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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL LEILA PATRICIA DE LIMA IRINEU NARRATIVAS IMAGÉTICAS SOBRE O PARTO HUMANIZADO: UMA PERSPECTIVA DO FORTALECIMENTO DA AUTONOMIA DAS MULHERES Natal - RN 2021 LEILA PATRICIA DE LIMA IRINEU NARRATIVAS IMAGÉTICAS SOBRE O PARTO HUMANIZADO: UMA PERSPECTIVA DO FORTALECIMENTO DA AUTONOMIA DAS MULHERES Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Antropologia Social. Orientadora: Prof.ª Drª. Lisabete Coradini. Natal-RN 2021 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Irineu, Leila Patricia de Lima. Narrativas imagéticas sobre o parto humanizado: uma perspectiva do fortalecimento da autonomia das mulheres / Leila Patricia de Lima Irineu. - 2021. 119f.: il. Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2022. Orientadora: Lisabete Coradini. 1. Parto Humanizado - Dissertação. 2. Antropologia Visual - Dissertação. 3. Fotografia de Parto - Dissertação. I. Coradini, Lisabete. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 39 Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748 LEILA PATRICIA DE LIMA IRINEU NARRATIVAS IMAGÉTICAS SOBRE O PARTO HUMANIZADO: UMA PERSPECTIVA DO FORTALECIMENTO DA AUTONOMIA DAS MULHERES Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Antropologia Social. Aprovada em: ____/____/____ BANCA EXAMINADORA: Prof.ª Drª. Lisabete Coradini (Orientadora/ Presidente – PPGAS/UFRN). Prof.ª Drª. Denise Machado( PPGSA/UFPA). Prof.ª Drª. Ana Gretel Echazú (PPGAS/UFRN). Prof.º Drº. Maria Angela Pavan (PPGEM/UFRN) DEDICATÓRIA Dedicado as mulheres da minha vida. Minha mãe Maria luiza e Minha filha Aimê, Sem vocês não seria possível. AGRADECIMENTOS Gostaria de utilizar este espaço para demonstrar a gratidão a toda generosidade que fizeram possível esta jornada acadêmica. Uma pesquisa não se escreve sozinha dentro dela estão vários sujeitos que compõem a minha biografia enquanto pesquisadora e enquanto pessoa sendo impossível conceber e dissertar sobre tais assuntos se a vida com seus personagens importantes não tivessem me preparado ao longo do percurso com seus inúmeros professores. Escrever esta dissertação é um contínuo processo de amadurecimento de idéias que seguiram se fortalecendo ao longo de uma trajetória iniciada desde que ingressei nas ciências sociais. Sou grata por que através deste empreendimento, tornei-me mais madura, persistente e forte para os desafios que ainda vislumbram o meu horizonte. Apesar das angústias que passam no campo científico brasileiro, seguimos resistindo dentro da Universidade pública por uma educação e ciência de qualidade ao alcance de todas e todos. Sou profundamente grata a minha Mãe Maria Luiza por me gestar, parir , maternar e acreditar em mim em todos os momentos e depositar sua confiança apesar das diversidades e dificuldades que é às vezes acompanhar o crescimento de um filho, de me ensinar tudo que sabia e investir com muito esforço todos os seus recursos para que eu pudesse estar aqui hoje. Agradeço também a Emanoel Aquila, meu companheiro de aventuras na vida e que me incentivou e trilhou comigo me dando suporte e apoio desde que nos inscrevemos na seleção do mestrado até a materialização do projeto de pesquisa. Também sou grata a minha querida e amada filha Aimê Olivia por me ensinar todos os dias como ser um ser humano melhor, além de ser uma parte importantíssima dessa pesquisa pois foi depois de gestado e parido que pude mais enfaticamente observar tais nuances a serem investigadas no campo científico . Obrigada filha. Agradeço a meu filho Nilo que veio em meio à pesquisa fazendo florescer mais uma vez o interesse pela temática que abordei além de ter me ajudado de maneira prática na inserção no campo. Obrigada bebê. Agradeço a Lisabete Coradini, e a base de pesquisa NAVIS (Núcleo de Antropologia Visual) por ter me acolhido e acreditado no meu potencial desde a graduação até o mestrado apostando nos meus sonhos e me orientando de maneira leve e dedicada e também muito atenciosa, na escrita e em tantos outros projetos que vivenciei dentro da minha história acadêmica. Agradeço aos amigos que me apoiaram durante a jornada na necessidade, em especial : Andresa Karla, por ter corrigido meu projeto me deixando mais confiante; A Isabelle Christine por ter ficado com minha filha durante minhas aulas. Agradeço também aos meus colegas da turma de 2019 por ter dividido alegrias e desafios ao longo deste curso de pós- graduação. Sou imensamente grata ao a UFRN por de maneira maravilhosa representar o que é o ensino público de qualidade e gratuito a que todos deveríamos ter acesso, e também ao PPGAS e todo seu corpo docente, a todas avaliacões dos professores ao longo do curso que me fizeram crescer sobre diversos aspectos, destaco aqui as contribuições das professoras Ana Gretel Echazú e Maria Angela Pavan que compuseram minha banca de qualificação, momento de suma importancia para o desenvolvimento da dissertação. Agradeço também aos servidores do programa PPGAS que sempre estiveram prontamente nos atendendo ao longo destes anos. De maneira especial gostaria de agradecer, a Casa das conchas , a Sabrina Bronzatto , Clarissa Del Leon, e Dany Melo que me permitiram adentrar e conhecer suas histórias e universo ao longo da pesquisa e que tanto me ensinaram ao longo dela. Por fim agradeço também a CAPES por trazer a oportunidade da realização desta pesquisa como grande agência de fomento à pesquisa científica brasileira. A todos, muitíssimo Obrigada! RESUMO O nascimento de um filho é um evento importante na vida de quem está gestante e cada uma dessas pessoas irá vivenciar a experiência de parir de maneira diferente. O parto é um assunto discutido em diferentes vertentes científicas: Antropologia da saúde, Sociologia da saúde, Políticas públicas, Relações de gênero, entre outras. Atualmente, estamos vivendo uma sociedade mediada por diferentes tecnologias digitais que interferem na nossa vida cotidiana. Em particular, há um aumento do uso das redes sociais, principalmente o Facebook e Instagram como meio de comunicação sobre diferentes temas e assuntos. Esta investigação se propõe a entender como as gestantes encaram o parto e qual a sua relação com as imagens do parto normal e humanizado divulgadas na internet. O trabalho busca analisar uma rede de relações entre mulheres que compõem o espaço Casa das Conchas em Natal/RN, um lugar que promove assistência a quem deseja um parto humanizado na cidade, buscando compreender as experiências do parto, os laços de sociabilidade e afetos das mulheres que participam dos encontros de doulas e gestantes. O fortalecimento da autonomia da mulher sobre o seu corpo no momento do parto, é uma questão chave para as gestantes que estão em busca de novas experiências “humanizadas”. Nesse sentido, o objetivo principal dessa investigação é analisar as imagens e a circulação desses conteúdos na internet. Para tanto, foi necessário interpretar os perfis criados no Instagram sobre parto normal e humanizado, como também participar de grupos de Whatsapp envolvendo a temática. Busco assim, entender como estas narrativas (áudio) visuais podem revelar aspectos fundamentais sobre a temática da humanização do parto em Natal/RN. Palavras-chave: Parto. Humanização. Fotografia. Antropologia visual. Circulação. ABSTRACT The birth of a child is an important event in the life of a pregnant woman, and each of these people will experience giving birth in a different way. Childbirth is a subject discussed in different scientific fields: health anthropology, health sociology, public policies, gender relations, among others. We are currently living in a society mediated by different digital technologies that interfere in our everyday life. In particular, there is an increase in the use of social networks, especially facobook and instagram, as a means of communication on different themes and subjects. This investigation aims to understand how pregnant women face childbirth and what is its relationship with the images of normal and humanized childbirth published on the internet. The work seeks to analyze a network of relationships between women who make up the Casa das Conchas space in Natal/RN: a place that promotes assistance to those who want a humanized childbirth in the city, seeking to understand the experiences of childbirth, the bonds of sociability and affections of the women who participate in the meetings of doulas and pregnant women. The strengthening women's autonomy over their bodies during childbirth is a key issue for pregnant women who are in search of new “humanized” experiences. In this sense, the main objective of this investigation is to analyze the images and theoretical circulation in Nós. For that, it was necessary to interpret the profiles created in Instagram about normal and humanized childbirth, as well as to participate in WhatsApp groups involving the theme. Thus, I seek to understand how these visual (audio) narratives can reveal fundamental aspects on the theme of humanization of childbirth in Natal / RN. Keywords: Childbirth. Humanization. Photography. Visual anthropology. Circulation LISTA DE FIGURAS Figura 1. Trilogia "O Renascimento do Parto" ......................................................................... 