
tradicional de conceber e de se relacionar com a experiência de sofrimento psíquico, 
transformando saberes e práticas e construindo novas possibilidades de viver e existir 
em um mundo compartilhado. 
 A verdadeira desinstitucionalização será então o processo prático-crítico que 
reorienta instituições e serviços, energias e saberes, estratégias e intervenções em 
direção a este tão diferente objeto, o problema se tornará não a cura, mas a 
emancipação; não se trata de reparação, mas de reprodução social das pessoas (Rotelli, 
2001). 
Braga (2019) propôs uma discussão sobre o ponto de vista teórico da 
desinstitucionalização abordando quatro chaves de leitura, quais sejam: “circuito de 
controle”, “exercício do poder”, “manter as contradições abertas” e “instituição 
aberta/instituição fechada”. Sobre o circuito de controle e exercício do poder, a autora 
destaca que para compreender a lógica manicomial é necessário refletir sobre como é 
concebida a ideia de norma social e quem são os sujeitos considerados desviantes, aos 
44 
 
 
quais é atribuída uma suposta periculosidade, pois para o exercício do controle as 
instituições produzem e reproduzem lógicas de normatização impositiva que tutelam os 
sujeitos. 
No que tange a manter as contradições abertas, a autora supracitada coloca a 
necessidade de nas práticas desenvolvidas nos serviços substitutivos o trabalho partir 
não mais da concepção problema-solução, mas da possibilidade-probabilidade, com o 
reconhecimento da complexidade de uma situação que se relaciona com o sofrimento 
experimentado pelo sujeito em sua vida na relação com o tecido social. 
Nesse contexto, Simoni e Moschen (2020) apontam que o retorno ao território 
das pessoas institucionalizadas é apenas um primeiro movimento, desta forma, é 
necessário produzir cotidianamente as condições para sustentar e operar a 
desinstitucionalização no laço social, tecendo a reconexão do singular ao coletivo e 
costurando os resquícios do sujeito ao tecido do qual foi desapropriado historicamente. 
Por último, Braga (2019) afirma que a ideia da instituição aberta/instituição 
fechada envolve reconhecer que qualquer serviço, inclusive os serviços substitutivos 
que são “instituições para desinstitucionalizar”, por vezes enfrentam períodos de maior 
fechamento e por vezes de maior abertura, sendo preciso, assim, uma constante 
reinterrogação por parte dos que produzem os serviços no sentido de refletir se, de fato, 
estão sendo construídas trocas plurais na relação com o território e se está se produzindo 
vida e emancipação. 
Vale ressaltar o que Alverga e Dimenstein (2006) alertam sobre os “desejos de 
manicômio” que atravessam a direção do cuidado nos serviços substitutivos, expressos 
através de práticas de dominação e classificação do sofrimento psíquico, sendo 
necessária esta vigilância para que o processo de desinstitucionalização não se restrinja 
a meros reparos nos dispositivos assistenciais. 
45 
 
 
Nesse sentido, Rotelli (2001) destaca que a instituição inventada está, portanto, 
sempre em movimento, direcionada para reconstruir as pessoas como atores sociais, na 
qual tratar significa ocupar-se aqui e agora para que se transformem os modos de viver e 
sentir o sofrimento do paciente e que ao mesmo tempo se transforme a sua vida concreta 
cotidiana. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
46 
 
 
 
5. CONSTRUÇÕES DE CASOS CLÍNICOS E A CLÍNICA DA 
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO 
 
Partindo-se do princípio de que a fala-escuta é central no trabalho clínico e 
atentando ao que Lacan (1955-1956/1985) propõe em torno da expressão “secretário do 
alienado”, ao assinalar a posição do analista frente ao psicótico, aconselhando-nos a 
“tomar ao pé da letra” o que o sujeito nos conta, escolhemos os codinomes dos casos 
que apresentaremos agora. Tais escolhas se deram tomando a fonética da primeira letra 
do primeiro nome das pacientes e inventando nomeações segundo o modo como 
ressoaram aos meus ouvidos. Escrevi na literalidade assim como se dá na escuta do 
delírio: operar com os efeitos de uma nomeação que repercute ao pé da letra. Ao ler os 
nomes, percebi que inventei nomes bastante comuns em Natal, que tende a americanizar 
algumas. Estaria aí já uma tentativa de produzir lugar na cultura, no tecido social, para 
estas usuárias com histórias de exclusão e encarceramento manicomial? 
Narramos agora os percursos de construção de caso de desinstitucionalização 
que se fizeram possíveis nesta pesquisa. Traremos os dois casos, conforme já 
mencionado, os quais nomeamos caso Eny e Amy. 
É importante destacar que os caminhos da construção dos casos foram bastante 
singulares, acolhendo as possibilidades que se colocavam a partir do encontro das 
usuárias com o cotidiano institucional, os efeitos que se produziam nos profissionais de 
dentro e de fora do hospital. No caso Eny, não havia um espaço formal de reunião para 
a construção do caso, conforme indicado por Viganò (2010), tampouco uma 
formalização de registro e compartilhamento do caso entre os envolvidos no processo. 
47 
 
 
Trata-se do primeiro caso de desinstitucionalização com o qual me envolvi e, portanto, 
das primeiras frestas e aberturas para um processo mais sistematizado de trabalho com 
os casos. Nesse momento, as ações de desinstitucionalização aconteciam já de forma 
coletiva, mas as discussões se situavam, sobretudo, em espaços informais, nos encontros 
na enfermaria, na sala do serviço social ou da psicologia, sem um horário pré-agendado. 
Já, no caso Amy, a maioria das reuniões de construção do caso aconteceu de 
modo online, pela plataforma Google meet, em função de que o caso já chega trazendo 
consigo o envolvimento de muitos trabalhadores da rede extra-hospitalar, imbuídos da 
tarefa de cumprir a decisão judicial de uma transinstitucionalização e de que isto ocorria 
em plena vigênciadas medidas de distanciamento social preconizadas para prevenir a 
contaminação por COVID-19. Embora houvesse momentos instituídos para discutir o 
trabalho com Amy entre vários atores das políticas públicas, a dinâmica das reuniões era 
invadida por lógicas que muitas vezes não seguiam os processos de construção de caso 
clínico tal qual propusemos na metodologia. 
Em ambas as situações, tratamos de ir buscando inserir na dinâmica do trabalho 
coletivo de desinstitucionalização uma ética da construção do caso, pela qual os relatos 
dos profissionais envolvidos nos processos ganhassem registro em todos nós e 
fornecessem uma direção compartilhada de trabalho com os casos. Um horizonte a 
perseguir coletivamente. 
Essa ética da construção do caso se fez possível acompanhada das itinerâncias 
da escuta flanerie, a qual de acordo com Pires e Gurski (2010) oferece um espaço para 
aquilo seria descartado ou negado, para o tropeço, o impensável e o detalhe, e por que 
não dizer também ao delírio, que historicamente é silenciado. Articulamos isso com os 
48 
 
