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NecessidadeshumanasAgnes-Carvalho-2020

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0 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL 
CURSO DE DOUTORADO 
 
 
 
LIANA AMARO AUGUSTO DE CARVALHO 
 
 
 
AS NECESSIDADES HUMANAS EM AGNES HELLER 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL - RN 
2020 
 
1 
 
LIANA AMARO AUGUSTO DE CARVALHO 
 
 
 
 
 
AS NECESSIDADES HUMANAS EM AGNES HELLER 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL - RN 
2020 
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social e ao Centro 
de Ciências Sociais Aplicadas da 
Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte (PPGSS/CCSA/UFRN) como 
requisito parcial para a obtenção do grau 
de Doutora em Serviço Social, realizada 
sob orientação do Prof. Dr. Henrique 
André Ramos Wellen, defendida no 
semestre letivo 2020.2. 
 
2 
 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro 
Ciências Sociais Aplicadas - CCSA 
 
 
 Carvalho, Liana Amaro Augusto de. 
 As necessidades humanas em Agnes Heller / Liana Amaro Augusto 
de Carvalho. - 2020. 
 396f.: il. 
 
 Tese (Doutorado em Serviço Social) - Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, 
Programa de Pós Graduação em Serviço Social. Natal. RN, 2020. 
 Orientador: Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen. 
 
 
 1. Agnes Heller - Tese. 2. Escola de Budapeste - Tese. 3. 
Necessidades humanas - Tese. 4. Necessidades radicais - Tese. 5. 
Marxismo - Tese. I. Wellen, Henrique André Ramos. II. 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. 
 
RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 92:385 
 
 
 
 
 
Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 
 
3 
 
LIANA AMARO AUGUSTO DE CARVALHO 
AS NECESSIDADES HUMANAS EM AGNES HELLER 
 
 
 
 
 
APROVADA EM: 11/12/2020. 
 
 
Prof.º Dr. Henrique André Ramos Wellen 
 Orientador – PPGSS/UFRN 
 
Prof. Dr. Jamerson Murilo Anunciação de Souza 
Avaliador Externo – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) 
 
Prof.º Dr. José Paulo Netto 
Avaliador Externo – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 
 
Prof.º Dr. Ranieri Carli de Oliveira 
Avaliador Externo – Universidade Federal Fluminense (UFF) 
 
Prof.º Dr.ª Silvana Mara de Morais dos Santos 
Avaliador Interno – PPGSS/UFRN 
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social e ao Centro 
de Ciências Sociais Aplicadas da 
Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte (PPGSS/CCSA/UFRN) como 
requisito parcial para a obtenção do grau 
de Doutora em Serviço Social, realizada 
sob orientação do Prof. Dr. Henrique 
André Ramos Wellen, defendida no 
semestre letivo 2020.2. 
 
4 
 
 
5 
 
DEDICATÓRIA 
 
Ao meu avô “Carlito” (in memorian), por ter acreditado e lutado por um mundo 
diferente deste. 
 
6 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A Deus. 
À minha família. Especialmente aos meus amados pais, Carlos e Graça, e ao 
meu querido irmão, Carlinhos, pelo amor e cuidado presentes em todas as horas. 
Aos meus avós paternos, Carlito (in memorian) e Lia; e maternos, João e Maria, pelo 
apoio e incentivo de sempre. Também à minha família extensa, àqueles que me 
acompanharam e contribuíram para esta realização, especialmente ao meu tio 
Cristóvam, pelas trocas filosóficas e diálogos sempre instigantes. 
Aos amigos que sempre incentivaram o andamento da minha pesquisa, 
especialmente à Dryka, Myne e Fischer, que dividiram comigo os momentos de 
angústia e se preocuparam tanto com a minha saúde física e mental durante estes 
anos. Também aos meus amigos do Departamento de Ciências Jurídicas da 
Universidade Federal da Paraíba (DCJ/UFPB), especialmente a Daniela e Lília. 
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ao Programa de Pós 
Graduação em Serviço Social e aos docentes que conduziram as disciplinas 
cursadas. Agradeço especialmente ao meu orientador, Prof.º Dr. Henrique Wellen, 
por quem tenho grande admiração, pelo acompanhamento constante desde o início 
do curso em relação aos meus intentos de pesquisa, pelas muitas indicações e 
provocações que, sem dúvida, foram decisivas para este momento da minha 
formação profissional e para o desenvolvimento das minhas reflexões em torno do 
meu objeto de estudo e para além dele, bem como pela atenção, disponibilidade, 
apoio e compreensão sempre presentes. Foi uma honra trabalhar juntos por todos 
esses anos. Tenho orgulho de ter sido sua orientanda! 
Aos companheiros do Curso de Doutorado e especialmente àqueles que se 
tornaram mais que colegas de curso e de profissão: Thaísa Simplício, Juary Chagas 
e Milena Santos. Esta longa trajetória não teria sido a mesma sem a presença de 
vocês. Tais agradecimentos são extensivos à Ana Paula Agapito, Jinadiene Silva e 
Vinícius Lopes, pela companhia e por todos os cafés que tomamos juntos. Obrigada 
pelo compartilhamento de tantas ideias e pelo carinho de sempre. 
 
7 
 
Aos integrantes do Grupo de Pesquisas sobre Trabalho, Ética e Direitos 
(GEPTED/UFRN), bem como aos do Grupo de Estudos e Pesquisa Sobre Economia 
Política e Trabalho (GEPET/UFPB). Agradeço especialmente à minha querida 
mestra, Prof.ª Dr.ª Cláudia Gomes, pelo incansável acompanhamento em toda a 
minha trajetória acadêmica, pela atenção e incentivo em todo o tempo. Sem dúvida, 
esta foi uma contribuição decisiva para o meu crescimento pessoal, intelectual e 
profissional. Também, externo minha gratidão à Jéssica Mélo, Emanuelle Galdino, 
Conceição Cruz e Fabiana Alcântara, minhas contemporâneas, bem como aos 
demais integrantes do grupo pelas trocas, contribuições e boas vibrações sempre 
presentes. 
À banca. Externamente, ao Prof. Dr. Jamerson Souza, por quem tenho 
grande estima, também partícipe da qualificação da referida tese, ocasião na qual 
fez indicações certeiras e indispensáveis ao bom andamento da pesquisa. Também, 
ao Prof. Dr. José Paulo Netto e ao Prof. Dr. Ranieri Carli por terem aceitado 
prontamente o convite de participação e por terem contribuído ativamente para o 
meu processo de formação profissional como contribuições teóricas marcantes nas 
minhas reflexões cotidianas. Internamente, à Prof.ª Dr.ª Silvana Mara, pelas 
contribuições ímpares no andamento do curso de doutoramento, bem como pelas 
indicações preciosas efetuadas por ocasião da qualificação desde trabalho. 
Também, ao Prof. Dr. Marcelo Braz, que mesmo não sendo partícipe do meu 
processo formativo diretamente na UFRN foi um diálogo teórico sempre presente em 
minha trajetória acadêmica e aceitou a suplência da minha defesa. Sinto-me 
honrada em tê-los! 
Ainda, e não menos importante, à Agnes Heller (in memorian), por ter sido 
uma companhia constante nos últimos anos, proporcionando pistas e provocações 
que me levaram a tantas descobertas e, sem dúvida, a muitas outras perguntas 
ainda passíveis de respostas. 
Além disso, agradeço à CAPES pelo financiamento através de concessão de 
bolsa durante quarenta meses de pesquisa. 
E, por fim, a todos aqueles que me acompanharam nessa trajetória e 
torceram pelo sucesso da mesma. 
 
 
8 
 
RESUMO 
 
A tese ora apresentada analisa as necessidades humanas nas obras de Agnes 
Heller, filósofa húngara e integrante da Escola de Budapeste. A justificativa do 
estudo em epígrafe relaciona-se principalmente com o fato de que, apesar de ser 
significativamente utilizada, a produção helleriana sobre as necessidades humanas 
ainda se constitui como um campo de incógnitas na produção teórica do Serviço 
Social. Nesse sentido, questionamos qual a contribuição de Agnes Heller sobre as 
necessidades humanas e como a categoria de necessidades radicais se situa 
no debate helleriano, tentando identificar se é possível articular o debate das 
necessidades humanas e radicais a partir de Heller ao arcabouço teórico marxiano. 
Portanto,com este estudo objetivamos de maneira geral analisar as necessidades 
humanas a partir da contribuição de Agnes Heller, analisando especificamente o 
contexto, a composição e a importância da Escola de Budapeste; abordando a vida 
e a obra de Agnes Heller; e discutindo criticamente as principais obras sobre o tema 
das necessidades humanas. Para chegar a este fim, utilizamos como perspectiva de 
análise o método crítico dialético marxiano, e como procedimentos metodológicos as 
técnicas de pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa, a partir da 
utilização de fontes primárias e secundárias, através de leituras e 
fichamentos de materiais disponíveis em meio eletrônico ou em exemplares físicos. 
Sustentamos a ideia de que o desenvolvimento da Teoria das Necessidades na obra 
helleriana demonstra que houve um processo de aproximação e afastamento de 
Marx e do marxismo, resultando em uma produção que absorveu várias influências 
filosóficas de pensamento, partindo da reflexão sobre os principais eventos 
históricos do século XX e em particular do contexto vivenciado na formação social 
húngara, resultando numa produção eclética sobre o tema, o que conforma uma 
teoria das necessidades própria. 
PALAVRAS CHAVE: Agnes Heller. Escola de Budapeste. Necessidades Humanas. 
Marxismo. 
 
