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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO FRANCISCO GEOVANI DOS SANTOS FORMAÇÃO ÉTICA DO ADMINISTRADOR: UMA ANÁLISE DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UFRN (CAMPUS CENTRAL) NATAL 2014 1 FRANCISCO GEOVANI DOS SANTOS FORMAÇÃO ÉTICA DO ADMINISTRADOR: UMA ANÁLISE DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UFRN (CAMPUS CENTRAL) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do curso de graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Administração. Orientadora: Professora Ana Patrícia Rodrigues Leite, Dra. NATAL 2014 2 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Santos, Francisco Geovani dos. Formação ética do administrador: uma análise do curso de administração da UFRN (Campus central) / Francisco Geovani dos Santos. – Natal, RN, 2014. 121f. Orientadora: Profª. Drª. Ana Patrícia Rodrigues Leite. Monografia (Graduação em Administração) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Ciências Administrativas. 1. Administração – Monografia. 2. Formação ética - Administrador – Monografia. 3. Ética – Monografia. I. Leite, Ana Patrícia Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 658:174 3 FRANCISCO GEOVANI DOS SANTOS FORMAÇÃO ÉTICA DO ADMINISTRADOR: UMA ANÁLISE DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UFRN (CAMPUS CENTRAL) Monografia apresentada e aprovada em / / .pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Ana Patrícia Rodrigues Leite Orientadora – UFRN Matilde Medeiros de Araújo Examinadora – UFRN Sônia Regina de Macêdo Ribeiro Examinadora – UFRN 4 Dedico este trabalho a todos e todas que se colocam a serviço da Vida, nas suas mais diversas formas e expressões. Em especial aos meus amados pais, João e Izabel, que me ensinaram a amar a vida e a trabalhar incansavelmente por ela. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, por acreditar na humanidade. A toda a minha família: meus pais João e Izabel, meus irmãos João Paulo e Leandro, meus inúmeros tios e tias, primos e primas, e às minhas avós, por todo o carinho, amor e cuidado que recebi de todos/as ao longo da vida. E pelos valores que com vocês aprendi e que hoje constituem a base do meu caráter. Agradeço também à minha segunda família, meus verdadeiros amigos e amigas, com quem partilho a vida, tornando-a mais feliz e mais plena. Em especial aos meus queridos companheiros/as de Pastoral da Juventude, que me ensinaram a sonhar, acreditar e buscar o “outro mundo possível”. À minha orientadora, Professora Ana Patrícia Rodrigues Leite, pela sua atenção, disponibilidade, paciência e compreensão durante toda a orientação deste trabalho. Sem o seu olhar competente, ético e experiente, este trabalho não se tornaria realidade. Muito Obrigado pela parceria e pelo riquíssimo aprendizado! À minha colega, amiga e companheira inseparável de curso, Aline Cruz, que vivenciou comigo todas as etapas de construção deste trabalho, partilhando dificuldades e aprendizados, e me incentivando a prosseguir. Juntos, o impossível se tornou possível. Aos meus demais colegas de curso, que ao longo da graduação trabalharam comigo, contribuindo com o meu crescimento, pessoal, acadêmico e profissional. Em especial à Emília Casanova, Laísse Ferreira e Rayra Amorim, com quem os laços de amizade extrapolaram os limites da universidade e se estenderam à vida. Agradeço ainda a todos os professores e professoras que, ao longo do curso, assumiram uma postura diferenciada de compromisso com a formação dos alunos, servindo de exemplos para mim e para todos os meus colegas. Em especial à Professora Maria Arlete Duarte de Araújo, pela sua imensa e exemplar sabedoria; ao Professor João Paulo Damásio Sales, pela sua preocupação e valorização para com o aluno, priorizando a sua participação na construção do conhecimento; e, ao Professor Josué Vitor de Medeiros Junior, pelo modo especial com que se relaciona com os alunos, respeitando e reconhecendo-os em suas necessidades e potencialidades. 6 “A grandeza do homem começa na maneira como ele encara a si mesmo. A grandeza do homem mede-se pelas interrogações que ele se faz a si mesmo e pela honestidade com que vive procurando ser coerente com as respostas que vai encontrando”. (Hilário Dick) 7 RESUMO Desde as primeiras civilizações humanas, se estabelecem regras ou valores socioculturais mútuos, no intuito de sustentar as relações sociais no que viria a se chamar de moral social ou moral dos bons costumes. A ética surge então como ciência destinada ao estudo da moral e de sua aplicação ao comportamento social. É de se esperar que todos os cidadãos se comportem de maneira ética, respeitando e prezando por atitudes morais que visem o bem-estar social. No caso do profissional Administrador essa exigência é ainda maior, tendo em vista a complexidade e o impacto social desta atividade. Por isso, proliferam-se as discussões sobre a formação ética de administradores, como uma questão fundamentalmente importante. Neste sentido, esta pesquisa se propõe a investigar qual o impacto do curso de Graduação em Administração da UFRN na formação ética dos Administradores graduados na Instituição. Os objetivos específicos estão voltados para delinear a conduta proposta e esperada para um Administrador ético, a partir da análise do Código de Ética dos Profissionais de Administração (CEPA); compreender quais e como os elementos/instrumentos de formação ética são utilizados no decorrer do curso; conhecer a visão dos discentes concluintes do curso em relação à formação ética do administrador abordada no decorrer do curso; identificar o perfil dos pesquisados; e, diagnosticar as possíveis deficiências na formação ética do Administrador, a partir da análise do Curso de Administração da UFRN e da visão dos pesquisados. Metodologicamente, a pesquisa caracterizou-se, quanto aos fins, como exploratória e descritiva; e quanto aos meios, como bibliográfia e de campo, obtendo os dados através de publicações e por meio de questionário aplicado em campo. Os resultados mostram que a estrutura curricular do curso, bem como os instrumentos de estudo e a metodologia utilizada, são deficitários em trabalhar a formação ética dos alunos. Além disso, constatou-se também que o estímulo à ética, por parte dos professores, ainda ocorre pouco. Verifica-se que o curso de Administração da UFRN (campus central) tem exercido um impacto pequeno, muito aquém do devido e do esperado, na formação ética dos alunos graduados na referia instituição. Palavras-chave: Ética, Administração, Formação Ética de Administradores. 8 ABSTRACT Since the first human civilizations are established rules or mutual socio-cultural values in order to sustain social relationships in what would be called social or moral morale morality. Ethics arises then asscience intended for study of morality and its application to social behavior. It is expected that all citizens behave in an ethical manner, respecting and valuing for moral attitudes aimed at social welfare. In the case of professional Administrator this requirement is even greater, given the complexity and the social impact of this activity. So proliferate up discussions on the ethical training of administrators, as a fundamentally important issue. In this sense, this research proposes to investigate what impact the Undergraduate course UFRN Directors on ethics training for senior administrators at the institution. The specific objectives are aimed to outline the proposal and expected conduct for ethical Administrator, from the analysis of the Code of Ethics of Professional Administration (CEPA); understand what and how elements/tools of ethics training are used throughout the course; meet the vision of the graduating students of the course in relation to ethics training administrator addressed throughout the course; identify the profile of the respondents; and diagnose the possible shortcomings in the ethical training of the Administrator, based on the analysis of the Course Directors UFRN and vision of those surveyed. Methodologically, the study is based on, as to the purposes, as exploratory and descriptive; and as to the means, such as bibliography and field, getting the data through publications and through a questionnaire applied in the field. The results show that the curriculum of the course as well as the survey instruments and methodology are deficient in work the ethical education of students. Moreover, it was also found that promoting ethics on the part of teachers still occurs shortly. However, it appears that the course of administration of UFRN (central campus) has had little impact, far short of the expected due and in ethical training of graduate students there. Key words: Ethics, Business, Ethics Training Administrators. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Deveres gerais do administrador ético................................................................ 43 Figura 2 - Aspectos fundamentais do CEPA para a conduta ética do administrador........... 48 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Sexo da amostra................................................................................................ 54 Gráfico 2 – Faixa etária da amostra..................................................................................... 55 Gráfico 3 – Exercício de atividade remunerada pela amostra.............................................. 55 Gráfico 4 – Categoria de ocupação profissional da amostra................................................ 