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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS CURSO DE BIOMEDICINA PALOMA PINHEIRO DE AQUINO PEIXOTO LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA NATAL-RN DEZEMBRO/2017 LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA POR PALOMA PINHEIRO DE AQUINO PEIXOTO ORIENTADORA: Prof° Christiane Medeiros Bezerra DEZEMBRO/2017 Monografia Apresentada à Coordenação do Curso de Biomedicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Bacharel em Biomedicina. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS CURSO DE BIOMEDICINA A monografia: “Leucemia mielóide crônica: uma revisão de literatura”, elaborada por Paloma Pinheiro de Aquino Peixoto e aprovada por todos os membros da Banca examinadora foi aceita pelo Curso de Biomedicina e homologada pelos membros da banca, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Biomedicina. Natal, 04 de dezembro de 2017 BANCA EXAMINADORA _________________________________________ Prof. Ms. Christiane Medeiros Bezerra (Orientador) Departamento de Microbiologia e Parasitologia Universidade Federal do Rio Grande do Norte _________________________________________ Prof. Dr. Cecília Maria de Carvalho Xavier Holanda Departamento de Microbiologia e Parasitologia Universidade Federal do Rio Grande do Norte _______________________________________ Dr. Enildo Alves Núcleo de Hematologia e Hemoterapia Universidade Federal do Rio Grande do Norte Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson - -Centro de Biociências - CB Peixoto, Paloma Pinheiro de Aquino. Leucemia mielóide crônica: uma revisão de literatura / Paloma Pinheiro de Aquino Peixoto. - Natal, 2017. 53 f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Curso de Biomedicina. Orientadora: Profa. Christiane Medeiros Bezerra. 1. Leucemia mielóide crônica - Monografia. 2. Cromossomo philadelphia - Monografia. 3. Fatores de risco - Monografia. 4. Mesilato de imatinibe - Monografia. I. Bezerra, Christiane Medeiros. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BSE-CB CDU 616.155.392 AGRADECIMENTOS Há 6 anos eu deixei o conforto da casa dos meus pais e resolvi ir para longe, correr atrás dos meus sonhos, por isso, o primeiro agradecimento não podia ser para outras pessoas que não os meus pais. Aqueles que me apoiaram desde a primeira decisão. Se hoje eu cheguei até aqui, foi porque vocês, pai e mãe, me deram todo o suporte. Sou eternamente grata por todo esforço e sacrifício que fizeram e fazem por mim. A minha vó materna, que mesmo morando a quilômetros de distância, fazia questão de cuidar de mim pessoalmente enquanto eu estava atolada nos estudos. Aos meus familiares pelo apoio, carinho e incentivo de sempre. Aos amigos e professores amigos que eu ganhei ao longo desses anos, sejam eles no cursinho ou na faculdade. Obrigada por cada momento vivido com cada um de vocês, cada um tem um espaço no meu coração, carinho e admiração. Ao meu namorado, por todo o puxão de orelha. Você foi fundamental em muitas das minhas escolhas. Obrigada por ter me tornado uma pessoa muito melhor. E por último, mas com certeza não menos importante, a minha professora e orientadora Christiane Medeiros. Obrigada pelos ensinamentos, conselhos, oportunidades e paciência. RESUMO Este trabalho objetivou realizar um levantamento bibliográfico sobre a leucemia mielóide crônica (LMC) em bases de dados científicas a fim de obter um melhor conhecimento sobre esta neoplasia. A LMC é uma doença mieloproliferativa crônica, um tipo de câncer não hereditário que se desenvolve na medula óssea e é caracterizada pela presença do Cromossomo Philadelphia (Ph), originado por uma translocação recíproca nos cromossomos 9 e 22. O cromossomo Ph é responsável pela produção do gene quimérico BCR-ABL, o qual codifica uma proteína de fusão com atividade tirosina quinase exacerbada e que está relacionada com a patogênese da doença. A LMC é mais comum nos adultos em uma faixa etária superior a 45 anos e o curso clínico da doença é dividido em três fases: uma fase crônica, considerado o período inicial da doença, podendo durar meses ou anos; uma fase acelerada, na qual a doença progride mais rapidamente e ocorre uma intensificação dos sintomas, além de diminuição da resposta terapêutica e, por fim, uma fase blástica, considerada de pior prognóstico, pois pode haver muitas complicações decorrentes da agudização da neoplasia e uma consequente falta de resposta ao tratamento. Entre os principais exames diagnósticos tem-se o hemograma, apresentando hiperleucocitose, aparecimento de células imaturas e aumento de eosinófilos e basófilos; outros exames como mielograma, análises citogenéticas e moleculares também são essenciais para o diagnóstico da LMC. Em relação às opções terapêuticas, existem diversos medicamentos inibidores de tirosina-quinase - utilizados nos pacientes positivos para o cromossomo Ph - e que, na grande maioria das vezes, são bem tolerados e fornecem uma boa expectativa de vida, além da possibilidade de realização do transplante de medula óssea, desde que atendidos os critérios para tal procedimento. Assim, apesar da leucemia mielóide crônica ser uma doença grave e preocupante, o avanço tecnológico na medicina humana vem crescendo dia após dia e trazendo novas medidas terapêuticas com maior possibilidade de cura e mais esperança para os pacientes. PALAVRAS CHAVES: Leucemia mielóide crônica; Cromossomo Philadelphia; Fatores de risco; Mesilato de Imatinibe ABSTRACT This work aimed to perform a bibliographic survey on chronic myeloid leukemia (CML) in scientifc databases in order to obtain a better knowledge about this disease. CML is a myeloproliferative disease, a type of non-hereditary cancer that develops in the bone marrow. It is characterized by the presence of the Philadelphia (Ph) chromosome, originated by a translocation in chromosomes 9 and 22. The Ph chromosome is responsible for the production of an enzyme, BCR- ABL, which is related to the pathogenesis of the disease. CML is more common in adults in the 40- year age group. The clinical course of the disease is divided into three phases: a chronic phase, which is the initial period of the disease, and may last for months or years. An accelerated phase, in which the disease progresses more rapidly and an intensification of the symptoms occurs, and finally a blast phase, the worst period of the disease, when many complications may occur and lack of response in the treatment. Regarding diagnostic exams we can mention the hemogram, showing hyperleukocytosis, the appearance of immature cells and increase of eosinophils and basophils, other exams such as myelogram, cytogenetic and molecular analyzes are also essential for the diagnosis of CML. As for the treatment, there are several tyrosine kinase inhibitor drugs, that are well tolerated by patients in most cases providing a good life expectancy. There is also bone marrow transplantation as a therapeutic form of the disease. Thus, although chronic myelogenousleukemia is a serious and worrying disease, the technological advance in human medicine has been increasing day by day and bringing new therapeutic measures with greater possibility of cure and more hope for patients. KEY WORDS: Chronic Myelogenous Leukemia; Philadelphia chromosome; Risk factors; Imatinib Mesylate LISTA DE ABREVIATURAS ABL - Abelson Leukemia Vírus BCR - Breakpoint Cluster Region BMO - Biopsia de medula óssea CB - Crise blástica CFU - Unidades formadoras de colônia CIL - Células iniciadoras de leucemia CMF - Citometria de fluxo DNA – Ácido desoxirribonucleico EPO - Eritropoietina EZH2 - Ehancer of zest homolog 2 FA - Fase acelerada FB - Fase blástica FC - Fase crônica FISH - Hibridação in situ por fluorescência FLT3 - FMS – fator estimulador de colônia de macrófagos HSP - Heat shock response IBMTR - International Blood and Marrow Transplantation INCA - Instituto Nacional de Câncer LLA - Leucemia linfoblástica aguda LMC - Leucemia mielóide crônica MDACC - MDAnderson Cancer Center MI - Mesilato de imatinibe miRNA - Micro RNA mRNA - RNA mensageiro OMS - Organização Mundial da Saúde PCR - Reação da Cadeia da Polimerase Ph - Cromossomo Philadelphia (Ph) RHC - Resposta hematológica completa SCF – Fatores de células tronco