9 
 
ABSTRACT 
 
The thesis presented here analyzes human needs in the works of Agnes Heller, 
Hungarian philosopher and member of the Budapest School. The justification of the 
study in question is mainly related to the fact that, despite being significantly used, 
Hellerian production on human needs is still a field of unknowns in the theoretical 
production of Social Work. In this sense, we question what Agnes Heller's 
contribution on human needs and how the category of radical needs is situated in the 
Hellerian debate, trying to identify whether it is possible to articulate the debate on 
human and radical needs from Heller to the Marxian theoretical framework. 
Therefore, with this study we aim in general to analyze human needs from the 
contribution of Agnes Heller, specifically analyzing the context, composition and 
importance of the Budapest School; addressing the life and work of Agnes Heller; 
and critically discussing the main works on the topic of human needs. To reach this 
end, we use the Marxian dialectical critical method as an analysis perspective, and 
as qualitative procedures, bibliographic research techniques of a qualitative nature, 
from the use of primary and secondary sources, through readings and records of 
materials available in the medium. electronic or in physical copies. We support the 
idea that the development of the Theory of Needs in the Hellerian work demonstrates 
that there was a process of approaching and moving away from Marx and Marxism, 
resulting in a production that absorbed several philosophical influences of thought, 
starting from the reflection on the main historical events of the twentieth century and 
in particular the context experienced in the Hungarian social formation, resulting in an 
eclectic production on the theme, which constitutes a theory of needs itself. 
KEYWORDS: Agnes Heller. Budapest School. Human Needs. Marxism. 
 
 
10 
 
RESUMEN 
 
La tesis que aquí se presenta analiza las necesidades humanas en la obra de Agnes 
Heller, filósofa húngara y miembro de la Escuela de Budapest. La justificación del 
estudio en cuestión se relaciona principalmente con el hecho de que, a pesar de ser 
significativamente utilizada, la producción helleriana sobre las necesidades humanas 
sigue siendo un campo de incógnitas en la producción teórica del Trabajo Social. En 
este sentido, cuestionamos cuál es la contribución de Agnes Heller sobre las 
necesidades humanas y cómo se sitúa la categoría de necesidades radicales en el 
debate helleriano, tratando de identificar si es posible articular el debate sobre 
necesidades humanas y radicales desde Heller al marco teórico marxista. Por tanto, 
con este estudio pretendemos en general analizar las necesidades humanas a partir 
de la aportación de Agnes Heller, analizando específicamente el contexto, 
composición e importancia de la Escuela de Budapest; abordar la vida y obra de 
Agnes Heller; y discutir críticamente las principales obras sobre el tema de las 
necesidades humanas. Para alcanzar este fin, utilizamos el método crítico dialéctico 
marxista como perspectiva de análisis, y como procedimientos cualitativos, técnicas 
de investigación bibliográfica de carácter cualitativo, desde el uso de fuentes 
primarias y secundarias, pasando por lecturas y registros de materiales disponibles 
en el medio. electrónicas o en copias físicas. Apoyamos la idea de que el desarrollo 
de la Teoría de las Necesidades en la obra helleriana demuestra que hubo un 
proceso de acercamiento y alejamiento de Marx y el marxismo, resultando en una 
producción que absorbió varias influencias filosóficas del pensamiento, partiendo de 
la reflexión sobre los principales hechos históricos de la época. siglo XX y en 
particular el contexto vivido en la formación social húngara, resultando en una 
producción ecléctica sobre el tema, que constituye una teoría de las necesidades en 
sí. 
PALABRAS CLAVE: Agnes Heller. Escuela de Budapest. Necesidades humanas. 
Marxismo.
11 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 
CAPÍTULO 1: GYORGY LUKÁCS E A ESCOLA DE BUDAPESTE ....................... 36 
1.1 A HUNGRIA E LUKÁCS NO SÉCULO XX: o lugar da Escola de Budapeste ..... 37 
1.2 A ESCOLA DE BUDAPESTE: um esforço conceitual ......................................... 80 
CAPITULO 2: AGNES HELLER: VIDA E OBRA ENTRELAÇADAS ....................... 98 
2.1 ASPECTOS BIOGRÁFICOS E BIBLIOGRÁFICOS DE AGNES HELLER ........ 104 
2.1.1 Os anos de aprendizado (1950-1964) ............................................................ 108 
2.1.2 Os anos de diálogo (1965-1980) .................................................................... 125 
2.1.3 Os anos de construção e intervenção (1980-1995) ........................................ 156 
2.1.4. Os anos de peregrinação (1995-2010) .......................................................... 179 
CAPÍTULO 3: AS NECESSIDADES HUMANAS NA OBRA DE AGNES HELLER: 
OS ANOS DE APRENDIZADO E DE DIÁLOGO (1950-1980) ............................... 194 
3.1. AS NECESSIDADES HUMANAS NOS ANOS DE APRENDIZADO ................ 198 
3.1.1 Teoria, práxis e necessidades humanas (1961) ............................................. 198 
3.2. AS NECESSIDADES HUMANAS NOS ANOS DE DIÁLOGO .......................... 210 
3.2.1 Teoria das necessidades em Marx (1974) ..................................................... 210 
3.2.1.1 O conceito marxiano de necessidades ........................................................ 214 
3.2.1.2 A alienação das necessidades .................................................................... 223 
3.2.1.3 As necessidades sociais ............................................................................. 240 
3.2.1.4 As necessidades radicais ............................................................................ 247 
3.2.1.5 O sistema de necessidades e a sociedade de produtores associados ...... 265 
CAPÍTULO 4: AS NECESSIDADES HUMANAS NA OBRA DE AGNES HELLER: 
OS ANOS DE CONSTRUÇÃO E INTERVENÇÃO (1980-1995) ............................ 286 
 
12 
 
4.1 AS NECESSIDADES HUMANAS NOS ANOS DE CONSTRUÇÃO E 
INTERVENÇÃO ...................................................................................................... 289 
4.1.1 As necessidades verdadeiras e falsas podem ser postuladas? (1985) .......... 289 
4.1.2 A sociedade insatisfeita (1985) ...................................................................... 302 
4.1.3. Da satisfação numa sociedade insatisfeita (1987) ........................................ 312 
4.1.4 Uma revisão da Teoria das Necessidades(1993) .......................................... 323 
CAPÍTULO 5: O PENSAMENTO DE AGNES HELLER SOBRE AS 
NECESSIDADES HUMANAS E OS SEUS LIMITES ............................................. 333 
5.1. SOBRE A TEORIA DAS NECESSIDADES NA FILOSOFIA HELLERIANA: um 
diálogo com os intérpretes ...................................................................................... 333 
5.2 AS NECESSIDADES HUMANAS EM AGNES HELLER E OS SEUS LIMITES.355 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 380 
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 386 
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
A tese ora apresentada analisa as necessidades humanas nas obras de 
Agnes Heller. Esta foi uma filósofa húngara, de origem judia, sobrevivente do 
Holocausto e dos Gulags. Por ter sido dona de uma ampla capacidade criativa e de 
uma interpretação própria do mundo, apresentando um rápido e contínuo fluxo de 
ideias acerca dos seus temas de preocupação filosófica – estando as necessidades 
humanas entre eles – desenvolveu uma extensa obra, composta de inúmeras 
publicações, caracterizadas sobretudo por uma continuidade fragmentada das suas 
ideias controvertidas, que articulam as percepções políticas e filosóficas do seu 
tempo, mas nunca abandonando a viga mestra de pensamento: a ética. 
A escolha de estudar as necessidades humanas, por ocasião do 
doutoramento em Serviço Social, aparece como um desdobramento de pesquisas 
realizadas anteriormente, vinculadas especialmente ao debate sobre transferência 
de renda e pauperismo no Brasil, desenvolvidas na graduação e no mestrado em 
Serviço Social, respectivamente. 
As primeiras aproximações com o universo da pesquisa se deram ainda no 
momento da graduação em Serviço Social, com a participação no Programa de 
Desenvolvimento Tecnológico e Inovação de Iniciação Científica da Universidade 
Federal da Paraíba (UFPB), na condição de bolsista (UFPB/CNPQ), com o Projeto 
de Pesquisa Programas de Transferência de Renda: impacto na desestruturação 
dos direitos do trabalho, vinculada ao Grupo de Pesquisa sobre Economia Política e 
Trabalho (GEPET) do Departamento de Serviço Social da mesma instituição. 
A partir da referida experiência, surgiu o interesse de continuar aprofundando 
os conhecimentos sobre a temática estudada, o que levou ao recorte voltado 
especificamente para o Programa Bolsa Família, a fim de torná-lo tema de Trabalho 
de Conclusão de Curso, defendido sob o título Os limites do Programa Bolsa Família 
no combate à pobreza e a desigualdade de renda no Brasil. 
Dos estudos principiados na Iniciação Científica e desdobrados no trabalho 
monográfico, a pesquisa continuou sendo desenvolvida no mestrado acadêmico, 
vinculado ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UFPB 
14 
 