56 Gráfico 5 – Percentual de integralização do curso............................................................... 57 Gráfico 6 – Ocorrência de discussão sobre ética ao longo do curso (global) ..................... 58 Gráfico 7 – Discussão sobre ética nas disciplinas do curso (por área)................................ 59 Gráfico 8 – Ocorrência de estímulo à reflexão ética através dos conteúdos........................ 61 Gráfico 9 – Relevância da ética nas avaliações.................................................................... 63 Gráfico 10 – Ocorrência de estímulo ético por parte dos docentes...................................... 64 Gráfico 11 – Ocorrência de estímulos antiéticos por parte dos docentes............................. 65 Gráfico 12 – Conhecimento sobre o CEPA, pelos alunos................................................... 66 Gráfico 13 – Necessidade de estudar o CEPA no decorrer do curso................................... 67 Gráfico 14 – Ocorrência de estudo do CEPA durante o curso............................................. 68 Gráfico 15 – Importância da ética no exercício profissional do administrador................... 69 Gráfico 16 – Prioridades para o sucesso profissional do administrador.............................. 70 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Classificação da ética........................................................................................ 18 Quadro 2 – Síntese das principais teorias éticas.................................................................. 20 Quadro 3 – Princípios clássicos da ética social.................................................................... 24 Quadro 4 – Síntese dos níveis e estágios do processo de desenvolvimento moral.............. 33 Quadro 5 – Síntese das condutas antiéticas do administrador............................................. 46 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CCSA – Centro de Ciências Sociais Aplicadas CEPA – Código de Ética dos Profissionais de Administração CFA – Conselho Federal de Administração CFE – Conselho Federal de Educação CRA – Conselho Regional de Administração DEPAD – Departamento de Ciências Administrativas Ebap – Escola Brasileira de Administração Pública ESAN – Escola Superior de Administração de Negócios FGV – Fundação Getúlio Vargas MEC – Ministério da Educação e Cultura RN – Resolução Normativa SIGAA – Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas TREA – Tribunal Regional de Ética dos Administradores TSEA – Tribunal Superior de Ética dos Administradores UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte USP – Universidade de São Paulo 11 SUMÁRIO 1 – PARTE INTRODUTÓRIA......................................................................................... 13 1.1 – INTRODUÇÃO...................................................................................................... 13 1.2 – PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA.............................................................. 14 1.3 – OBJETIVOS DO ESTUDO................................................................................... 15 1.3.1 – Objetivo geral.................................................................................................. 15 1.3.2 – Objetivos específicos...................................................................................... 15 1.4 – JUSTIFICATIVA DO ESTUDO........................................................................... 15 2 – REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................................... 17 2.1 – ÉTICA: UM CONCEITO A DES-VENDAR........................................................ 17 2.1.1 – Conceitos e teorias éticas................................................................................ 17 2.1.2 – Ética e moral................................................................................................... 21 2.1.3 – Ética pessoal.................................................................................................... 22 2.1.4 – Ética social...................................................................................................... 23 2.1.5 – Ética profissional............................................................................................. 25 2.2 – FORMAÇÃO ÉTICA EM ADMINISTRAÇÃO................................................... 26 2.2.1 – Formação de administradores......................................................................... 27 2.2.2 – Desenvolvimento ético e moral do administrador.......................................... 31 2.2.3 – Código de Ética do Administrador.................................................................. 34 3 – METODOLOGIA........................................................................................................ 38 3.1 – CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA................................................................. 38 3.2 – POPULAÇÃO E AMOSTRA................................................................................39 3.3 – DADOS E INSTRUMENTOS............................................................................... 39 3.4 – TRATAMENTO ESTATÍSTICO E FORMA DE ANÁLISE............................... 40 3.5 – ESTUDO PILOTO................................................................................................. 40 4 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS..................................................... 42 4.1 – CONDUTA ÉTICA DO ADMINISTRADOR...................................................... 42 4.2 – A ÉTICA NO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UFRN................................ 49 4.3 – VISÃO DOS DISCENTES SOBRE A FORMAÇÃO ÉTICA NO CURSO......... 53 4.3.1 – Descrições da amostra..................................................................................... 53 12 4.3.1.1 – Sexo da amostra.................................................................................... 53 4.3.1.2 – Faixa etária da amostra......................................................................... 54 4.3.1.3 – Experiência profissional da amostra..................................................... 55 4.3.1.4 – Carga horária integralizada do curso.................................................... 56 4.3.2 – Ética nas disciplinas gerais de administração................................................. 57 4.3.3 – Ética nos conteúdos abordados no Curso........................................................ 61 4.3.4 – Ética na avaliação do aluno............................................................................. 62 4.3.5 – Ética na postura do docente............................................................................. 64 4.3.6 – Estudo do Código de Ética dos Profissionais de Administração (CEPA)...... 66 4.3.7 – Importância da ética para o desempenho profissional.................................... 69 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 72 5.1 – CONCLUSÕES FINAIS........................................................................................ 72 5.2 – LIMITAÇÕES DA PESQUISA............................................................................. 76 5.3 – PERSPECTIVAS PARA PESQUISAS FUTURAS.............................................. 76 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 78 APÊNDICES...................................................................................................................... 81 APÊNDICE A – Instrumento de Pesquisa.......................................................................... 82 ANEXOS............................................................................................................................ 86 ANEXO A – Código de Ética dos Profissionais de Administração.................................... 87 ANEXO B – Estrutura curricular do curso de Administração da UFRN............................ 111 13 1. PARTE INTRODUTÓRIA 1.1. INTRODUÇÃO A vida humana e suas complexas manifestações sempre foram objeto de estudo intenso das mais variadas ciências. Ao longo do tempo, com o desenvolvimento das sociedades e da Ciência, foi possível estabelecer características universais à todos os seres humanos, dentre as quais ressalta-se a preponderância da necessidade de viver e conviver socialmente. Ou seja, diz-se que o homem é um ser social. Desse modo, não por acaso se justifica a formação de aldeias e pequenas comunidades humanas desde pré-história, até as grandes metrópoles de hoje em dia. Nessa perspectiva, é possível identificar ainda que, desde as primeiras civilizações humanas, tendo em vista os conflitos de interesse e poder, sempre houve uma preocupação com o modo de estabelecer relações entre os indivíduos, e destes com a comunidade. É a partir daí que se estabelecem regras ou valores socioculturais mútuos, no intuito de sustentar as relações sociais no que viria a se chamar de moral social ou moral dos bons costumes. A ética surge então como ciência destinada ao estudo da moral e de sua aplicação ao comportamento social. Face ao exposto, é de se esperar que todos os cidadãos se comportem de maneira ética, respeitando e prezando por atitudes morais que visem o bem-estar social. No caso do profissional Administrador essa pressão é ainda maior, tendo em vista a complexidade e o impacto social desta atividade. Por isso, proliferam-se as discussões sobre a formação ética de administradores, como uma questão fundamentalmente importante. Este trabalho se propõe a estudar a relação existente entre formação ética do administrador e o curso de graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Campus central. Para tanto, serão abordadas as principais compreensões acerca do conceito de ética e sua relação com as organizações; os elementos que perpassam a formação ética de administradores e os desafios para alcançar a efetividade desta formação. Pretende-se, contudo contribuir para discussão e fomento de avanços no campo da formação ética em Administração. O presente trabalho está dividido em seis partes. Primeiramente, é apresentada a parte introdutória do trabalho, constando a introdução; a problematização da pesquisa; os objetivos e a justificativa do estudo. Em seguida, encontra-se o referencial teórico, onde se coloca a 14 revisão da literatura utilizada para embasar a pesquisa. A terceira parte expõe a metodologia utilizada na pesquisa, abordando a caracterização do estudo, o plano de coleta e o plano de análise dos dados. Após isso, apresenta-se a análise dos dados e as conclusões do estudo. Por fim, são relacionadas as referências utilizadas na elaboração do presente trabalho, bem como apêndice e anexos. 