 
pressupostos que fundamentam a prática de Acompanhamento Terapêutico (AT) e 
noção de construção do caso clínico para a psicanálise. 
O caso Eny teve uma importante função na formulação da minha questão de 
pesquisa, a partir dele que pude perceber a reprodução do silenciamento institucional, na 
medida em que a fala da paciente era desacreditada e interpretada como delirante pela 
equipe de saúde mental, bem como testemunhar um processo de desinstitucionalização 
que foi possível no momento em que o dito delírio ganhou o tom de verdade. No que 
tange ao caso Amy, escolhê-lo se deu no momento em que me senti tomado como 
delirante ao investir nos processos de desinstitucionalização, a partir da compreensão 
que quando o nosso discurso não encontra lugar na realidade compartilhada gera uma 
sensação muito semelhante do sujeito que ao anunciar sua verdade histórica, seu 
discurso é inscrito no campo da doença. Dessa forma, talvez compartilhar essas 
impressões no coletivo de uma dissertação, a qual tem um endereçamento, seja uma 
forma de tratar o real que também me inunda enquanto trabalhador e pesquisador no 
campo da saúde mental. 
Como destacado, no contexto da desinstitucionalização da loucura as práticas 
devem ser atravessadas por processos de invenção. É necessária uma ruptura com a 
clínica tradicional, como destaca Palombini (2006, p. 117) “que uma clínica a serviço 
dos processos de desinstitucionalização coloca em jogo a desinstitucionalização da 
clínica mesma”. A autora aponta o AT como um dispositivo clínico-político que tem 
uma incidência muito significativa, com uma proposta de trabalho a céu aberto, 
atravessando os territórios que se intercruzam na cidade, pondo em análise até mesmo o 
próprio processo de reforma psiquiátrica ao desvelar o funcionamento da rede de 
atenção psicossocial e as formas como o laço social responde a desinstitucionalização 
49 
 
 
da loucura, a qual é um caminho construído entre vários olhares, narrativas e fazeres 
entrelaçados (Simoni e Moschen, 2020). 
De acordo com Neto e Dimenstein (2016), o AT é uma prática clínica cujo 
setting está nas ruas, esquinas, nas adjacências do serviço de saúde, assim como nos 
diferentes espaços sociais por onde o sujeito deseja circular, experimentando o novo e o 
inusitado, abrindo-se a surpresa e assumindo a dimensão do risco e da invenção. 
Nesta perspectiva, uma pergunta que também nos acompanhou ao longo desta 
pesquisa foi: é possível construir um caminho para a desinstitucionalização que 
conjugue a escuta do delírio em um contexto de internação hospitalar e práticas de AT? 
Simoni (2012) ao questionar quais as condições para, no encontro entre um pesquisador 
e posição particular do psicótico na relação com a linguagem, produzirem-se 
consequências para o método, aponta a constituição de um espaço de acolhimento a 
alteridade da psicose. É nesse sentido que propusemos a oferta de uma escuta ao 
discurso delirante como via para a construção de caminhos metodológicos para os 
processos de desinstitucionalização no Hospital João Machado. 
De acordo com Santos et al. (2019) o AT abre uma possibilidade de escuta 
pautada na ética da psicanálise, tendo em vista que o acompanhante assume uma postura 
de secretariar o sujeito, colocando a singularidade do acompanhado em evidência, 
possibilitando a emergência da palavra através dos caminhos trilhados, além de 
viabilizar encontros cotidianos no espaço público que tendem a produzir efeitos 
importantes na vida dos sujeitos com diagnóstico de psicose. 
A seguir irei apresentar os dois casos já mencionados aqui, os quais tratam de 
construções clínicas desinstitucionalizantes, que se sucederam a partir da escuta no 
contexto de internação hospitalar. 
 
50 
 
 
5.1 Construção do Caso Eny 
 
Trazida pelo SAMU, Eny chega ao hospital para se internar após um incêndio 
em sua casa, um desastre no qual a causa era desconhecida pela equipe do hospital. Na 
ficha de admissão hospitalar o médico descreve que Eny estava calma, porém com 
delírio persecutório e discurso ilógico justificando o incêndio. Mas Eny estava em crise 
ou se tratava de um incêndio acidental? Não se sabe ao certo, mas o “hospício” seria o 
lugar onde ela iria ficar por prazo indeterminado, visto que a mesma tinha histórico de 
internação e também não teria condições de permanecer na casa, ou seja, o hospital 
nesse caso cumpriria a função de abrigá-la. Essas demandas de internação para 
abrigamento são muitos frequentes, desde os casos de pessoas em situação de rua ou em 
que pelo histórico de um transtorno mental ou de internações psiquiátricas são trazidas 
ao hospital mesmo não estando necessariamente em condição de crise. 
A Eny já tinha várias passagens pelo hospital, nesta internação tive a 
oportunidade de conhecê-la. Entretanto, estávamos vivendo um momento atípico com a 
eclosão de uma pandemia que requeria medidas de afastamento social e relacional para 
evitar a disseminação do vírus da COVID-19, bem como a recomendação de que os 
profissionais de saúde usassem Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como 
capote, máscara, gorro e faceshield no atendimento aos usuários. 
Relembro que nas minhas primeiras tentativas de aproximações Eny recusou 
conversar, posto que não me conhecia e, além do mais, apresentava-me todo 
paramentado. Certa vez, em mais uma tentativa de conversa, ela perguntou: como você 
aguenta tudo isso? Respondo: infelizmente é preciso. Ela diz: pois me deixe ver seu 
rosto. Nesse momento eu tomo uma posição mais afastada, tiro a máscara e sorrio, ela 
51 
 
 
responde: é até bonito. Essa cena está presente inclusive em um cordel que escrevi 
intitulado “acolhimento em tempos de pandemia”: 
De acordo com Souza e Passos (2018) a literatura de cordel é um gênero 
marginalizado por não fazer parte do canône brasileiro, mas que possui uma 
importância histórica para alfabetização do povo nordestino, inserindo-se em uma 
compreensão que o texto literário não é uma atividade de „dizer para informar‟ e que 
esse se lança para fora da configuração formal corriqueira, provocando também 
admiração e gosto, estimulando o mundo da fantasia, o mundo do imaginário ou a de 
um mundo no qual o „real‟ [é] transposto a um mundo imaginativo, de ficção, para além 
do palpável/concreto. 
A iniciativa de produzir esse cordel se deu na ocasião de uma atividade de 
extensão da UFRN que objetivava oferecer supervisão aos trabalhadores da saúde 
mental de Natal sobre os desafios do cuidado em tempos de pandemia. Apresento a 
seguir o cordel: 
 
Para falar de acolhimento tenho muita alegria 
Mas fico preocupado com essa tal de pandemia 
Como ser acolhedor no trabalho hoje em dia? 
 
A começar pela máscara, sinônimo de proteção 
Esconde o rosto da gente, limita qualquer feição 
52 
 
 
Eu acolhia sorrindo, mostrando os dentes“tudinho”, como vai ficar então? 
 
Quando estou paramentando, fico irreconhecível 
O usuário pergunta, como aguento tudo isso 
Respondo meio acanhado, com o faceshild embaçado, “infelizmente é preciso”!!!. 
 
A distância é necessária, para comunicação 
Uns dois metros que afastam de uma contaminação 
Como fica o acolhimento, nesse cenário pandêmico, repleto de restrição? 
 
Da ética do acolhimento precisamos conversar 
Como ela se processa no SUS em particular 
Depois passamos por hospitalidade, que é um conceito chave, criado por Derrida. 
 