(PPGSS/UFPB), discutindo o programa Bolsa Família e os impactos sobre o 
empobrecimento absoluto e relativo no Brasil, com dissertação concluída no ano de 
2014, sob o título Os impactos do programa Bolsa Família sobre a pobreza absoluta 
e relativa no Brasil. 
Naquele momento entendíamos que durante os anos dos governos petistas, 
com os aumentos sensíveis do salário mínimo, a expansão dos programas socio 
assistenciais e de transferência de renda, e a queda do desemprego, a sociedade 
brasileira vinha sofrendo processos reiterados de pauperização, pois a utilização de 
técnicas consideradas arcaicas de extração de mais valor estavam sendo 
recombinadas com a sua forma relativa, ou seja, a articulando pauperismo absoluto 
e relativo. Identificamos ainda que esta tendência vinha se apresentando como uma 
estratégia contemporânea de reprodução ampliada do capital considerando as 
configurações que o trabalho assumiu historicamente na particularidade da formação 
social brasileira. Ficava, portanto, evidente que as transferências de renda 
causavam um impacto pequeno sobre os níveis de pauperização, e apesar de gerar 
aquecimento econômico no mercado local pela via do consumo de bens de primeira 
necessidade, a erradicação da pobreza não poderia ser garantida pela transferência 
direta de dinheiro para as famílias que faziam parte do referido programa. 
No tocante aos bens que são consumidos, é impossível desconsiderar a sua 
função enquanto bem útil a manutenção da vida em sociedade. Entendemos a partir 
de Marx (2013) que esta é a sociedade na qual a mercadoria se universalizou e os 
bens necessários à sobrevivência, além da sua utilidade – ou seja, o seu valor de 
uso – tem o seu valor de troca expresso numa equivalência monetária que constitui 
uma dimensão de interesse fundamental, uma vez que é através dos atos de 
compra e venda que a mercadoria se realiza proporcionando o lucro aos donos dos 
meios de produção. 
Por mais que no modo de produção capitalista o acesso a estes bens apareça 
mediatizado pela troca, o consumo dos “itens de primeira ordem” significou – ainda 
que de forma contraditória, por um viés político-assistencial e clientelístico que 
historicamente perpassa a formação social brasileira – a satisfação imediata das 
necessidades das famílias beneficiárias. 
15 
 
Sob a ótica econômica liberal o consumo funciona como a mediação para 
satisfação das necessidades humanas. Essa perspectiva reforça a lógica do pleno 
funcionamento do mercado, escondendo a essência do “problema” da pobreza. Na 
verdade, o desvelamento crítico e dialético das suas reais tendências demonstra 
que, para além de uma simples problemática passível de uma solução imediata, o 
pauperismo é traço candente da lógica exploratória desta forma de sociabilidade, 
gerando riqueza material de um lado e pauperismo em escala ampliada do outro 
(MARX, 2013). Este é, portanto, um traço insuprimível do modo de produção 
capitalista. 
Contudo, a discussão sobre o pauperismo em correlação com os programas 
de transferência de renda no Brasil e com o perfil dessas famílias aparece 
frequentemente mistificada, de maneira que suscita no campo do senso comum 
reiteradas colocações que reforçam o famoso “uso indevido” do dinheiro repassado. 
Por isso, não raramente, identificamos argumentos que legitima um determinado 
gasto em detrimento do outro. Por vezes reconhece-se a necessidade de comer, o 
que tornava legítima a compra de alimentos, mas nega-se a necessidade de vestir, 
rechaçando a compra de uma peça de roupa, por exemplo. De acordo com essa 
ideia, uma família considerada pobre não deveria consumir itens que excedam a 
mera reprodução biológica. Desse modo, determinadas necessidades assumem um 
caráter secundário diante de outras consideradas primordiais, ou essenciais na 
reprodução de força de trabalho. 
Em geral percebemos que essas críticas se relacionam a uma lógica 
moralizante comumente aceita pela qual determinados bens não devem ser 
consumidos por determinadas famílias, e geralmente aquelas pertencentes aos 
substratos de menor poder aquisitivo. Dito de outro modo: tais argumentos têm 
como pano de fundo a culpabilização moral do contingente mais empobrecido da 
sociedade em relação à identificação das suas necessidades, de maneira que o 
acesso a determinados bens, considerados supérfluos ou até suntuários, tornam-se 
“indevidos” ou “inadequados” para algumas dessas famílias. O referido debate 
perpassa as discussões contemporâneas sobre as políticas sociais e, sem dúvida, 
tornou-se pauta polêmica especificamente em relação às políticas de transferência 
de renda. 
16 
 
Nesse sentido, ao refletir sobre o universo categorial com o qual lidávamos 
em pesquisas anteriores, começamos a questionar: O que seria um “gasto legítimo” 
ou não? O que seria, de fato, um bem necessário ou uma necessidade em si? Quem 
pode determiná-los? Surgia, portanto, dos desdobramentos do próprio movimento do 
objeto de estudo anterior uma categoria nova a ser desvelada: asnecessidades 
humanas. Desse modo, além dos estudos realizados, foram as observações, os 
questionamentos e as reflexões acerca do movimento da própria realidade que nos 
levaram ao tema a ser desvelado neste estudo, dando continuidade às pesquisas 
interrompidas pela conclusão do mestrado acadêmico. 
Ao iniciar as pesquisas por ocasião do doutoramento, vinculado ao 
PPGSS/UFRN, fizemos inicialmente um levantamento bibliográfico sobre o referido 
tema com o objetivo de subsidiar elementos para o debate. De imediato nos 
deparamos com um universo de discussões das mais variadas ordens, que 
transitavam entre várias perspectivas teórico metodológicas. De tal modo, passamos 
a entender que o debate sobre as necessidades humanas abarca um lastro variado 
de compreensões que versam sobre a reprodução da vida humana em sociedade. 
Por este motivo entendemos que as várias contribuições em torno do tema não 
podem ser relegadas, pois guardam diferentes formas de apropriação do debate 
apontando, guardando obviamente interesses diversos. 
Entre as principais referências desse primeiro contato destacamos o livro Das 
necessidades humanas aos direitos: ensaio de sociologia e filosofia do direito, de 
Miracy Barbosa de Sousa Gustin. O livro faz o esforço de qualificação da discussão 
em torno das necessidades humanas sob as mais variadas perspectivas teóricas, 
destacando os principais posicionamentos paradigmáticos sobre a mesma. 
Corroborando com as contribuições de Jurgen Habermas, Gustin (1999) também 
qualifica as necessidades a partir da teoria social crítica marxiana e enfatiza a 
importância da contribuição de Agnes Heller nesta área da produção do 
conhecimento. 
Continuando essa primeira aproximação com o tema em epígrafe, dessa vez 
a partir de um recorte à luz da perspectiva crítico dialética marxiana, a mesma que 
norteia a realização desta pesquisa, algumas poucas referências se destacaram 
sobre o referido debate no Brasil. Uma contribuição recente e bastante elucidativa 
que deve ser destacada é a dissertação de mestrado de Paulo Denisar Vasconcelos 
17 
 
Fraga, sob o título A teoria das Necessidades em Marx: da dialética do 
reconhecimento à analítica do ser social, defendida e publicada em 2006, vinculada 
ao Programa de Pós Graduação em Filosofia da Universidade Estadual de 
Campinas. Essa produção exerceu um papel fulcral no desenvolvimento desta 
pesquisa, pois funcionou como uma chave de leitura sobre o tema das necessidades 
humanas, observando-se a identidade desta pesquisa com o referencial teórico 
metodológico utilizado. 
Fraga (2006) parte do suposto de que Marx tem os seus primeiros contatos 
com o tema das necessidades a partir da sua relação com Hegel, Feuerbach e a 
economia política clássica. Por isso, ele inicia a discussão da dissertação pela 
dialética do desejo e das necessidades em Hegel, passando pelos diálogos do 
jovem Marx com Feuerbach, e identifica a contribuição marxiana nos Manuscritos 
Econômico Filosóficos de 1844 como a primeira crítica da economia política 
marxiana. O autor argumenta que há na obra de Marx uma articulação categorial 
fundada na relação com a filosofia de Hegel, de Feuerbach e dos economistas 
clássicos que torna o tema das necessidades um debate de todos e de ninguém ao 
mesmo tempo, pois apesar de compreender uma discussão antiga ela aparece 
diluída em muitas contribuições, de modo que o tema ganha transversalidade em 
sua discussão. 
No século XVIII Hegel se destacou pela contribuição com a economia política 
clássica e dedicou parte dos seus estudos ao entendimento da modernidade, e “o 
tratamento desse tema, [...] [compreende] a primeira seção da “sociedade civil” de 
sua teoria de Estado, intitulada “Sistema das Necessidades”, [...] na Fenomenologia 
do Espírito” (FRAGA, 2006, p. 19 – 20). Em Feuerbach o tema aparece na crítica da 
teologia, “quando ele evidencia a não-essencialidade para-si da religião, reduzindo-a 
a fundamentos antropológicos e terrenos” (FRAGA, op. cit.). Ainda, para o autor, em 
Marx a preocupação com o tema das necessidades sempre esteve presente, pois a 
análise das questões de cunho social que se colocaram à sua época o fizeram 
continuamente referir-se e tratar o tema principalmente relacionando-o com a 
questão do empobrecimento a priori, em controvérsia com os chamados interesses 
materiais. Complementa que as primeiras evidências podem ser percebidas quando, 
ainda como editor da Gazeta Renana, Marx se defronta com os problemas materiais 
que se desdobravam naquele momento na Alemanha, como por exemplo com o 
18 
 