1.2. PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA Assim como a ética, a gestão surge de uma necessidade social, levando em conta a demanda por métodos e formas eficientes e eficazes de administrar recursos e processos. Desde empresas privadas até órgãos e serviços públicos básicos, a Administração nasce como uma ciência valorativa importante para se atingir os objetivos organizacionais. Ademais, é possível afirmar que, se a gestão é uma ciência que serve aos interesses das diversas organizações sociais, objetiva, por conseguinte, o estabelecimento e a manutenção do bem- estar social. Com base nisto poder-se-á então estabelecer uma relação íntima entre Administração e ética, uma vez que esta se torna um fundamento básico para o exercício fiel e efetivo daquela. No entanto, ao contrário do que pressupõe a relação exposta, atualmente se multiplicam exponencialmente os casos de atuação antiética por parte gestores públicos e privados. Observa-se que no cenário de mercado atual, onde se verificam revoluções tecnológicas e comunicacionais, superação de barreiras geográficas e espaciais, globalização sem fronteiras, e acentuada concorrência entre pessoas, organizações e mesmo nações, os administradores estão demasiadamente preocupados em fazer (produzir e lucrar) cada vez mais utilizando cada vez menos recursos. E esta é uma “receita” que, por sua vez, implica na utilização de métodos de gerenciamento mais agressivos e extremos para responder ao mercado, o que muitas vezes incorre em comportamentos não éticos por parte dos gestores. Ao se refletir sobre os desafios que se impõem para chegar à atuação ética dos administradores, vê-se que o desafio inicial está presente no momento da formação destes profissionais. Ou seja, antes de pensar a ética na atuação concreta em Administração, como já vem se tornando comum, é imperativo compreender o lugar da ética nos cursos de formação em Administração. É na etapa de formação que o futuro gestor deverá conhecer e apropriar-se dos conhecimentos necessários à aplicação e importânciada ética dentro da Administração. 15 Tendo em vista o exposto, e buscando explorar assertivamente a relação de valor entre ética e formação em Administração na realidade local, a partir da perspectiva dos estudantes, este trabalho propõe-se a identificar: Qual a relação entre o curso de graduação em Administração da UFRN – Campus central e a formação ética dos administradores graduados na Instituição, na visão dos discentes (concluintes) do curso? 1.3. OBJETIVOS 1.3.1. Geral Investigar qual o impacto do curso de Graduação em Administração da UFRN na formação ética dos Administradores graduados na Instituição. 1.3.2. Específicos Delinear a conduta proposta e esperada para um Administrador ético, a partir da análise do Código de Ética dos Profissionais de Administração; Compreender quais e como os elementos/instrumentos de formação ética são utilizados no decorrer do Curso de Administração da UFRN; Conhecer a visão dos discentes concluintes do curso de Administração em relação à formação ética do administrador abordada no decorrer do curso; Identificar o perfil dos pesquisados (discentes concluintes); Diagnosticar as possíveis deficiências na formação ética do Administrador, a partir da análise do Curso de Administração da UFRN e da visão dos pesquisados. 1.4. JUSTIFICATIVA DA PESQUISA A opção pelo referido tema se dá, a princípio, em razão da inquietação do autor em relação à forma como a dimensão ética na atuação do Administrador é abordada no decorrer do curso de Administração da UFRN. Um olhar mais abrangente faz enxergar ainda que a sociedade atual vive uma época de transformações rápidas e profundas sem precedentes. É um tempo de mudanças constantes e 16 de desafios imensamente complexos que põem em risco a manutenção da vida como é conhecida. São desafios de ordem ambiental, social, econômica, produtiva, etc. Em meio a tudo isso, Governos, Empresas e Sociedade Civil Organizada buscam alternativas para responder positivamente a todas essas questões. Neste contexto, o papel do Administrador recebe vital destaque, pois é este o profissional que está (ou deve estar) a frente das decisões importantes que impactarão muito no mundo que se quer construir. Para atuar de fato como um gestor consciente criticamente, capaz de responder de modo coerente e efetivo às demandas das pessoas e da sociedade atual, o Administrador necessita mais do que nunca de uma formação ética sólida e coerente com a realidade. E para isso, é crucial estudar e compreender como o Curso de Administração está atuando (ou não) neste sentido. Além de tudo isso, verifica-se a existência de um número razoável de estudos sobre a temática em questão, os quais estão disponíveis em portais e revistas científicas. Tais estudos, compostos principalmente de dissertações de mestrado e teses de doutorado, irão compor, juntamente com outros materiais e publicações, o referencial teórico para este trabalho. Também é importante ressaltar que as informações a serem pesquisadas para a análise proposta aqui estão acessíveis ao pesquisador, tanto por meio eletrônico, no Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas – SIGAA, e ainda fisicamente (em documentos impressos) no Departamento de Ciências Administrativas (DEPAD) da UFRN. Contudo, o presente estudo espera contribuir para a reflexão e o debate acerca da formação ética do administrador, provocando e fomentando a evolução do ensino em Administração e, consequentemente, contribuindo para o desenvolvimento das Ciências Administrativas e do seu papel junto à sociedade. 17 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. ÉTICA: UM CONCEITO A DES-VENDAR Ao empreender um estudo a respeito de uma área tão peculiar e ao mesmo tempo tão comumente presente em tudo, é de suma importância adentrar profundamente naquilo que se pretende abordar. Por isso, neste primeiro momento apontam-se algumas reflexões teóricas no sentido de “Des-Vendar”, ou seja, retirar a venda, fazer ver, descobrir, elucidar a compreensão correta do conceito de Ética, nas suas principais e diversas nuances. 2.1.1. Conceitos e teorias éticas Antes de ater-se a qualquer reflexão que envolva a ética, é preciso antes compreender bem este conceito, seu desenvolvimento ao longo do tempo e ainda suas possíveis aplicações. O que predomina no senso comum das pessoas é a noção de que todos sabem o que é ética. Afinal, quem dirá de si mesmo que é antiético? Ou, dito de outro modo, quem não irá dizer-se ético na sociedade atual? Nalini (2009, p.15), referindo-se a ética e outros conceitos correlacionados, afirma que “A invocação exagerada a tais vocábulos, em contextos os mais diversos, conseguiu banalizar seu conteúdo”. Verifica-se, pois que, em meio à necessidade social de sobressair-se aos demais, o indivíduo, mesmo não entendendo, ou entendendo de modo fragmentado, coloca-se como proprietário de uma ética que não compreende de fato o que significa ou como implica em suas escolhas e ações individuais. O estudo deste campo é muito complexo e é importante considerar que “a ética constitui uma preocupação antiga do homem” (LEITE, 2012, p.28). Desse modo, urge a necessidade de conhecer a ética, antes de construir qualquer postulado a seu respeito. Historicamente, a ética originou-se na Grécia, no século V a.C., em decorrência do chamado “iluminismo ateniense”, há cerca de 2.500 anos (GOUVÊA, 2002). No entanto, é nos pensamentos do filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) que se baseia praticamente toda a reflexão ética do ocidente, uma vez que o filósofo pressupôs que a virtude, vista como perfeição humana, é que fundamentaria qualquer reflexão racional sobre a ética (JÚNIOR; LLATAS, 2005). 