Acolhimento é uma ação técnico/assistencial, 
Uma atitude importante de qualquer profissional 
Reconhece o usuário, que mesmo estando afastado, tem saber fundamental. 
 
53 
 
 
Não precisa de um local para tudo acontecer, 
Nem tampouco de um relógio para a hora nos dizer, 
Acolhimento é vivo, o usuário ativo, você precisa entender. 
 
Sobre a hospitalidade citada por Derrida, 
É um conceito importante na tarefa do cuidar 
Se acolhe quem chega, não importa quem seja, de maneira singular. 
 
Quero dizer agora, para então finalizar, 
Espero que esses versos consigam te afetar, 
Que no cenário pandêmico, através do acolhimento, é possível melhorar. 
 
Por que será que Eny me levou a compor um cordel? Que efeitos da 
transferência se produziram aí? Seria um dos possíveis do pesquisador flâneur? Ou do 
início da montagem de um dispositivo de construção do caso, uma vez que se trata de 
partir de uma escrita que diga singularmente de uma transferência? O fato é que a 
interpelação de Eny me coloca em posição de escrever, acessando referências da cultura 
local, uma cultura que compõem narrativas do vivido de modo bastante particular. 
Registrar essa cena vivida com Eny em cordel parece dizer da dificuldade posta 
em operar uma clínica de aproximação, afetiva e política que superasse o novo 
54 
 
 
instituído por uma pandemia que obrigava ao afastamento. A interrogação sobre “como 
você aguenta tudo isso?” ecoava no meu pensamento, fez-me refletir sobre como 
sustentar uma narrativa que ultrapassasse o instituído nas possibilidades de cuidado tão 
restritas, perpetuadas pela lógica hospitalar em tempos de pandemia. Como operar com 
a dinâmica da transferência quando o corpo do analista é coberto pelo véu da 
biossegurança? O movimento de me afastar e sorrir foram as formas de oferecer 
hospitalidade a esses embaraços que apareciam na relação de cuidado. Embaraços que 
se inscreveram no Cordel e abriram outros caminhos para o trabalho com Eny. 
Eny estava estável, veio por conta do incidente e a equipe começou a questionar 
até quando o hospital iria abrigá-la. Na tentativa de promover a desinstitucionalização 
perguntamos a ela como seria possível a sua saída do hospital, para onde iria haja vista a 
impossibilidade de voltar para a casa destruída pelo incêndio. Eny sempre fazia menção 
a um dinheiro que tinha em sua casa, entretanto a equipe entendia como um delírio, já 
que em outras internações ela sempre referia uma quantia que tinha guardada, e ademais 
se entendia que mesmo esse valor existindo provavelmente teria sido consumido pelo 
fogo. Recordo que um profissional da equipe disse: toda internação é assim, ela diz que 
tem um dinheiro guardado, dessa vez parece até que o dinheiro diminuiu. Respondi: 
talvez ela tenha gastado né? A gente precisa de dinheiro pra viver. 
Na verdade o que implicitamente se questionava era como uma psicótica poderia 
adquirir, acumular e gerir seu próprio dinheiro, ou como ela poderia estar fora do 
registro delirante, assim como aconteceu no conto Só vim telefonar, em que Neto 
(2009) destaca ser uma das mais belas descrições literárias do estigma da loucura e da 
consequente perda da autonomia que ela impõe a quem recebe a sua marca. É como se 
os discursos e as ações expressas pelo louco cessam de significar em si próprias, 
tornando apenas sintoma da doença, sendo incapaz de decidir sobre o seu destino em 
55 
 
 
todas as instâncias, que vão desde a liberdade de locomoção até as decisões sobre as 
formas de tratamento que recebe, o louco é transformado num fantoche que deve ser 
manipulado pelo poder/saber médico. 
A repetição de Eny fez furo ao entendimento da equipe, pois decidimos escutar 
em ato e ir a sua casa para testemunhar os restos e dar legitimidade ao seu discurso. O 
que se faz com o significante que se escuta no delírio? Escuta ao pé da letra atentando 
às direções que nesta escuta se abrem para a construção de um lugar concreto para 
habitar o território, seguindo as suas orientações que diziam: vocês vão encontrar o 
dinheiro dentro de uma caixa de sapato, na cômoda do meu quarto. O fogo havia 
consumido partes da estrutura, mas a cômoda estava intacta e, exatamente no lugar 
descrito por Eny, o dinheiro foi encontrado. É nesse sentido que entendemos a 
desinstitucionalização como um tecer coletivo a partir da escuta da verdade do sujeito, 
ainda que interpretado como „delirante”, ocupando a centralidade do cuidado, contra o 
silenciamento institucional. Delirar era fazer frente, combater os “desejos de 
manicômio” ,como nos coloca Alverga e Dimenstein (2006), que operam no cotidiano 
das práticas. 
A chegada da equipe mobilizou a vizinhança que veio acompanhar do que se 
tratava, os vizinhos temiam o retorno de Eny, de acontecer outro incêndio e atingir suas 
casas, diziam: imaginem se o botijão de gás tivesse explodido!?. Então, percebemos que 
o retorno de Eny passaria necessariamente por uma reconstrução da sua casa e seu 
“lugar” na comunidade. Conforme se identifica em registro de prontuário, a condição 
colocada pela vizinhança para o retorno de Eny era a retirada do botijão de gás para 
maior segurança, o que ela de imediato não aceitou, mas foi convencida pela equipe em 
substituí-lo por um ebulidor elétrico. O processo de convencimento aconteceu na 
perspectiva de apresentar para a usuária outra possibilidade, ao qual equilibrasse as suas 
56 
 
 
demandas e também da vizinhança, haja vista que um retorno amigável para território 
dependia necessariamente dessa negociação. 
De posse do dinheiro iniciamos o trabalho de desinstitucionalização de Eny, 
segundo seu desejo nos orientava, a reforma da casa teve seu pleno consentimento, mas 
sempre nos alertava sobre o cuidado de não gastar tudo. Cada retirada do dinheiro tinha 
sua autorização e a devida prestação de contas. Algo que surpreendentemente ocorreu 
foi o apoio da vizinhança na reconstrução da casa, à medida que a obra andava um novo 
“lugar” para Eny no território também se construía, questionamento do tipo “Será que 
ela vai voltar boa? E se ela queimar a casa novamente?” eram respondidos com a 
perspectiva de acolher o fantasma do medo que os assombravam e apresentar a 
incerteza da aposta “delirante” que estávamos fazendo, que como tudo na vida não é da 
ordem do previsível, que inclusive nós podemos em algum momento da nossa história 
ter um rompante que desvie da norma instituída. 
Nessa linha, Nasio (2001) aponta que há uma constatação clínica de que o 
paciente psicótico não é globalmente afetado porque delira, do mesmo modo que 
inversamente um sujeito normal pode viver um episódio delirante, sem que por isso se 
deva qualificá-lo de “psicótico”. 
 No processo de (re) construção da (o) casa (o) conseguimos os pedreiros, 
inclusive, um dos vizinhos trabalhou como servente e a esposa ajudava na limpeza da 
casa. Alguns servidores do hospital também ajudaram no serviço e a Terapeuta 
Ocupacional do hospital frequentemente supervisionava o andamento das obras. 
Finalmente chegou o dia em que o retorno de Eny era possível, saímos do hospital até o 
seu território, mas antes passamos em um mercadinho para fazer compras e abastecer a 
sua casa reconstruída. Ao chegarmos era notável a sua preocupação em nos receber em 
57 
 