40 Figura 2. "The Miracle of Birth" .............................................................................................. 41 Figura 3. Novela" Órfãos da Terra” ........................................................................................ 43 Figura 4. Feira "ZEN" .............................................................................................................. 46 Figura 5. “ TEIA- Conectando o feminino” ............................................................................ 47 Figura 6. Parto domiciliar planejado ........................................................................................ 48 Figura 7. Pré-natal coletivo ...................................................................................................... 49 Figura 8. “Verticalize para parir” ............................................................................................. 50 Figura 9. “Vocalize para parir”................................................................................................. 51 Figura 10. Parto na banqueta e ausculta fetal ........................................................................... 52 Figura 11. A hora de ouro. ........................................................................................................ 53 Figura 12. Pré-natal com Clarissa............................................................................................. 61 Figura 13. “Chuva de Bençãos” ............................................................................................... 69 Figura 14. Roda de pré-natal coletivo ...................................................................................... 70 Figura 15. “Como fica o trabalho de parto em tempos de Covid-19? ...................................... 74 Figura 16. “Como posso contribuir no seu parto em tempos de pandemia?” .......................... 74 Figura 17. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 91 Figura 18. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 92 Figura 19. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 92 Figura 20. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 93 Figura 21. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 93 Figura 22. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 94 Figura 23. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 94 Figura 24. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 95 Figura 25. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 95 Figura 26. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 96 Figura 27. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 96 Figura 28. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 97 Figura 29. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 97 Figura 30. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 98 Figura 31. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 98 Figura 32. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 99 Figura 33. “O Renascimento de Dany” .................................................................................... 99 Figura 34. “O Renascimento de Dany” .................................................................................. 100 Figura 35. “O Renascimento de Dany” .................................................................................. 100 Figura 36. “O Renascimento de Dany” .................................................................................. 101 LISTA DE TABELA Tabela 1. Questionário aplicado ............................................................................................... 77 SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................................10 Parto: uma atividade compartilhada em rede. .......................................................................... 12 Parto humanizado e seu contexto político: principais questões e notas gerais. ........................ 16 Aproximação com o problema de pesquisa. ............................................................................. 19 Caminhos e metodologias ......................................................................................................... 20 CAPÍTULO 1 - ASPECTOS DA CONSTRUÇÃO DA HUMANIZAÇÃO DO PARTO NO BRASIL: CONFLITOS E CONCEITOS. ..................................................................... 25 1.1. A construção da humanização na saúde ............................................................................ 25 1.2. Humanização no parto ....................................................................................................... 26 1.3. Conflitos relativos ao parto na atualidade brasileira: do elevado número de cesáreas a violências obstétricas ................................................................................................................ 29 CAPÍTULO 2 - DO PARTO HUMANIZADO A UMA NOVA ESTÉTICA DE NASCER: UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA SOBRE IMAGEM, CAMINHOS TEÓRICOS POSSÍVEIS. ............................................................................... 36 2.1 Parto e antropologia: algumas considerações .................................................................... 36 2.2. Estética de nascer do parto humanizado: trajetos importantes. ......................................... 37 2.3. Pensando com imagens ...................................................................................................... 54 CAPÍTULO 3 - ETNOGRAFANDO PARTIR DO CAMPO: “CASA DAS CONCHAS” UMA REFLEXÃO SOBRE SUA PROPOSTA DE HUMANIZAÇÃO DO PARTO ...... 59 3.1 Nos caminhos da pesquisa: Casa das Conchas, pré-natal coletivo uma leitura de sua atuação. ..................................................................................................................................... 60 3.3 Da estrutura do pré natal coletivo. ...................................................................................... 76 3.4 Sobre o olhar da fotografia de parto humanizado em Natal: uma conversa com Sabrina Bronzatto e Dany Melo............................................................................................................. 83 CAPÍTULO 4 - ENSAIO FOTOGRÁFICO “O renascimento de Dany” - Empoderamento feminino através da fotografia de parto.................................................. 90 CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 109 REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS ..................................................................................... 112 LISTA DE SINOPSE ........................................................................................................... 113 10 INTRODUÇÃO Essa dissertação tem por objetivo analisar a produção de imagens de parto humanizado veiculadas em ambientes virtuais, mais especificamente nas redes sociais Instagram, Facebook e grupos de Whatsapp, promovidas pelas profissionais de assistência ao parto humanizado da Casa das Conchas em Natal/RN, uma equipe multidisciplinar composta por doulas, fotógrafas, enfermeiras obstétricas e parteiras urbanas. Para além de espaços de comunicação, as redes sociais se consolidam como espaços de socialização e interação, com grande influência na nossa vida cotidiana offline. A partir dessa perspectiva, analisei a circulação das imagens sobre o parto humanizado na cidade de Natal (RN), tendo como referência os seguintes perfis: @casa_das_conchas e @parto_humanizado_natal, além das páginas pessoais da fotógrafa Sabrina Bronzatto (@binabronzatto) e Clarissa de Leon (@cla_das_conchas), que trabalham em parceria no espaço. As narrativas audiovisuais e fotográficas presentes nessas redes sociais digitais demonstram intencionalidades e subjetividades. Busco assim, compreender como estas narrativas visuais podem revelar aspectos fundamentais sobre o parto humanizado na cidade de Natal/RN. A Casa das Conchas está localizada no bairro Ponta Negra, zona sul de Natal. Esse bairro destaca-se por ser um lugar turístico e com moradores na sua grande maioria de classe média alta. O espaço foi criado no sentido de trazer propostas relacionadas ao movimento do parto humanizado e nele se encontram as possibilidades de um acompanhamento das gestantes e também do trabalho de parto, que consiste em atividades como: pré-natal coletivo, parto domiciliar planejado com a presença de fotógrafas, doulas e enfermeiras obstétricas, atenção ao puerpério e consulta de desenvolvimento e crescimento infantil, todos financiados de maneira privada. Esse espaço disponibiliza informações através da circulação de imagens que vão desde a indicação de filmes em palestras e conversas presenciais, passando pelos debates desenvolvidos sobre a concepção da fotografia de parto humanizado. Em paralelo, ocorre a fomentação das páginas virtuais no Instagram: @parto_humanizado_natale @casa_das_conchas, que contam com fotografias, vídeos-relatos dos partos, posts, cartazes sobre o parto humanizado, como também a divulgação das suas atividades e eventos. Ou seja, uma parte da dinâmica da Casa das Conchas está em expor e debater 11 informações sobre o tema parto e humanização, tanto de maneira presencial, quanto no estabelecimento de uma comunidade virtual formada a partir das páginas do Instagram e de grupos de aplicativo de mensagens