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Perguntandogeografias-Guerra-2020

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PERGUNTANDO GEOGRAFIAS E CAMINHANDO CALENDÁRIOS: 
FRAGMENTOS DE UM MOSAICO ZAPATISTA (1994 – 2020) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RODRIGO DE MORAIS GUERRA 
2 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO 
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS 
LINHA DE PESQUISA: LINGUAGENS, IDENTIDADES & ESPACIALIDADES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PERGUNTANDO GEOGRAFIAS E CAMINHANDO CALENDÁRIOS: FRAGMENTOS 
DE UM MOSAICO ZAPATISTA (1994 – 2020) 
 
 
 
 
 
 
 
RODRIGO DE MORAIS GUERRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL, 2020 
3 
 
RODRIGO DE MORAIS GUERRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PERGUNTANDO GEOGRAFIAS E CAMINHANDO CALENDÁRIOS: FRAGMENTOS 
DE UM MOSAICO ZAPATISTA (1994 – 2020) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial para 
obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação 
em História, Área de Concentração em História e Espaços, 
Linha de Pesquisa Linguagens, Identidades & 
Espacialidades, da Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte, sob a orientação do(a) Prof(a). Dr(a). Sebastião Leal 
Ferreira Vargas Netto. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL, 2020 
4 
 
RODRIGO DE MORAIS GUERRA 
 
 
 
PERGUNTANDO GEOGRAFIAS E CAMINHANDO CALENDÁRIOS: FRAGMENTOS 
DE UM MOSAICO ZAPATISTA (1994 – 2020) 
 
 
 
 
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de 
Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão 
formada pelos professores: 
 
 
 
_________________________________________ 
Sebastião Leal Ferreira Vargas Netto 
 
 
 
 
__________________________________________ 
Waldo Lao Fuentes Sánchez 
 
 
 
 
________________________________________ 
Lígio José de Oliveira Maia 
 
 
 
 
 
____________________________________________ 
Henrique Alonso de Albuquerque Rodrigues Pereira 
 
 
 
 
 
 
 
 
Natal, _________de__________________de____________ 
 
5 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA 
 Guerra, Rodrigo de Morais. 
 Perguntando geografias e caminhando calendários: fragmentos 
de um mosaico zapatista (1994 - 2020) / Rodrigo de Morais 
Guerra. - Natal, 2020. 
 154f.: il. color. 
 
 Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes, Programa de Pós-Graduação em História, Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte, 2020. 
 Orientador: Prof. Dr. Sebastião Leal Ferreira Vargas Netto. 
 
 
 1. Zapatismo - Dissertação. 2. Espacialidades - Dissertação. 
3. História da América - Dissertação. 4. História do Tempo 
Presente - Dissertação. 5. Movimentos Sociais - Dissertação. 6. 
História Indígena - Dissertação. I. Vargas Netto, Sebastião Leal 
Ferreira. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 94:39(72) 
 
 
 
 
 
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
RESUMO: Partindo de uma posição perspectivista da História, na qual ela está intimamente 
relacionada aos sujeitos e cenários de sua produção, esta pesquisa versa sobre as mais 
variadas espacialidades vinculadas ao Movimento Zapatista, de modo que, compreendemos 
o espaço como ator protagonista nas ações e construções discursivas, estruturais, artísticas e 
subjetivas deste rico e complexo movimento social-indígena. Perscrutando as diferentes 
dimensões espaciais, perpassando o âmbito local, nacional, internacional e 
metafórico/simbólico/imagético/estético de sua construção como movimento histórico, as 
espacialidades zapatistas – que aqui trazemos como fragmentos de um mosaico – são 
inquiridas a fim de descortinar penumbras escondidas na história do movimento, bem como 
do México e do mundo, e contribuir para uma compreensão histórica mais densa sobre o 
processo que culminou na sublevação armada desses indígenas do estado de Chiapas e, de 
mesmo modo, oferecer novas perspectivas para as visões de mundo, identidades, culturas e 
histórias que constroem o atual cenário mexicano e do mundo, a partir do contexto de 
globalização e de relações geopolíticas ideologicamente vinculadas ao neoliberalismo. Para 
tanto, dispomos de fontes primárias como discursos oficiais zapatistas, bem como 
representações acerca do zapatismo, que nos contribuem para a compreensão dos seus signos 
e símbolos. Em suma, nossa proposta é suscitar novas provocações históricas a partir deste 
movimento e suas relações com os espaços na busca de um novo México e de novas 
sociabilidades para um novo mundo. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Zapatismo, Espacialidades, História da América, História do Tempo 
Presente, Movimentos Sociais, História Indígena. 
 