18 Ao longo do tempo as teorias foram evoluindo e outros estudiosos dedicaram-se à ética, como Santo Agostinho e São Tomaz de Aquino, na Idade Média, e como as inúmeras correntes da Era Moderna, trazendo o surgimento das ideias psicanalíticas, por exemplo. A ética passou então a ser uma preocupação de toda a sociedade, tendo em vista o alcance do bem-estar social, um ideal que sempre esteve ligado com a dimensão ética do comportamento humano. Em termos de definição, vale destacar aquilo que é dito por Vázquez (2001, p.12): “a ética é a teoria da ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”. Ou seja, a ética encarrega-se de estudar o comportamento moral do homem. Colaborando com esta definição, Marinoff (2001) estabelece que a ética é responsável pela definição do que é bem e, por conseguinte, do que é mal. Assim, é possível perceber que a ética emerge como uma das mais importantes ciências humanas, tendo em vista que, baseando-se nela (na ética) o homem e a sociedade irão constituir fundamentos, modelos e sistemas sociais que, por sua vez, irão legitimar e regulamentar os diversos tipos de relações sociais e como devem acontecer. A seguir desenvolver-se-ão alguns apontamentos teóricos para favorecer ainda mais esta compreensão. Nalini (2009) põe a ética como sendo a ciência responsável pelo estudo/compreensão do comportamento humano, mais especificamente, do comportamento moral do homem. Pode-se dizer então que a ciência ética estuda o modo como vivem as pessoas, tendo por base a qualidade (boa ou não) deste. Assim, o estudo da ética se justificaria com a finalidade de saber e poder agir bem, de forma ética e moral, por meio de onde se conseguiria chegar à felicidade que, segundo o filósofo grego Aristóteles, designaria o “bem supremo” (ALONSO; LÓPEZ e CASTRUCCI, 2012). Com intuito de facilitar o estudo sobre a Ética, Nalini (2009) sistematiza a sua classificação, no que poderia chamar-se de categorias ou classes de Ética, conforme o Quadro 1 a seguir: Quadro 1 – Classificação da ética Categorias Definição A Ética EmpíricaÉ a Ética alcançada pela observância do comportamento humano. Ou seja, “derivada da observação dos fatos”. Sob esta perspectiva, não caberia a Ética pensar como o indivíduo deveria agir, mas sim observar como ele age normalmente, e daí aferir a moral adequada ao comportamento ético. Assim, o autor afirma que se atribui grande relativismo à Ética, implicando por isso nas vertentes nomeadas de “anarquista, utilitarista, ceticista e subjetivista”. Esta última como sendo a maior expressão da ética empírica, valorizando sobremaneira a 19 percepção e conveniência pessoais para o julgamento ético. A Ética dos Bens Em contraposição ao relativismo da ética empírica, a Ética dos Bens caracteriza-se justamente pela compreensão de que as pessoas e a sociedade tendem e devem caminhar em direção a um “bem supremo”, uma condição tida como ideal de bem-estar e de vida. Desse modo, havendo um ideal social e/ou individual a ser perseguido, o comportamento ético é aquele que se dá no sentido de concretizar o “bem” que se pretende alcançar. Não obstante, não se admite uma ética que vá contra os ideais comuns da humanidade, mesmo que em proveito de objetivos individuais. A ética, nesse prisma, é por excelência positiva, voltada ao alcance do “bem supremo”. A Ética Formal Recorrendo a filosofia prática de Immanuel Kant (1724-1804), o autor explica que, ao contrário das categorias anteriores, que se preocupam com os efeitos ou resultados do comportamento ético, a verdadeira ética se caracterizaria dentro do indivíduo. Colocando de outro modo, a Ética Formal pressupõe que, independentemente do que se alcance, o que torna uma pessoa ética é a sua vontade ou virtude interior. Ou seja, agir eticamente, sob esta perspectiva, é agir bem pelo bem, por uma opção pessoal íntima verdadeiramente comprometida com o que é bom, sem pretensões externas, mas apenas pela “boa vontade”. Destaca-se nesta categoria a discussão acerca da ideia de “valor”, sua existência, conhecimento e realização como aspectos essenciais à concepção de Ética Formal. Fonte: Elaborado a partir de Nalini (2009, p.26-73). Em Alonso, López e Castrucci (2012), a Ética pode ser compreendida também como uma arte, a arte de viver bem e feliz. Os autores esclarecem que o ser humano é capaz de realizar tarefas e projetos com grande teor artístico, considerando-se para isso a destreza e a beleza com que age. Observa-se assim que, o comportamento ético e moral pode ser muito bem associado com a ideia de estética, visto que, quando as pessoas comportam-se corretamente (com ética) tornam-se alvo da admiração das demais. Dessa forma, é possível afirmar que a ética também é arte, sem, contudo, deixar de compreender que é uma ciência, entendida por isso como um “conjunto de conhecimentos sistematicamente organizados acerca de determinado objeto” (ALONSO; LÓPEZ e CASTRUCCI, 2012, p.5). Sabendo que a ética estuda o comportamento humano, percebe-se que é uma ciência de muitas peculiaridades e complexidades, aproximando-se por isso da Filosofia, que historicamente foi o berço onde nasceu a ética. Para obter então um olhar mais abrangente sobre a evolução e estudo desse tema, Alonso, López e Castrucci (2012) sistematizaram as principais teorias éticas, as quais estão resumidas no Quadro 2, apresentado a seguir. 20 Quadro 2 – Síntese das principais teorias éticas Teorias Definição Teorias Teleológicas ou da Responsabilidade A expressão Teleológica está ligada à ideia de finalidade. Logo, essas teorias irão basear-se no julgamento comparativo das consequências finais do comportamento para aferir ou não a sua bondade, justiça e legitimidade. Ou seja, jugar-se-á como ética aquela ação humana que produzir maiores resultados positivos do que negativos. A grande dificuldade destas teorias é o estabelecimento comum do que seria bem e mal, uma vez que, sob óticas diversas, esses conceitos podem ser díspares e até conflitantes, como por exemplo, no caso do indivíduo egoísta, o qual irá enxergar apenas o seu benefício pessoal como bem. As duas grandes vertentes dessas teorias são a (1) Utilitarista, que enfoca a produção do máximo de bens para todos e considera bens e males que sejam mensuráveis, desprezando aqueles de valor unicamente moral; e (2) da Finalidade, a qual se preocupa em atingir o fim desejado, não importando os meios utilizados para tal. Teorias Deontológicas ou da Convicção Deontológica quer dizer que está relacionada com os deveres ou regras a serem cumpridos. Essas teorias estabelecem, portanto que o comportamento deve basear-se e ser julgado conforme um conjunto de valores (regras) tidos como superiores. Estes valores ou regras, mesmo não sendo mensuráveis quantitativamente, representam convicções que se traduzem em doutrinas a serem seguidas acima de tudo. As duas principais vertentes dessas teorias são: (1) Vertente de Princípio, firmada sobre o dever de cumprir toda e qualquer regra estabelecida, incondicionalmente; e (2) Vertente da Esperança, onde o ideal está no centro da vida, ou seja, o ideal está acima de tudo e dele decorre todo o modo de agir. Fonte: Elaborado a partir de Alonso, Castrucci e López (2012, p.236-239). Adentrando nas ideias e postulados desenvolvidos sobre a definição de ética, chega-se a uma compreensão capaz de auxiliar no aprofundamento e na investigação acerca da aplicação desse tema, como será visto adiante. Fica claro que a ciência ética é uma preocupação de longa data para o ser humano e para a sociedade. Estudar ética, como propõe- se no presente trabalho, não significa apenas entender de que se trata a matéria, mas principalmente saber que está intrinsecamente relacionada ao cotidiano das pessoas e a condução da história humana. O desenvolvimento pessoal e social, como observado, sempre esteve e está atrelado ao questionamento do que é bem e mal, à consideração do outro e da comunidade, e a compreensão da moral. A seguir tecer-se-ão algumas reflexões no sentido de esclarecer e aprofundar ainda mais essas questões. 21 2.1.2. Ética e moral Etimologicamente, a palavra ética vem do grego ethos, que quer dizer costume, e que no latim, era designado pelo termo mos ou moris, de onde vem por sua vez a ideia de moral (ALONSO; LÓPEZ e CASTRUCCI, 2012). Nota-se logo que ética e moral, do prisma etimológico, seriam sinônimas, ou seja, tratariam do mesmo significado. Ao longo do tempo, no entanto, os dois conceitos foram sendo separados e a ética passou a designar a ciência da conduta humana e a moral à qualidade dessa mesma conduta. Corroborando com esta ideia, Srour (1998) afirma que a distinção entre os dois termos se dá pelo caráter científico de um (a ética) e não científico do outro (a moral). Dessa forma, a moral seria apenas o objeto de estudo da ética, enquanto ciência propriamente constituída. Conclui-se então que a ética não pode ser reduzida a um conjunto de normas ou preceitos comportamentais, cabendo-lhe, além disso, a função de explicar a moral vigente (PAULINO, 2003). A ética, vista deste modo, adquire um lugar permanente e irrefutável na vida do homem em sociedade, haja vista que o indivíduo social irá utilizar-se da ética, assim como o filósofo se utiliza da filosofia, para responder aos seus questionamentos mais essenciais. Compreender a ética é, portanto, explicar como de dão as relações sociais, ou como deveriam ocorrer e por quê. A ética está mais relacionada então com a teoria, enquanto a moral está voltada à prática (MARUITI, 2009). Boff (2003) salienta que a moral compreende a vida real nos seus costumes, leis e normativas. A ética, por sua vez, tem uma relação com o caráter, com a vida, com o universo humano e, portanto, com a filosofia, abrangendo um arcabouço muito maior de conteúdo e significação. Existem autores, no entanto,que são contrários à distinção de ética e moral, por acreditarem que ambos os termos designam o mesmo significado (PAULINO, 2003). Estes defendem que, tanto a ética como a moral, servem unicamente ao mesmo propósito: conduzir o homem ao estado de bem-estar pleno, ou de felicidade (ARRUDA; WHITAKER e RAMOS, 2001). Nesta perspectiva, ambos os conceitos designariam uma mesma ciência prática, não importando o termo utilizado para nomeá-la. O presente estudo adotará os dois conceitos distintamente, conforme os autores elencados acima, entendendo que a separação favorece uma compreensão mais profunda e consequentemente uma melhor análise dos conteúdos a respeito da formação ética em Administração, que é o objeto deste trabalho. 