como o Whatsapp, que contam com um público constante de mães, gestantes, puérperas, profissionais de saúde da cidade e também de outros lugares do país. O objetivo principal dessa dissertação consiste em entender quais são os acionamentos propostos pelas narrativas imagéticas produzidas pela Casa das Conchas na cidade de Natal/RN. Respaldo minha escolha diante do tema por pensar que estudar estas imagens é um ponto fundamental da representação do parto seja por vídeos ou fotografias. Desse modo, entender as narrativas audiovisuais promovidas pelos conteúdos elaborados pela equipe da Casa das Conchas podem nos levar a compreender atráves da circulação da informação, as dinâmicas promovidas pelo lugar assim como mensurar seu impacto na cidade . Cabe destacar que o parto é um acontecimento cercado de práticas sociais que vão desde a gestação ao nascimento. Do ponto de vista da Antropologia, parir pode ser lido enquanto um rito de passagem, como aponta Van Gennep (1978), cercado de características culturais e simbólicas que são passíveis de análise. Portanto, gerar e parir é um período de transformação marcado por etapas distintas: trabalho de parto, parto, pós-parto, levando categoricamente a pessoa que pariu, a ocupação de lugares diferentes socialmente, dentre eles, o mais comum em nossa sociedade ocidental seria lugar de mãe. Gostaria aqui de frisar, também, que o lugar da mãe pode ser acessado por outros caminhos que não o da gestação, como acontece no caso da adoção, por exemplo. Apesar de estarem comumente relacionados, os eventos maternos e da gestação não podem ser visualizados e nem reduzidos a uma função biológica, já que a maternidade está circunscrita em uma organização social e histórica. Sendo assim, de maneira inversa a esta lógica, outros corpos não cisgêneros podem também gerar e parir sem que necessariamente seu destino posterior seja o da maternidade. Porém, o interesse deste trabalho busca dar atenção a escolha do parto dessa população de mulheres que de maneira histórica socialmente construída, enfrentam esta transição do parto e que no fim se resultam em serem mães, ocupando um lugar de cuidado e de dedicação à criança. Os significados e as facetas da gestação e do parto apresentam assim, um universo novo para o corpo que o vive. Noções que são carregadas de ambivalências e questões conflitantes que aparecem antes, durante e depois do parto, que podem e devem ser analisadas. 12 Buscando observar a variedade de prescrições dadas ao momento do parto, é interessante observar à luz dos conhecimentos antropológicos, o trabalho de Van Gennep (1978) sobre rituais, onde o autor demonstra por exemplo, que em certas sociedades tradicionais, as mulheres em trabalho de parto poderiam ser isoladas em um lugar separado dos demais ou mesmo ter prescrições de alimentações diferenciadas ou práticas de manejo da placenta – o órgão que nutre o feto durante a gestação expelido no momento do parto – dentre outros marcadores como particularidades que se distinguem de um grupo para o outro. Em técnicas do corpo, Marcel Mauss (2003) classifica a técnica do nascimento e obstetrícia como uma maneira de se servir do corpo que se diferencia entre as sociedades, demonstrando que em diversas comunidades é comum parir de pé, por exemplo, enquanto em outras sociedades, a posição de quatro apoios também seja uma opção. A ideia do parto também traz consigo dimensões de “sagrado” e “profano” , assim como de pureza e de perigo, tal qual abordada por Mary Douglas (1976) e que são utilizadas socialmente para manter certos ordenamentos sociais. Se em sociedades tradicionais eram recomendados rituais de purificação pós parto para muitas mulheres, em nossos dias atuais algo semelhante também acontece; o parto também está cercado de recomendações e discursos que podem ser oriundos origens diversas: popular, de falas médicas ou de visões terapêuticas e holísticas que compõem narrativas atuais sobre parir e que irá também divergir entre as esferas culturais dentro de um mesmo recorte social. Enxergar esses variados discursos pode proporcionar do ponto de vista antropológico, uma possibilidade de atualização dos acontecimentos sobre a temática. Parto: uma atividade compartilhada em rede. Atualmente vivemos um mundo em redes, como sugere Castells (1999), em que há uma profusão de informações e novas formas de se relacionar em grupos que inflam as redes sociais e a internet. São nesses ambientes virtuais que alguma parcela das mulheres grávidas e puérperas, assim como os profissionais presentes no momento do parto (doulas, enfermeiras, obstetras, fotógrafos) vão também se relacionar e compartilhar informações acerca do parto. A essa profusão de informações, vídeos e fotografias, o autor Ricardo Campos (2012) chama de uma cultura visual que pode ter intencionalidades artísticas, estéticas e 13 informativas, e que circulam. As imagens se expressam e entram em conflito disputando espaço e se comunicando. Segundo o autor: Os estudos visuais, à semelhança dos estudos culturais, onde normalmente são incorporados, correspondem a um conjunto de abordagens multi e interdisciplinares que, em comum, possuem unicamente o seu objecto: a imagem, a visão e a visualidade.” (CAMPOS, 2012 p.21) Ao mergulhar neste micro universo virtual de fotografias, vídeos e cartazes sobre o parto, é possível perceber tensionamentos existentes. Dentre eles, o que mais se destaca é a discussão entre benefícios e malefícios das condutas de assistência médica no parto, que é majoritariamente na atualidade, a principal escolha de parir, entrando em confronto a outro modelo de gestar e parir, que seria a abordagem da humanização do parto e a escolha do parto domiciliar. Essas últimas opções advogam sobre um maior protagonismo e respeito à mulher no momento do parto. Estes diferentes grupos ou coletivos disputam narrativas sobre o parto, ciência, bem-estar e saúde relacionadas com o evento e que trazem consigo uma expressiva visualidade própria e que aqui neste trabalho veremos qual é a característica visual do parto humanizado. Buscando entender o ponto de vista imagético sobre o parto na atualidade, reportei- me a alguns acontecimentos que na minha opinião, vêm mudando a ótica em relação ao parto vaginal, dentre eles está a trilogia de filmes documentários “O renascimento do parto” (2013), um filme de Érica de Paula e Eduardo Chauvet, projeto que busca inicialmente revelar a realidade mundial e especialmente brasileira, no que diz respeito ao nascimento e a obstetrícia. Os filmes contam com a participação da antropóloga americana Robbie Davis- Floyd que é grande referência nos estudos referente ao parto na Antropologia (ver sinopse em anexo). No primeiro filme da série “O Renascimento do parto” (90‟ min, 2013), realizado a partir de um financiamento coletivo, demonstram-se os possíveis benefícios de um parto natural em contraposição a uma cirurgia cesariana desnecessária. No segundo filme “ O renascimento do parto 2” (91‟ min, 2018) o foco aparece em cima das relatadas violências obstétricas, reivindicando um nascimento respeitoso para mãe e filho e no terceiro filme, “Renascimento do parto 3” (72‟ min, 2018), temos a discussão a respeito da possibilidade do nascimento humanizado no SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro, representado pela história do Centro de Parto Humanizado Casa de São Ângelo em São Paulo, abordando temas 14 como o Parto Orgásmico – VBAC (Vaginal Birth After Cesarean) – , além de mostrar o contexto do parto humanizado em outros países como Holanda e Nova Zelândia. O debate sobre a humanização ou o “parto natural” não é recente. Porém, depois do lançamento do filme, a dimensão visual dele passa a ser referência dentre muitas conversas vivenciadas e observadas durante a pesquisa de como o parto deve acontecer. O terceiro filme tem um caráter mais educativo, ao alertar as mulheres sobre a atual situação do país em relação ao parto, trazendo à luz problemas que tendiam a ser escondidos. O filme passou a ser quase uma obrigação de ser assistido por muitas mulheres grávidas como uma premissa do que devem saber e de como se prepararem. Nesse sentido, filmes como o “Renascimento do parto” (2013) de Eduardo Chauvet e Erica de Paula, “ Violência Obstétrica” - a Voz das brasileiras (2012), idealizado e construído por Bianca Zorzam, Ligia Moreiras Sena, Ana Carolina Franzon, Kalu Brum, Armando Rapchan, construíram um olhar sobre o parto humanizado a partir das vozes de diversas gestantes e de suas escolhas no momento do parto. Desta maneira, é importante pensar a importância do tema das imagens como um fator fundamental da representação do parto e da construção de narrativas sobre nascer. As narrativas visuais aqui analisadas que compreendem vídeos, fotografias, posts, que muitas vezes vêm acompanhadas dos relatos de parto das gestantes. Desta maneira também acontece no grupo “Pré-natal coletivo”, e no relato de Dany Melo em sua experiencia domiciliar de parto relacionada ao uso da imagem. Estes arranjos são importantes para entender as escolhas, subjetividades e as histórias de vida de cada mulher gestante. A meu ver, essas narrativas visuais revelam dados pertinentes sobre a temática do parto humanizado em Natal/RN. Sobre a circulação de imagens sobre o