SRC - Proteína não receptora de tirosina quinase TCC - Trabalho de conclusão de curso TCTH - Transplante de células tronco hematopoiética TKI – Inibidores da tirosina quinase TMO - Transplante de medula óssea LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Representação da hematopoese........................................................................................13 Figura 2 - Hospital voluntário da Escócia – Real enfermaria de Edimburgo....................................19 Figura 3 - A translocação recíproca t (9; 22) (A) gene de fusão BCR-ABL1, que é transcrita para um mRNA BCR-ABL1 (B), e traduzido para a proteína Bcr-Abl (C)...............................................21 Figura 4 - Translocação (9;22) e transcrição BCR-ABL associada a LMC, LMA e LLA....................................................................................................................................................22 Figura 5 - Representação espacial das taxas brutas de incidência de leucemias por 100 mil homens e 100 mil mulheres estimadas no Brasil para 2016, segundo Unidade da Federação ............................................................................................................................................................23 Figura 6 - Taxas brutas de incidência estimadas para 2016 por sexo no Estado do Rio Grande do Norte e em de Natal - RN...................................................................................................................25 Figura 7- Célula de Gaucher na medula óssea..................................................................................35 Figura 8 - Mecanismo de ação do mesilato de imatinibe.................................................................37 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Estimativas das taxas brutas de incidência do número de casos novos de câncer na Região Nordeste por 100 mil habitantes no ano de 2016...................................................................25 Tabela 2- Comparação de risco.........................................................................................................26 Tabela 3 - Alterações citogenéticas mais frequentes durante a evolução clonal na leucemia mielóide crônica................................................................................................................................................29 Tabela 4 – Comparação das três classificações da leucemia mielóide crônica em fase acelerada....31 Tabela 5 – Fases da leucemia mielóide crônica................................................................................32 Tabela 6 - Perfil do hemograma nas diferentes fases da leucemia mielóide crônica........................34 Tabela 7 – Recomendação de monitoramento dos pacientes com LMC em fase crônica em uso de Mesilato de Imatinibe.........................................................................................................................38 Tabela 8 - Tipo de resposta hematológica, citogenética e molecular................................................39 Tabela 9 - Tratamento para LMC, segundo as recomendações do European LeukemiaNet 2009....40 Tabela 10 - Tipos de transplante de medula óssea............................................................................41 Sumário 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 13 2 OBJETIVOS .................................................................................................................................. 16 2.1 GERAL .................................................................................................................................... 16 2.2 ESPECÍFICOS ......................................................................................................................... 16 3 MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................................................ 17 3.1 TIPO DE ESTUDO .................................................................................................................. 17 3.2 OBTENÇÃO DOS DADOS .................................................................................................... 17 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................................. 19 4.1 LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA (LMC) X HISTÓRICO ............................................... 19 4.2 CROMOSSOMO PHILADELPHIA (Ph) ............................................................................... 20 4.3 INCIDÊNCIA NO BRASIL E NO MUNDO .......................................................................... 23 4.4 FATORES PROGNÓSTICOS ................................................................................................. 25 4.5 SINTOMATOLOGIA CLÍNICA DA DOENÇA .................................................................... 27 4.6 FASES DA LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA .................................................................. 28 4.6.1 FASE CRÔNICA OU INICIAL ........................................................................................... 29 4.6.2 FASE ACELERADA OU INTERMEDIÁRIA .................................................................... 30 4.6.3 FASE AVANÇADA OU CRISE BLÁSTICA (CB) ............................................................ 31 4.7 EXAMES DIAGNÓSTICOS ................................................................................................... 33 4.8 TERAPIA MEDICAMENTOSA ............................................................................................. 36 4.9 TRANSPLANTE DE MEDULA ............................................................................................. 41 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................... 45 13 1 INTRODUÇÃO A leucemia mielóide crônica (LMC) é um tipo de neoplasia maligna na qual ocorre um aumento exacerbado no número de células que invadem a corrente sanguínea. As hemácias, os leucócitos e as plaquetas constituem as células do sistema sanguíneo, as quais apresentam-se com morfologia bastante distinta e com funções diferentes dentro do organismo. As hemácias são responsáveis pelo transporte de gases, os leucócitos participamdos mecanismos de defesa e as plaquetas têm ação na coagulação sanguínea. Por mais que esses tipos celulares tenham características morfológicas distintas e tenham funções também diferentes, todas elas são derivadas de um único processo chamado de hematopoese, o qual ocorre prioritariamente na medula óssea. (SILVA et al, 2016). Apesar de serem diferenciadas entre si, essas células derivam de uma única célula comum - a célula tronco hematopoiética indiferenciada, que possui duas importantes características: a autorrenovação, em que a célula tronco consegue produzir uma outra idêntica a ela mesma e, a capacidade de produzir células diferentes a si - denominadas progenitoras – as quais originarão as hemácias, os leucócitos e as plaquetas após sucessivas divisões. Dessa forma, a célula tronco dará origem a duas linhagens distintas principais: o progenitor linfóide e o mielóide, os quais têm a característica de serem comprometidos com determinada linhagem, fato este que norteará o processo de hematopoese. Sendo assim, o progenitor linfóide dará origem somente aos linfócitos e o progenitor mielóide, originará as hemácias, plaquetas, além dos monócitos e granulócitos (FIGURA 1) (SILVA et al, 2016). Figura 1 – Representação da hematopoese (FONTE: HOFFBRAND, 2013) 14 É importante ressaltar que todo esse processo de proliferação e diferenciação das células sanguíneas depende de fatores estimuladores de crescimento, os quais direcionam o caminho que a célula tronco seguirá antes de iniciar o processo de diferenciação. Os principais fatores de crescimento que participam da hematopoese são: fatores de células tronco (SCF), que atuam exclusivamente nas células tronco, e fatores estimuladores de colônia (CSF) – que podem agir sobre diferentes tipos de unidades formadoras de colônia (CFU), desde que estas apresentem receptores para o fator. Um exemplo é o fator que direciona a unidade formadora de colônia CFU-GEMM para seguir o caminho de granulócito, eritrócito, megacariócitos ou monócitos. A eritropoietina (EPO), um hormônio