22 2.1.3. Ética pessoal Após compreender as noções básicas sobre ética, é importante entender a sua aplicação, começando pelo âmbito individual, pessoal. A ética pessoal é o ponto de início para qualquer indivíduo se formar, se comportar ou declarar-se como ético. A seguir, põem-se alguns postulados teóricos a esse respeito. Para compreender a ética da pessoa, é preciso inicialmente olhar para a natureza do ser humano. O homem em sua natureza é diferente dos outros seres em inúmeros fatores, destacando-se para nossa discussão os aspectos da liberdade e da racionalidade (ALONSO; LÓPEZ e CASTRUCCI, 2012). Estas características conferem ao homem diversas capacidades, dentre as quais o esforço para alcançar a felicidade e o poder de escolher e julgar como se comporta. Os mesmos autores ainda concluem que, dado o processo de formação constantemente vivido pelo ser humano, por meio do qual adquire valores e constrói sua personalidade, a ética pessoal se revela no encontro paradoxal entre o objetivo (exterior, material) e o subjetivo (interior, abstrato). Assim, a decisão ética de qualquer indivíduo é fruto de um conjunto de valores ou virtudes fundamentais, os quais são produções histórico-culturais antigas, em voga ainda hoje. Arruda (2002) destaca neste sentido: a honestidade, como primeira virtude da vida; a coragem de assumir as decisões; tolerância e flexibilidade diante das adversidades; integridade, sobretudo nos momentos críticos; e humildade para ouvir reconhecer o valor dos outros. De acordo com Cortella (2007), existem as pessoas éticas, antiéticas e aéticas. No primeiro caso a pessoa sabe da ética e escolhe caminhar com ela. Já no segundo, é errôneo dizer que a pessoa não sabe da ética, ela sabe, mas na verdade opta por não seguir seus valores. No caso das pessoas aéticas aí sim se pode dizer que o indivíduo não possui ética, mas isso ocorre apenas em situações onde a pessoa não possui ainda capacidade de julgar sobre o que é ético ou não (CORTELLA, 2007). Muitos autores, por outro lado, discordam desta interpretação, julgando que, na discussão acerca de comportamentos éticos, só poderiam existir duas categorias: ético ou antiético (MOREIRA, 1999). Não se pretende aqui tomar posição de uma ou de outra das correntes citadas anteriormente, mas, respeitando a ambas, quer-se tê-las como fundamentos para o estudo proposto. São contribuições teóricas que, por um lado, elucidam a interpretação acerca do comportamento humano, e por outro vêm contribuir com o seu correto julgamento. 23 2.1.4. Ética social A sociedade atual, sobretudo a brasileira, dados os inúmeros problemas enfrentados, passa por uma verdadeira crise de ética (PAULINO, 2003). Em grande parte isto se dá pela propagação de valores contraditórios que são responsáveis pela deturpação das relações sociais (PIMENTA, 1994 apud PAULINO, 2003). Frente a esta realidade, urge a necessidade de refletir e pensar melhor sobre os conflitos atuais do ser humano e como a ética pode e deve posicionar-se dentro disso tudo. A sociedade se modernizou e com isso as mudanças sociais passaram a ocorrer de maneira mais rápida e mais profunda. Oliveira (1993) salienta que essa é uma realidade que provoca a ruptura com os valores éticos historicamente e culturalmente aceitos. Além disso, a ascensão do individualismo faz as pessoas voltarem-se para dentro de si mesmas, prevalecendo em suas escolhas os valores privados, voltados ao benefício individual (ENRIQUEZ, 1997). Estes aspectos são representações de uma sociedade dominada pela lógica neoliberal, que na visão de Kreitlon (2004) ganhou força e se difundiu por todo o mundo a partir das décadas de 80 e 90. Nesse período a humanidade experimentou e vem experimentando um grande avanço científico e tecnológico, no entanto, acompanhado ainda de uma imensa desigualdade social, degradação do meio ambiente e da supervalorização do ter em detrimento do ser. É necessário dizer que essa realidade social tem fortes implicações éticas. Conforme assinala Pinheiro, Marques e Barroso (2006), a desigualdade social significa que as pessoas têm oportunidades diferentes e, consequentemente, podem ser levadas a escolher meios não éticos de alcançar seus objetivos. Por causa disso, muitos estudiosos consideram o mundo atual como “moralmente depravado” ou amoral (PINHEIRO; MARQUES e BARROSO, 2006). Em face dessa realidade, cabe à ética social estudar e compreender o comportamento das pessoas na sociedade que constituem, reconhecendo que o homem é um ser social e que por isso é imprescindível pensar o seu comportamento social do prisma da ética. Estão em jogo neste sentido não apenas os interesses individuais, mas sim os interesses comuns. Trata- se de buscar a cooperação e harmonia para o bem-estar de todos os indivíduos de uma mesma sociedade. Auxiliando nesta compreensão, Alonso, López e Castrucci (2012) relacionam princípios clássicos da ética social, os quais estão organizados no Quadro 3 a seguir. 24 Quadro 3 – Princípios clássicos da ética social Princípio Definição Dignidade da Pessoa Este é o princípio mais essencial da ética social e dele derivam os demais princípios. Trata-se de reconhecer e respeitar a excelência e importância da pessoa humana no universo. Estabelece que toda pessoa deve ser respeitada na sua individualidade, com suas deficiências e potencialidades, assegurando-se a garantia dos direitos fundamentais ao seu desenvolvimento. Direito de Propriedade Este princípio assegura que as pessoas têm direito de possuir bens que são necessários à sua subsistência, levando em conta que todo ser humano necessita alimentar-se, abrigar-se e etc. Também estabelece que os bens universais (água, terra, etc.) devem ser partilhados e usufruídos por todas as pessoas, de forma justa e igualitária. Primazia do Trabalho Estabelece o trabalho como atividade fundamental para todas as pessoas, por meio da qual o homem adquire condições de sustentar-se e a sua família, e, além disso, alcança o seu pleno desenvolvimento e realização. Primazia do Bem Comum Assevera que o Bem Comum, ou seja, aquilo que é bom para todas as pessoas da sociedade, deve sobrepor-se e prevalecer sempre aos interesses individuais ou particulares. Solidariedade Está ligado à ideia de fraternidade humana e social, onde todos se importam com a condição do outro e, importando-se, ajudam-se mutuamente. Sobretudo aos socialmente excluídos é necessário agir com solidariedade, oferecendo-lhes o bem-estar social e oportunidades de crescimento. Subsidiariedade Este princípio determina que, para o desenvolvimento pessoal e social, é necessário, por vezes, receber uma ajuda ou apoio. Esta ajuda se caracteriza como um subsídio que é fornecido por um agente (subsidiário) hierarquicamente superior na ordem social, para um agente (subsidiado) inferior. Ou seja, aquele agente social (pessoa, família, estado, nação, comunidade internacional, etc.) que possui melhores condições deve contribuir (subsidiar) o desenvolvimento dos agentes que não o tem.Fonte: Elaborado a partir de Alonso, López e Castrucci (2012, p.96-107). A partir daí, verifica-se que ainda há muito que se evoluir socialmente, considerando- se que ainda não se conhece uma sociedade na qual imperem todos estes princípios de forma plena e harmoniosa. Os interesses de alguns indivíduos e de alguns grupos sociais privilegiados ainda se sobressaem, em detrimento dos demais. Por essa razão, a ética social também tem uma relação muito próxima, em sua aplicação, com a Justiça e o Direito. A formulação e aplicação das leis é um dos caminhos encontrados pela sociedade para, direta ou 25 indiretamente, fazer valer a ética social. Trata-se de estabelecer leis e normas que assegurem os direitos de todos e façam com que os respectivos deveres se cumpram, efetivamente. 2.1.5. Ética profissional A ética profissional dedica-se ao estudo e estabelecimento de princípios para atuação profissional. Trata-se de uma ética que deve nortear o exercício profissional do homem, proporcionando-lhe (e aos seus pares) realização e desenvolvimento, assegurando a justiça e a segurança de cada decisão e ação (MARUITI, 2009). Fortemente relacionado com isso está a ideia de dignidade da pessoa, uma vez que o trabalho ou a profissão é um espaço/ocupação por meio da qual o ser humano busca exatamente isso, uma vida digna. Assim, a ética profissional serviria como base e instrumento para promover essa dignidade entre todos e para todos. Partindo desta perspectiva, é possível ver que não apenas os profissionais éticos se beneficiam de suas ações, mas também todos os demais envolvidos, como, por exemplo, os clientes de uma empresa. Kotler (2006) afirma que um bom produto é aquele que agrega valor e atende as necessidades de seus consumidores. Para tanto, é necessário que as pessoas envolvidas no processo de produção (trabalho) estejam motivadas e busquem atuar com integridade, eficiência e comprometimento. Assim, um profissional ético é capaz de agir corretamente sempre e oferecer valor e satisfação aos seus pares (chefia, colegas, subordinados, clientes, etc.). Atualmente, no entanto, verificam-se inúmeros problemas e conflitos profissionais em razão da falta de ética profissional. É sabido que o mercado de trabalho tornou-se altamente competitivo, dentro e fora das organizações, porém, a demanda e a pressão sociais por posturas profissionais mais éticas e justas também vem crescendo