parto humanizado divulgadas no ambiente virtual, podemos destacar a existência de uma rede online crescente de fotógrafos e fotografias sobre o parto no Brasil. Como exemplo, cito o Portal Hora Dourada (2016), descrito pelos próprios coordenadores como um site de divulgação de fotos de parto. De acordo com estes, o acesso a essas imagens servem à intenção de promover “a autonomia e melhoria na qualidade no atendimento ao parto no nosso país” 1 . Este portal virtual promove 1 Disponivel em: < https://horadourada.com.br/quem-somos/>. Acesso em 02.10.2018. https://horadourada.com.br/quem-somos/ 15 um debate amplo, com divulgação de imagens e discussões sobre a “importância da fotografia de parto para a mulher” 2 conforme o próprio título de algumas de suas postagens. A circulação das imagens sobre o parto humanizado que nos contam uma história sobre o nascer, é algo que está sendo amplamente difundido tanto por profissionais do parto humanizado quanto por fotógrafos e videomakers especializados que trabalham retratando estes momentos e que posteriormente, divulgam este material em perfis que compartilham estas produções nas redes sociais. O aplicativo Instagram, centrado no uso de imagens, tem repercutido grandes números em hashtags brasileiras ligadas às fotos com #partohumanizado contando com até 200 mil marcações, além dos inúmeros perfis dedicados à Birth storytelling (histórias de nascimento), com fotografias de nascimentos humanizados em todo o mundo. Do ponto de vista das políticas e regimento do próprio aplicativo Instagram até início de 2018, as imagens de parto eram consideradas ofensivas, sendo classificadas na categoria de conteúdo “violento ou pornográfico”. O posicionamento virtual de não seguir estas regras deu origem a um movimento intitulado #stopcensoringbirth (parem de censurar o parto). Perfis internacionais como @EmpoweredBirthProject, com mais de 370 mil seguidores, criaram petições para mudar este cenário depois de terem conteúdos removidos das suas timelines. Em entrevista para o site Yogagirl, uma das moderadoras destes perfis (Katie Vigos) revelou que a manutenção das imagens têm por objetivo usar a plataforma como maneira de compartilhar “histórias inspiradoras e informações empoderadora” 3 . Sendo assim, as políticas de restrição ao conteúdo de imagens foram mudadas no decorrer do ano de 2018, tanto no Instagram como no Facebook, liberando a divulgação de vídeos e fotos de parto. Em publicação, a gerenciadora da página EmpoweredBirth Project descreve: 23.000 é um número relativamente pequeno quando comparado ao Facebook e ao Instagram combinados com dois bilhões de usuários mensais, mas foi o suficiente. Foi o suficiente para inclinar a balança em favor dos esforços incansáveis da comunidade de nascimento on-line para convencer o mundo que o nascimento não precisa apenas ser discutido nas mídias sociais, mas realmente visto 4 . 2 Disponível em: https://horadourada.com.br/a-importancia-da-fotografia-de-parto-para-a-mulher-parte-1/ . Acesso: 02.10.2018. 3 Disponível em: https://br.vida-estilo.yahoo.com/chegou-hora-de-parar-de-censurar-fotos-de-partos-nas- redes- sociais-144945663.html . Acesso 02.10.2018. 4 Diponível em: https://www.yogagirl.com/read/family/eVrQVmNKBUYAe4O0IEq0E . Acesso 02.10.2018 https://horadourada.com.br/a-importancia-da-fotografia-de-parto-para-a-mulher-parte-1/ https://br.vida-estilo.yahoo.com/chegou-hora-de-parar-de-censurar-fotos-de-partos-nas-%20redes-%20sociais-144945663.html https://br.vida-estilo.yahoo.com/chegou-hora-de-parar-de-censurar-fotos-de-partos-nas-%20redes-%20sociais-144945663.html https://www.yogagirl.com/read/family/eVrQVmNKBUYAe4O0IEq0E 16 Levando em consideração todo essa circulação de imagens na web e tendo entendido as imagens como possuidoras de narrativas, possibilitando um caminho a ser investigado, me proponho a descrever as atividades e dinâmicas da Casa Das Conchas de Natal/RN, bem como a sua produção de imagens. Quais são os conteúdos dessas imagens? o que elas comunicam? Como elas podem interferir no cenário da cidade sobre o parto humanizado? Parto humanizado e seu contexto político: principais questões e notas gerais. Mesmo que os debates a respeito da humanização do parto já venha se construindo no país, ao longo dos anos, a partir de políticas públicas propostas pelo próprio Ministério da Saúde brasileiro, como o Programa Nacional de Humanização do Pré- natal e Nascimento (2000), o que parece acontecer nas ações de assistência ao parto é uma permanência de práticas antigas já estabelecidas culturalmente que implicam na relação de poder entre médico e paciente, gerando uma grande parcela de insatisfação, devido ao alto número de taxas de procedimentos interventores nos nascimentos e de violências obstétricas. Essa situação se agrava ainda mais quando é levado em consideração categorias transversais como propõe os debates sobre interseccionalidade sobre a estrutura social em que vivemos onde mulheres de raça, e classe mais desfavorecidas são maiores numeros enquanto vitimas desse tipo de relação de poder , é pensando estas questões que pretendo desdobrar a pesquisa. Por outro lado, o movimento de humanização aconselha a presença de uma doula no parto, justamente para conter essas práticas, que muitas vezes, são compartilhadas em grupos das redes sociais através dos relatos de parto das gestantes, como veremos mais adiante. Entende-se que a prática do parto humanizado perante o conhecimento médico é constantemente confrontada por uma visão médica conservadora, um olhar de poder (FOUCAULT, 1977) de um atendimento ao parto medicalizado. Nesse sentido, o parto humanizado é uma vertente que apesar da sua popularização, ainda é estigmatizada. De modo geral, tal qual aquela forma de atendimento que não detém o poder intervencionista da cura aos quais os médicos são designados, o parto humanizado é colocado à margem como uma escolha perigosa ou duvidosa de parir. Por parto humanizado entende-se, a grosso modo, aquele com o mínimo de intervenções médicas e farmacológicas possíveis, ou então, aquele parto o que respeita o 17 tempo físico e psíquico de cada mulher para parir realizado em ambiente respeitoso e acolhedor e com seu consentimento informado para todo e qualquer procedimento realizado. Dessa forma, pode ser tanto o parto que ocorre em casa, com “parteiras urbanas”, no hospital, com o médico ou na água, na vertical, na horizontal ou de cócoras, desde que a mulher tenha solicitado ou concordado com a efetivação de determinadas práticas médicas (CARNEIRO, 2011, p. 13). No contexto brasileiro atual, de maneira majoritária, o parto segue uma trajetória histórica de ser um evento domiciliar e familiar que, quando transformado, passou a ser hospitalizado. Desta maneira, o lugar de parir deixa de ser a casa e passa ser a maternidade. O que podemos enxergar com isso é um grande controle da vida de nascimento e da saúde reprodutiva da mulher, assim como afirma a antropóloga Robbie Davis-floyd: O corpo feminino, visto como desvio daquele masculino, foi olhado com suspeitas e entendido como inerentemente defeituoso, imprevisível, necessitando da manipulação masculina para poder ser „posto em ordem‟. Segue que o parto, momento extremo e agudo de uma máquina caótica e não confiável, requer a intervenção hábil e rápida do profissional (DAVIS- FLOYD, 2000, p.1). Desta maneira, a humanização no parto repercute como resistência a estes caminhos medicalizados. Para a nossa pesquisa é importante distinguir a obstetrícia oficial realizada pelos médicos e a não oficial realizados por parteiras tradicionais de conhecimento popular (FLEISCHER, 2007). Também é importante salientar as “parteiras urbanas”, que são enfermeiras obstétricas que realizam o parto humanizado. Esse exercício da profissão foi problematizado no curta metragem “A parteira” (2019) e tema de investigação abordado por Ademilde de Alencar (2017) em sua dissertação no PPGAS/UFRN (Programa de Pós Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Ao falar em prática obstétrica frequentemente nos reportamos à prática exercida no âmbito da Medicina, cujo ordenamento se dá a partir de técnicas e normas institucionalizadas. Todavia faz-se necessário trazer para o debate outra esfera do partejar, cuja manutenção acontece em contextos diferentes e a partir de referências que, diante da normatização vigente, o faz caracterizar-se como prática não oficial, ao tratar da prática obstétrica exercida pelas parteiras (MEDEIROS NETA, 2017, p. 9). Para além dessa discussão entre parto hospitalar e parto tradicional, existe algo que difere no atendimento das parteiras e que divide-se entre a parteira tradicional (realizada no interior dos estados devido justamente ao difícil acesso a maternidade) e o atendimento das 18 parteiras urbanas, como é o caso da assistência prestada pela Casa das Conchas, que surge a partir de uma ressignificação da atividade do parto domiciliar enquanto um resgate de um suposta “naturalidade” enquanto a parteria tradicional estaria relacionada a outros códigos sociais, como tradição, menor condições de acesso a saíde de maneira geral. Outras perguntas se fazem presentes para discussão, tais como: qual a classe social que busca o atendimento das parteiras urbanas? Por que as mulheres estão