polipeptídico, é o principal responsável pela eritropoese. Se a EPO não estiver presente, os demais fatores não sustentam a eritropoese, pois todas as células comprometidas com a série vermelha apresentam receptores para EPO, com exceção dos reticulócitos e eritrócitos. Na ausência de EPO, a célula entra em apoptose. Ao final do processo de hematopoese, as células do sangue são formadas e atingem a circulação periférica, com a finalidade de exercerem seu papel dentro do organismo (SILVA et al, 2016). Porém, em algumas situações patológicas, como ocorre com as leucemias, como foi dito anteriormente, representa um tipo de doença neoplásica, no qual existe alteração das células hematopoiéticas, resultando na proliferação invasiva de células malignas. Nas leucemias, o processo de hematopoese não se completa corretamente ou a produção celular se torna descontrolada, e células imaturas passam a circular no sangue (comum em leucemias agudas) ou células maduras (comum em leucemias crônicas) vão para a circulação em grande quantidade, se tornando prejudicial ao paciente (COSTA et al, 2017). A leucemia mielóide crônica é uma doença mieloproliferativa clonal caracterizada por uma mutação adquirida que afeta a célula tronco hematopoiética (BERGANTINI et al, 2005). Laboratorialmente, a maioria dos pacientes apresenta leucocitose com desvio à esquerda, neutrofilia, eosinofilia, basofilia e presença de cromossomo Philadelphia (Ph) sendo este último considerado um importante marcador citogenético da LMC (BORTOLHEIRO; CHIATTONE, 2008). Epidemiologicamente, a LMC representa 14% das leucemias, com incidência anual de 1,6 casos por 100.000 habitantes/ano no mundo. Acomete com mais frequência adultos com idade entre 40 e 60 anos, de ambos os sexos (ANUNCIAÇÃO et al, 2008), embora exista um discreto predomínio pelo sexo masculino (BOLLMANN, 2011). A leucemia mielóide crônica compreende três fases distintas de evolução clínica, denominadas – crônica, acelerada e crise blástica. A possibilidade de instalação dos sintomas 15 ocorrer de forma lenta e progressiva, faz com que o paciente possa permanecer muito tempo sem ter o diagnóstico da doença, o que implica em consequências negativas porque no momento do diagnóstico, a doença pode se encontrar em uma fase de difícil tratamento (SILVA et al., 2016). O prognóstico dos pacientes, portanto, varia de acordo com a fase evolutiva da doença. A quantidade de pessoas apresentando leucemia no núcleo de hematologia e hemoterapia - UFRN, e a experiência de observar lâminas de pacientes com LMC durante a realização do estágio me motivou a escolher o tema para esta revisão bibliográfica. 16 2 OBJETIVOS 2.1 GERAL Este trabalho teve como objetivo realizar uma revisão da literatura através de bases de dados científicas sobre a Leucemia Mielóide Crônica. 2.2 ESPECÍFICOS Conceituar Leucemia Mielóide Crônica; Correlacionar a LMC com o Cromossoma Philadelphia; Falar sobre a incidência da doença no Brasil e no Mundo; Comentar sobre os fatores prognósticos da LMC; Comentar a sintomatologia clínica da doença; Relatar as fases da LMC; Relatar os exames que são essenciais para o diagnóstico da LMC; Comentar sobre as opções terapêuticas: medicamentosa e transplante de medula. 17 3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 TIPO DE ESTUDO Este trabalho baseia-se na revisão da literatura científica sobre a Leucemia Mielóide Crônica 3.2 OBTENÇÃO DOS DADOS Para falar sobre a Leucemia Mielóide Crônica foram realizadas pesquisas em bases de dados científicas como Pubmed, Science Direct, Scielo e Google acadêmico, fazendo a utilização de palavras chaves em português e em inglês. Na busca em inglês foram utilizados os seguintes descritores: chronic myeloid leukemia; Philadelphia chromosome; myeloproliferative disorders; staging cancer; clinical laboratory techniques; Imatinib mesylat; treatment; risk factors. Em português foram utilizadas as palavras: Leucemia mielóide crônica; cromossomo filadélfia, distúrbios mielorproliferativos; desencadeamento do câncer; técnicas de laboratório clínico; mesilato de imatinib; tratamento e fatores de risco. Com a finalidade de realizar uma rica revisão, o referido levantamento bibliográfico buscou publicações feitas entre o ano de 1996 e 2017. Quanto a pesquisa desses dados, procurou-se dar prioridade as informações que estivessem publicadas em artigos mais recentes possíveis para manter uma certa atualidade nas informações. Embora existam artigos mais antigos, a quantidade de artigos recentes é predominante. Foram avaliados artigos publicados em português e inglês que tivessem como abordagem principal a Leucemia Mielóide Crônica e suas principais características, fazendo o uso das informações relevantes presentes nesses artigos que correlacionem informações fundamentais para o desenvolvimento deste assunto. Além da busca em periódicos, foram utilizados como referência informações de livros na área de hematologia e dados epidemiológicos fornecidos pelo Ministério da Saúde através do site do Instituto Nacional de Câncer (INCA) para obtenção de dados sobre a incidência da leucemia mielóide crônica no Brasil. Utilizaram-se ainda informações obtidas em tese de doutorado e em TCC. 18 No total foram utilizados 95 artigos científicos, 5 sites, 2 cartilhas/informativos, 3 livros texto e 2 monografias, totalizando 107 fontes de referência bibliográfica. 19 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA (LMC) X HISTÓRICO A leucemia mielóide crônica é uma doença mieloproliferativa do sistema hematopoiético, caracterizada pela expansão clonal de uma célula tronco primitiva e pluripotente e as primeiras informações sobre esta leucemia foram relatadasem 1845 através da descrição de relatos de casos (FUNKE et al, 2010; GEARY et al, 2000). O Dr. Robert Virchow e Jonh Hughes Bennett identificaram e combinaram sintomas clínicos em seus pacientes, como aumento do baço e fígado e detalhes microscópicos pós mortem de amostras de sangue com aspecto purulento na tentativa de descreverem a doença (GEARY et al, 2000). Em 1995, em um simpósio ocorrido na cidade de Edimburgo, capital da Escócia, realizado por ocasião da comemoração das conquistas do Dr. Bennet, foi feita uma cronologia de aproximadamente 150 anos a respeito da LMC, em que foi possível observar que mesmo antes do reconhecimento da doença, outros pesquisadores já haviam feito relatos de morte de pacientes com sintomas semelhantes atendidos no Hospital Voluntário de Edimburgo (FIGURA 2). Em 1825, havia sido descrito o caso de uma mulher de 63 anos e em 1839, uma mulher de 44 anos, ambas com presença de baço e fígado aumentados após autópsia; Em 1841 paciente com fraqueza progressiva, inchaço abdominal e febre e em 1844, homem de 28 anos com características semelhantes (GEARY et al, 2000). Figura 2: Hospital voluntário da Escócia – Real enfermaria de Edimburgo (FONTE: GEARY et al, 2000). 20 Ao estudar flebite, Robert Virchow encontrou seu primeiro caso de leucemia mielóide crônica, em uma mulher de 50 anos no Hospital de Berlim reclamando de fadiga, hemorragias nasais e inchaço das pernas e abdômen. Após 4 meses de sua morte foi realizada a biópsia e identificada tumefação com pus nos vasos sanguíneos. Em 1847, Robert Virchow sugeriu o nome de “leucemia” para a desordem encontrada, mas não foi aprovada, pois Bennet já estava propondo “leucocitemia”. Virchow observou em 4 de 9 casos uma relação entre a aparência do sangue e a presença de um grande baço em 1847. Ele percebeu a presença de células granulares que foram encontrados em casos de leucemia e células agranulares encontradas especialmente em pacientes com linfadenopatia (GEARY et al, 2000). Bennett pensou que a aparência no sangue em seus casos pudessem refletir um processo infeccioso incomum. Mas Virchow não concordou, pois não havia evidência de supuração de tecido, a qual poderia se espalhar para o sangue. Durante aproximadamente 10 anos publicou estudos sobre a natureza da doença que foi resumida em 1856 em um papel de grande importância. A leucemia era aparentemente autônoma, de condição progressiva, caracterizada por aumento nos glóbulos brancos e diminuição dos glóbulos vermelhos, além de estar associada a mudanças no fígado e no baço. Houve também a suspeita da medula óssea ser uma região importante para as células do sangue quando notou a aparência verde amarelada em uma autópsia de uma paciente com leucemia (GEARY et al, 2000). Sendo assim, a leucemia mielóide crônica foi a primeira leucemia a ser descrita, em pacientes que morreram em consequência de intensa leucocitose e hepatoesplenomegalia e as descobertas subsequentes relacionadas à doença e seu tratamento são reflexo do enorme progresso ocorrido nas mais diversas áreas da ciência (GEARY et al, 2000; BERGANTINI et al, 2005). 