 
sua casa, mostrando seus móveis, objetos e aquilo que estava faltando, provavelmenteconsumido pelo fogo. 
Na oportunidade, fizemos a prestação de contas do investimento financeiro e 
entregamos o dinheiro restante para a usuária. Esta foi uma das minhas primeiras 
experiências de trabalho de desinstitucionalização, no qual pude testemunhar a potência 
do trabalho feito por muitos, mas também a importância de legitimar a fala dos sujeitos, 
fazendo o avesso daquilo que insiste em se repetir nos serviços de saúde mental em que 
não há escuta dos sujeitos psicóticos e suas narrativas são silenciadas e desacreditadas. 
Aqui se tratou de pensar a desinstitucionalização e a escuta do delírio como compondo 
um dispositivo capaz de fazê-lo “entre muitos” para parcializar o Outro, colocar em 
cena no fazer a incompletude do Outro. 
Foi dessa experiência que formulei minha questão de pesquisa que aponta a ideia 
de que o delírio ou o “dito” delírio pode ser desinstitucionalizante, um norte de escuta 
que se opera na medida em que nos utilizamos da hospitalidade do filósofo Derrida 
(2004), no caso, um ser hospitaleiro com o que é da ordem do estrangeiro, tal qual o 
delírio se apresenta àqueles sustentados por um discurso neurótico regulamentador. 
 
5.2 Construção do caso Amy 
 
As discussões sobre Amy antecedem a minha chegada ao hospital. Uma equipe 
formada por diferentes serviços da RAPS já pensava a condução do caso, incluindo a 
própria equipe da penitenciária na qual ela vivia, devido ao homicídio do seu pai. Pela 
ausência de vagas femininas no hospital de custódia, de forma ilegal e sem assistência 
58 
 
 
em saúde mental, arrumou-se uma cela separada na penitenciária João Chaves onde 
Amy permaneceu por cerca de 14 anos para o cumprimento da medida de segurança 
detentiva. No primeiro encontro, em que fui convidado para compor a equipe como 
representante do Hospital Geral Dr. João Machado, foi exposto o objetivo da criação do 
grupo de trabalho que consistia em acompanhar a desinstitucionalização da usuária e 
responder à Promotoria de Justiça no sentido de resolver a questão da ilegalidade de sua 
permanência no presídio. 
Que a demanda tenha chegado deste modo já nos chama atenção. É a ilegalidade 
da permanência de Amy na prisão que é destacada e não a violação de direito da 
mesma. Parece que se está falando da mesma coisa, mas não. Na primeira forma de 
situar o problema, o que está no centro da pauta é não colocar o sistema de justiça em 
ilegalidade, na segunda se trata de reconhecer a cidadania de Amy. De todos os modos, 
a defesa da legalidade foi o que abriu as portas para todo o trabalho de garantia de 
direitos e de cuidado de Amy, que está em jogo em um processo de 
desinstitucionalização. A judicialização é bastante comum nesses processos, já que se 
trata na maioria das vezes de violações de direitos que atravessam décadas. 
A construção de uma equipe multiprofissional e multissetorial formada 
majoritariamente por serviços de base territorial anunciavam que a condução das 
discussões sobre Amy teria como centralidade o cuidado em saúde mental. Inicialmente, 
antes mesmo da minha entrada no grupo de trabalho, uma equipe mínima formada por 
um médico psiquiatra, uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional visitavam a 
penitenciária para atendê-la. 
Desde as primeiras conversas na construção do caso, sentimos a necessidade de 
fazer um levantamento da história da usuária, pois existia (quis dizer existe) certa 
59 
 
 
confusão e muitos boatos sobre o que teria motivado a passagem ao ato com o pai, 
como se houvesse uma tentativa de legitimar as motivações e atos de Amy, rompendo 
com a lógica do silenciamento institucional seja do manicômio ou do judiciário que 
circunscreve a passagem ao ato apenas no registro da loucura/periculosidade, sem supor 
sentido no ato de Amy como sujeito. 
Recuperar a história de Amy é um desafio por seu conteúdo traumático, sempre 
escapa/falta alguma coisa que parece um enigma, há também silenciamentos que 
interditam circunscrevê-la, haja vista que as equipes relatam de quê ela teria um 
histórico de abuso sexual impetrado pelo pai e em um momento de crise o homicídio 
aconteceu, apesar da família negar tais informações. O que se opera nessa questão é a 
suposição de sentido no ato de Amy como sujeito, sendo um caminho para construção 
do cuidado em liberdade pela atribuição de legitimidade dessa passagem ao ato e 
consequentemente construir condições de rompimento com a operação manicomial que 
realiza o silenciamento do sujeito da experiência sob o argumento da 
loucura/periculosidade. 
Há relatos da equipe e da família que Amy vivia sem tratamento adequado, com 
algumas internações breves no Hospital João Machado, mas que no momento do 
homicídio ela estava “aparentemente” bem, apesar de não estar fazendo uso da 
medicação regularmente (segundo a família). Inclusive, isso sustenta as resistências da 
família de um possível retorno para casa: não saber identificar a precipitação de uma 
crise e que inesperadamente algo novo aconteça ou a história se repita. Isso faz parte do 
trabalho de desinstitucionalização, aproximar a família para aprender com Amy o que a 
move na direção de uma crise, como tentativa de também destituir o dispositivo do 
medo. 
60 
 
 
Na minha primeira escuta coletiva da família, realizada no CAPS II oeste, foi 
possível identificar o medo da possibilidade de Amy retornar para casa, apesar disso 
nunca ter sido comentado pela equipe. Na oportunidade, levantamos estratégias para 
reconstruir os vínculos familiares, que seriam visitas sem revista policial (era uma 
queixa da família) e a possibilidade da visita ocorrer fora da cela e até mesmo de se 
realizar caminhadas pelos arredores da penitenciária, isso tudo com autorização da 
direção. Entretanto, a família e a própria equipe temiam o encontro com Amy sem as 
grades, tanto devido a história do homicídio, quanto pelo tempo em privação de 
liberdade e os sintomas psicóticos presentes. 
Esse encontro era uma grande aposta para iniciar a desmobilização do 
dispositivo do medo, seria a primeira oportunidade de um contato, na qual poderia se 
apresentar a equipe e a família sem interdições. O termo aposta é importante porque não 
existiam garantias, a equipe e a família tinham ainda a expectativa atravessada pelo 
sentimento do medo, entretanto, apesar da brevidade do encontro os presentes 
testemunharam o oposto do que se imaginava, encontraram Amy carente de afeto e 
abraços. 
As discussões avançaram e surgiu como proposta a possibilidade de Amy sair da 
penitenciária para o Hospital Geral Dr. João Machado, que apesar de não ser o lugar 
“ideal” na proposta do cuidado em liberdade, teria garantido o tratamento e as visitas 
abertas da família, e assim poderíamos dar continuidade ao trabalho de 
desinstitucionalização, iniciado desde a discursivização da história de Amy em equipe e 
em rede, e pela colocação do problema de sua violação de direito como um trabalho 
coletivo a ser resolvido pelas políticas públicas. Nesse gesto, começa o trabalho da 
desinstitucionalização, que diz respeito aos movimentos para retirar o sujeito não apenas 
do confinamento, mas do silenciamento institucional. 
61 
 