exponencialmente. A partir deste paradoxo, multiplicam-se as incoerências e incompatibilidades entre discursos e práticas, nas mais diversas áreas de atuação. Corroborando com esta ideia, Cortella (2007) afirma que muitos sujeitos discursam sobre ética e sobre como ela é importante e necessária. No entanto, no dia a dia, estes mesmos sujeitos desconsideram a ética em suas atitudes, subjugando-a como desnecessária ou como empecilho para obter maiores benefícios. O mesmo autor considera que este tipo de abordagem é um perigo para a organização e para a sociedade na qual esses sujeitos estão inseridos. A oposição entre discurso e comportamento sempre foi e é um grande dilema no 26 estudo da ética, sobretudo no campo profissional, uma vez que poderá resultar em consequências desastrosas para todos os envolvidos. Decorre daí a máxima importância de que todos os profissionais conheçam exatamente aquilo que correto e incorreto no exercício de suas funções. Não é questão de decorar regras apenas, mas compreender a razão pela qual algo está certo ou não. Neste sentido, a maior dificuldade não seria fazer o que é certo, mas sim aprender o que é certo fazer (SROUR, 2003). Sá (1992) considera ainda que a ética é uma condição primordial ao exercício profissional, seja ele de qualquer natureza e em qualquer área. No campo da administração é crucial que os profissionais tenham a devida consciência de seus atos, não sobrepondo o lucro à ética. Sabendo disso, é necessário também pensar que o profissional, para atuar de forma ética, deparar-se-á muitas vezes com a dualidade entre interesses pessoais e interesses coletivos (MARUITI, 2009). Muitas pessoas cometem atos antiéticos para obter mais facilmente dinheiro ou outros benefícios, que viriam com maior dificuldade e agisse de forma ética (CORTELLA, 2007). Assim, a sociedade cerca-se de inúmeros exemplos antiéticos, conforme aponta Srour (2003, p.70): “Contrabando, pirataria, comercialização de mercadorias fraudadas, ou com prazo de validade vencido [...]”. São modelos que já se tornaram comumente uma parte natural da maioria das cidades brasileiras. A própria população já parece acomodar-se e ainda buscar seus métodos particulares de também tirar vantagem de tudo isso, enquanto consumidores. Frente a tudo isso, urge a necessidade de empreender esforços para construir uma formação capaz de formar sujeitos aptos a responder adequadamente aos conflitos e problemas éticos enfrentados pela sociedade e pelas organizações de um modo geral. 2.2. FORMAÇÃO ÉTICA EM ADMINISTRAÇÃO Após compreender o conceito e a aplicação geral da ética, serão feitas algumas reflexões à luz da literatura, no sentido de delinear como acontece a formação ética dos profissionais de Administração. Trata-se de fazer um caminho para descobrir quais elementos estão sendo ou podem ser utilizados para esta formação. 27 2.2.1. Formação de administradores Apesar de a prática de administrar se confundir com o surgimento das primeiras civilizações, a tomada da administração como uma ciência a ser escolarizada, ou seja, entendendo-a de fato como um conjunto de conhecimentos e habilidades a serem ensinados e aprendidos, deu-se apenas no final do século XIX, nos Estados Unidos ou na França (BERTERO, 2006). Foi no primeiro, no entanto, que este ensino se popularizou e ganhou importância significativa. O desenvolvimento do ensino de Administração ocorreu, nos Estados Unidos, em concomitância com o crescimento da importância daquele país, no século XX, quando este país se consolida como uma superpotência mundial. Em meio a esse contexto, a figura do management norte-americano ganha importância e assim começam a se pensar mais e melhor sobre a formação deste profissional que vai sendo mais valorizado quanto melhor for (BERTERO, 2006). A consolidação do capitalismo e posteriormente do neoliberalismo, como vias únicas de desenvolvimento social, figura como fator crucial para explicar a evolução da administração em todo o mundo (BARBOSA, 2002). No Brasil, a Escola Superior de Administração de Negócios (ESAN) foi a primeira escola de Administração, fundada em 1941 em São Paulo, por iniciativa do Padre jesuíta Sabóia de Medeiros, juntamente com as classes empresarias paulistas (BARBOSA, 2002). No Rio de Janeiro a Escola Brasileira de Administração Pública (Ebap) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi a pioneira no ensino da Administração Pública no Brasil (BERTERO, 2006). Com forte influência do modelo norte-americano, a formação de administradores tem como principais eixos norteadores “o embasamento nas Ciências Sociais e a ênfase na administração como profissão modernizadora” (BERTERO, 2006, p.8). Na medida em que o Brasil foi se industrializando e ampliando sua atividade econômica, a urbanização e a modernização trouxeram consigo o crescimento do ensino superior. Bertero (2006) aponta a existência, no país, de cerca de 2.000 cursos de graduação. O mesmo autor esclarece também que: “De acordo com o senso realizado no ano de 2003, dos 3.887.771 alunos matriculados em cursos de graduação, observa-se que o curso de Administração ocupa o primeiro lugar em número de matriculados, com 564.681 matrículas” (BERTERO, 2006, p.20). Nesse contexto é importante compreender a fundo qual é o verdadeiro papel do ensino superior. De acordo com Colossi (1998, p.38) “Educação superior é, antes de tudo, umainstituição social, cujo papel fundamental é formar a elite intelectual e científica da sociedade 28 a que serve”. A partir daí se percebe que a missão dos cursos superiores é algo maior e mais complexo do que a simples profissionalização. No que tange a formação de administradores, Pena (1994) afirma que o papel real do ensino superior extrapola o processo de informar o estudante, devendo preocupar-se antes com a verdadeira formação superior dos sujeitos. É neste sentido que o ensino da ética aparece como fundamental no processo de formação em Administração. Assim, a escola (ou a universidade) tem um papel fundamental para fortalecer valores e desenvolver a socialização dos indivíduos. Pensando na atual crise que as sociedades enfrentam, Imbert (2001) afirma que a escola é hoje a única instituição capaz de “desbarbarizar” a humanidade, desde que seja consciente e comprometa-se com este seu papel. O administrador se caracteriza pela constante necessidade de decidir e agir, em situações diversas (CHAROUX, 1983 apud PAULINO, 2003). Por isso, é necessário que o administrador consiga analisar bem todas as variáveis e consequências de suas decisões e ações, considerando a sua influência sobre o bem-estar social comum. Vázquez (2006 apud MARUITI, 2009, p.60) salienta que “toda ação especificamente humana exige certa consciência de um fim, ou antecipação ideal do resultado que se pretende alcançar”. Para tanto, é preciso olhar e pensar as situações com criticidade, a respeito de si e das técnicas a serem utilizadas (SOUZA, 1994 apud PAULINO, 2003). Fica evidente que formar um administrador, ou mesmo administrar, não se resume à técnica, mas ao contrário, exige uma reflexão ética acerca de tudo. Enxergando a complexidade presente na formação de administradores, encontram-se obstáculos iniciais nas características dos próprios estudantes. A esse respeito, Tonelli (1994 apud PAULINO, 2003) esclarece que as imagens de individualista e materialista ainda pesam sobre os jovens alunos, sendo estes muitas vezes reduzidos a essas classificações. A mesma autora ainda acrescenta que a escolha pelo curso de Administração é vista como a ausência de aptidão específica para outra profissão (TONELLI, 1994 apud PAULINO, 2003). Estas ideias trazem por sua vez implicações diretas para o processo de ensino aprendizagem em Administração. Em detrimento do esforço de muitos professores em transformar e melhorar a educação, muitas vezes se nota um completo desinteresse por parte dos alunos (MARUITI, 2009). Em muitas instituições os professores encontram alunos que, ao invés de contribuir, prejudicam o andamento das aulas e o aprendizado da turma, passando a ser encarados como alunos “problemáticos” (GIL, 2008). Apesar disso, o autor provoca a reflexão sobre a postura que o educador toma diante desse tipo de aluno, visto que, o conteúdo e a forma de 29 transmissão dependem do transmissor, ou seja, do professor. E isto pode fazer a diferença no momento de conduzir o aprendizado (GIL, 2008). Portanto, não se deve subjugar a necessidade de conhecer o estudante, uma vez que ele traz consigo uma carga histórica específica e apresenta aspirações diferentes dos demais, e que podem servir como elementos norteadores para o trabalho adequado do professor (MARUITI, 2009). Ainda sobre isto, Gil (2008, p.63) acrescenta que “o estudante precisa participar ativamente do próprio aprendizado”. Ou seja, é preciso conhecer o aluno e fazer por onde envolvê-lo com o conteúdo e com o processo de formação. O educador é um grande exemplo para os alunos e sua atuação exerce grande influência sobre eles (GIL, 2008). Assim, na Administração o professor atua como um modelo profissional para os estudantes (MARUITI, 2009). Mais que isso, o professor ainda desempenha o papel de agente de socialização, vez que suas palavras e ações exercem influência no modo como o estudante irá agir no meio em que vive e/ou atua profissionalmente (IMBERNÓN, 2000). Maruiti (2009) ainda reforça que especificamente no ensino superior, torna-se vital que o docente ministre o seu comportamento de forma a influenciar positivamente a conduta dos discentes, sobretudo em relação ao campo da cidadania e à