4.2 CROMOSSOMO PHILADELPHIA (Ph) As anormalidades genéticas são características de malignidades humanas (GUARNERIO et al., 2016) e caracterizadas por variações do número de cópias de DNA e aberrações na estrutura cromossômica resultante de mutações ou fusões de genes (BOCHTLER et al., 2015). A fusão de genes é uma recombinação de DNA que envolve a troca de material genético entre os cromossomos ou entre as regiões distintas do mesmo cromossomo (VAN GENT et al., 2001). Os mecanismos moleculares responsáveis pela obtenção de um gene híbrido são translocação (t), supressão, 21 inserção e inversão cromossômica (FEUK et al., 2006). A fusão oncogênica ocorre em células neoplásicas e inclui pelo menos um proto-oncogene durante o processo de recombinação do DNA. Proteínas derivadas da fusão oncogênica têm atividades anormais e contribuem para o desenvolvimento de câncer, como a leucemia (MITELMAN et al., 2007). Em meados de 1940 já havia tentativas de detectar anormalidades cromossômicas em células leucêmicas, e em 1950 ocorreu um grande aumento na pesquisa sobre a constituição cromossômica de células neoplásicas, bem como a procura de anormalidades cariotípicas (GEARY, et al, 2000). Porém, somente em 1960 dois pesquisadores americanos - Peter C. Nowell, da Universidade de Medicina da Pensilvânia e David Hungerford do Instituto de Pesquisa do Câncer -, descreveram a translocação entre os cromossomos 9 e 22 (HAMERSCHLAK, 2008), sendo esta a primeira vez que uma anormalidade cromossômica foi associada a uma doença oncológica (BOLLMANN; GIGLIO, 2011). O cromossomo Philadelphia (Ph) resulta, portanto, de uma translocação recíproca entre os braços longos dos cromossomos 9 e 22 e foi assim denominado pelo fato de ter sido descoberto na cidade da Philadelphia, EUA (APPERLEY, 2015; HANLON; COPLAND, 2017). Essa translocação t(9:22)(q34:q11) justapõe o oncogene ABL (Abelson Leukemia Vírus) - mapeado no cromossomo 9 - ao gene BCR (Breakpoint Cluster Region) - mapeado no 22 (BERGANTINI, et al, 2005) e o gene de fusão é transcrito em RNAm BCR-ABL1 e traduzido para a proteína BCR- ABL1, de 210 Kda (FIGURA 3) (APPERLEY, 2015). Figura 3 - A translocação recíproca t (9; 22) (A) gene de fusão BCR-ABL1, que é transcrita para um mRNA BCR-ABL1 (B), e traduzido para a proteína Bcr-Abl (C) (FONTE: APPERLEY, 2015). 22 Em condições normais, o gene BCR codifica uma proteína com função relacionada à regulação do ciclo celular, enquanto o gene ABL codifica uma proteína tirosina-quinase. O gene BCR-ABL gera uma nova proteína que apresenta atividade tirosina-quinase elevada, responsável pela patogênese da doença (BERGANTINI et al, 2005). A célula leucêmica bcr-abl apresenta uma mieloproliferação contínua resultante, provavelmente, de três mecanismos principais: alteração da adesão das células progenitoras às células estromais e à matriz extracelular; manutenção de um sinal mitogênico constante e resistência à apoptose celular (BERGANTINI et al, 2005). São observados três tipos principais de genes híbridos BCR/ABL, produzindo três isoformas de proteína tirosina quinase com atividade anormal: p230, p210 e p190 (FIGURA 4), sendo a p210 a que está presente na maioria dos pacientes com LMC (MELO, 1996). Figura 4 - Translocação (9;22) e transcrição BCR-ABL associada a LMC, LMA e LLA (FONTE: AVELINO et al, 2017) 23 Atualmente sabe-se que o cromossomo Ph não é restrito à LMC, podendo ser encontrado, especialmente a isoforma p190, em indivíduos com leucemia linfoblástica aguda (LLA) - 5% em pacientes infantis e 25% em adultos (BARBOZA et al, 2000). Contudo, o achado desse cromossomo permanece como um importante marcador citogenético da LMC e sua detecção tem implicações no diagnóstico, prognóstico e na terapêutica da doença (BERGANTINI et al, 2005), tendo sido utilizado inclusive no desenvolvimento do primeiro medicamento com alvo genético (CHAUFFAILLE, 2008). 4.3 INCIDÊNCIA NO BRASIL E NO MUNDO O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estimou 352 mil novos casos de leucemia no ano de 2012 em todo o mundo. No Brasil, as estimativas para o ano de 2014, válidas também para o ano de 2015, apontaram para a ocorrência de aproximadamente 576 mil casos novos de câncer. Já em 2016, estimou 5.540 novos casos de leucemia em homens e 4.530 em mulheres também no Brasil. Valores estes, correspondentes a 5,63 casos a cada 100 mil homens e 4,38 a cada 100 mil mulheres. (FIGURA 5) (INCA, 2014; INCA, 2015; BARBOSA et al, 2015). Figura 5 - Representação espacial das taxas brutas de incidência de leucemias por 100 mil homens e 100 mil mulheres estimadas no Brasil para 2016, segundo Unidade da Federação (FONTE: INCA, 2016). 24 Considerando os diversostipos de câncer, com exceção dos tumores de pele não melanoma, a leucemia, em homens, ocupa a nona posição na Região Nordeste (4,41/100 mil). Essa posição pode ser observada através do número decrescente de casos existentes dos outros tipos de câncer (TABELA 1) E na Figura 6 é possível observar que as leucemias se encontram em oitavo lugar no estado do Rio Grande do Norte (INCA, 2015). Tabela 1 - Estimativas das taxas brutas de incidência do número de casos novos de câncer na Região Nordeste por 100 mil habitantes no ano de 2016 (FONTE: INCA, 2016). Figura 6- Taxas brutas de incidência estimadas para 2016 por sexo no Estado do Rio Grande do Norte e em de Natal – RN (FONTE: INCA, 2016). 25 Já a incidência de LMC é de um a dois casos para cada 100 mil habitantes/ano no mundo e representa aproximadamente 15% de todas as leucemias em adultos (BORTOLHEIRO et al, 2008). O acontecimento da LMC varia globalmente com as taxas mais altas na Itália, Austrália, Suíça e Estados Unidos (cerca de 1,5 por 100.000 habitantes) e as taxas mais baixas na Suécia e China (cerca de 0,7 por 100.000 habitantes) (LEVINE et al, 2016; FRIZZO et al, 2016). A taxa de incidência da LMC por sexo nos Estados Unidos é aproximadamente 2 por 100.000 habitantes para homens e cerca de 1,1 por 100.000 pessoas para mulheres (FRIZZO et al, 2016). Assim como ocorre em outras neoplasias, que têm predomínio por determinada faixa etária, na LMC a mediana de idade ao diagnóstico é geralmente de 40 a 60 anos, com menos de 10% dos casos ocorrendo em pacientes com idade inferior a 20 anos (BORTOLHEIRO et al, 2008). Nos Estados Unidos, ocorre principalmente com idade média de 64 anos (LEVINE et al, 2016), porém no Brasil, estudos nacionais mostraram que a mediana de idade é, no mínimo, dez anos mais baixa que a encontrada na literatura internacional, como evidenciado em estudo realizado na Santa Casa de São Paulo com pacientes apresentando LMC com uma idade média de diagnóstico de 40 anos (BORTOLHEIRO et al, 2008). Entretanto, apesar de ser uma doença predominante em adultos, não impede que outras faixas etárias sejam acometidas (BOLLMANN; GIGLIO, 2011). Em crianças, a LMC representa apenas de 2 a 3% das leucemias, sendo mais encontrada em crianças maiores de 10 anos, embora já existam relatos da LMC em lactentes menores de 24 meses de idade (LEE et al, 2008). 4.4 FATORES PROGNÓSTICOS Um fator prognóstico poderia ser definido como um parâmetro possível de ser mensurado no momento do diagnóstico e que serviria como preditor da sobrevida ou do tempo livre de doença, ou seja, são fatores que influenciam o curso e a evolução de uma doença, possibilitando aplicar uma melhor estratégia terapêutica (MISRA, et al, 2000; ABREU, KOIFMAN, 2002; SOARES, et al, 2011). Anormalidades citogenéticas e fatores como idade; tamanho do baço; contagem de plaquetas; contagem de blastos, basófilos e eosinófilos no sangue periférico são levados em consideração como fatores prognósticos. Estes são analisados e interpretados tanto no diagnóstico da doença, como no decorrer do tratamento para saber se está havendo um bom resultado (BOLUDA; CERVANTES, 2009). 