 
Entretanto, a chegada de Amy causou desconforto à equipe assistencial da 
enfermaria feminina devido ao histórico criminal e também a um episódio de agressão a 
uma técnica de enfermagem quando lá esteve internada há alguns anos. Então, a atitude 
da equipe foi solicitar ao Núcleo Interno de Regulação do hospital a transferência para o 
Hospital Severino Lopes. Relembro que essa situação gerou um primeiro embate entre 
mim e a equipe, no qual recorri ao ofício judicial que determinava a internação no João 
Machado para argumentar sobre a obrigação legal do acolhimento no hospital. 
O alvoroço provocado pela chegada de Amy fez com que a equipe se reunisse 
para discutir sobre o manejo do caso. Isso produziu sons e ruídos abrindo frestas ao 
fenômenodo silenciamento institucional, trouxe a história de Amy para o trabalho entre 
muitos, fazendo a equipe problematizar a complexidade do caso como um problema do 
coletivo que envolveria diferentes dispositivos e outras políticas públicas. A ideia de 
periculosidade atribuída a usuária causou muita resistência, a equipe questionava a 
obrigação legal da internação e como seria perigosa a sua permanência. Relembro que 
inclusive uma técnica de enfermagem pontuou: “ela já tá lá pedindo as coisas pra todo 
mundo”, respondi com o seguinte questionamento: não seria essa uma reação esperada 
de uma pessoa que viveu tanto tempo privada das coisas?. É característico da lógica 
manicomial descontextualizar os atos dos ditos loucos, como se fossem imotivados, 
desconectados da realidade, despropositados. O delírio é sempre tomado como 
justificativa e signo dessa desconexão, o qual Neto (2009) aponta que o saber/poder 
médico provoca no louco a perda da condição de sujeito, privando-o de sua capacidade 
de distinguir entre o falso e o verdadeiro, a fantasia e a realidade. 
Na verdade, o delírio é apenas um modo particular de se conectar e não uma 
desconexão, da mesma forma que os gestos e atos de um sujeito, mesmo no limite as 
passagens ao ato. Então, começar a discursivizar possíveis conexões entre o que Amy 
62 
 
 
faz e a história que ela teve, os lugares que ela vivenciou é um modo de ir tecendo esta 
conexão, de ir retirando-a do silenciamento institucional operado pela objetificação da 
sua existência no registro da loucura e da doença. 
Apesar de a discussão avançar no sentido de tornar nítida a necessidade do 
hospital acolher a usuária, por pressão da equipe a direção geral solicitou escolta 
policial dentro do hospital para vigiá-la. Inicialmente, discordei completamente dessa 
estratégia, mas surpreendentemente a equipe policial ensinou mais sobre cuidado em 
saúde mental do que a própria equipe assistencial, pois provaram em ato a importância 
da escuta e do vínculo para superar qualquer preconceito. Chegar à enfermaria feminina 
e ver uma equipe policial me causava aversão, comecei a resistir às visitas ao setor 
porque o meu pensamento é que havia perdido uma disputa importante na luta contra o 
manicômio. Entretanto, como forma de escapar do ambiente institucional começamos a 
sair com Amy para caminhar no Parque das Dunas, ainda acompanhado dos policiais, 
que a cada gesto em direção a Amy provavam aquilo que sustentamos no campo da 
atenção psicossocial como paradigma de cuidado, mais do que os saberes técnicos que 
essencializam as condições de saúde mental antes de entrar em contato com as 
experiências singulares dos sujeitos. 
Primeiramente, a equipe policial se recusou a ficar dentro da enfermaria para não 
causar desconforto, apesar de ser uma demanda da equipe de saúde mental, bem como 
demonstrou afeto no modo de se dirigir a Amy pelo vínculo construído durante o tempo 
em que ela ficou institucionalizada na penitenciária. Apesar disso, recorrentemente uma 
representante da equipe de enfermagem colocava nos grupos de whatsapp do hospital 
que Amy estava delirante (mas não dizia o conteúdo do delírio), como forma de dizer 
que isso ameaçava a segurança da equipe e que os policiais precisavam acompanhá-la 
63 
 
 
diuturnamente, ao que então, em uma oportunidade, respondi: “mas quem maneja o 
delírio é a equipe de saúde mental”. 
A partir desses tensionamentos, na construção do caso foi decidido pela equipe a 
necessidade dos serviços CAPS, CREAS, Atenção Básica acompanharem Amy com o 
objetivo de formar vínculo com os dispositivos territoriais e avançarmos com a proposta 
do cuidado em liberdade. Em umas dessas visitas, a equipe escuta pela primeira vez 
Amy falar que matou o pai e que esse era o motivo que a impedia de sair de alta. A 
equipe destaca a importância desse momento e da fala de Amy que não foi à toa: “ponto 
entre o desejo dela sair do Hospital e o motivo pelo qual ela não sai, é importante ‘dar 
ouvido’ ao que ela está trazendo” fala de um profissional discutindo o caso). 
Nesse momento a equipe entende que Amy encontra-se em um estágio 
(almejando a alta) e a família dela em outro, sendo importante um trabalho a ser 
realizado com ela sobre o seu lugar na família. Aqui há uma suposição de desejo em 
Amy, a equipe consegue escutá-la para além da atribuição da loucura, de tantas vezes 
que a equipe se perguntou sobre as motivações de Amy, ela própria consegue enunciar 
algo de suas motivações, pois um lugar de sujeito nasce primeiro no discurso do Outro. 
A equipe do CREAS aponta na construção do caso que a família ainda acha que 
ela só está bem porque está internada e com acompanhamento profissional 
especializado vinte e quatro horas do dia, mas se for para casa desinternada não terá o 
mesmo tipo de acompanhamento e então o seu quadro de saúde não vai ser o mesmo. A 
família diz que não vai abandoná-la, mas que não tem condições de ficar com ela. Eles 
não conseguem entender a condição de Amy, de seu quadro, de sua evolução, ainda está 
presa aos fatos anteriores sem conseguir se deslocar disso (registro de ata de reunião). 
64 
 
 
Recordo de uma cena no território em que a filha não conseguia escutar as 
histórias desconexas da mãe, questionei: o que você acha do que a sua mãe fala? A 
filha chorou. Como se o discurso da mãe operasse para ela apenas como um signo da 
doença e periculosidade. Pensei em como é para os familiares escutar um discurso sem 
poder supor que algo dele é compartilhado no código vigente. Nesta perspectiva, houve 
um trabalho no sentido de poder se construir um outro jeito de escutar a mãe, em um 
movimento de suportar o que não tem lugar no código. Expliquei que aquele jeito 
estranho de falar era um modo diferente dela ser/estar no mundo. 
Em visita domiciliar realizada pelo CREAS e Atenção Básica foi constatado 
mais uma vez que alguns familiares ainda não aceitam muito a aproximação com Amy e 
diz: “vocês estão procurando problema”. Assim, as equipes chamam atenção para a 
rapidez que esse processo com a família de Amy está ocorrendo e que esse modo pode 
estar assustando e se dando de uma maneira forçada. Relata que querer resolver logo 
não é o caminho e que o medo da família de Amy não é desconstruído da noite para o 
dia. 
Apesar dos avanços nos processos de desinstitucionalização, a marca da 
periculosidade ainda permanece e recorrentemente o delírio surge como signo de 
periculosidade para justificar a tutela e anular as possibilidades de vida e cuidado para 
além dos muros das instituições. A partir da escuta a Amy, percebemos o quanto ela 
manifestava o desejo em ir a praia, até que organizamos essa atividade externa em 
parceria com sua família e os usuários/profissionais do CAPS oeste, serviço de 
referência caso Amy retorne para o território onde vive sua família. Nesta atividade, 
Amy pôde circular livremente pela praia, interagir com os familiares em um ambiente 
não institucional, comer ginga com tapioca, tomar água de coco e negociar com cada 
vendedor ambulante que passava por perto. 
65 
 