profissão. Freire (2004 apud MARUITI, 2009) faz uma crítica à educação brasileira, julgando-a inadequada a realidade do país, visto que se ocupa em reproduzir conhecimentos e instruir técnicas, mas não forma pessoas conscientes e capazes de transformar a sociedade de opressão em que vivem. Na concepção desse autor, a educação precisa focar a formação de indivíduos críticos e transformadores, e não apenas de cientistas. Bertero (2006, p.35), afirma que “a formação de administradores depende, em grande medida, das expectativas que existam com relação ao profissional e também de como se defina o que é ser um administrador”. O autor também destaca a diferenciação entre o âmbito de atuação profissional, sendo público, privado, ou outro. É preciso então ter clareza quanto ao profissional que se quer formar e para quê, para só então desenvolver metodologias que empreendam tal formação. Covre (1981) afirma que a formação de administradores é voltada para sustentação do sistema econômico-social atual, uma vez que esses profissionais atuam alimentando o sistema produtivo de exploração e acumulação do capital. Dessa forma, os administradores agem segundo os interesses predominantemente capitalistas, implicando muitas vezes em comportamentos antiéticos ou imorais. A formação desses administradores não lhes permite 30 pensar e enxergar criticamente o sistema vigente ou as práticas que o sustentam, nem tão pouco posicionar-se de forma diferente no mercado (COVRE, 1981). Sobre esse déficit na formação de administradores, Barbosa (2002) aponta que um dos fatores responsáveis é o crescente avanço das instituições privadas de ensino superior. Segundo a autora, “no início da década de 1980, o sistema particular já era responsável por 79% dos alunos [de administração]” (BARBOSA, 2002, p.55). A partir daí, a transformação das escolas em empresas leva a transformação do ensino/educação em negócio, tornando-se prioritário gerar lucro e não formar corretamente os alunos. Segundo Lopes (2001), a fragilidade na formação em Administração não é, no entanto, uma particularidade deste campo do conhecimento, mas uma dificuldade comum a outras áreas. Esse autor acredita que a origem desse problema está no: [...] pensamento linear decorrente do método científico moderno de gerar e reproduzir o conhecimento, que naturalmente permeia as estruturas curriculares dos cursos superiores e, em particular e com significativas perdas, os cursos de Administração (LOPES, 2001, p.37). Ou seja, torna-se necessário repensar o paradigma de produção de conhecimento para atender as necessidades dos tempos atuais, que exigem do administrador uma maior capacidade de decidir e agir dinamicamente em face de situações cada vez mais complexas, considerando a ética e a justiça como valores fundamentais. De acordo com Maruiti (2009), o curso superior deve ser um espaço onde o aluno possa adquirir e aprender instrumentos que lhe permitam enxergar o mundo com consciência e posicionar-se nele corretamente. Os desafios educacionais são graves e complexos: deslocam-se da durabilidade para a fluidez; da permanência para a fugacidade; da rigidez para flexibilidade; da estabilidade para instabilidade; da memorização para a compreensão analítica e crítica; da realidade dada como conhecida e certa para o desconhecido e imprevisível (MARUITI, 2009, p.56). Em pesquisa realizada junto aos alunos do último ano do curso de Administração da Universidade de São Paulo (USP), Berndt (1995) constatou que, para os discentes, as habilidades pessoais eram tidas como as mais importantes para administrar. Em contrapartida,os alunos afirmaram que o curso contribuía apenas com a formação de suas habilidades técnicas. Verifica-se neste ponto uma lacuna importante entre o ensino oferecido pelo curso e a necessidade maior dos alunos. É imprescindível, portanto, pensar em como os cursos irão 31 combinar as diversas habilidades necessárias para formar adequadamente o administrador (LOPES, 2001). Diante de tantas percepções e apontamentos, foi possível construir um panorama geral sobre a situação da formação de administradores no país. Verifica-se que esta é uma área de grande importância atualmente e que vem sendo alvo de muitos estudos, os quais apontam críticas e provocam a reflexão sobre os rumos do ensino da Administração. Por isso é necessário aprofundar ainda mais essa discussão, pensando mais especificamente em como se dá (ou deve se dar) a formação ética dos administradores. 2.2.2. Desenvolvimento ético e moral do administrador Atualmente estamos enfrentando uma séria crise social, originada por uma crise de valores, apontando fortemente para a tendência de grandes mudanças (FAGUNDES, 2006). A existência de códigos e normas de ética que regem as profissões não têm sido o suficiente para promover a harmonia e o bem-estar social, nem tão pouco para punir aqueles que os transgridam. Segundo Maruiti (2009) o que se observa na sociedade é a acomodação e a ausência de indignação frente a tudo que está errado. A manifestação contra atitudes ou situações antiéticas é uma forma de mostrar indignação e de buscar transformação (FREIRE, 1999). Por isso, este autor critica o não reconhecimento disso tudo na educação tradicional e considera “violento” o seu caráter altamente “formador”. Frente às adversidades e a complexidade crescente das organizações e da sociedade como um todo, não basta mais definir um código de ética ou regulamento interno para assegurar que todos agirão de forma ética. Nem mesmo as legislações ou normas mais rigorosas conseguem extinguir comportamentos antiéticos de uma sociedade ou de uma organização. De acordo com Alonso, López e Castrucci (2012), o processo de formação moral das pessoas é o meio mais seguro para garantir uma conduta ética. No caso do ambiente organizacional, caberia primordialmente aos administradores, enquanto líderes, promover a cultura ética nas organizações. Paulino (2003) salienta que é crucial desenvolver-se uma diretriz socialmente responsável, que direcione corretamente a educação moral em administração. Para este autor, “propiciar ao indivíduo um desenvolvimento moral é um processo de grande importância na formação do administrador” (PAULINO, 2003, p.23). Corroborando com essa ideia, Krüger (1988 apud PAULINO, 2003) afirma que a educação moral deveria ser tomada como 32 igualmente importante ao desenvolvimento da inteligência e do saber, pois no cotidiano da vida sempre iremos nos deparar com conflitos e decisões de ordem moral. O desenvolvimento moral da pessoa perpassa essencialmente pela educação desta pessoa, compreendendo nesse sentido que educar é “por para fora do íntimo do indivíduo o seu potencial humano, ou especificamente o seu potencial ético” (ALONSO; LÓPEZ e CASTRUCCI, 2012, p.224). Estes autores acreditam que a formação ética pessoal é o processo mais importante para a tomada de decisões éticas. Não é questão de apenas conhecer a ética e tudo que lhe diz respeito, mas sim e mais propriamente, de assumir esse conhecimento como uma postura e uma prática de vida. Para tanto, é necessário passar por um processo de formação concreta, considerando de modo especial a disciplina ética. Historicamente, os cursos de Administração de Empresas no Brasil passaram a comtemplar do estudo da ética com a aprovação do Parecer 307/66, do Conselho Federal de Educação (CFE/MEC), que estabelecia o primeiro currículo mínimo para o curso de administração (BARBOSA, 2002). No entanto, não havia ainda uma disciplina específica, nem mesmo conteúdos discriminados, mas apenas uma referência à necessidade de estudar ética administrativa, o que ocorreria dentro da disciplina de Direito Público e Privado (BARBOSA, 2002). Posteriormente, em 1993, o CFE/MEC aprovou o parecer 433/93, regulamentando o novo currículo mínimo para os cursos de Administração de empresas. Desta vez, o conteúdo da ética aparece com maior predominância (BARBOSA, 2002). Esta autora analisa que a diferença entre os dois currículos se deu por força do modelo de desenvolvimento para o qual estavam orientados. No primeiro, o modelo fordista (capitalismo dirigido) impunha a separação entre o trabalho intelectual e o operacional, implicando numa formação tecnicista, que por sua vez não necessitava da ética. Já no segundo, o modelo de desenvolvimento neoliberal (capitalismo flexível) exigia flexibilização e auto regulação do trabalho, levando a formação para além do tecnicismo. Porém, segundo Barbosa (2002), a formação ainda seguiu voltada para o princípio educativo da competência técnica. E qual o problema da formação focada apenas na competência técnica? É bem verdade que dar condições para o bom desempenho profissional é uma função essencial da formação superior, como vimos. No entanto, a reflexão central deste trabalho gira em torno de uma formação que se propõe ir além da capacitação técnica/profissional. Em um mundo marcado por graves crises econômicas, políticas e sociais, urge a necessidade de estimular e desenvolver profissionais completos, capazes de enxergar a origem dos problemas 33 e de agir para sua solução. Não basta para tanto ser um bom técnico, é preciso antes pensar criticamente e agir com ética e justiça acima de tudo. Rohden (1997) afirma que enquanto o homem não passar por profundas transformações interiores, as mudanças externas de nada adiantam. É nesta direção que a educação precisa se orientar, tendo como sentido primordial a promoção de uma autorreflexão crítica (ADORNO, 1995). A partir desta reflexão é que o ser humano alcança o autoconhecimento e consegue também compreender a sua