26 Vários critérios foram estabelecidos para auxiliar no prognóstico de cada paciente e esse risco relativo pode ser calculado através dos escores de Sokal, Hasford e EUTO (HASFORD et al, 2011), que diferem entre si em aspectos distintos (TABELA 2). Entretanto, a metodologia mais utilizada foi a proposta por Sokal e colaboradores que derivou de uma análise multivariada de 800 pacientes em fase crônica tratados com busullfan e hidroxiuréia, estratificando a amostra em três grupos com sobrevida em 4 anos de 62%, 43% e 33% para os grupos de baixo, intermediário e alto risco. Tal método tem como parâmetros a idade, tamanho de baço, porcentagem de blastos no sangue periférico e contagem de plaquetas ao diagnóstico (LEE, 2008). Tabela 2- Comparação de risco (FONTE: Rêgo, 2014) Embora o estadiamento da maioria dos cânceres se baseie principalmente na distribuição anatômica da doença, marcadores moleculares podem ser propícios para aprimorar o tratamento e a prevenção do câncer. Esses marcadores se enquadram em quatro categorias principais: Antígenos protéicos, anormalidades citogenéticas, polimorfismos genéticos e alterações de expressão gênica (MISRA et al, 2000). Um estudo realizado na Universidade de Turim na Itália com 71 pacientes diagnosticados com LMC na fase crônica demonstrou a importância de uma avaliação molecular precoce na identificação de pacientes com desfechos favoráveis. Na ocasião, a análise quantitativa do gene ABL1 foi utilizada como controle, sendo feita a mensuração a cada três meses após o diagnóstico da doença para quantificar o gene BCR-ABL visando mostrar o tempo de eliminação inicial desse 27 transcrito. O estudo constatou a importância de se identificar o nível de BCR-ABL1 ao diagnóstico e sua avaliação após início do tratamento para que possa haver uma comparação da cinética do BCR-ABL entre o tempo de diagnóstico e de tratamento, funcionando assim como índice prognóstico adicional ao paciente (FAVA, et al, 2016). Dessa forma, reforça-se a importância da avaliação cariotípica das amostras de sangue ou medula óssea de pacientes com LMC ao diagnóstico e no decorrer da doença (MISRA et al, 2000). Outros fatores podem existir como importantes indicadores da LMC, sendo um deles a molécula FLT3 (FMS – fator estimulador de colônia de macrófagos) - um receptor com atividade tirosino-quinase expresso em célula precursora hematopoiética e que desaparece conforme essas células se diferenciam. Pelo fato de já ter sido observado em pacientes com LMC em fase blástica, sua expressão pode sugerir a progressão dessa neoplasia, sendo, considerado, portanto, como marcador da doença (KIM et al, 2010). Um outro possível fator prognóstico a ser considerado é a HSP (Heat shock response), uma proteína de choque térmico, que faz parte da família das proteínas conhecidas como chaperonas moleculares e que podem ser agrupadas em seis famílias: pequenas Hsp, Hsp40, Hsp60, Hsp70, Hsp90 e Hsp100, de acordo com suas sequências de aminoácidos e com seus pesos moleculares (em Kd) (CASTRO et al, 2013; MEYER; SILVA, 1999). Em situações normais, o organismo pode sofrer muitas situações estressantes como, por exemplo, o aumento de temperatura, estresse osmótico ou oxidativo e respondem a isso por meio de alterações no metabolismo celular ativando seus mecanismos de defesa e tendo a participação dessas proteínas de choque térmico nessa resposta (CASTRO et al, 2013). Diferentes estudos já demonstraram associação das HSPs, em suas diferentes formas, Hsp90 (ZACKOVÀ et al, 2013) e Hsp70 ((YEH et al, 2009) com progressão da LMC, entretanto, estudos adicionais precisam ser realizados para melhor correlacionar essas proteínas como fatores prognósticos desta neoplasia (ZACKOVÀ et al, 2013). 4.5 SINTOMATOLOGIA CLÍNICA DA DOENÇA Embora a doença seja relacionada à presença de apenas uma alteração gênica, o quadro clínico é heterogêneo (BORTOLHEIRO et al, 2008) e as manifestações clínicas vão depender da fase e da gravidade da doença (ZAGO et al, 2013). Os principais sinais e sintomas estão associados 28 aos distúrbios provocados pela proliferação intensa e descontrolada de células na medula óssea e a saída das mesmas para o sangue periférico (SILVA et al, 2016). A LMC é caracterizada por uma leucocitose com desvio a esquerda (LAGO; PETRONI, 2017), ou seja, uma maior prevalência de precursores granulocíticos mais jovens como mielócito e metamielócito do que bastonetes, sem obedecer a ordem normal de liberação dessas células pela medula óssea (SILVA et al, 2016). As manifestações clínicas e evolutivas são semelhantes na criança e no adulto, embora a principal diferença observada tenha sido contagensleucocitárias mais elevadas no grupo pediátrico em relação a contagem relatada em adultos (LEE, 2008). A síndrome de hiperviscosidade decorrente de hiperleucocitose (>100x109/L) pode ocorrer na LMC (AMÂNCIO et al, 2008) e é caracterizada por sangramentos de mucosa - geralmente na forma de epistaxe - retinopatia, alterações neurológicas e às vezes, acometimento do sistema cardiovascular, com insuficiência cardíaca (JUNIOR et al, 2005). Na vigência dessa síndrome, sintomas considerados como incomuns na LMC podem se fazer presentes em decorrência da elevada quantidade de leucócitos, como é o caso da perda auditiva neurossensorial ou isquemia intracoclear e perda visual (AMÂNCIO et al, 2008). Outros achados clínicos importantes são a esplenomegalia em um percentual bastante elevado de pacientes, causando desconforto abdominal (BERGANTINI et al, 2005), cansaço e palidez decorrentes da anemia e sangramentos em gengivas, nariz, região vaginal entre outros causados por deficiência funcional plaquetária (SILVA et al, 2016). Porém, é importante saber que na fase muito inicial da LMC, o diagnóstico pode ocorrer em um exame de rotina, pois os sinais, sintomas e achados laboratoriais são bem discretos (HAMERSCHLAK, 2008). 4.6 FASES DA LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA A LMC progride através de três fases distintas caracterizadas por piora no quadro clínico e nas características laboratoriais (ALVARENGA et al, 2010; APPERLEY, 2015). São elas: a fase crônica (FC) caracterizada por uma proliferação da linhagem mielóide, seguida por uma fase acelerada (FA) que é a fase de transição da doença e apresenta uma perda progressiva da 29 diferenciação celular e por fim a fase blástica (FB) que envolve a transformação da LMC para um quadro de leucemia aguda (APPERLEY, 2015; HANLON; COPLAND, 2017). Importante saber que nem sempre os pacientes vão passar por uma ordem correta das fases (BOLLMANN; GIGLIO, 2011), sendo assim, podem progredir da FC para a FB bruscamente sem uma fase intermediária de aceleração (SHORKSI, 2012). Apenas os níveis aumentados de BCR-ABL não são suficientes para explicar essa mudança de fases da LMC. Portanto, alterações secundárias, como mutações adicionais vêm sendo estudadas para explicar a progressão da doença (KOCH, et al, 2017). 4.6.1 FASE CRÔNICA OU INICIAL A LMC na fase crônica pode durar vários anos (BERGANTINI, et al, 2005), costumando persistir por tempo médio de três a cinco anos (VERRASTRO, et al 2005). Ao diagnóstico, 90% dos pacientes estão em fase crônica (FURTADO, et al, 2015) e em torno de 20% a 40% dos pacientes são assintomáticos (BORTOLHEIRO et al, 2008) sendo identificados geralmente pela leucocitose detectada em exame de rotina (SBOC, 2011). A evolução clonal, ou seja, o acúmulo de modificações genéticas pode ser responsável pela progressão da doença. Sendo assim, a presença de anomalias citogenéticas adicionais ao diagnóstico, como aquisição de um novo cromossomo Ph, trissomia de 8, isocromossomo do braço longo do 17 (i(17q)) e trissomia do 19 são associadas ao maior risco de progressão para FA/FB (TABELA 3) (SHORSKI, 2012), uma vez que a aquisição dessas alterações cromossômicas contribui para um aumento no potencial proliferativo celular (ALVARENGA, et al, 2010). Tabela 3 - Alterações citogenéticas mais frequentes durante a evolução clonal na leucemia mielóide crônica (ADAPTADA de REY; MONTENEGRO, 2009). FREQUENTES MENOS FREQUENTES RAROS RAROS Ph adicional Translocação (15;17) Delecão (-5) Trissomia 8 Trissomia 9 Translocação (3;21) Deleção (-5q) Isocromossomo 17 (q26;q22) Deleção (-7) Perda do cromossomo Y Inversão 3 Deleção (-7q) 30 Tal fase pode apresentar sintomas como: fadiga; febre; suor; fraqueza; perda de peso, sudorese noturna e esplenomegalia. Às vezes aparecem sintomas relacionados à hiperviscosidade, como: papiledema; cefaléia; turvação visual e epistaxe, já que estão associados à contagem de leucócitos superiores a 250.000/mm3, embora seja raro de se ver na fase crônica (SBOC, 2011). Laboratorialmente, a FC geralmente revela hemograma apresentando hemoglobina normal ou discreta anemia; plaquetas variando de normal a elevada; leucocitose com desvio a esquerda, com predomínio de granulócitos neutrófilos, podendo haver presença de mieloblastos, promielócitos, mielócitos e metamielócitos. Existência de basofilia e eosinofilia, podendo ser visto núcleo ou fragmentos de megacariócitos no sangue periférico, além da fosfatase alcalina intraleucocitária ser baixa em 90% dos pacientes nessa fase (BORTOLHEIRO et al, 2008). Já em resultados de mielograma e biopsia de medula óssea (BMO), a medula apresenta-se com uma hipercelularidade intensa, com predomínio de granulócitos e relação grânulo-eritroblástica aumentada. Hiperplasia da linhagem mielóide e blastos < 10%. Importante também analisar a medula para verificar se tem ou não a presença de fibrose, embora seja menos comum nessa fase. Pode ocorrer o aumento de reticulina e células de pseudo-Gaucher podem ser evidenciadas em 30% dos casos (SBOC, 2001). 4.6.2 FASE ACELERADA OU INTERMEDIÁRIA A fase acelerada da LMC corresponde a uma fase em que a doença se torna refratária à terapêutica e precede a fase da agudização/crise blástica que surge após um período de tempo variável do diagnóstico (VERRASTRO et al, 2005) de poucos meses a vários anos (BERGANTINI et al, 2005). Uma fase turbulenta e com maior dificuldade de controle (HAMERSCHLAK, 2008) e caracterizada pelo aumento no número de blastos na medula óssea e no sangue periférico, além de leucocitose, basofilia, anemia, com variação no número de plaquetas (ANUNCIAÇÃO et al, 2008). Muitas definições dessa fase foram descritas nos últimos 20 anos, utilizando diversos critérios objetivos, sendo as mais utilizadas as do MD Anderson Cancer Center (MDACC); International Blood and Marrow Transplantation (IBMTR) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) (TABELA 4) (BOLLMANN; GIGLIO, 2011). A classificação da OMS nas três fases tem diferenças irrelevantes frente a classificação IBMTR e MDACC (PROJETO DIRETRIZES, 2012). 31 Tabela 4 – Comparação das três classificações da leucemia mielóide crônica em fase acelerada (FONTE: BORTOLHEIRO et al, 2008). Clinicamente, na maioria dos casos existe uma piora significativa no estado clínico com surgimento ou agravamento dos sintomas. Presença de gânglio linfático aumentado deve ser um alerta, pois pode ser sinal de progressão. A medula pode apresentar displasia nas linhagens granulocítica e megacariocítica e por fim a presença de fibrose por colágeno é um dos critérios de definição de fase acelerada pelo registro Internacional de Transplante de Medula Óssea (SBOC, 2011). 4.6.3 FASE AVANÇADA OU CRISE BLÁSTICA (CB) A fase de crise blástica caracteriza-se pela evolução da LMC para uma forma aguda de leucemia e constitui-se num período de mais fácil identificação (BORTOLHEIRO et al, 2008). A CB é definida hematologicamente pelo aumento no número de blastos leucêmicos mielóides e/ou linfóides (> 20%) no sangue periférico e é nessa fase que muitos pacientes evoluem para óbito dentro de três a seis meses (TABELA 5) (ANUNCIAÇÃO et al, 2008), pois a progressão da doença costuma ser rapidamente fatal, com pouco sucesso terapêutico (VERRASTRO et al, 2005). Em aproximadamente 25% dos pacientes a forma aguda manifesta-se com caráter linfóide e em 75%, como mielóide (HAMERSCHLAK, 2008), sendo raramente bifenotípica (BORTOLHEIRO et al, 2008). 32 Tabela 5 – Fases da leucemia mielóide crônica (FONTE: ALMEIDA, et al, 2009). Em contrapartida, um relato de caso mostrou que uma senhora de 65 anos foi diagnosticada em CB linfoblástica, após instituição do tratamento, regrediu para fase crônica e posteriormente sofreu progressão para uma CB mieloblástica com anormalidades citogenéticasraras (CABRERA et al, 2013). Nesta fase é comum o achado de anormalidades citogenéticas adicionais, sendo mais comun a duplicação do Ph, trissomia do 8 e 17q. Um estudo em pacientes com LMC na CB revelou mutações em quase 77% dos casos, sendo uma alteração cromossômica numérica detectada a uma frequência de 50 vezes maior e uma mudança estrutural a uma frequência 12 vezes maior na CB, quando comparada a FC. Elas também são mais encontradas em CB linfóide do que CB mielóide, sendo na CB mielóide detectados de 20-30% no gene supressor de tumor p53 i(17q) e t(1;17) associados a perda de p53 e mutações pontuais no mesmo (SHORSKI, 2012). Portanto, é provável que a CB resulte no acúmulo de um número crítico ou combinação de diferentes mutações, que podem causar dano ao DNA associado a um reparo de DNA ineficiente, facilitando o acúmulo de mutações genéticas adicionais que contribuem para a evolução clonal na CB (SHORSKI, 2012). Embora fatores genéticos sejam claramente importantes, modificações epigenéticas como modificadores de histonas; metilação do DNA e miRNA desregulados são cada vez mais conhecidos como mecanismos cruciais na patogênese e progressão da doença (KOSCHMIEDER; VETRIE, 2017). 33 4.7 EXAMES DIAGNÓSTICOS Para estabelecer o diagnóstico da LMC deve ser feita uma avaliação clínica e laboratorial exaustiva (ALMEIDA et al, 2009), podendo ser realizados por vários métodos, incluindo exame do sangue periférico como hemograma e da medula óssea (mielograma e biopsia de medula); análise celular por citometria de fluxo; citogenética e biologia molecular, entre outros (ANUNCIAÇÃO et al, 2008). O exame de coloração citoquímica da fosfatase alcalina já foi amplamente utilizado no diagnóstico da LMC, porém, com o advento das novas ferramentas diagnósticas encontra-se em desuso na maioria dos centros de referência. O hemograma é o nome dado ao conjunto de avaliações das células do sangue que, reunido aos dados clínicos, permite conclusões diagnósticas e prognósticas de grande número de patologias (NAOUM; NAOUM, 2017). É um exame realizado em sangue periférico e na LMC demonstra uma leucocitose de aproximadamente 250.000/mm3, variando de 20.000 a 600.000/mm3 e intenso aumento de granulócitos na circulação. Estes são compostos por blastos leucêmicos (em quantidade variável), promielócitos e predomínio de formas intermediárias (mielócitos e metamielócitos) e granulócitos já totalmente maduros (bastonete e neutrófilos segmentados) (ANUNCIAÇÃO et al, 2008). Outro achado importante na LMC é a presença eosinofilia e basofilia (VERRASTRO et al, 2005). A anemia pode ser discreta ou acentuada, dependendo do tempo de evolução da doença (VERRSASTRO et al 2005). O valor da hemoglobina se apresenta em torno de 9,7g/dL, variando de 5,4 a 14,4g/dL. Já as plaquetas ficam em torno de 485.000mm3, oscilando de 25.000 a 1.400.000/mm3. Importante salientar que esses valores observados no hemograma variam de acordo com a fase da doença (TABELA 6) (ANUNCIAÇÃO et al, 2008). 34 Tabela 6 - Perfil do hemograma nas diferentes fases da leucemia mielóide crônica (FONTE: SOSSELA, et al, 2017). O mielograma é o exame que avalia a medula óssea através de uma punção aspirativa medular (amostra extraída do osso ilíaco e mais raramente do esterno). Trata-se de um exame secundário caso haja quantidade diminuída de glóbulos brancos. Em indivíduos com LMC a medula apresenta-se hipercelular devido à intensa proliferação de granulócitos, mais especificamente os neutrófilos e células precursoras. Essa relação pode variar em torno de 10 a 30 granulócitos para cada célula eritrocitária. A sequência de maturação é mantida (CHAUFFAILLE, 2010), porém com predomínio de células mais jovens como promielócito e mielócito. Há também a presença de megacariócitos, podendo, ainda, existir macrófagos contendo pigmentos azulados ou às vezes se assemelham às células de Gaucher (ANUNCIAÇÃO et al, 2008). A glicosilceramidase é responsável pela degradação da glicosilceramida em glicose e ceramida e sua deficiência resulta no acúmulo intracelular da glicosilceramida, principalmente na linhagem macrofágica. Portanto, os macrófagos cheios de glicosilceramida são chamados de células de Gaucher (FIGURA 7), sendo que células muito semelhantes conhecidas como pseudo célula de Gaucher podem ser encontradas em várias doenças como a LMC (SOBREIRA; BRUNIERA, 2008). 