buscando essas alternativas na cidade ? Quais novas práticas estão sendo propostas? Aqui, abre-se espaço para uma discussão que envolve elementos compositores da prática urbana do parto humanizado. São elas: as práticas integrativas, os alívios não farmacológicos da dor, o resgate de hábitos tradicionais, a utilização da placenta para fins terapêuticos dentre outros. Através do levantamento bibliográfico sobre o tema podemos constatar um hibridismo entre o que era tradicional e as práticas modernas de conhecimento sobre o parto relacionadas a humanização, que podem ou não serem aceitas como científicas do ponto de vista da obstetrícia. A violência obstétrica é um outro fator principal na jornada desta pesquisa, pois ela é o principal motivador da busca de uma melhor assistência relacionadas ao parto. Para isso, é importante entender as suas características de aplicação, que vai desde a desinformação à violência física e simbólica e a destituição de direitos. Desse modo, as redes digitais também têm prestado muita desinformação sobre as maneiras de parir e criado muitos estigmas, tais como sobre a posição certa, sobre o quão doloroso pode ser este evento ou a respeito de quem presta assistência. No entanto, podemos afirmar que atualmente, devido a autonomia de conteúdos em ambientes virtuais, muitos casos deste tipo de violências vem sendo contestados. Podemos citar a contribuição do vídeo-documentário “Violência obstétrica” (2012), amplamente divulgado nas mídias, por exemplo. Conforme explica a antropóloga Debora Diniz (2003), é também por uma busca de autonomia, pela garantia de liberdade e controle da sua vida sexual e reprodutiva longe de constrangimentos, vergonhas ou culpas atreladas a um fatídico destino biológico relacionado ao gênero que esses conflitos emergem. A temática da reprodução e maternidade é assunto amplamente debatido na Antropologia, principalmente no que diz respeito às discussões de gênero, corpo e saúde, pesquisas como estas indicam , que longe do esgotamento do tema, estão sempre existindo esforços do reconhecimento emergencial dessas agendas e suas demandas que são realizadas por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento (Antropologia, Comunicação, Sociologia, Saúde, Direito entre outras). 19 Sendo assim, proponho fomentar estas esferas de debate trazendo como contribuição a discussão através da análise da circulação de imagens sobre o parto em ambientes virtuais, fortalecendo, desse modo, uma trajetória de estudos sobre a Antropologia audiovisual e Antropologia urbana. Aproximação com o problema de pesquisa. A proposta inicial desta pesquisa surgiu através da minha própria experiência com a gestação ao longo do ano de 2017. Foi neste ano que busquei assistência e conheci a Casa das Conchas, durante um curso para gestantes promovido na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), pelo Departamento de Fisioterapia, no qual a coordenadora do espaço, Clarissa de Leon foi palestrante. Apesar da minha incerteza em assumir um tema tão próximo a minha vivência pessoal com o parto e a gestação, da qual precisei me distanciar, realizei muitas leituras e reflexões. Entendo agora que foi graças à experiência de parir e maternar que percebi os desafios existentes relativos a temática. Também para este processo, foram muito importantes as conversas com amigas que estavam grávidas, além da busca de informações e auxílios alternativos para o parto. Tudo isso foi interessante para se perceber o quão corriqueiro são os questionamentos sobre o imaginário do parto. Esta pesquisa surge de um caminho próximo a minha experiência recente com a gestação e parto, e por vezes me parece muito desafiador trabalhar a temática sobre as imagens de parto dentro da Antropologia. Isso porque aparentemente, a categoria de estudos dos partos estariam restritos ou estariam ocupando cadeiras cativas em outras subáreas da Antropologia que não a da imagem, como no caso do gênero e saúde reprodutiva, fazendo-me por vezes pensar que ando em caminhos desafiadores nesta pesquisa. Porém, acredito seriamente que o trabalho com as imagens, principalmente na atualidade da pós-verdade que estamos vivendo, merece sim uma atenção especial por parte das pesquisas acadêmicas. Além disso, sempre sinto os olhares desconfiados devido a minha própria afetação e aproximação do campo, por medo que talvez pudesse “estar romantizando” tanto a maternidade quanto a gestação e o parto, e usando a imagem para confirmar estas expectativas, e talvez, estar indo em desencontro do que seria uma proposta que advogue pela emancipação reprodutiva das mulheres. Porém, ser mãe me aproximou muito mais das discussões sobre os direitos das mulheres. Sendo assim, localizo esse trabalho enquanto uma 20 parte de minhas inquietações pessoais que também são feministas, além de ressaltar as contradições relativas ao tema do parto e maternidade. Assim, compartilho aqui do pensamento de Rosamaria Giatti Carneiro quando afirma que: Sabe-se bem como um conjunto de feministas se opuseram e ainda se opõem à maternidade, dada a persistência, também entre elas, de um imaginário moderno de maternidade rousseauniana. Para algumas orientações feministas, demandar ou reivindicar a maternidade e, em meu caso o parto, poderia resultar em um retrocesso [...] (CARNEIRO, 2011, p.5). Porém, a autora afirma que o feminismo é algo plural e temos que estar abertos para debates dando atenção também as mulheres que desejam parir. Entendo que sendo o assunto maternidade e parto controverso de muitas maneiras dentro das esferas sociais e acadêmicas, por que seria diferente com as imagens? É bem verdade que a imagem tendo em vista sua polissemia de significados, necessita ser analisada, tematizada, interpretada. Diante destas condições, portanto, é possível de maneira dinâmica entender a contribuição através desses documentos visuais para as mudanças e discursos nas maneiras de parir. Fez-se necessário para tanto, buscar metodologias e novas formas de compreensão das imagens. Desse modo, tendo em vista estas questões e aliadas a minha prévia relação com os estudos da imagem e antropologia como pesquisadora do NAVIS/ UFRN - Núcleo de Antropologia visual, e já tendo assim um olhar mais afinado com as expressões visuais sobre diversos sentidos, pude perceber uma carência de análises antropológicas sobre conteúdos imagéticos relacionados ao evento do parto de maneira geral. Muito embora variadas análises do campo da antropologia e saúde reprodutiva, pincele sem aprofundamento as expectativas e imaginários que surgem a partir da atmosfera do parto. Caminhos e metodologias Para responder a estes questionamentos, exploramos diversas possibilidades metodológicas para se utilizar no trabalho. As opções escolhidas foram, portanto, fazer um trabalho de campo para verificar na prática como as mulheres utilizam as redes sociais para apoiar as suas escolhas durante a gestação e parto. Assim como também demonstrar a dinâmica de atuação do grupo Casa das Conchas na cidade. 21 Foram realizadas análise das imagens da fotógrafa Sabrina Bronzatto, parceira da Casa das Conchas, com a qual estabeleci ao longo desta pesquisa, uma relação de proximidade. Utilizei as fotos do perfil do Instagram @Parto_humanizado_natal de coordenação de Clarissa de Leon e também algumas outras imagens de perfis no Instagram sobre a temática humanização do parto. As imagens utilizadas estão em sua maioria publicadas nas páginas do Instagram e disponíveis ao público, salvo algumas fotos cedidas pessoalmente pelas fotógrafas para a utilização nesta pesquisa. Mesmo assim, por acreditar no respeito do antropólogo com o campo, tive o cuidado de conversar pessoalmente com as produtoras das imagens como maneira de informá-las sobre a utilização das suas publicações em meu trabalho de pesquisa e todas foram favoráveis com a proposta. Também foi feito um levantamento de publicações acadêmicas sobre o tema na cidade. Destaco assim, algumas dissertações sobre tema realizadas aqui em Natal/RN, relacionadas a temática da reprodução e maternidade. Uma delas é o trabalho de Juliara Borges Segata (2017), pelo PPGAS/UFRN, intitulado “Mamães ativas: etnografia de um grupo de mulheres da gestação a maternidade.” Assim como o trabalho de Camila Rabelo Coutinho Saraiva (2020) pelo PPGEM/UFRN (Programa de Pós Graduação em Estudos da Mídia) com a dissertação de mestrado intitulada “Gestar, parir e maternar - a experiência de ter filho mediada pelas mídias sociais digitais” (2020) e também a pesquisa de Ademilde Alencar Dantas de Medeiros Neta (PPGAS/UFRN), intitulado “Memória, resistência e mudança: um estudo das práticas e representações de parteiras em São Gonçalo do Amarante/RN”. Todos estes estudos são exemplos recentes de pesquisas relacionadas ao maternar, o gerar e o parir. Sendo assim, proponho fomentar estas esferas de debate trazendo como contribuição a discussão através das narrativas visuais de parto, fortalecendo, desse modo, uma trajetória de estudos sobre as imagens atentando-se também para as transformações de representação do parto humanizado na cidade de Natal, RN. A pesquisa de campo aconteceu desde o segundo semestre do ano de 2019 e finalizou sua etapa de coleta de dados no primeiro semestre de 2021. Durante esse