furto da lenha. A partir desse confronto ele passou a dialogar novamente com a 
filosofia do direito de Hegel e a referir-se, mais tarde, às necessidades radicais na 
sua crítica, observando no proletariado a “única classe com capacidade universal de 
resgatar as necessidades humanas de sua miséria e conduzir a sociedade à 
emancipação e à liberdade” (p. 21). Ainda nos Manuscritos de 1844, depois do 
contato decisivo com a economia política clássica, a noção de necessidades 
aparece reiteradamente. Fica ali candente, portanto, “o parâmetro da riqueza das 
necessidades, contraposto ao seu dilaceramento pelas lógicas da propriedade 
privada e do trabalho estranhado” (p. 22). O autor destaca ainda que no século XX o 
debate continuou fervoroso diante da experiência do “socialismo real”, destacando-
se as obras de integrantes da Escola de Frankfurt, principalmente com os trabalhos 
de Herbert Marcuse, na aproximação do existencialismo de Sartre com o marxismo, 
bem como nas contribuições da Escola de Budapeste (FRAGA, op. cit.). 
Dando continuidade aos processos investigativos com a finalidade de 
delimitar o nosso objeto de estudo, buscamos também identificar na produção 
científica brasileira quais as contribuições do Serviço Social sobre o referido debate, 
e encontramos algumas alusões ao mesmo. 
Sobre este ponto podemos destacar inicialmente uma produção teórica que 
se tornou referência obrigatória para discutir as necessidades humanas na categoria 
profissional, uma vez que este foi um dos primeiros esforços para lidar com o tema. 
Refiro-me ao livro de Potyara Pereira, sob o título “Necessidades humanas: 
subsídios à crítica dos mínimos sociais”, publicado originalmente nos anos 2000. 
O livro tece a discussão acerca das necessidades humanas fazendo uma 
crítica a concepção de mínimos sociais, isto é, correlacionando aquelas com os 
traços seletivo e focalizado das políticas sociais contemporaneamente. 
Reconhecendo a ampla dimensão genérica que o debate sobre as necessidades 
humanas tem, oscilando frequentemente entre conteúdos, contornos e 
particularidades, de acordo com as suas escolhas epistemológicas, ela defende que 
esse debate se encaminhou ao longo do tempo para uma polarização, que 
concentrou de um lado os que defendem as necessidades básicas a partir de 
concepções subjetivas e relativas e do outro, minoritariamente, aqueles que 
entendem as necessidades de modo objetivo, passível de generalização. Partindo 
desse pressuposto, ela tece uma crítica aos chamados approaches relativistas, que 
19 
 
na sua concepção revelam-se como subjetivas e arbitrárias, sendo, portanto, 
inconsistentes, caóticas a até desastradas. E situa-se nos grupos minoritários que 
defende uma concepção objetiva de necessidades, pois a inespecificidade 
determinaria formas confusas e voluntaristas de materialização dos direitos 
(PEREIRA, 2011). 
Nesse sentido, a autora faz uma defesa do básico em detrimento do mínimo, 
partindo do entendimento de que a noção de direitos sociais guarda uma relação 
tênue com as necessidades humanas, e as políticas sociais compreendem a forma 
de satisfação destas. 
Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois, enquanto o 
primeiro tem a conotação de menor, de menos, em sua acepção mais 
ínfima, identificada com patamares de satisfaçãodas necessidades que 
beiram a desproteção social, o segundo não. O básico expressa algo 
fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação 
indispensável e fecunda ao que ela se acrescenta. [...] Assim, enquanto o 
mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimento, tal como propõe a 
ideologia liberal, o básico requer investimentos sociais de qualidade para 
preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser 
prestados e otimizados. Em outros termos, enquanto o mínimo nega o ótimo 
de atendimento, o básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação 
básica de necessidades em direção ao ótimo. Sendo assim, mínimo e 
básico, ao contrário do que tem sido apressada e mecanicamente inferido 
no texto da LOAS, são noções assimétricas, que não guardam, do ponto de 
vista empírico, conceitual e político, compatibilidade entre si (idem, ibidem, 
p. 26 – 27). 
Ao fazer a distinção entre as concepções de mínimo e básico, defendendo um 
conceito objetivo e universal de necessidades humanas básicas, a autora situa o 
debate afirmando que as necessidades compreendem a base material da chamada 
“questão social” e que não é possível existir efetivamente serviços sociais sem a 
delimitação do que seriam aquelas. 
Interessante também é registrar que a autora cita a contribuição de Agnes 
Heller sobre o tema, como uma referência vinculada ao marxismo, mas que tem um 
enfoque relativista e subjetivista de compreensão das necessidades humanas, 
defendendo que as necessidades básicas são essencialmente produto do meio e da 
cultura dos quais os homens fazem parte. Em suas palavras, afirma que 
Para Heller, portanto, a estrutura das necessidades varia de um modo de 
produção para outro, sendo impossível, por isso, comparar culturas 
diferentes com base num conceito comum. Ou seja, no entender de Heller, 
necessidades são sentimentos conscientes de carecimentos socialmente 
relativos, os quais expressam desejos que se diferenciam de grupo para 
grupo. [...] Mas o sentimento consciente também pode ser uma motivação 
em busca de preenchimento da “falta de alguma coisa” ou da eliminação 
20 
 
dessa falta. E, nessa busca, o Eu se expande, assim como podem surgir 
novas necessidades pessoais ou sociais. [...] Daí por que, de par com as 
necessidades naturais (ou biológicas), ligadas à sobrevivência, ela fala, 
inspirada em Marx, de necessidades radicais (idem, ibidem, p. 44). 
Diante do exposto, compreendemos que o entendimento de Pereira (2011) 
aparece hipotecado a uma visão da obra helleriana contemporânea às tratativas 
sobre as necessidades das décadas de 1980 e 1990, pela qual a perspectiva 
helleriana já compreendia um verdadeiro paradoxo com o próprio Marx, defendendo 
uma lógica de satisfação individual e subjetiva e inclusive liberal das necessidades 
básicas. Contudo, parece que para a autora referir-se às necessidades radicais 
indica suficientemente que Heller esteja compartilhando de uma inspiração marxiana 
em suas alegações. 
Destacamos ainda o artigo de Norma Braz, sob o título Necessidades 
humano-sociais: ensaio sobre a atualização das necessidades radicais, publicado no 
ano de 2013, na Revista Argumentum. O ensaio, originalmente apresentado no 7º 
Encontro Nacional de Política Social, traz a discussão acerca da categoria de 
necessidades humanas correlacionando-a com a categoria de valor em Marx, a 
partir da contribuição de Agnes Heller. 
De acordo com o entendimento da autora, a contribuição da filósofa húngara 
permanece sendo uma referência válida para resgatar a memória histórica e 
compreender lições sobre as chamadas necessidades radicais sob o capitalismo 
contemporâneo, adensando a defesa do socialismo como única forma de resistência 
ídeopolítica à barbárie das relações sociais instaurada no modo de produção 
capitalista (BRAZ, 2013). A partir deste raciocínio, a autora desenvolve a sua 
argumentação inicialmente sobre o conceito de necessidades e a sua base material 
no modo de produção capitalista, afirmando que as necessidades são construções 
sociais assim como os seus modos de satisfação. Continua discutindo o que seria o 
conceito de necessidades no socialismo a partir de uma base ideal de raciocínio, 
atestando o conceito helleriano de necessidades radicais como fundamental para 
identificar quais são estas necessidades na contemporaneidade. 
Além das contribuições de Pereira e Braz, identificamos ainda outros debates 
recentes na produção teórica do serviço social que abordam o tema das 
necessidades humanas indiretamente, com a finalidade de subsidiar a discussão de 
outros objetos de pesquisa. 
21 
 
Este é o caso, por exemplo, da dissertação de mestrado de Andressa 
Amorim, sob o título O serviço social e a institucionalização das demandas sociais: 
um estudo a partir das necessidades sociais no capitalismo, concluída pelo 
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Alagoas (UFAL) e 
defendida no ano de 2010. Amorim (2010) teve como objeto de discussão a 
estruturação das demandas para o Serviço Social na sociedade capitalista, com a 
finalidade de identificar a relação entre as necessidades e demandas sociais e 
institucionais. 
Para a autora as demandas surgem das necessidades sociais, encontrando-
se no âmbito das relações sociais perpassadas por interesses diversos entre as 
classes e que se antagonizam na esfera produtiva do mundo material. Desse modo, 
as necessidades compreendem o fundamento material das demandas sociais, que 
funcionam para o Serviço Social como alvo da sua prática profissional. 
Na dissertação a autora reconhece que a discussão sobre as necessidades 
no Serviço Social acaba assumindo contornos mistificados por se tratar de um tema 
pouco estudado pela categoria profissional. Em seu percurso teórico metodológico, 
no primeiro capítulo, a autora recorre a contribuição de Marx e Lukács para discutir e 
correlacionar as categorias de trabalho e alienação. Em seguida, para abordar o 
debate específico sobre as necessidades sociais, utiliza-se a contribuição de Agnes 
Heller colocando o caráter social das necessidades, a sua estrutura variante de um 
modo de produção a outro, e a classificação de necessidades proposta pela filósofa 
húngara. Nos capítulos seguintes as demandas sociais são contextualizadas como 
requisições profissionais. Ao final a autora atesta a sua principal conjectura de 
pesquisa: as requisições profissionais dirigidas ao Serviço Social são contraditórias 
pela própria natureza das demandas sociais na sociedade burguesa, sendo estas 
últimas expressões das necessidades sociais. 
Outra produção que pode ser destacada é a tese de Newton Narciso Gomes 
Júnior, publicada com o título Segurança alimentar e nutricional como princípio 
orientador de políticas públicas no marco das necessidades humanas básicas, pelo 
programa de pós-graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UNB), 
no ano de 2007. 
22 
 