0 35 Figura 7- Célula de Gaucher na medula óssea (FONTE: SOBREIRA, BRUNIERA, 2008) Na FA ocorre a parada de maturação na série branca e na CB há infiltração maior ou menor por blastos muito atípicos (VERRASTRO et al, 2005). A biópsia de medula óssea consiste na análise de um fragmento de osso da medula e também se mostrará hipercelular na LMC, com aumento de granulócitos e megacariócitos. Pode ainda demonstrar fibrose reticulínica na coloração por hematoxilina e eosina (ANUNCIAÇÃO et al, 2008). A análise citogenética em LMC apresenta três objetivos: o primeiro, diagnóstico diferencial entre LMC e outras doenças mieloproliferativas; segundo, monitorização da resposta terapêutica e terceiro, a detecção de alterações cromossômicas adicionais ao Ph no diagnóstico ou durante o tratamento (ALVARENGA et al, 2010). A citogenética estuda os cromossomos, sua função, estrutura, comportamento biológico, patológico e hereditariedade (MONTENEGRO et al, 2008). O diagnóstico para pacientes com LMC nessa área compreendem a hibridação in situ por fluorescência (FISH); Reação da Cadeia da Polimerase (PCR) e bandeamento Giemsa (bandeamento G), portanto os três tipos detectam o cromossomo Ph e a fusão BCR-ABL, sendo eles característicos da LMC (ALIKIAN et al 2017). 36 A metodologia de escolha para identificar o cromossomo Ph é o bandeamento G, pois além de identificar alterações cromossômicas adicionais, possui um menor custo quando comparado às outras técnicas e uma sensibilidade muito grande. Entre 5-10% dos pacientes com critérios compatíveis para LMC, não possuem evidências citogenéticas do cromossomo Ph, mas em cerca de metade desses o rearranjo BCR-ABL é identificado através de métodos moleculares como FISH ou PCR (BENNOUR, 2016). Esse exame é realizado preferencialmente em células da medula óssea coletadas com heparina ou em meio de cultura especial. O sangue periférico também pode ser usado de forma alternativa, embora a sensibilidade seja muito menor (ANUNCIAÇÃO et al, 2008). Entretanto, a vantagem da FISH é que também pode ser feito em amostra de sangue periférico, graças a utilização de sondas de dupla fusão (CHAUFFAILLE, 2010). Com a imunofenotipagem é possível identificar a proporção total de células brancas e cada tipo das mesmas por meio das propriedades celulares de cada célula através da técnica de citometria de fluxo (CMF), sendo esta, útil para diagnóstico, classificação, prognóstico, estadiamento, monitoramento e a caracterização das células hematopoiéticas patológicas (QUIXABEIRA; SADDI, 2008). 4.8 TERAPIA MEDICAMENTOSA Ao longo dos anos surgiram vários marcos terapêuticos no tratamento da LMC. Os primeiros eram apenas paliativos utilizando ferro e quinina sem qualquer resultado. Porém, em 1865 houve a administração em uma paciente com LMC da solução de Fowler (solução de trióxido de arsênico a 1%), observando redução do baço e da contagem de leucócitos, além da melhora na anemia. Apesar de sua toxicidade, o arsênico foi utilizado como tratamento da LMC até 1903 quando a radioterapia foi introduzida nos EUA. Então, com essa nova forma de terapia, bons resultados foram observados assim como na administração de arsênico, contudo foi observado que a expectativa de vida não aumentava. Houve também o uso de radiação esplênica por volta de 1900. E anos depois foi realizado o tratamento com mostardas nitrogenadas, que logo em seguida conduziu ao desenvolvimentodo bulssulfano em 1953 (GEARY, 2000). O bulssufano é um agente citostático utilizado no tratamento paliativo da LMC (ZAGO et al, 2013). Após vários estudos concluiu-se que o bulssufano era capaz de controlar a LMC de forma mais eficaz que a radioterapia e outras terapêuticas mencionadas anteriormente, portanto o 37 bussulfano foi utilizado por 35 anos, até ser trocado por drogas menos tóxicas como a hidroxiuréia e alfa-interferon (GEARY, 2000; TEFFERI, 2008). A descoberta da proteína quinase BCR-ABL e a sua relação de causalidade com a leucemia mielóide crônica, possibilitou o desenvolvimento de substâncias direcionadas especificamente para a doença (TEFFERI, 2008; PATEL et al, 2017). Assim, em 1996 foi desenvolvido o mesilato de imatinibe (MI) (TEFFERI, 2008) e seu uso aprovado pelo U. S. Food and Drug administration em 2001, após estudos de fase I e II, para uso em doentes de LMC em FA, FB ou em FC resistente ou intolerante ao interferon em adultos. O MI é um medicamento de primeira geração, inibidor da proteína tirosina quinase (TKI) e foi a primeira terapia alvo utilizada em oncologia (QUINTASCARDAMA; CORTES, 2006) alterando o desfecho dos pacientes e, consequentemente, o manejo dessa doença (APPERLEY, 2007). O mesilato de imatinibe (Glivec®) é um composto 2-fenil-amino-pirimidina, inibidor seletivo da proteína tirosina quinase, ATP dependente, cujo mecanismo de ação leva ao bloqueio competitivo do ATP, impedindo a fosforilação do domínio tirosina quinase de ABL e consequentemente, a sinalização energética para a proliferação celular e inibição da apoptose celular, revertendo, assim, parte importante da patogênese da LMC, com redução da proliferação tumoral e aumento da apoptose (FIGURA 8) (ABREU; LOPES, 2009). Figura 8– Mecanismo de ação do mesilato de imatinibe (FONTE: ZAHARIEVA, et al, 2013). 38 A dose preconizada é de 400mg/dia, por via oral, embora possa variar de acordo com a fase e progressão da doença. Sua ação é avaliada pela resposta hematológica completa (RHC) - o que significa o desaparecimento dos sintomas, esplenomegalia e normalização do hemograma - resposta citogenética e resposta molecular (TABELA 7) (CHAUFFAILLE, 2009; MOREIRA, BOECHAT, 2009). Entretanto, um considerável número de pacientes tem desenvolvido resistência a esse medicamento (MOREIRA, BOECHAT, 2009), podendo ocorrer por diferentes mecanismos como: mutação no domínio tirosina quinase do BCR-ABL; amplificação do BCR-ABL com expressão aumentada e evolução clonal com ativação de vias de transformação adicionais. Tal situação reforça, portanto, a necessidade do acompanhamento do tratamento (TABELA 8). (CHAUFFAILLE, 2009). Portanto, é possível concluir que a maior eficácia do MI é na fase inicial da doença, sendo o uso mais tardio e em fases mais avançadas, associada a maior frequência de resistência ao fármaco. Importante salientar também que os bons resultados e a tolerância ao medicamento não autorizam a suspensão temporária do mesmo, uma vez que está bem esclarecido na literatura o retorno da neoplasia com a interrupção do tratamento (SILVA et al, 2009). Para a maioria dos pacientes que não respondem bem ao uso do imatinibe, substituir o tratamento para um TKI de segunda geração ou superior é provavelmente a melhor opção (GOLDMAN et al 2009), além da possibilidade de realização do transplante de células tronco hematopoiéticas (CHAUFFAILLE, 2009). Sendo assim, o desatinibe e nilotinibe são fármacos de segunda geração ativos contra várias mutações resistentes ao MI (BACCARANI et al, 2013). Tabela 7 – Recomendação de monitoramento dos pacientes com LMC em fase crônica em uso de Mesilato de Imatinibe (FONTE: CHAUFFAILLE, 2009). 39 Tabela 8 - Tipo de resposta hematológica, citogenética e molecular (FONTE: CHAUFFAILLE, 2009). O desatinibe, aprovado em 2006, é uma piperazinopirimidina, usado em casos de pacientes mais resistentes ao MI pela vantagem de se ligar a conformações ativas e inativas do domínio ABL e inibe não apenas quinases ABL, mas também SRC, que é da família de proteínas não receptora de tirosina quinase , sendo assim um inibidor múltiplo de quinases (SILVA et al, 2009). O nilotinibe foi aprovado em 2007 para uso em pacientes com LMC Ph+ em FC ou FA resistentes ou intolerantes a MI, contudo não teve eficiência em portadores da mutação T351I (CHAUFFAILLE, 2009). O bosutinibe e o ponatinibe são os dois mais novos e últimos medicamentos de terceira geração existentes para o tratamento da LMC até o momento, tendo sido o ponatinibe o primeiro medicamento TKI eficaz contra o mutante T351I e demais mutantes BCR-ABL já conhecidos (TABELA 9) (PASIC; LIPTON, 2017). 