 
As ofertas dos objetos eram diversas, tudo chamava a atenção de Amy ao ponto 
dos vendedores já priorizarem o atendimento, iam direto para ela, pois apesar de não 
comprar tudo que ofereciam, ela queria ver, pegar, perguntar o preço. Recordo que ela 
comprou uma ginga com tapioca em que a filha pagou, comeu e depois o vendedor 
voltou para oferecer novamente, ela respondeu: “tá muito ruinzinha essa sua ginguinha 
com tapioquinha”, todos caíram na gargalhada. Em outro momento senti a emoção de 
uma cena em que o vendedor ambulante ofereceu panos de prato, a família não tinha 
mais dinheiro para comprar, ela olhou para mim e disse: compra, Jonas. Respondi: o 
que você vai fazer com esses panos? Ela respondeu: são para quando eu for morar com 
minha filha”, respondi: prometo te presentear com panos de prato quando vocêsair do 
hospital e estamos lutando por isso, infelizmente, agora a gente não tem nem onde 
guardá-los. 
Entretanto, no retorno sou interpelado pela equipe questionando como eu tive 
coragem de levá-la para fora do hospital, tendo em vista que a mesma estava com 
delírios “pornofônicos”, falando em sexo e que poderia me atacar. Isso me causou muita 
revolta, pois testemunhei a potência de uma experiência em que Amy pôde se apresentar 
como sujeito da sua história, com seu carisma destituir o dispositivo do medo que o 
outro sempre a atribui. Nesse momento me senti também delirante, questionei se 
somente eu conseguia perceber e dizer de uma realidade sobre Amy totalmente oposta 
ao registro da periculosidade. Apostar na desinstitucionalização é também criar um 
delírio em meio ao cotidiano normatizado e delirante pela exclusão dos vistos como 
anormais. 
O sentimento de estar delirando surgia por não encontrar na instituição uma 
forma de compartilhamento da versão que eu construía e escutava da usuária no 
trabalho da desinstitucionalização. Neste sentido, fazia parte do trabalho “delirar” 
66 
 
 
também um lugar fora da instituição para o sujeito, sustentando um discurso contra-
hegemônico. Ser “secretário do alienado” para retomar a indicação lacaniana, “tomando 
ao pé da letra” a narrativa possível de cada usuário era, de algum modo, um ato 
delirante considerando a teia dos discursos de “verdade” hegemônicos no hospital. 
A possibilidade da oferta da escuta na transferência no caso de Amy a levava a 
me questionar sobre dois filhos que geramos por nomes Davi e Diego, esta é sempre a 
primeira pergunta quando nos encontramos, e segue: eles estão bem? Você tá cuidando 
deles? Na primeira vez que ela disse isso, lembro que havia passado um tempo de férias 
e ela me encontrou na recepção da hospital e disse: Oi, Jonas. Depois vá visitar nossos 
filhos, faz tempo que você não aparece. Na hora entendi como um convite à escuta, já 
que estava afastado do trabalho. Ao passar do tempo esse passou a ser o tema inicial das 
nossas conversas, algumas vezes respondia que eles estavam bem, certa vez perguntei 
como foi que eles nasceram, segundo ela fizemos amor em um motel depois de um 
passeio no meu carro, com o tempo passei a trivializar. 
Aleatoriamente em uma conversa com a família de Amy, na qual eles me 
questionavam sobre as conversas “sem sentido” que ela trazia, eu disse: para vocês 
verem ela diz que nós temos dois filhos, Davi e Diego”. Foi quando eles afirmaram 
serem esses os nomes de dois sobrinhos dela, demonstrando algum sentido no que dizia, 
no mínimo, de saudades dos sobrinhos. Isso sensibilizou outros membros da família a 
visitá-la, sendo um importante avanço no trabalho de reconstrução dos vínculos, tendo 
em vista que o histórico do homicídio e o tempo em privação de liberdade ocasionou 
um afastamento afetivo da família, ao ponto de somente a filha e uma irmã visitá-la no 
hospital. Isso aponta que o delírio construído por Amy na nossa relação transferencial 
serviu de guia para o trabalho de desinstititucionalização e reaproximação com a família 
que estamos produzindo juntos. 
67 
 
 
Em que pese os avanços no cuidado a Amy, a mesma submeteu-se a um exame 
de cessação de periculosidade, importante instrumento que possibilitaria pelas vias 
legais a sua desistitucionalização, mas a justiça decidiu mantê-la em cumprimento de 
medida de segurança por mais dois anos sem escutar a equipe assistencial. Decidimos 
enviar um relatório multiprofissional e multisetorial para a justiça contestando essa 
decisão e sugerindo que Amy cumpra a medida em uma residência terapêutica. 
A construção desse relatório iniciou no Hospital Geral Dr. João Machado e foi 
circulando pelos diferentes serviços de saúde e assistência social implicados com o 
caso. Nesse relatório as equipes colocaram as experiências de atendimentos individuais, 
atendimentos a família e as atividades externas a instituição que visam a promoção da 
saúde e da cidadania, que inclusive estão descritas nesse texto, as quais dizem sobre o 
trabalho de reconexão da existência de Amy com o tecido social. Esse compromisso 
coletivo de retirar Amy do silenciamento e escutar sobre sua forma própria de estar no 
mundo ganhou legitimidade e recentemente o juiz decidiu, depois da leitura do relatório, 
antecipar o exame de cessação da periculosidade que aconteceria somente daqui a dois 
anos. Isso mostra a potência do trabalho entre muitos como um caminho possível para 
destituir os modos de silenciar o discurso da loucura e a ideia de periculosidade que 
historicamente sustenta as práticas de isolamento e discriminação. O exame de cessação 
da periculosidade já foi realizado e até a presente data de escrita ainda não recebemos o 
resultado. 
Em diversos momentos do trabalho, era difícil sustentar as ações fora do 
hospital. No entanto, esses momentos foram se mostrando cruciais para a continuidade 
do trabalho. Algo da ordem da escuta em ato no território acontecia, que ganhava leitura 
a posteriori e ia mostrando a direção a ser perseguida no trabalho. 
68 
 
 
 
Muitas vezes, nosso trabalho era apresentar e defender uma outra versão acerca 
de Amy: a de que ela não era perigosa, ou não era apenas isso. Repetidas vezes, nossa 
posição diante da equipe era a de inventar diferentes formas de mostrar e afirmar essa 
outra versão possível. Até que, em determinado momento, foi Amy que encontrou as 
condições de se mostrar para a equipe desse modo. Isso se mostrou tanto nas saídas 
realizadas e nos relatos que foram feitos dessas experiências, quanto na forma como ela 
foi se colocando dentro da própria enfermaria, participando de processos coletivos e 
outras atividades de forma colaborativa. É bem verdade que inclusive nós que 
apostamos na possibilidade da desinstitucionalização para Amy temos certo receio de 
que ela se apresentasse perigosa. Entretanto, seguimos sustentando essas apostas e 
continuamos sendo surpreendidos por elas. 
 