realidade. Chega-se ainda à capacidade essencial de relacionar os conteúdos técnicos e objetivos com a vida real, possibilitando posicionamento crítico. Como então empreender uma formação que promova o desenvolvimento ético e moral dos sujeitos? Afirma Barbosa (2002, p.119): Os autores teórico-críticos fazem algumas sugestões que podem ser realizadas em sala de aula: a formação de uma consciência crítica sobre a realidade socioeconômica; o engajamento em formas associativas de luta onde se vivenciará valores diferentes daqueles do mercado; a desmistificação do saber relacionado à gestão através da crítica a seus pressupostos e da prática de formas de gestão direta. O psicólogo e filósofo norte-americano Lawrence Kohlberg (1926-1987) fundou o Centro de Desenvolvimento e Educação Moral da Universidade de Harvard e dedicou a vida ao estudo do desenvolvimento moral humano (PAULINO, 2003). Kohlberg era seguidor de Piaget e ambos acreditavam que a consciência moral se encontrava na razão. Por isso, defendiam a tese da gênese gradativa da consciência moral e da possibilidade de educá-la (PAULINO, 2003). Encontramos em Alonso, López e Castrucci (2012) a descrição sistemática do processo de desenvolvimento moral, apresentando os níveis e estágios que o compõem, com base no modelo proposto por Lawrence Kohlberg, conforme está posto no Quadro 4 abaixo. Quadro 4 – Síntese dos níveis e estágios do processo de desenvolvimento moral Níveis Estágios Exemplos Pré-convencional: Decisões baseadas em recompensas ou castigos imediatos. Estágio 1: Indivíduo age de modo ético apenas para evitar uma punição imediata. Um funcionário que chega sempre no horário apenas para evitar advertências do chefe. Estágio 2: Indivíduo age de modo ético apenas para satisfazer um interesse pessoal imediato.Um gerente que sempre chega junto com o diretor, antes do seu horário, apenas para receber aprovação. Convencional: Decisões baseadas na conformidade ou na obrigação. Estágio 3: Indivíduo age de modo ético por conformidade com as expectativas externas (outros, Um supervisor que se veste de uma determinada forma apenas por que assim irá atender as expectativas 34 sociedade, etc.). dos diretores. Estágio 4: Indivíduo age de modo ético para cumprir obrigações legais ou pactuadas de alguma outra forma. Um diretor que implanta o programa de segurança no trabalho para cumprir uma determinação legal. Nível de Princípios: Decisões baseadas em princípios éticos universais. Estágio 5: Indivíduo age de modo ético pelos princípios e valores éticos, considerados absolutos em qualquer situação. Um vendedor que não vende um produto fora das especificações, mesmo que o cliente não saiba, e mesmo que ele esteja querendo alcançar a meta de vendas. Estágio 6: Indivíduo age de modo ético pela máxima coerência com os princípios éticos em que acredita. Um gestor que não obriga o subordinado a continuar numa tarefa em condições de risco, mesmo descumprindo ordens superiores de não parar a produção. Fonte: Elaborado a partir de Alonso, López e Castrucci (2012, p.224-225). É possível identificar que esse processo é gradual e influencia as pessoas a traduzirem os seus princípios e valores em comportamentos. As pessoas tomam decisões diferentes em situações parecidas, de acordo com o estágio de desenvolvimento moral em que se encontram. No entanto, não há como assegurar a continuidade do processo para todos, ou seja, o desenvolvimento pode estagnar num determinado estágio. Os adultos, por exemplo, em sua maioria encontram-se no estágio 4, agindo com base em obrigações (ALONSO; LÓPEZ e CASTRUCCI, 2012). O desafio que se apresenta então é promover uma formação voltada ao desenvolvimento correspondente aos estágios 5 e 6. Sabe-se que a formação ética ou o desenvolvimento moral do indivíduo é um processo que se dá antes no ceio familiar do que na escola ou na universidade. Mas, como vimos, o papel da educação é imprescindível e pode ser decisivo na construção de pessoas mais humanas e conscientes. Fagundes (2006, p.18) ressalta que “a educação não pode ser neutra em relação aos valores”. Desenvolvendo-se uma formação que não seja apenas técnica, mas também humana, possibilitando a conscientização e o desenvolvimento moral dos indivíduos, teremos administradores que agem sem prejudicar os demais e sem privilegiar os próprios interesses em detrimento da justiça e da ética. 2.2.3. Código de Ética do Administrador De acordo com o ranking Fortune 500, 90% das empresas listadas possuem código de ética (WILEY, 1997 apud PAULINO, 2003). Isso demonstra o quão relevante o código de ética vem se tornando como um instrumento capaz de render grandes resultados para as 35 organizações. É importante frisar que tal instrumento não deve, no entanto, ser encarado apenas como mais um atalho para sucesso empresarial ou pessoal. O código de ética é na verdade um instrumento importantíssimo para orientar e disciplinar o comportamento das pessoas de acordo com princípios éticos e morais. Trata-se de regimentar oficialmente os fundamentos que deverão nortear o comportamento humano. Nesse sentido, a mais recente versão do Código de Ética dos Profissionais de Administração (CEPA) foi aprovada pela Resolução Normativa (RN) do Conselho Federal de Administração (CFA) nº 393, de 06 de dezembro de 2010. O CEPA está dividido em 08 capítulos, abordando os Deveres; Proibições; Direitos; Honorários; Deveres Especiais, em relação aos Colegas e à Classe; Infrações Disciplinares e Disposições Finais. No código fica inicialmente evidente que o estabelecimento de tal instrumento é matéria considerada de extrema importância para o exercício profissional, visto seu papel regulatório e inspirador da conduta moral de todos os profissionais. Já no item I do Preâmbulo a ética é posta como “a explicitação teórica do fundamento último do agir humano na busca do bem comum e da realização individual” (CFA, RN nº 393/2010, p.4). Na visão de Alonso, López e Castrucci (2012), este fundamento último corresponde ao primeiro princípio prático do comportamento. Ou seja, a ética aqui é vista como sendo o elemento mais básico para as decisões e ações do administrador. Além disso, também é importante destacar o direcionamento dado. Não se age em prol de qualquer coisa, age-se na busca do bem comum, em primeiro lugar e, em seguida, e por que não dizer como consequência, da realização individual. Esta última expressão infere a ideia de felicidade individual, a qual é muito bem colocada, fazendo-se compreender em intrínseca proximidade com a visão da felicidade de todos (bem comum). Resgata-se com isso a ideia de que a realização individual deve ser procurada e encontrada na num contexto social, “aludindo claramente à sociabilidade humana” (ALONSO; LÓPEZ e CASTRUCCI, 2012, p.227). Mais adiante, no item III do Preâmbulo, está posto: O Código de Ética dos Profissionais de Administração (CEPA) é o guia orientador e estimulador de novos comportamentos e está fundamentado em um conceito de ética direcionado para o desenvolvimento, servindo simultaneamente de estímulo e parâmetro para que o Administrador amplie sua capacidade de pensar, visualize seu papel e torne sua ação mais eficaz diante da sociedade (CFA, RN nº 393/2010, p.4). Observa-se não apenas o caráter normativo do CEPA, mas também o seu caráter propositivo e, como bem colocado, estimulador, orientando-se para o futuro e não apenas para 36 o presente. O código se apresenta na condição de “par” do profissional, pondo-se tal como um instrumento de auxílio, suporte ou apoio. Antes que normas para disciplinar e pressionar, a proposta é de contribuir com a evolução profissional do administrador. Subsequente ao Preâmbulo, o primeiro capítulo dispõe sobre os deveres do administrador, iniciando com o seguinte: Exercer a profissão com zelo, diligência e honestidade, defendendo os direitos, bens e interesse de clientes, instituições e sociedades sem abdicar de sua dignidade, prerrogativas e independência profissional, atuando como empregado, funcionário público ou profissional liberal (CFA, RN nº 393/2010, p.4). O início já preconiza o exercício profissional baseado em valores (zelo, diligência e honestidade), o que retoma a importância da consciência moral do administrador. Novamente é preciso dizer que tal consciência deve ser educada e desenvolvida, ao longo da vida e da formação profissional do indivíduo. Aqui já se nota a importância da formação ética para o bom e correto desempenho profissional. Corroborando com esta ideia, o inciso X do Art. 1º ressalta: “Aos profissionais envolvidos no processo de formação dos Profissionais de Administração, cumpre informar, orientar e esclarecer sobre os princípios e normas contidas neste Código” (CFA, RN nº 393/2010, p.5). Fica expressamente clara a exigência de que o estudante de administração necessita conhecer inteiramente o CEPA, devendo ser esta uma condição básica para formar-se e atuar como administrador. Sem conhecer e entender as normas que orientam e regimentam eticamente a sua conduta profissional, o administrador formado poderá atuar conforme “achismos” ou relativismos que tornam duvidosa sua capacidade de decidir e agir como deveria. No que diz respeito às proibições, o CEPA estabelece como vedadas inúmeras práticas que são comuns de se ver no campo da administração, tais como a ação em benefício exclusivamente próprio, prejudicando o cliente ou outro interessado. O comum discurso de que tudo vale em nome do lucro e do sucesso não é aceito pelo CEPA, segundo o qual, é considerada infração
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