período, realizei etnografia e observação participante em um encontro presencial de pré natal coletivo, assim como, em consultas particulares no espaço e também no grupo de Whatsapp intitulado “Pré- natal coletivo”, criado durante a Pandemia do Covid-19. Fazendo parte das estrátegias 22 metodológicas também elaborei entrevistas, questionários e uma exaustiva revisão bibliográfica sobre o tema. Essa dissertação está dividida em quatro capítulos, a seguir: No primeiro capítulo apresento um resgate histórico e social das movimentações em prol do que é conhecido sobre parto humanizado, discutindo assim, seus principais fatores, como o uso do termo humanização em saúde e a sua utilização, assim como o que ele significa e a sua relação com o parto. Busco também entender a trajetória do parto humanizado no Brasil através dos movimentos sociais de mulheres que lutam em prol de maior protagonismo da mulher no momento do parto. Pretendo assim, demonstrar os principais avanços e diretrizes brasileiras sobre o assunto e chamar atenção para o tema da violência obstétrica como fator determinante nessas agendas políticas. Para a revisão bibliográfica sobre a temática parto no Brasil em estudos antropológicos trago as reflexões e debates de CARNEIRO (2011; 2014), DINIZ (2005; 2003). TORNQUIST (2005; 2003) e TEMPESTA (2019) como principais pesquisadoras a apontarem as dinâmicas sobre o parto e humanização no país. Sobre humanização em saúde, trago o trabalho de SILVA (2016), SANTOS (2016), MARTINS (2006), LEÃO e BASTOS (2001). Já sobre as discussões a respeito da díade médico–paciente, apoio-me nas contribuições de MARTON; ECHAZÚ (2010) e MENENDEZ (1988). Neste capítulo também busco compreender quais são as movimentações e espaços relativos à humanização do parto na cidade de Natal, seus principais representantes e as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que trabalham em prol desta causa. No segundo capítulo trago discussões a partir do ponto de vista da relação entre a Antropologia e o parto como forma de pensar a pesquisa científica e suas intencionalidades, refletindo acerca da estética, mercado e circulação de imagens. A intenção é conectar fios entre a teoria antropológica e as imagens de parto. Para isso, irei recorrer às teorias da Antropologia e imagem para demonstrar como as ferramentas da Antropologia Visual são importantes para demonstrarem transformações sociais, além de serem também um ótimo método de acessar o universo do Outro. Aponto as principais produções visuais até o momento e me proponho a perceber quais são as intenções contidas em algumas imagens selecionadas. Através de uma análise de imagem, busco entender categorias que estão sempre presentes em imagens de parto humanizado. Faço ainda uma reflexão sobre a circulação 23 destes artefatos culturais como maneira de mensurar o impacto dessas imagens. Sobre o fazer antropologico, ciberespaço, etnografia virtual e Instagram trago a revisão de CORADINI (2019), MILLER (2004), JUNGBLUT (2015) e LÉVY (1999). Já sobre imagem e fotografia na pesquisa antropológica, apoio-me em BARBOSA; CUNHA (2006), BANKS (2008), CAMPOS (2012), MEIRINHO (2016; 2017), NOVAIS (2012) e PEIXOTO (2011). Ao enxergar uma gama de termos aplicados pelas defensoras do parto humanizado, a minha proposta está sendo inventariar essas terminologias e refletir sobre elas, pensando a partir de fotografias que retratem os momentos de parto junto aos interlocutores em suas produções com a finalidade de buscar significados partindo de particularidades das imagens. Deste modo, neste capítulo realizo uma apresentação de algumas das atividades feitas no espaço como a “Feira Zen”, os “encontros de conexão com o feminino” e suas propostas relativas a um modo de vida mais integrado com a natureza em uma percepção holística. Faço uma breve descrição sobre os posts das atividades promovidas pelo espaço tentando entender quais símbolos são acionados quando os interlocutores expõem temas sobre natureza feminina, dentre outros signos. Por fim, busco entender as perspectivas das maneiras de parir, promovidas a partir das fotografias de parto humanizado produzidas pela Casa das Conchas na cidade de Natal/RN. Para tanto, observei a agência dessas visualidades refletindo sobre o fortalecimento da autonomia e da circulação de imagens, trazendo as observações de SARDENBERG (2006), ORTNER (2007) e LAGROU (2007). Já no terceiro capítulo etnográfo o espaço Casa das Conchas, responsável por realizar reuniões dos grupos de gestantes e prestar atenção ao parto como função principal, além de outras atividades que buscam trazer uma construção de práticas integrativas em saúde e bem estar como feiras, aulas de biodança, entre outros, atendendo ao público da classe média na cidade de Natal/RN. São diferentes histórias de vidas que levam as pessoas a buscar e compor o espaço, mas que tem um objetivo comum: uma visão mais humanizada das práticas de saúde direcionadas principalmente à mulher. Participar dos encontros produzidos pela Casa das Conchas é também entender como se estabelecem as alternativas a respeito da assistência hospitalar do parto. Neste capítulo apresento a minha relação e experiência com o espaço investigado, minhas estratégias de aproximação e participação presencial em eventos, como a roda de pré-natal, realizada antes da pandemia Covid-19. Descrevo as primeiras impressões que vivi durante a ida ao espaço com fins de trabalho de campo. Neste dia, em questão, contei com a exposição de um relato de uma mulher sobre seu parto domiciliar. 24 Discorrendo ainda sobre o capítulo terceiro, pontuo brevemente os impactos da Pandemia do Covid-19 no cenário de assistência ao parto, ressaltando quais foram as iniciativas tomadas pelo local mediante este cenário. Busco refletir sobre as adequações necessárias do trabalho de pesquisa de campo à realidade pandêmica que passou a ser realizada através da observação de lives, grupos virtuais e reuniões promovidas pelo grupo no Google Meet. Analiso a rede virtual mediada através do grupo de Whatsapp intitulado “pré-natal coletivo” onde foi realizado um acompanhamento dos principais temas e debates que surgiram organicamente nas conversas entre as participantes. Pretendi ressaltar algumas discussões que colocavam em cheque o uso da imagem a fim de fortalecer a temática. Foi aplicado também um questionário para entender o perfil das mulheres que buscavam o espaço. Em algumas questões, tentei entender a relação das mulheres do grupo com as imagens de parto, para assim fazer uma leitura mais adequada para a finalidade desta pesquisa. Nesta terceira seção ainda apresento o resultado das entrevistas realizadas com Clarissa de Leon, coordenadora do espaço, enfermeira obstétrica e parteira urbana, para entender a ideia da Casa das Conchas a partir de sua fala, assim como também a história deste lugar. Realizei uma entrevista formal com Sabrina Bronzatto, bióloga, fotógrafa de parto e doula, a fim de entender sua atuação profissional neste campo e suas impressões, métodos e mensuração do impacto da fotografia de nascimento. Por fim, trago também a experiência de Dany Melo, de 37 anos, professora de inglês, doula e mãe de Killa, por meio de entrevista. Dany também é a protagonista do ensaio apresentado no capítulo quatro e consumidora deste registro. Pretendeu-se assim, estabelecer um olhar mais próximo de uma trajetória específica, buscando entender suas principais motivações e expectativas relativas à sua experiência de parto domiciliar planejado e assistido pela Casa das Conchas, registrado por Sabrina Bronzatto. Na quarta seção deste estudo, apresento um ensaio visual de parto humanizado que ocorreu na cidade de Natal, com fotografias produzidas e autorizadas por Sabrina Bronzatto. São fotografias de parto e de família para que o leitor possa ter sua própria experiência suscitadas pelas imagens apresentadas. 25 CAPÍTULO 1 - ASPECTOS DA CONSTRUÇÃO DA HUMANIZAÇÃO DO PARTO NO BRASIL: CONFLITOS E CONCEITOS. 