 
 
 
69 
 
 
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A escuta do delírio, no que consta em sua bizarrice para um mundo ainda 
transferenciado pela razão, é um desafio, e a construção do caso, tal qual aqui 
apresentada, faz-se como um dispositivo de resistência frente aos manicômios 
institucionais vigentes. 
No trabalho da desinstitucionalização, em suas itinerâncias que se conjugam 
com a escuta flanerie desta pesquisa, tratou-se de de-lirar ousando andar pelos 
caminhos indicados por aquilo que estava fora dos sulcos, fora dos caminhos retos da 
razão manicomial. 
Nesse sentido, a aposta de trabalho com delírio não foi de confrontá-lo, 
buscando certa adaptação do sujeito ao discurso compartilhado, mas de levar em conta 
sua força reconstrutiva na estabilização psicótica, bem como a capacidade de formar 
laço social e tecer caminhos que apontem saídas da clausura. 
A perspectiva que orientou essa pesquisa foi de escutar o delírio para delirar um 
lugar no mundo junto com os sujeitos. De realizar uma travessia do instituído 
manicomial para a invenção de caminhos de existência no código compartilhado, 
considerando o singular de cada caso em um trabalho “entre muitos”. Conjugou-se as 
dimensões clínica e política, apostando na construção coletiva do cuidado em saúde 
mental que incluísse o louco e seu lugar de anunciação. 
Em que pese não seguirmos a forma convencional de construção do caso clínico 
proposto por Viganó e outros teóricos, foi possível a invenção de um dispositivo ético-
político que se capilarizou através de reuniões não estruturadas na enfermaria, 
corredores, internet e no próprio território, o qual operasse um mais além com o delírio. 
70 
 
 
Contudo, a experiência de trabalho coletivo tem apresentando para a equipe do 
hospital a necessidade de construção de espaços formais de discussão e escrita dos 
casos, seguindo uma estrutura que possa oficializar as ações de desinstitucionalização,as quais são historicamente desenvolvidas com vistas à promoção da saúde e da 
cidadania. Inclusive, colocou-se em reunião que seria importante passarmos do 
“Projeto Terapêutico Imaginário ( PTI)” para o Projeto Terapêutico Singular (PTS), ou 
seja, trazer para o simbólico da escrita aquilo que produzimos no cotidiano institucional, 
apesar dos desafios de superar a insistente lógica de cuidado manicomial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
71 
 
 
REFERÊNCIAS 
Alverga, A. R. & Dimenstein, M. (2006). A reforma psiquiátrica e os desafios de 
desinstitucionalização da loucura. Interface - Comunic, Saúde, Educ, 10, 20, 299-
316. 
Amarante, P. (1995). Novos sujeitos, novos direitos: o debate em torno da reforma 
psiquiátrica. Cadernos de Saúde Pública, 11,3, 491-494. 
 Borsoi, P. (2011). A política do sintoma na clínica da saúde mental : aplicações para o 
semblante-analista. Opção lacaniana online, 5, 1–6. 
Bursztyn, D. C., & Figueiredo, A.C. (2012). O tratamento do sintoma e a construção do 
caso na prática coletiva em Saúde Mental. Tempo psicanalítico, 44, 131-145. 
Braga, C.P. (2019). A perspectiva da desinstitucionalização: chaves de leitura para 
compreensão de uma política de saúde mental alinhada à reforma psiquiátrica. 
Saúde Soc., São Paulo, 28, 4, 198-213. doi: 0.1590/S0104-12902019190125. 
Briggs, R., & Rinaldi, D. (2014). O sujeito psicótico e a função do delírio. Revista 
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 17,3416–430. doi: 
10.1590/1415-4714.2014v17n3p416-3. 
Broide, J. (2014). A construção de dispositivos clínicos. Correio APPOA. 
Castro, J. E. (2020). O desejo do psicanalista como operador ético da psicanálise. 
Fractal: Revista de Psicologia, 32, 1, 12–20. doi: 10.22409/1984-0292/v32i1/5628. 
Costa, A.C. (2009). Psicanálise e saúde mental: a análise do sujeito psicótico na 
instituição psiquiátrica. São Luis/MA: EDUFMA. 1-146. 
Derrida, Jacques. Papel-máquina. Tradução de Evandro Nascimento. São Paulo: 
Estação Liberdade, 2004 
Dallazen, L. (2012). Sobre a ética em pesquisa na psicanálise. Psico, 43, 1, 47–54. 
Deleuze, G. (1969). Logique dusens. Paris, France: Minuit. 
Derrida, J. (2004). Papel-máquina. São Paulo: Estação Liberdade. 
Desviat, M. (2015). A reforma psiquiátrica. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz. 
Dias, D.A.S. & Neto, O.F. (2016) A construção de um caso clínico: pontuações 
freudianas sobre o tema e algumas de suas implicações. Tempo Psicanalítico,48, 1, 
29-44. 
Durães, F. & Mori, L.K. ( 2018). A construção do caso clínico: o real como vetor da 
experiência. Pretextos - Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, 3, 6, 
1-18. 
https://appoa.org.br/correio/busca/q=jorge%20broide
72 
 
 
Figueiredo, A. C. (2004). A construção do caso clínico: uma contribuição da psicanálise 
à psicopatologia e à saúde mental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia 
Fundamental, 7, 1 75–86. doi: 10.1590/1415-47142004001006. 
Fonteles, C. S. L., Coutinho, D. M. B., & Hoffmann, C. (2018).A pesquisa psicanalítica 
e suas relações com a universidade. Agora (Brazil), 21, 1, 138–148. doi: 
10.1590/1809-44142018001013. 
Foucault, M.(2012). História da loucura na Idade Clássica.São Paulo: Editora 
Perspectiva (Texto originalmente publicado 1961- 1972) 
Foucault, M. (2009). Le courage de lavérité :legouvernement de soi et desautres 2, 
1983-1984. Paris, France: Gallimard. 
Freud, S. (2018). Moisés e o monoteísmo, compêndio de psicanálise e outros textos 
(1ª ed., Paulo César de Souza, Trad.) São Paulo: Companhia das letras. (Texto 
originalmente publicado em 1937-1939). 
Freud, S. (2010). Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em 
autobiografia: (o caso Shereber), artigos sobre a técnica e outros textos (1ª ed., 
Paulo César de Souza, Trad.) São Paulo: Companhia das letras. (Texto 
originalmente publicado em 1911-1913). 
Freud, S. (2014) Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos (1ª 
ed., Paulo César de Souza, Trad.) São Paulo: Companhia das letras (Texto 
originalmente publicado em 1926-1929). 
Freud, S. (2011). Neurose e psicose. (1ª ed., Paulo César de Souza, Trad.) São Paulo: 
Companhia das letras (Texto originalmente publicado em 1924). 
Freud, S. (2010). Recomendações ao médico que pratica a psicanálise (1ª ed., Paulo 
César de Souza, Trad.) São Paulo: Companhia das letras (Texto originalmente 
publicado em 1912). 
Freud, S. (1996). Construções em análise. (J. Strachey, Ed. &Trad.)Imago.(Texto 
originalmente publicado em 1937) 
Gurski, R. (2019). A escuta-flâneriecomo efeito ético-metodológico do encontro entre 
Psicanálise e socioeducação. Tempo Psicanalítico, 51, 2, 166-194. 
Gurski, R. (2008). Juventude e paixão pelo real: problematizações sobre experiência e 
transmissão no laço social atual (Tese doutorado). Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 
Lacan, J. (1985) O seminário, livro 3: as psicoses ( 2 ª ed., A. Menezes, trad.). Rio de 
Janeiro: Zahar. (Texto originalmente publicado em 1955-1956). 
Laia, S. & Aguiar, A. (2017). Enigma, objetivação e diluição da loucura. In: Teixeira, 
A. & Caldas, H. Psicopatologia lacaniana I: semiologia ( pp. 13-34). Belo 
Horizonte: Autêntica. 
73 
 