Nesta produção que mais tarde se transformou em livro, Gomes Júnior (2015) 
ao discutir qual o papel que a segurança alimentar poderia assumir e como seria 
desenvolvida nas políticas elaboradas para este fim, buscou compreender quais as 
razões do esgotamento ou os descaminhos das iniciativas que deveriam garantir a 
segurança alimentar e nutricional para toda a sociedade. O seu objeto de discussão 
é a segurança alimentar e nutricional, e o tema das necessidades aparece na sua 
tese com o objetivo de tecer a discussão sobre a sua satisfação. Para ele, o tema 
das necessidades humanas básicas está relacionado aos direitos básicos, que tem a 
função de tirar as pessoas do carecimento biológico e englobam a realização da 
condição humano-social que somente se dá a partir da satisfação adequada da 
saúde, capacidade de agenda e crítica do indivíduo com o exercício da cidadania. O 
autor entende a satisfação das necessidades humanas como alvo da conquista de 
direitos através da justiçasocial, defendendo as necessidades humanas básicas e 
não as mínimas, utilizando-se dos argumentos sustentados por Pereira (2011). O 
autor cita ainda Agnes Heller como uma importante referência no debate, mas não 
adentra na sua contribuição teórica. 
Por fim, destacamos a tese defendida no ano de 2018 por Renato Tadeu 
Veroneze, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com o título Liberdade 
ainda que tardia: Agnes Heller e a teoria das necessidades radicais frente à devassa 
da devassa brasileira. Mesmo não tendo como objeto de discussão a filosofia 
helleriana, esta é uma das únicas produções teóricas brasileiras que consegue 
abordar com mais afinco o legado teórico de Agnes Heller no Serviço Social. 
A pesquisa parte da categoria helleriana de necessidades radicais para 
compreender as crises cíclicas e estrutural do capital e ainda a crise político 
econômica enfrentada no Brasil levando em consideração as manifestações 
populares. No entendimento do autor, a teoria das necessidades constitui a pedra 
angular da filosofia helleriana sobre a práxis revolucionária. A tese sustentada versa 
sobre as necessidades radicais como facilitadoras da organização da sociedade civil 
para a superação do status quo da vida social atrelada à lógica destrutiva do capital, 
e capazes de alterar o modus operandi de organização, manifestação e controle 
social por parte dos sujeitos sociais individuais e coletivos (VERONEZE, 2018). 
23 
 
Veroneze estrutura toda a argumentação da categoria de necessidades 
radicais nos dois primeiros capítulos da tese recuperando a contribuição helleriana 
como indiscutivelmente marxista, e, portanto, sendo coerente com a tradição a qual 
o trabalho se reivindica. Partilhando da construção teórica de Heller, o autor 
concorda com a filósofa quando afirma ser necessário ler Marx com os olhos de 
hoje, revivendo a perspectiva do sujeito revolucionário, e “criando condições para 
uma maior conscientização da destrutibilidade do capital e suas consequências” 
(idem, ibidem, p. 167). Para isso, aceita a categorização helleriana madura da 
sociedade civil como sujeito revolucionário, partindo do pressuposto de que a classe 
trabalhadora, diante das suas configurações atuais de esfacelamento, não teria 
condições de se propor a fazer o enfrentamento ao capitalismo, destacando, 
portanto, a função dos movimentos sociais nesse quesito. 
Aqui, não estamos desconsiderando o poder revolucionário da classe 
trabalhadora, contudo, tendo em vista o esfacelamento característico da 
classe nos dias atuais, fica difícil conceber que esta tenha o mesmo papel 
revolucionário da época de Marx e de Engels. A questão é que a sociedade 
civil engloba tanto a classe operária, quanto a classe burguesa, e é nesse 
palco contraditório de tensões que encontramos o grande problema. Mas, 
se pensarmos a sociedade civil hoje é a classe operária, mesmo em suas 
diversas expressões e fragmentações, ainda assim podemos entender a 
sociedade civil como um mecanismo capaz de extinguir gradativamente os 
mecanismos coercitivos e autoritários do Estado burguês, fortalecendo, 
desse modo, os organismos democráticos e de hegemonia social como 
força motriz da radicalização da democracia e do socialismo (idem, ibidem, 
p. 61). 
Sem dúvida, a referida tese, como a produção mais recente sobre o debate 
das necessidades humanas e utilizando-se especificamente da contribuição 
helleriana, levanta questões provocativas sobre o contexto contemporâneo brasileiro 
e ainda sobre a atualidade das ideias de Agnes Heller. 
Entretanto, em síntese, como podemos perceber, os estudos sobre as 
necessidades humanas na produção do conhecimento em Serviço Social ainda são 
pontuais, diferenciando-se por enfoques diversos, e aparecendo na maioria das 
vezes subjacente a outros objetos de pesquisa. Por isso, concordamos com Amorim 
(2015) quando sugere que especificamente na área do Serviço Social essa categoria 
acaba se ausentando do debate ou se tornando uma questão menor. 
Contudo, ao observar as produções que foram desenvolvidas no Serviço 
Social sobre o tema, um elemento em comum nos chamou a atenção. Como o leitor 
deve ter percebido, existe uma menção frequente ao debate contido na obra de 
24 
 
Agnes Heller. Em todas as produções aqui evidenciadas encontramos discussões 
que trazem a categoria de necessidades humanas a partir da concepção helleriana, 
e, na maioria delas, com um destaque especial para a categoria de necessidades 
radicais. 
Como vimos, apesar da menção recorrente, em nenhum deles existe um 
tratamento aprofundado da categoria de necessidades humanas no pensamento de 
Agnes Heller. Por isso, diante da ausência de maiores estudos em torno da obra de 
Agnes Heller no Brasil, compreendemos que o que se tem são aproximações que 
não conseguem captar a essência da discussão feita pela mesma, deixando uma 
lacuna teórica que requer um tratamento denso, elucidativo e objetivo, com a 
finalidade de desvelar não apenas os seus determinantes de pensamento, mas os 
desenvolvimentos filosóficos da própria Agnes Heller no tocante às necessidades. 
Portanto, entendemos que a relevância do estudo ora apresentado justifica-se 
por questões de três ordens: primeiro, parece inegável que esta é uma categoria 
fulcral para compreender o universo de discussões que são subjacentes aos 
debates do Serviço Social, pois, sendo as necessidades elemento estruturante da 
vida humana em sociedade, esta compreende ainda a base material da chamada 
“questão social” (PEREIRA, 2000) – objeto de intervenção da categoria profissão 
através das políticas sociais (NETTO, 2011). 
Além disso, quando olhamos para a produção teórica do serviço social 
percebemos que, diante da sua importância, este tema foi relegado por muito tempo, 
sendo o termo frequentemente compreendido como algo natural, autoexplicativo, 
carregado de obviedade e que merece um tratamento teórico adequado, como 
reflexo de um conhecimento advindo do exercício investigativo da pesquisa 
(GUERRA, 2009). 
Ainda, como vimos, frequentemente os autores do Serviço Social recorrem à 
obra de Agnes Heller, principalmente referindo-se às necessidades radicais, sem ter 
na maioria das vezes a dimensão do seu verdadeiro significado ontológico e 
reflexivo, utilizando a categoria de maneira reiterada e, no entanto, isolada e 
descritivamente, reduzindo-a apenas a um conceito formal, mas não entendendo-a 
dentro do contexto e da totalidade da produção teórica da própria Heller. 
25 
 
Por isso, esta pesquisa justifica-se pelo fato de que a produção científica de 
Heller no tocante às necessidades humanas constitui-se ainda como um campo de 
incógnitas na produção teórica brasileira e especificamente na do Serviço Social, 
pois poucos estudos atreveram-se a adentrar nessa área de discussão da produção 
do conhecimento, passando por ela com lateralidade. Reafirmamos, portanto, que o 
intento desta pesquisa é, pois, estudar as necessidades humanas em Agnes Heller. 
Sem dúvida, esta pesquisa não apenas adensa um debate que pretende 
preencher uma lacuna teórica no serviço social, mas também atende a uma 
indicação antiga. Desde o início da década de 1980 Carlos Nelson Coutinho 
pontuava a necessidade de perscrutar o universo helleriano, a fim de identificar as 
suas potencialidades e debilidades, não descartando a validade das suas 
contribuições. Como ele bem disse: “é preciso saber pagar o preço do bilhete de 
ingresso numa pesquisa que deve ser estudada e interpretada no que realmente é, e 
não segundo o que se ouviu que seja” (COUTINHO, 1982, p. 8). 
Corroboramos com as palavras do autor e pensamos inclusive que essa 
lacuna na produção teórica brasileira, e no serviço social especificamente, se dê em 
razão de uma ausência de aprofundamento sobre a filosofia helleriana, o que é 
extensivo ao debatedas necessidades humanas. Obviamente, à época, Coutinho 
ainda via Heller ligada à Lukács, vinculação que pouco a pouco foi se desfazendo 
não apenas pelo desaparecimento deste último, e pelas divergências com os 
integrantes da Escola de Budapeste, mas também pelas divergências teórico 
metodológicas e filosóficas com as perspectivas maduras do filósofo húngaro e com 
o próprio Marx, expostas paulatinamente principalmente a partir de fins da década 
de 1970. 
Em nosso entendimento, a concepção amplamente difundida pela qual, em 
razão de ter sido integrante da Escola de Budapeste e orientada por Gyorgy Lukács, 
Heller seria “discípula” deste último constituiu-se como um equívoco e aumenta a 
profundidade e largura desse fosso teórico, impossibilitando uma leitura adequada 
da obra helleriana, que, em terras brasileiras, em última instância, parece ter sido 
sempre compreendida à sombra lukácsiana. 
Através dessa pesquisa, portanto, objetivamos analisar as necessidades 
humanas na obra de Agnes Heller, nos propondo especificamente a apresentar o 
26 
 