1.1 A construção da humanização na saúde Ao falarmos de parto humanizado deve-se entender sobre o que estamos pensando quando o assunto é humanização em saúde. Humanização é uma palavra advinda da idéia de humanismo e que faz parte de um movimento ocorrido na Europa durante o período do Iluminismo e Renascença, momento histórico onde começa a se pensar as potencialidades e intersubjetividades humanas enquanto valorosas para decisões da vida e saúde no cotidiano. Com amplos significados, a humanização em saúde atualmente, pode ser entendida enquanto uma proposta que questiona a relação entre profissional da saúde e paciente. Sugere assim, uma comunicação que valoriza também a tomada de decisões das pessoas que usam os serviços médicos, tendo por entendimento fundamental “o corpo como domínio de experiência comunicativa” (SILVA, 2016, p.16). A resultante humanização surge de problemas encontrados na construção dos atendimentos hospitalares, que de maneira geral colocam o médico enquanto centro do gerenciamento da saúde humana, e isso trouxe ao longo do tempo uma característica de “des(humanização)” no vínculo entre o paciente e o tratamento médico, que estaria relacionada ao poder investido nesse profissional da saúde. Em “O nascimento da clínica” Foucault (1977) comenta como o hospital era inicialmente um ambiente destinado a atender pessoas pobres e passa a ser, durante o séc XIX, um espaço de cura médica moderna. Ou seja, é um lugar onde o que se realiza como tratamento tem por premissa básicas salvar vidas. Entretanto, é um espaço de pouco diálogo onde o esperado é que o “paciente” nada mais seja do que o próprio significado que a palavra propõe: um corpo pacificado, que não reclame ou reaja de maneira negativa às condutas prescritas. Foucault (1977) chama a atenção e faz a crítica ao modelo médico moderno. Para o autor, esta relação não se embasa em conhecimentos científicos acumulados pela comunidade médica ao longo do tempo, algo que poderia ter lhe trazido tamanha autoridade, mas sim, estaria baseada na nova modalidade metodológica da medicina clínica de olhar o paciente: um corpo doente que precisa de intervenção. Nesta relação, é comum que o médico abstraia a 26 pessoa do doente, sendo este apenas um corpo que abriga a patologia destituída de subjetividade. Desta maneira, em resposta a estas situações de despersonificação dos pacientes e buscando corrigir essa objetificação excessiva dos usuários dos sistemas médicos hospitalares, surge mais recentemente as propostas de humanização em saúde, com novas metodologias que buscam questionar: será possível humanizar técnicas terapêuticas de cuidados em saúde? Logo, os campos em saúde começam a enfatizar esta busca como importante. Dentre elas destacam-se a Fisioterapia. Como precursor, é possível citar por exemplo, o Método Rességuier estudado pela autora Cristiana Dias (2016) que analisa a humanização num grupo de fisioterapeutas. O método propõe uma aproximação entre o paciente e os profissionais da saúde, atribuindo outros fatores importantes para os tratamentos, como por exemplo, os sentimentos. Esta estratégia vem demonstrado resultados terapêuticos positivos nos pacientes do ponto de vista psicológico e físico. 1.2. Humanização no parto A humanização em saúde também ficou bastante conhecida em suas aplicações relativas ao parto. Carmen Simone Grilo Diniz (2005) resgata historicamente o uso do termo humanização em partos. Em um primeiro momento, o termo humanização do parto foi utilizado por médicos do século XX que buscavam intervir no processo fisiológico do parto com a finalidade de abreviar o sofrimento da dor de parir, algo que seria interpretado por eles enquanto uma tormenta dolorosa e patológica de ordem natural. Neste período histórico, o parto era um evento atestado cientificamente enquanto patológico. A autora destaca que o sentido de humanização no passado era oposto do que o caminho trilhado atualmente e que talvez, nesse primeiro sentido, ao estar aliado com o estabelecimento da medicina obstetrícia, tenha sido a causa do surgimento de variadas intervenções médicas nos partos que se refletem até a atualidade: Ambos defendem que a narcose e o uso de fórceps vieram humanizar a assistência aos partos” (Rezende, 1998) Esses conceitos eram difundidos por autoridades em obstetrícia médica no cenário internacional, entre eles o norte-americano Joseph DeLee (Rothman, 1993) (DINIZ, 2005, p. 628). As intervenções médicas hoje, não são vistas como maneiras humanizadas e por vezes até como formas violentas de parir. O caminho da humanização do parto relativo ao 27 protagonismo da mulher como se tenta obter hoje, é resultado de um processo de lutas pelos direitos sexuais e reprodutivos que surgem em meados dos anos 50, momento onde as mulheres buscavam maior autonomia relativas às suas escolhas corporais e reprodutivas. Surgiram muitos movimentos a partir deste período como resposta a hospitalização do parto e seus mais diversos procedimentos relativos ao parir; práticas médicas que vinham demonstrando ao longo do tempo pouca ou nenhuma evidência científica sobre a eficácia de suas indicações, estando inclusive, mais associado à morbidade materna ou neonatal. Muitos médicos obstetras ficaram conhecidos por defender o parto natural, o que de maneira direta ou indireta, fortaleceu o discurso do parto humanizado. A exemplo, temos o médico Dick- Read, atuante nos anos 50, que foi defensor do parto natural e publicou livros como “Parto sem Medo” (1942), assim como também difundiu o método “Leboyer”, conhecido como “nascer sorrindo”, teoria que busca uma transitoriedade mais tranquila da vida intrauterina no nascimento do bebê, abaixando as luzes e os ruídos no momento de parir. Aparece nesta cena de escritores, Michel Odent, obstetra e autor de diversos livros sobre a importância da gestação, parto e primeiro ano de vida do bebê. Para o médico, além de se humanizar, deve- se “mamiferizar” os partos, ou seja, o autor propõe que no momento do parto, a mulher possa se desvincular da condição racionalizante predominante e viver o biológico. Atualmente, podemos ainda citar enquanto influência de literatura sobre o parto humanizado o Livro “Parto com amor” (2011) de Luciana Benatti e Marcelo Min, “O corpo no trabalho de parto: o resgate do processo natural do nascimento” por Eliane Bio (2015) e “O parto é da mulher” (2019) de Cristina Balzano. Essas são algumas personalidades que compuseram e compõem o caminhar global das influências sobre a humanização no parto. Para os caminhos das políticas públicas no Brasil relativas à humanização do parto, voltamos aos anos 90, onde aparece o Rehuna (Rede de Humanização do Nascimento), uma ONG (Organização Não-Governamental) que surgiu em 1993, uma organização da sociedade civil oriundas de descontentamentos com a assistência ao nascimento da época. Essas mobilizações dão origem ao Grupo de Estudos sobre Nascimento e Parto (GENP) em 1996, com intuito de ativismo político, atuando na realização de seminários e workshops sobre o parto e o nascimento, na busca da melhor qualidade de assistência à mulher, além de se fazer presente em várias atividades a favor de políticas públicas que contemplassem o parto respeitoso, como por exemplo, nas manifestações contra fechamentos de casas de parto. Essas iniciativas fazem parte da sua história e atividade. 28 O GENP realizou também conferências internacionais voltadas a temas do parto e do nascimento, além de várias outras campanhas como “Nascer na hora certa” que visava reduzir a prematuridade causada por cesáreas agendadas, assim como a difusão de frases como “pai não é visita” campanha de 2005 preconizando a presença do pai durante todo o processo de parto. Tendo em vista estas reivindicações, surge em 2000 o Programa Nacional de Humanização do Pre-natal e Nascimento de Portaria n ° 569, publicada no Diário Oficial da União em oito de junho de 2000, na seção 1, página 4, sendo uma iniciativa do Ministério da Saúde, descrevendo sua política como A humanização compreende, entre outros, dois aspectos fundamentais. O primeiro relaciona-se à adoção de uma postura ética e solidária por parte dos profissionais e diz respeito à convicção de que é dever das unidades de saúde receber com dignidade a mulher, seus familiares e o recém-nascido, reconhecendo que a instituição deve organizar-se de maneira a criar um ambiente acolhedor e adotar condutas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto à mulher adoção de medidas e procedimentos sabidamente benéficos para o acompanhamento do pré-natal, do parto e do pós-parto, evitando práticas intervencionistas desnecessárias que, embora tradicionalmente realizadas, não beneficiam a mulher, nem o recém-nascido e que, com freqüência, acarretam maiores riscos para ambos. 5 Diante desta portaria, o setor público ficou responsável por juntamente com as Secretarias de saúde dos estados elaborarem estratégias para aplicação do plano nacional nas Unidades SUS (Sistema Único de Saúde) em todos os estados brasileiros, com cartilhas e grupos de apoios às gestantes nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), além da divulgação da importância do acompanhamento pré-natal com todo asseguramento de direitos e acesso a exames para monitoramento durante a gestação o nascimento, assim como, a garantia do acompanhante durante o parto e a promoção também do aleitamento materno como políticas de boas práticas relacionadas ao parto. As recomendações da OMS, de 2018, para os cuidados durante o parto preconizam uma “experiência positiva de parto” 6 como uma finalidade de saúde e de bem-estar. 