40 Tabela 9 - Tratamento para LMC, segundo as recomendações do European LeukemiaNet 2009 (FONTE: REGO, 2014). Uma abordagem recente de interesse é o uso de drogas que atingem as células tronco leucêmicas, pois a erradicação da doença é dificultada pela resistência inata de células iniciadoras de leucemia (CIL) (XIE, et al, 2016). A proteína EZH2 (Ehancer of zest homolog 2) é subunidade catalítica do PRC2 (Polycomb repressor complex 2) e codifica uma histona metiltransferase. Estudos mostraram que EZH2 está envolvida na proliferação, auto-renovação e pluripotência de células tronco cancerígenas (NEUSQUEN et al, 2016). Sendo assim, a EZH2 é expressa em CIL nos pacientes com LMC e necessária para a formação e sobrevivência da colônia e da progressão do ciclo celular das linhagens celulares da LMC. Isso é sustentado através de um estudo realizado em camundongos, onde a proteína EZH2 é inativada e consequentemente, o início e a manutenção da doença é impedida de acontecer, assim como a sobrevivência de CIL (XIE et al, 2016). 41 Portanto, uma nova droga está sendo trabalhada para que EZH2 seja seu ponto alvo, funcionando através da inibição da atividade dessa proteína, responsável pela sobrevivência de vários tipos de células cancerosas, pois só matando as células leucêmicas, pode-se limitar as chances da doença voltar significando ser uma abordagem promissora para reduzir o tempo de terapia em uma tentativa de alcançar a cura (IPCT, 2016). 4.9 TRANSPLANTE DE MEDULA Até a década de 1970, a LMC era considerada uma doença fatal, porém esta visão foi modificada com a introdução, em 1986, do transplante de medula óssea (TMO)/Transplante de células tronco hematopoiética(TCTH) em LMC (QUINTASCARDAMA; CORTES, 2006), que marcou o primeiro avanço importante na evolução do tratamento da LMC, pois cerca de 50% dos pacientes elegíveis foram curados (BACCARANI et al, 2013) porém, muitos pacientes não são aptos para tal procedimento (QUINTASCARDAMA; CORTES, 2006). O transplante de medula é indicado para reestabelecimento da hematopoese ou tratamento de doenças malignas (CASTANHO et al, 2011), embora sua indicação tenha se restringido após a introdução dos inibidores de tirosina quinase como forma terapêutica desta doença (QUINTASCARDAMA; CORTES, 2006). O transplante de medula óssea consiste na infusão intravenosa de células progenitoras hematopoiéticas com o objetivo de reestabelecer a função medular (CASTRO JR et al, 2003) e podem ser de três tipos diferentes: - Alogênico, no qual a medula óssea é retirada de um doador previamente selecionado por testes de compatibilidade sanguínea; - Autólogo, onde as células progenitoras utilizadas são do próprio paciente; e - Singênico, que é realizado entre gêmeos idênticos (Tabela 10) (AZEVEDO; RIBEIRO, 2000). Tabela 10 - Tipos de transplante de medula óssea (FONTE: CASTRO JR, et al, 2011). 42 O transplante autólogo constitui-se numa importante alternativa para os casos em que os pacientes a serem transplantados não possuem doador compatível (TABAK, 2000; AZEVEDO; RIBEIRO, 2000) e pode ser realizado em pacientes com até 70 anos de idade, apresentandobaixa mortalidade (SOUZA, 2005), embora um dos principais problemas desse tipo de transplante seja a recidiva da doença (MASSUMOTO; MIZUKAMI, 2000). Todavia, ainda assim o transplante autólogo continua sendo a melhor opção, uma vez que o doador é o próprio paciente a ser transplantado (AZEVEDO; RIBEIRO, 2000). 43 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve o intuito de realizar uma revisão bibliográfica acerca da leucemia mielóide crônica, mostrando o que é e o que caracteriza tal doença, sua incidência, diagnóstico e tratamento. E de forma geral, os objetivos propostos para esse trabalho foram alcançados, constatando-se que: A leucemia mielóide crônica foi conceituada a partir de um breve histórico da doença, em que foram mencionados relatos de médicos e pesquisadores que tiveram contato com vários pacientes e, partindo das características apresentadas por esses doentes, puderam associar com uma doença que tempos depois foi identificada como sendo a LMC. O cromossomo Philadelphia recebeu o nome da cidade onde foi descoberto e foi considerado como o primeiro cromossomo a estar relacionado diretamente à patogênese de uma doença. Atualmente, embora continue representando um importante marcador da LMC, sabe-se que o seu achado não é exclusivo desta neoplasia. Os dados epidemiológicos dessa doença também foram demonstrados por diversos autores em muitos lugares do mundo e informações nacionais recentes, obtidas do INCA foram expostas e comentadas sobre o atual crescimento do número de leucemias presentes nas diversas regiões do Brasil. Os fatores prognósticos foram apresentados e discutidos mostrando que na LMC vários fatores como: estágio da doença, sexo, idade, comprometimento do baço, análises citogenéticas e exames de sangue e medula são importantes de serem realizados ao diagnóstico e no decorrer da doença para se fazer uma análise mais precisa da situação prognóstica do paciente. Além desses fatores, novas moléculas têm sido alvo de estudos para também servirem como fatores prognósticos por estarem mais presentes em uma determinada fase da doença do que em outra. A sintomatologia da LMC foi abordada no trabalho mostrando que praticamente os mesmos sintomas, como hepato e esplenomegalia, cansaço, fraqueza, sudorese são apresentados em diferentes fases da doença, embora possam existir em intensidade variável. Sintomas não tão característicos desta neoplasia, como a síndrome da hiperviscosidade podem, porém, surgir em determinadas situações. 44 As três fases da doença foram relatadas e caracterizadas mostrando que apresentam sintomatologia em proporções distintas, podendo ir desde casos assintomáticos na fase crônica a quadros mais graves na fase blástica e cada fase tem um prognóstico e uma abordagem terapêutica diferente. Os critérios diagnósticos foram apresentados, relatando quais exames são importantes para a identificação da LMC, qual material biológico utilizado para a realização dos exames e quais são os resultados observados em cada um deles. Sendo importante ressaltar a importância da positividade para o Cromossomo Philadelphia no diagnóstico desta neoplasia. O tratamento medicamentoso da LMC passou por muitas mudanças ao longo dos anos e vários estudos foram e continuam a ser realizados para se ter a certeza da melhor escolha terapêutica para cada tipo de paciente. A descoberta da associação do oncogene BCR-ABL com a patogênese da doença permitiu o desenvolvimento de medicamentos com alvo molecular específicos, os chamados inibidores de tirosina quinase. O primeiro medicamento com este propósito foi o mesilato de imatinibe, existindo atualmente outros medicamentos inibidores de segunda e terceira geração. Além desses, novas medidas terapêuticas têm sido estudadas para atender a uma parcela de pacientes que são resistentes a esses medicamentos. O transplante de medula foi mencionado como mais uma forma de terapia para a LMC, relatando seus tipos e as diferenças e limitações de cada um. Portanto, esse estudo permitiu que muitos aspectos importantes sobre a leucemia mielóide crônica fossem abordados, desde seu histórico até seu tratamento, possibilitando assim um melhor entendimento acerca da LMC. 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABU-DUHIERA F.M, et al. Genomic structure of human FLT3: implications for mutational analysis. Br J Haematol. 113(4):1076-7, 2001. ABREU, E.; KOIFMAN, S. Prognostic factors in woman breast câncer. Revista Brasileira de Cancerologia, 2002, 48(1):113-31. ABREU, M. T. C. L.; LOPES, N. R. Inibidores de tirosino quinase na leucemia Mielóide crônica. Rev Bras Hematol Hemoter, v. 31, n. 6, p. 449-4553, 2009. ALIKIAN, M., et al. Molecular techniques for the personalised management of patients with chronic myeloid leukaemia. Biomolecular Detection and Quantification 11 (2017) 4–20 ALVARENGA, T. F. et a,. Efeitos adversos e resposta citogenética em pacientes com leucemia Mielóide crônica tratados com imatinibe. Rev. Bras. Hematol. 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