contexto, a composição e a importância da Escola de Budapeste; abordar a vida e a 
obra de Agnes Heller a partir do seu contexto sócio histórico; e, por fim, analisar o 
debate das necessidades humanas na obra da referida filósofa. Nossa intenção é 
fomentar a discussão sobre as necessidades humanas em Agnes Heller, recorrendo 
inicialmente ao contexto histórico do Leste Europeu, dando atenção às 
particularidades da formação social húngara e à Escola de Budapeste, identificando 
ainda as características pessoais, filosóficas e teóricas que perpassaram a 
constituição e o desenvolvimento da obra helleriana. 
Com base nas alegações de Fraga (2006), dissemos inicialmente que no 
século XX o tema das necessidades ganhou atenção principalmente diante da 
experiência do “socialismo real”, o que suscitou várias contribuições sobre o tema, 
inclusive na Escola de Budapeste. Em seu entendimento, a obra de Agnes Heller 
merece evidência por ser uma das únicas que, reivindicando-se dentro da 
perspectiva teórica marxiana, enfrenta diretamente o debate das necessidades 
humanas, principalmente em Teoria das Necessidades em Marx, publicado 
originalmente em alemão, no ano de 1974. Ainda, para o autor, a produção de Heller 
sobre as necessidades é ampla, de maneira que é possível encontrar elementos 
sobre este debate em vários outros textos escritos por ela. 
Reivindicamos que para compreender a totalidade dos argumentos por ela 
defendidos é necessário utilizar, além do referido texto, outras publicações que se 
relacionam a este momento de transição, incluindo as anteriores e posteriores à sua 
publicação, pois nos ater apenas àquele nos levaria a manutenção de um debate 
superficial, equiparando-nos às leituras preexistentes na nossa área do 
conhecimento. Por isso, compreendendo que o principal texto de Heller sobre o 
tema das necessidades não pode ser compreendido de maneira isolada, pensamos 
que estes elementos devem ser compreendidos a partir de uma análise do seu 
contexto, atentando para os determinantes sócio históricos da sua emergência que, 
cotejados com o entendimento de alguns intérpretes de sua obra e ainda outros 
textos sobre o tema da filósofa húngara, anteriores e posteriores à este. 
Isto porque a filosofia de Agnes Heller, além de ter sido moldada por várias 
ocasiões históricas decisivas que perpassaram o século XX e a particularidade da 
formação social húngara, onde a mesma permaneceu até 1979, parece ter sido 
resultado de uma amálgama de pensamento entre as principais influências com as 
27 
 
quais ela dialogou ao longo da vida, antes e depois da sua saída do país de origem. 
Com o arcabouço teórico marxiano a situação não foi diferente, de modo que, 
apesar de reivindicar-se como pertencente à tradição que se formou em torno de 
Marx e Engels e ter participado ativamente das atividades da Escola de Budapeste 
liderada por Gyorgy Lukács, Heller adensou as suas contribuições filosóficas a partir 
da apropriação de muitas outras influências filosóficas de pensamento, o que nos 
leva a compreender os seus desenvolvimentos filosóficos – inclusive sobre as 
necessidades humanas – como ecléticos. 
Por isso, a tese ora apresentada reivindica que o desenvolvimento da Teoria 
das Necessidades na obra helleriana demonstra que houve um processo de 
aproximação e afastamento de Marx e do marxismo, resultando em uma produção 
que absorveu várias influências filosóficas de pensamento, bem como a reflexão 
sobre os principais eventos históricos do século XX e em particular do contexto 
vivenciado na formação social húngara, resultando numa produção eclética sobre o 
tema, o que conforma uma teoria das necessidades própria. 
Nesse sentido, as principais perguntas que nortearam a realização desse 
estudo podem ser sintetizadas da seguinte forma: qual a contribuição de Agnes 
Heller sobre as necessidades humanas? Como a categoria de necessidades radicais 
se situa no debate helleriano? Podemos, de fato, articular o debate das 
necessidades humanas e radicais em Heller ao arcabouço teórico marxiano? Estas 
são os principais questionamentos que tentaremos responder ao longo da nossa 
exposição. 
Para responder às referidas questões, nos vinculamos a uma perspectiva 
interpretativa que tem por base o materialismo histórico, baseando-nos na 
compreensão da realidade como uma totalidade dialética, ou seja, a partir de um 
método de elucidação do real pelo qual o posicionamento adotado pelo pesquisador 
diante do objeto estudado é do entendimento de uma prioridade ontológica deste 
último sobre aquele. Nesses termos, em suma, nos vinculamos ao método crítico 
dialético elaborado pelos autores marxianos, que compreende, portanto, o trabalho 
como a atividade que proporciona não só a transformação da natureza, mas também 
a autocriação do ser social (LESSA; TONET, 2008). Esta é, portanto, uma mediação 
fundamental para compreender a lógica contraditória das relações sociais 
capitalistas, pautada na existência de classes sociais fundamentais antagônicas 
28 
 
entre si, apontando para a revolução do modo de produção capitalista, situando-nos, 
portanto, no terreno do marxismo. 
De acordo com Mandel (2001), esta forma interpretativa da realidade tem 
suas origens na forma pela qual Marx e Engels, no século XVIII, procederam às 
suas pesquisas sobre o capitalismo e que pode ser entendida como o resultado da 
síntese das transformações da filosofia clássica alemã, da historiografia sociológica 
francesa e da economia política clássica inglesa. Segundo o referido autor, a 
principal contribuição da filosofia clássica alemã para o marxismo foi advinda de 
Georg Hegel, filósofo idealista alemão. É possível identificar nas obras dos 
pensadores marxianos uma influência hegeliana de um pensamento dialético, 
entendendo-se por este último que toda realidade está em estado de contínua 
transformação, por uma combinação de processos em contínuo movimento, de 
modo que é mister atentar para as suas contradições internas e para o seu 
movimento ideal. 
Entretanto, essa noção de dialética amplamente recuperada por Marx e 
Engels foi reinterpretada e elevada a uma nova perspectiva, a materialista, negando 
o idealismo objetivo do filósofo, de modo que interessava para os marxianos 
compreender o movimento da realidade, e não do pensamento. Desse modo, à 
diferença do filósofo clássico alemão, no entendimento marxiano a concepção do 
conhecimento está hipotecada a uma apreensão dialética do movimento do real, 
atentando para a interação entre sujeito e objeto, na qual este último é independente 
e se sobrepõe ao primeiro, não sendo idênticos. Nesse sentido, a perspectiva 
dialética proposta por Marx visa uma aproximação do movimento na realidade, uma 
vez que ele também é histórico, tentando captar o seu contexto, seus determinantes, 
característicase contradições com o objetivo de tornar o pensamento do sujeito 
eficaz para ir além da aparência do objeto e chegar à sua essência. Por isso, 
compreendemos que “o real é, portanto, compreensível. [...] o critério final do grau 
de veracidade do pensamento da ciência é, portanto, prático" (MANDEL, 2001, p. 
25). 
Através de contribuição da historiografia sociológica francesa, os autores 
marxianos passaram a visualizar os acontecimentos anteriores ao advento do 
capitalismo como resultantes do conflito entre as classes sociais em cena, de modo 
que a luta de classes passa a ser um instrumento metodológico na compreensão da 
29 
 
própria história. Como consequência, chegaram à conclusão de que "não são os 
grandes homens que fazem a história, mas que essa resulta fundamentalmente de 
conflitos que opõe um grande número de indivíduos, ou seja, de conflitos de forças 
sociais" (idem, ibidem, p. 27). Nesse sentido, a contribuição da historiografia 
sociológica francesa para a elaboração do pensamento dos autores marxianos 
reside nessa combinação dos aspectos historiográficos com a estrutura e a dinâmica 
das sociedades. 
Por fim, a contribuição da economia política clássica inglesa reside 
principalmente na análise científica da expectativa econômica que norteia o 
surgimento do modo de produção capitalista. Embora seja uma teoria da burguesia 
ascendente e revolucionária, datada do período anterior a 1848, a economia política 
clássica inglesa tinha o objetivo de resolver questões econômicas em aberto à 
época, compreendendo aquela sociedade que emergira das entranhas do mundo 
feudal. Nesse sentido, a principal contribuição apropriada pelos autores marxianos 
foi a teoria do valor trabalho, que tem como principal expressão a ideia de que as 
trocas se fundam numa equivalência entre quantidades de trabalho contidas nas 
mercadorias. Em outras palavras, a principal ideia absorvida é de que o trabalho 
produz valor. Mandel (ibidem) explica que 
Marx estabeleceu que o trabalho não é uma unidade de medida comum dos 
diferentes elementos dos custos de produção das mercadorias. Ele é a 
própria essência do valor. O valor é o trabalho, mas exatamente uma fração 
do potencial de trabalho da massa de jornadas de trabalho/horas de 
trabalho disponível em uma sociedade determinada durante um período 
determinado. [Nesse sentido], o valor das mercadorias é a quantidade de 
trabalho socialmente necessária para produzi-las (p. 40, 41). 
Operando uma síntese de tais contribuições sob a forma de um construto 
teórico coerente para a interpretação do capitalismo, a principal descoberta realizada 
dessa combinação resultou na tese da mais-valia, pela qual Marx passa a 
compreender que a partir do uso da força física e psíquica do trabalhador ao operar 
os meios e objetos de produção que não lhe pertencem, ele se torna capaz de 
transferir valor para as mercadorias que produz, criando ainda um valor adicional, 
um sobretrabalho. Portanto, "a mais-valia é a diferença entre o valor produzido pela 
força de trabalho e o valor próprio dessa força de trabalho, quer dizer, a diferença 
entre o valor produzido pelo trabalhador ou trabalhadora e os custos de reprodução 
da sua força de trabalho" (ibidem). Tal descoberta funcionou como uma categoria 
fundamental de elucidação da sociedade burguesa e de seu modo de produção, 
30 
 