5 Disponivel em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2000/prt0569_01_06_2000_rep.html. Acesso 10.09.2020 6 Ver OMS: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/intrapartum-care-guidelines/en/. Acesso 10.09.2020 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2000/prt0569_01_06_2000_rep.html https://www.who.int/reproductivehealth/publications/intrapartum-care-guidelines/en/ 29 1.3. Conflitos relativos ao parto na atualidade brasileira: do elevado número de cesáreas a violências obstétricas Nascer no Brasil envolve diferentes nuances e realidades e as transformações ocorrem de maneira não linear nas mais diversas localidades do país. Apesar da centralidade do parto hospitalar, ainda se mantém ao longo dos tempos nas áreas rurais, a prática do parto domiciliar assistido por parteiras tradicionais, tendo em vista o difícil acesso de várias comunidades ao ambiente hospitalar. Essas diferenças podem ainda ser maiores se olharmos atentamente para as formas de desenvolvimento de cada região do país, destacando dentro do Brasil, lugares como o Norte e Nordeste como sendo os maiores afetados na escala de desigualdade e com menor acesso à saúde e educação, por exemplo. A parteira tradicional ocupa lugar de grande importância na história sobre nascer no Brasil e com certeza representa uma somatória importante de nascimentos ainda na atualidade, reinventando-se no atendimento às suas comunidades. A atividade da parteira no Nordeste brasileiro representa culturalmente as raízes culturais da forma de nascer envoltas pelo cuidado comunitário. Sobre isso, vejamos o que reflete a pesquisadora Ademilde Medeiros Neta (2017) sobre a particularidades socioculturais da atuação e relação desta assistência: A manutenção desses laços é ao que parece uma caracteristicas relacionada as parteiras com atuação nas comunidades. Pois é a prestatividade e disposição de ajuda quando não ha com que sem contar na hora do parto ou doença que gera uma especie de comoção que motiva a afetividade em relação a parteira como forma de gratidão e recompensa com o status de membro familiar- segunda mae, mae de umbigo, madrinha ou mesmo tia – estendido por toda vida (MEDEIROS NETA , 2017,p. 41). Medeiros Neta (2017) afirma que uma carga de tensões marca a transição das formas hegemônicas de nascer no especificamente no nordeste brasileiro para o ambiente hospitalar. É possível apontar um incômodo muito presente no que diz respeito à questão médico- científica, no qual parece desmerecer o conhecimento popular e a atuação da parteira tradicional, exigindo delas inclusive, que sejam feitos cursos específicos, que sejam “atualizadas” de certos tipo de práticas de higiene. Do ponto de vista das parteiras também existem muitas incongruências nas atuações médicas, deixando claro que às vezes, o saber da medicina também pode ser passível de erros. 30 A inserção da cultura hospitalar de atendimento aos partos ocasionou um questionamento das práticas de parteiras durante um tempo, porém, como afirma Medeiros Neta(2017) e como também verifico na minha pesquisa, existe um movimento de revalorização destes partos tradicionais, desta vez carregando consigo uma alternativa da assistência médica aos nascimentos. No nordeste, especialmente em Natal, este movimento cultural surge ainda de maneira lenta mais em crescente expansão. Nas últimas décadas, alguns dados soam reveladores. O contexto urbano brasileiro ainda conta com o elevadíssimo número de cesarianas, com uma média de 55% dos partos realizados no país pelo SUS, segundo a Febrasgo 7 e a FIOCRUZ 8 . E, quando se fala em planos de saúde, as taxas são ainda mais elevadas chegando a 88%. Os indicadores e motivos dessas cirurgias são as mais variadas, sendo comum que a paciente sem intercorrências, inicie seu pré-natal desejando um parto por via vaginal e acabe desistindo dele no meio dos processos e consultas, desencorajadas pelos discursos: medo da dor, receio que a vagina não volte ao tamanho habitual, não ter passagem, sofrimento fetal, bebês pélvicos; são discursos comumente ouvidos nos âmbitos virtuais e presenciais acompanhados durante a pesquisa como motivadores de cirurgias cesarianas. Toda essa “epidemia de cesáreas” acontece ainda com altos índices, apesar de toda luta e políticas voltadas para a humanização do parto. O que faz com que os números das cirurgias cesarianas sejam tão altos no país? Em primeira instância, seguindo os relatos de partos consultados ao longo da pesquisa presentes nas redes sociais das interlocutoras, o que acontece nas ações de assistência ao nascimento é uma permanência de práticas estabelecidas culturalmente entre os médicos que fortalece a relação de poder entre médico e paciente. Isso gera grande insatisfação. Os altos números de taxas de procedimentos interventores nos nascimentos e as várias falas sobre violências obstétricas no momento do parto, faz com que a parturiente possa se sentir muitas vezes ameaçada, optando ou pedindo por uma cirurgia cesariana. A violência obstétrica é um aspecto importante na jornada do entendimento dos processos de luta pela humanização em todo o mundo, pois ela é um central motivador da busca de uma melhor assistência relacionadas ao parto. Porém, o seu entendimento é ainda 7 Disponível em https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/402-organizacao-mundial-da-saude-oms-lanca-56- recomendacoes-para-tentar-diminuir-as- cesareas#:~:text=Em%202016%2C%20o%20Sistema%20%C3%9Anico,a%20taxa%20%C3%A9%20de%2056 %25. Acesso 25.06.2020. 8 Disponível em: http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/principais-resultados2/ . Acesso em 20.06.2020. https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/402-organizacao-mundial-da-saude-oms-lanca-56-recomendacoes-para-tentar-diminuir-as-cesareas#:~:text=Em%202016%2C%20o%20Sistema%20%C3%9Anico,a%20taxa%20%C3%A9%20de%2056%25. https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/402-organizacao-mundial-da-saude-oms-lanca-56-recomendacoes-para-tentar-diminuir-as-cesareas#:~:text=Em%202016%2C%20o%20Sistema%20%C3%9Anico,a%20taxa%20%C3%A9%20de%2056%25. https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/402-organizacao-mundial-da-saude-oms-lanca-56-recomendacoes-para-tentar-diminuir-as-cesareas#:~:text=Em%202016%2C%20o%20Sistema%20%C3%9Anico,a%20taxa%20%C3%A9%20de%2056%25. https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/402-organizacao-mundial-da-saude-oms-lanca-56-recomendacoes-para-tentar-diminuir-as-cesareas#:~:text=Em%202016%2C%20o%20Sistema%20%C3%9Anico,a%20taxa%20%C3%A9%20de%2056%25. http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/principais-resultados2/ 31 mais importante dentro de realidades como a vividas no sul global que é o caso do Brasil e América Latina, lugares no qual ocorrem uma maior precarização da vida de maneira geral. Se faz necessário pensar quais são os corpos mais atingidos de maneira categórica por essas violências. Devemos assim, estar atentos para os marcadores de classe, gênero e raça como fatores de desigualdades para tais acontecimentos, promovendo uma reflexão que leve em consideração a interseccionalidade que atravessa a discussão, marcando um lugar de subalternidade e de medidas hierárquicas diferenciadas nestas escalas de violência entre as sujeitas. Os estudos sobre biopolítica e necropolítica (MBEMBE, 2016 p. 128 ) nos faz refletir quais são os sujeitos desejáveis e indesejáveis. E isso passa pela questão dos direitos reprodutivos, onde a partir de um controle estatal vemos a aplicação de uma violência soberana realizadas pelas instituições médicas, que passam por um sistema de hierarquização das violências atráves de um classificação biológica como sugere o racismo, sendo esse pensamento importante npara compreender as relações politicas que se relacionam com a violência obstetrícia. A interseccionalidade que busca pensar o poder enquanto uma relação em constelação nos quais podem ser acionados outros marcadores sociais que podem pesar ainda mais para alguns sujeitos em especifico vão ser tratados dentro da nossa sociedade. Com toda certeza, alguns exercicios de maternidade, em específico, o da mulher branca, heterossexual e casada será profundamente mais desejada socialmente do que por exemplo, a maternidade das mulheres negras. Neste sentido: Quanto maior o número de aspectos ditos negativos presentes na mulher ou no casal, ao exercitarem maternidade e/ou a reprodução e cuidado com os filhos, mais próximos estarão da base da pirâmide hierárquica e, ainda, menor será o exercício de direitos humanos – o que revela, a exclusão social a que estão submetidos (MATTAR; DINIZ, 2012 p.114). Estas violações têm como principais características a desinformação, a violência física, simbólica e também sexual que partem sempre da destituição de direitos. As mídias hegemônicas de maneira geral, tais como novelas, noticiários, revistas e até as “falácias populares” prestam também muita desinformação ao longo dos anos sobre as maneiras de, resultando em muitos estigmas: sobre o que seria a posição certa para parir, o quão doloroso pode ser este evento, quem deve prestar a assistência etc.. 32 Como marco importante desta discussão, é possível citar a análise promovida pelo “Dossiê Violência Obstétrica: parirás com dor” (2012), desenvolvido durante a CPMI da violência contra as mulheres, o texto foi produzido pela rede de mulheres “Parto do Princípio: mulheres em rede pela maternidade ativa”, com intuito de elaborar e exigir das autoridades competentes posicionamentos sobre a temática. No dossiê citado acima, as ativistas das redes de mulheres comentam que mesmo aquelas conquistas garantidas por lei, são desrespeitadas em diversas maternidades brasileiras. Dentre estas, está o descumprimento da Lei nº. 11.108/2005 que garante a presença do acompanhante de escolha da mulher no momento do parto. A lei é descumprida alegando as mais diversas desculpas, tais como a não existência de roupas adequadas para o acompanhante ou mesmo o fato deste acompanhante ser do sexo masculino e as enfermarias serem compartilhadas por outras parturientes do sexo feminino. O dossiê apresenta também de maneira minuciosa, a política
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