 
LAURENT, É. (1999) O analista cidadão. Revista Curinga, 1, 13, 07-13. 
Macedo M. K. & Dockhorn, C. N. F.(2015). Psicanálise, pesquisa e universidade: labor 
da especificidade e do rigor. Perspectivas em Psicología: Revista de Psicología y 
Ciencias Afines,12, 2, 82-90. 
Magtaz, A. C., & Berlinck, M. T. (2012). O caso clínico como fundamento da pesquisa 
em psicopatologia fundamental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia 
Fundamental, 15,1, 71-81. doi:10.1590/S1415-47142012000100006 
Maleval, J. C. (1998). Lógica Del delírio. Traducción de Daniel Alcoba. Espanha: 
Ediciones Del Serbal. 
Maffili, R., Neto, F.K. & Calazans, R. (2014). A psicose e as construções delirantes no 
contexto institucional. Clínica & Cultura, 3, 2, 122-134. 
Márquez, G.G (1992). Só vim telefonar. In: Doze contos peregrinos. Rio de Janeiro: 
Record. 
Martins, L.P.L. (2016). A verdade entre o mesmo e o outro: a modernidade e a 
psicanálise em Foucault. Psicologia USP, 27, 1, 70-77. Doi: 
http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420140025. 
Miller, J.A. (1995). A invenção do delírio. Opção Lacaniana Online, 1-25. 
Miller, J.A. (1999). A psicose no texto de Lacan. Curinga, Belo Horizonte, 13, 92-101. 
Monteiro, C.P. & Queiroz, E.F. (2006). A clínica psicanalítica das psicoses em 
instituições de saúde mental. Psic. Clin.,18, 1, 109 – 121. 
Nasio, J. -D. (2001). Os grandes casos de psicose. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 
Neto, A. N. (2016). O estigma da loucura e a perda da autonomia. Revista Bioética, 6, 1, 
1-5. 
Neto, M. & Dimenstein, M. (2016). Experiência de Acompanhamento Terapêutico: do 
hospital à cidade. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 11, 2, 489-498. 
Nogueira, L.C. (2004). A pesquisa em psicanálise. Psicologia USP, 15, 1/2, 83-106. 
Palombini, A.L. (2006). Acompanhamento terapêutico: dispositivo clínico-político. 
Psychê, 18, 115-127. 
Paiva, L. E. M., Oliveira, M. E. C.,Campos, Y.M. & Filgueiras, K.F. (2021). 
Desinstitucionalização de saberes e práticas: histórias e avanços da reforma 
psiquiátrica. Pretextos - Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, 6, 
12, 177-192. 
Pelbart, P. P. (1989). a lausura do fora ao fora da lausura ou ura e desraz o. 
São Paulo: Editora Brasiliense. 
74 
 
 
Pelbart, P. P. (1991) Manicômio mental: a outra face da clausura. In: Lancetti, Antônio. 
Saúde Loucura. São Paulo: Ed. Hucitec, 129-138. 
Pires, L.P & Gurski, R. (2020) A construção da escuta-flânerie: uma pesquisa 
psicanalítica com socioeducadores. Psicologia USP, 31, 1-10. doi: 10.1590/0103-
6564e180128. 
Pitta, A. M. F. (2011). Um balanço da Reforma Psiquiátrica Brasileira: Instituições, 
Atores e Políticas. Ciência & Saúde Coletiva, 16, 12, 4579-4589. 
Ribas, C.M.F. (2014) A experiênciada loucura nas formas antiga e moderna da 
tragédia. O que no faz pensar, 34, 73-95. 
Rotelli, F. (2001). A instituição inventada. In: Nicácio, F. (Org.). Desinstitucionalização 
(pp. 89-10). São Paulo: Hucitec. 
Sampaio, M.L. & Bispo Júnior, J. P. (2021). Entre o enclausuramento e a 
desinstitucionalização: a trajetória da saúde mental no Brasil. Trabalho, Educação e 
Saúde, 19, 1-19. doi: 10.1590/1981-7746-sol00313. 
Santos, L. S., Klein, C., Marsillac, A. L. M., & Kuhnen, A. (2019). Laços com a 
loucura: a cidade como espaço de promoção de saúde mental. Barbarói, 1, 53, 208-
226. https://doi.org/10.17058/barbaroi.v1i53.11828. 
Souza, L.R.S. & Passos, V.O.A. (2018). Literatura de cordel: um recurso pedagógico. 
Revista Científica da FASETE, 75-90. 
Silva, C. M. & Macedo, M. M. K. (2016). O Método Psicanalítico de Pesquisa e a 
Potencialidade dos Fatos Clínicos. Psicologia: Ciência e Profissão, 36, 3, 520-533. 
doi: 10.1590/1982-3703001012014. 
Simoni, A.C. & Moschen, S. (2020). Histórias, visibilidades e princípios operadores da 
desinstitucionalização da saúde mental: narrativas do possível. Saúde Soc. 29, 3. 
doi: 10.1590/S0104-12902020190021. 
Simoni, A. C. R. (2012). Da hospitalidade as psicoses: um discurso em interrogação. 
Tese de doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação: UFGRS. 1-163. 
Tenório, F. (2002). A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: 
história e conceito. História, Ciências, Saúde- Manguinhos, 9,1, 25-59. 
Val, A. C., & Lima, M. A. C. (2014). A construção do caso clínico como forma de 
Pesquisa em Psicanálise. Agora (Brazil), 17(1), 99–115. 
https://doi.org/10.1590/S1516-14982014000100007. 
Viganò, C. (1999). A construção do caso clínico em saúde mental. Psicanálise e Saúde 
Mental Revista Curinga, Belo Horizonte, 13, 50-59. 
Viganò, C. (2010). A construção do caso clínico. Opção Lacaniana online, 1, 1, 1-9. 
75 
 
 
Veras, M.(2007) Saúde Mental: uma clínica sem privilégios. Revista Eletrônica 
Clinicaps, 3, 1-6.

Mais conteúdos dessa disciplina