sendo importante para a explicação das suas origens e suas contradições, 
representando, portanto, “a principal contribuição de Marx à ciência econômica e às 
ciências sociais em geral" (idem, ibidem, p.42). Portanto, a partir dos ganhos da 
economia política clássica inglesa elevados a uma análise crítica, Marx e Engels 
passaram a tratar os problemas da ciência econômica pelos conceitos de classe 
social e luta de classes uma perspectiva histórica e dialética, procedendo à análise 
crítico-dialética do modo de produção capitalista. 
De acordo com Jacob Gorender (1996), o principal campo de pesquisa de 
Marx foi a economia política clássica, mas os seus interesses intelectuais e 
filosóficos abrangiam trabalhos da filosofia e da teoria social e da historiografia, 
como vimos. Marx estudou direito, foi mentoriado ideologicamente por Hegel, 
quando consolidou uma formação filosófica ampla, principalmente em diálogo 
permanente com a filosofia clássica alemã. Contudo, seguindo na trilha disputada 
por Ludwig Feuerbach, Marx começou a tecer críticas contra o pensamento idealista 
hegeliano, permitindo realizar um afastamento do idealismo objetivo em direção ao 
materialismo histórico. Por isso, “o materialismo histórico-dialético, portanto, é a 
superação histórica tanto do idealismo quanto do materialismo mecanicista. Ele 
possibilita compreender a base material das ideias e, ao mesmo tempo, a força 
material das ideias na reprodução social” (LESSA & TONET, 2008, p. 45). 
 Essa mudança de perspectiva ficou evidente principalmente em Crítica a 
filosofia do direito de Hegel e em A questão judaica. Contudo, foi nos Manuscritos 
Econômicos Filosóficos de 1844 que Marx conseguiu tecer uma crítica mais incisiva 
ao idealismo hegeliano, mesmo ainda influenciado pelo materialismo naturalista de 
Feuerbach. Nesse momento, o conceito de alienação passava a ser compreendido 
como um processo pelo qual a essência humana dos operários se objetivava nos 
produtos do seu trabalho e se contrapõe a eles por serem produtos alienados e 
convertidos em capital. Como Marx ainda não tinha elaborado melhor esse conceito, 
que mais tarde apareceria relacionado a exploração da força de trabalho, a priori 
havia uma impossibilidade de superar uma concepção ética do comunismo e, 
portanto, não científica, tão presente naqueles manuscritos. No entanto, ao ter 
contato com a economia política clássica e com a teoria do valor-trabalho Marx teve 
condições de superar antropologia Feuerbachiana, o que também lhe permitiu tecer 
modificações expressivas no conceito de alienação agora compreendido como uma 
31 
 
categoria explicativa da situação da classe operária. Absorvendo aquela contribuição 
da economia política clássica Marx teve portanto condições de elaborar a sua crítica 
à economia política clássica, enxergando esta como uma ciência que, mesmo tendo 
ganhos sérios enquanto a burguesia revolucionária não requisitava sua legitimação, 
agora passa a ser mediada pela ideologia burguesa e a apresentar uma teoria 
econômica vulgar. Nesse sentido, Marx elaborou uma alternativa interpretativa que 
supera as contribuições científicas dos economistas clássicos pela utilização de um 
método revolucionário de interpretação da realidade. Tais ganhos das pesquisas 
marxianas só seriam devidamente sistematizados na elaboração do que mais tarde 
seria a sua opus magnum, intitulada O capital, infelizmente inacabada pelo 
desaparecimento do seu autor. 
 Portanto, a partir da compreensão de como Marx elaborou seus estudos é 
possível também compreender que existe como pano de fundo das suas 
elaborações um método de compreensão da realidade que norteou os seus 
mergulhos investigativos, bem como a sua exposição inconclusa. De tal modo, as 
considerações de Gorender (1996) sobre estes aspectos são indispensáveis. 
Marx distinguiu entre investigação e exposição. a investigação exige o 
máximo de esforço possível no domínio do material fatual. o próprio Márcio 
não descansava enquanto não houvesse consultado todas as fontes 
informativas de cuja existência tomasse conhecimento. O fim último da 
investigação consiste em se apropriar em detalhe da matéria investigativa, 
analisar suas diversas formas de desenvolvimento e descobrir seus nexos 
internos. Somente depois de cumprida tal tarefa, seria possível passar a 
exposição, isto é, a reprodução ideal da vida da matéria. [...] A exposição 
deve figurar um todo artístico. suas diversas partes precisam se articular de 
maneira a constituir em uma totalidade orgânica e não um dispositivo emque os elementos se justapõem como somatório mecânico. [...] o 
tratamento lógico da matéria faz da exposição a forma organizacional 
apropriada do conhecimento a nível categorial sistemático e resulta na 
radical superação do historicismo [sendo este] a compreensão da história 
para o seu fluxo singular consubstanciado na sucessão única de 
acontecimentos ou fatos sociais. a exposição lógica afirma orientação anti 
historicismo na substituição da sucessão histórica pela articulação 
sistemática entre categorias abstratas de acordo com suas determinações 
intrínsecas daí que se possa assumir a aparência de construção importa a 
realidade de cima e por fora. [...] em suma o lógico não constitui o resumo 
do histórico nem há paralelismo entre um e outro (conforme pretendeu 
Engels) porém entrelaçamento, cruzamento e circularidade (p. 24, 25). 
De tal modo, fica evidente pelas palavras do autor que tal método distingue-se 
por uma interpretação da realidade que compreende dois momentos interligados 
entre si: a investigação e a exposição. Enquanto o primeiro consiste na apropriação 
do objeto pesquisado, compreendendo as suas formas, características, nuances e 
32 
 
contradições; o último versa sobre a maneira artística pela qual o pesquisador irá 
tornar compreensível aquilo que foi pesquisado, isto é, garantindo uma reprodução 
ideal e teórica do objeto em epígrafe. 
A partir das suas primeiras impressões acerca do método em Marx, Lukács 
pensou a compreensão de tal método como ortodoxo. Em 1923 ele alegava que 
o marxismo ortodoxo não significa, pois, adesão acrítica aos resultados de 
pesquisa de Marx, nem fé numa outra tese marxiana ou a exegese de um 
texto sagrado. A ortodoxia, em matéria de marxismo, refere-se ao contrário 
e exclusivamente ao método. Ela implica a convicção científica de que, com 
o marxismo dialético, encontrou-se o método correto de investigação e de 
que este método só pode ser desenvolvido e aperfeiçoado e aprofundado 
no sentido indicado por seus fundadores; mais ainda: implica na convicção 
de que todas as tentativas de superar o melhorar esse método conduziram 
a sua trivialização transformando-o num ecletismo (NETTO, 1981b, p. 60). 
Já em 1967, no famoso prefácio de História e Consciência de Classe onde 
Lukács reviu os seus posicionamentos de outrora e fez uma autocrítica, o velho 
filósofo húngaro reafirmou as suas colocações anteriores (LUKÁCS, 2016). A partir 
do exposto compreendemos que, no entendimento Lukácsiano, o método crítico 
dialético compreende a forma flexível pela qual Marx analisa a realidade, atentando 
para o contínuo movimento do real. 
Seguindo essa esteira interpretativa, Netto (2011) pontua que a questão do 
método compreende um dos problemas centrais e mais polêmicos da teoria social 
marxiana, seja por si mesmo, ou pelo seu confronto com os clássicos das ciências 
sociais. Dentro do campo da própria tradição que se formou a partir de Marx a 
situação não é diferente, tendo em vista as várias desfigurações que o pensamento 
marxiano sofreu historicamente, conformando interpretações equivocadas. Nesse 
campo as principais deformações operadas tiveram por base as influências 
positivistas, engendradas principalmente pelos pensadores da Segunda 
Internacional, tendo como suposto uma espécie de insuficiência do materialismo 
histórico para lidar com os aspectos e problemas que surgiram na realidade a época. 
Nesse sentido, a principal resultante de tais influências foi uma simplificação da obra 
marxiana articulando a teoria geral do ser e as suas classificações em face da 
sociedade pelo materialismo dialético e histórico respectivamente. Disto resultou 
uma interpretação manualesca, pela qual a análise marxiana passou a corresponder 
a meros princípios fundamentais e o método como uma simples aplicação para a 
solução de problemas. Até hoje, várias concepções reducionistas ainda são 
33 
 
utilizadas como confrontação do pensamento teórico marxiano, hora acusando-o de 
economicista, hora de historicista, ou ainda relegando as suas contribuições a uma 
perspectiva ultrapassada de mundo, sendo estes últimos os desqualificadores de tal 
concepção de mundo. 
Contudo, utilizando-nos das indicações metodológicas inscritas no horizonte 
crítico-dialético de interpretação do movimento do real, que tal método de pesquisa 
propicia o conhecimento teórico partindo da aparência para alcançar a essência do 
objeto na realidade. Como o leitor deve ter percebido, não nos ateremos a um 
conjunto de regras pelas quais precisamos submeter o objeto para extrair dele os 
seus resultados, como querem outros métodos científicos, como o positivismo, isto 
porque em Marx o método não se reduz a meras regras formais de pesquisa, mas 
sim uma lógica interpretativa de captação do movimento da realidade sendo portanto 
fiel ao objeto em suas determinações concretas. Sabendo que o objeto de pesquisa 
tem uma existência objetiva que independe do sujeito que quer conhece-lo, 
compreendemos que a teoria corresponde a captação do movimento real de tal 
objeto na realidade, de modo que o seu movimento deve ser transposto idealmente 
para a consciência do pesquisador, aqui no movimento disposição tem a tarefa de 
reproduzir dialeticamente o seu movimento e interpretá-lo reflexivamente. 
Em síntese, a nosso ver, o objeto a ser desvelado torna-se compreensível à 
luz do referido método uma vez que, saindo da aparência dos fatos, pretende captar 
a sua essência, pensando-o concretamente. O fenômeno como se apresenta na 
esfera imediata do cotidiano é apenas o ponto de partida, pois a construção do 
conhecimento se aproxima do “concreto pensado”, após a sua desconstrução e 
reconstrução a nível ideal, incorporando movimento dialético e as contradições da 
realidade. Nesse sentido, a construção teórica e dialética de um determinado objeto 
só possui sentido quando respeita as suas expressões reais. 
Nesse sentido, o conhecimento produzido a partir do método crítico dialético 
em Marx ultrapassa o simples entendimento do objeto de pesquisa, ou seja, a sua 
aparência enquanto fenômeno na realidade, pois tem a intenção de captar a sua 
lógica e o seu movimento, bem como os seus fundamentos, a sua capacidade de 
transformação, e a sua negatividade. Nos dizeres de Netto (2009), 
[...] a teoria é o movimento real do objeto transposto para o cérebro do 
pesquisador – é o real reproduzido e interpretado no plano ideal (do 
34 
 
pensamento). [...] O objetivo do pesquisador, indo além da aparência 
fenomênica, imediata e empírica [...] é apreender a essência (ou seja: a 
estrutura e a dinâmica) do objeto. [...] Numa palavra: [este é] o método de 
pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência, visa 
alcançar a essência do objeto. Alcançando a essência do objeto, isto é: 
capturando a sua estrutura e dinâmica, por meio de procedimentos 
analíticos e operando a sua síntese, o pesquisador a reproduz no plano do 
pensamento; mediante a pesquisa, viabilizada pelo método, o pesquisador 
reproduz, no plano ideal, a essência do objeto que investigou (p. 674). 
Ainda, não podemos relegar que para Marx, a sociedade burguesa é uma 
totalidade concreta, e não é um “todo” constituído por “partes” funcionando de 
maneira integrada. Isso significa que todas essas “partes” estão interligadas, e não 
possuem sentido se analisadas de maneira isolada do todo. Na verdade, essas 
“partes” são totalidades menores, mas tão complexas quanto a primeira. Partimos, 
portanto, do suposto de que na totalidade do objeto, há de se considerar o seu 
movimento dialético e as mediações necessárias para se chegar a este fim. 
Para Tonet (2016), na perspectiva marxiana a totalidade 
expressa o fato de que a realidade social é um conjunto articulado de 
partes. Cada uma dessas partes é, em si mesma, uma totalidade de maior 
ou menor complexidade, mas jamais absolutamente simples. Expressa 
ainda o fato de que aspartes que constituem cada um desses conjuntos se 
determinam reciprocamente e que sua natureza é resultado de uma 
permanente processualidade. Expressa também o fato de que há uma 
relação dialética entre o todo e as partes, sendo, porém, o todo o momento 
determinante. Expressa também o fato de que há uma relação dialética 
entre o todo e as partes, sendo, porém, o todo o momento determinante. E, 
por fim, expressa o fato de que esse conjunto é permeado por contradições 
e por mediações, que resultam no dinamismo próprio de todos os 
fenômenos sociais e na específica concretude de cada um deles (p. 118). 
Outrossim, é através do entendimento da singularidade do objeto, elevando-o 
ao universal até chegar a uma síntese particular, através das mediações para atingir 
esse fim. Enquanto na singularidade as mediações estão ocultas ao sujeito do 
conhecimento, e tanto a gênese histórica quanto sua estrutura social são 
simplesmente factuais, existindo no cotidiano, com a aparência imediata de estarem 
soltas ou não terem um sentido em si mesmas, sendo elevadas à universalidade 
elas podem ser comparadas às as grandes determinações e leis do conhecimento. 
Nesse sentido, a particularidade, compreendendo o campo das mediações, ocorre a 
confrontação, quando “os fatos singulares se vitalizam com as grandes leis da 
universalidade, e a universalidade se embebe da realidade do singular” (GUERRA, 
2009, p. 711). Nesse confronto, o sujeito que pretende conhecer determinado objeto 
pode realizar uma síntese que, considerando a aparência e a essência bem como a 
35 
 
permanência e as mudanças características do objeto perseguido. Contudo, “essa 
síntese é sempre provisória, histórica, daí que o conhecimento é aproximativo e 
historicamente situado” (ibidem). 
Como dissemos inicialmente, a obra de Agnes Heller é extensa e complexa. 
Segundo Granjo (2008), ela compreende mais de cem publicações entre livros e 
artigos. Por isso, com a finalidade responder àquelas questões de pesquisa, 
negando uma percepção imediata do debate e pensando em um percurso 
metodológico exequível diante do tempo hábil de pesquisa e dos nossos objetivos, 
fizemos um recorte nas obras hellerianas selecionando para a nossa análise aquelas 
que foram publicadas tratando especificamente as necessidades humanas, pois 
compreendemos que estes possuem uma relação de complementariedade entre si. 
Nesse sentido, nosso enfoque de pesquisa abarcou o tema das necessidades 
humanas em toda a produção filosófica helleriana, proporcionando ao leitor uma 
compreensão da totalidade das suas preocupações teóricas sobre o referido debate 
ao longo da vida. Outrossim, com a finalidade de captar o contexto sócio histórico de 
emergência da sua obra no tocante às necessidades outras publicações e 
entrevistas da autora foram amplamente utilizadas. 
Como o leitor pode perceber, até agora nos atemos ao movimento do objeto 
na realidade e à sua captação pelo sujeito pesquisador a partir de uma perspectiva 
crítico dialética de análise. Contudo, o nosso objeto de estudo, por compreender as 
necessidades em Agnes Heller, foi encontrado em textos escritos pela autora, uma 
vez que a mesma documentou o seu debate sobre o tema em várias obras, como 
vimos. Por isso, acrescentamos que como metodologia de pesquisa adotada, 
utilizamos a técnica de análise imanente, por compreender uma metodologia de 
pesquisa pela qual um texto se torna objeto de estudo, o que coloca obviamente 
para o pesquisador exigências metodológicas completamente distintas do estudo 
direto da realidade. Isto porque, diferente da captação do movimento do real, os 
textos são construídos de uma forma direta imediata e implícita de modo que 
internamente se tem tanto o conteúdo explícito, da maneira como ele se manifesta 
imediatamente, assim como o um conteúdo tácito, implícito, de modo que importa 
desvelar tanto o que está expresso como o que aparece tacitamente a partir ir de 
uma articulação dedutiva entre ambos. Nesse sentido, importa captar o que o texto 
diz explicitamente, mas também o que ele se refere nas suas entrelinhas, aquilo que 
36 
 
ele não expõe objetivamente. Portanto todo o texto é portador de uma lógica 
imanente que versa sobre o seu verdadeiro significado e que nem sempre condiz 
com aquilo que o autor explicita em sua construção. 
Em suma, 
A articulação dos momentos de silencio ou do que está implícito com o 
conteúdo extraído pela leitura inicial é o primeiro passo da leitura imanente. 
Abre o acesso à trama das conexões internas do texto o que possibilita não 
apenas compreender de forma mais profunda o que está explícito, mas 
também ao que ele se refere ao dizê-lo, ou seja, seus pressupostos e 
“pontos negros” que vela ou não consegue divisar. [...] A investigação 
puramente exegética, que busca exclusivamente as relações internas do 
texto, sua malha conceitual e seu tecido categorial, não consegue ir além da 
mera exploração formal do texto. Pois, como todo texto é escrito tendo em 
vista um objeto externo a ele (um outro texto ou, então, a realidade 
enquanto tal), apenas na referência a este objeto exterior a lógica imanente 
do texto pode receber seu verdadeiro significado (que nem sempre coincide 
com aquilo que o autor deseja, embora este desejo tenha também sua 
função). Todo o texto, portanto, remete ao seu contexto e ao contexto do 
próprio leitor, remete para além de si próprio. [...] ao lado das exigências do 
reconhecimento da imanência do texto, [...] se adicionam novas dimensões 
que tornam a leitura ainda mais acurada - embora inevitavelmente ainda 
mais complexa. Trata-se não só de explicar o que o texto diz, mas também 
porque o texto o faz da forma como o faz (LESSA, 2011, p. 17 – 19). 
A partir da contribuição acima recuperada podemos sumariar que análise 
imanente corresponde a um processo investigativo em torno de um texto, como um 
objeto que faz requisições metodológicas diferentes da apreciação da realidade. 
Esse é um processo que busca a trama lógica dos textos decompondo-o em suas 
unidades significativas elementares, buscando reflexivamente e internamente a sua 
teoria tese ou hipótese de pensamento. esta metodologia e que, portanto, não se 
conforma com os aspectos imediatos salientados pelo autor, mas busca os seus 
nexos lógicos e causais implícitos, sem desvincular-se das suas determinações 
históricas e contextuais mais profundas. Nesse sentido, a partir desse movimento 
investigativo é possível construir expositivamente uma teoria interpretativa do texto 
em questão respeitando o objeto investigado. 
Portanto, sobre os procedimentos metodológicos utilizados na execução 
dessa pesquisa, utilizamos as técnicas de pesquisa bibliográfica de natureza 
qualitativa, a partir da utilização de fontes primárias e secundárias, através de 
leituras e fichamentos de materiais disponíveis em meio eletrônico ou em 
exemplares físicos, fazendo uma leitura imanente do material selecionado. Ainda, 
sobre os procedimentos investigativos em torno do nosso objeto de estudo, 
salientamos ainda que na realização desta pesquisa enfrentamos dificuldades diante 
37 
 
da ausência de traduções em língua portuguesa da maioria da produção teórica 
helleriana. A ausência de traduções se estende também aos autores que, fora do 
Brasil, mantém o diálogo sobre o tema das necessidades com a sua obra. Esse fator 
exigiu uma maior aproximação com a língua espanhola e a inglesa. 
Com a finalidade de permitir ao leitor um sequenciamento lógico do nosso 
mergulho investigativo e a compreensão das nossas principais alegações em torno 
da pesquisa realizada, estruturamos este trabalho em cinco capítulos articulados 
entre si, de acordo com aqueles objetivos ulteriormente explicitados. 
O primeiro, sob o título Gyorgy Lukács e a Escola de Budapeste, cumpre o 
objetivo de apresentar o contexto, a composição e a importância da Escola de 
Budapeste, passando pelas particularidades

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