 
7 
 
ABSTRACT: Starting from a perspective of history, in which it is closely related to the 
subjects and scenarios of its production, this research deals with the most varied spatialities 
linked to the Zapatista Movement, so that we understand space as a protagonist in discursive 
actions and constructions , structural and subjective aspects of this rich and complex social-
indigenous movement. Peering into the different spatial dimensions, crossing the local, 
national, international and metaphorical / symbolic / imagery / aesthetic scope of its 
construction as a historical movement, the Zapatista spatialities - which we bring here as 
fragments of a mosaic - are surveyed in order to reveal hidden shadows in the history of the 
movement, as well as in Mexico and the world, and to contribute to a denser historical 
understanding of the process that culminated in the armed upheaval of these indigenous 
people in the state of Chiapas - and, in the same way, to offer new perspectives for 
worldviews , identities, cultures and histories that build the current Mexican and world 
scenario, from the context of globalization and geopolitical relations ideologically linked to 
neoliberalism. For this, we have primary sources such as official Zapatista speeches, as well 
as representations about zapatism, which contribute to the understanding of its signs and 
symbols. In short, our proposal is to raise new historical provocations from this movement 
and its relations with the spaces in the search for a new Mexico and new sociability for a new 
world. 
 
KEYWORDS: Zapatism, Spatialities, History of America, History of the Present Time, 
Social Movements, Indigenous History. 
 
 
8 
 
AGRADECIMENTOS 
 Em primeiro lugar, agradeço a minha família por todo o esforço dedicado para que eu 
pudesse ter o conforto e tranquilidade em seguir os caminhos de minhas escolhas: agradeço 
a minha mãe, maior exemplo de generosidade, amor ao próximo e superação que eu poderia 
ter; agradeço ao meu pai pelas influências diretas e indiretas no processo da formação de 
minha personalidade; e agradeço ao meu irmão por ser sempre um ombro amigo, conselheiro 
e incentivador de minhas modestas ambições. Vocês são os pilares que sustentam a minha 
educação, ética e caráter no mundo. 
 Dedico gratidão especial também aos maestros que me conduziram até aqui nesta 
empreitada pessoal e intelectual, professores da graduação e da pós-graduação e, em especial, 
a Sebastião Vargas que, mais do que um orientador, foi quem me apresentou este objeto de 
pesquisa tão profundo e fascinante e me inspirou a seguir os caminhos da pesquisa nas 
histórias de Nuestramérica. 
 Agradeço aos bons amigos que caminharam junto a mim ao longo deste percurso, 
compartilhando histórias e desfrutando os altos e baixos da vida. 
 Agradeço a galera do surf e a galerado basquete: as boas ondas surfadas e as boas 
peladas jogadas, sem dúvidas, foram fundamentais para manter a mente tranquila e o corpo 
saudável, prontos para enfrentar as intempéries do labor acadêmico. 
 Agradeço aos trabalhadores terceirizados da Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte que, diariamente, realizam as atividades invisíveis e de formiguinha, mas que são a 
força motriz que fazem tudo funcionar. 
 Por fim, gratidão à CAPES pelo incentivo financeiro, o que permitiu uma dedicação 
plena a esta pesquisa. Em tempos de desvalorização da ciência no Brasil, é fundamental o 
reconhecimento público das instituições que acreditam no trabalho dos pesquisadores das 
mais diversas áreas do conhecimento. 
 
 
9 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO: 
Caminhos da pesquisa ......................................................................................................... 13 
Tateando os Espaços, Compreendendo a Arte ................................................................... 18 
Novos Paradigmas para Novas Histórias... E Novos Espaços ........................................... 22 
 
1 MAPEANDO A ARTE .................................................................................................. 30 
 
2 DISPUTAS COLONIAIS: GEOGRAFIAS DE UMA MEXICANICIDADE 
2.1 A problemática da nação .............................................................................................. 43 
2.2 A problemática do(s) colonialismo(s)............................................................................. 48 
2.3 A problemática da geografia social mexicana ............................................................... 56 
 
3 CHIAPAS: TERRA DE SONHOS E RESISTÊNCIA ................................................. 59 
3.1 A Selva Lacandona ......................................................................................................... 67 
3.2 Territórios Sociais, Autonomia e relações de poder ...................................................... 73 
3.3 Construindo a Autonomia .............................................................................................. 80 
3.4 O Mandar Obedecendo .................................................................................................. 85 
3.5 A autonomia continua... “Y ROMPIMOS EL CERCO” ................................................. 90 
 
4 O TRANSNACIONALISMO ZAPATISTA ................................................................. 95 
4.1 Compreendendo o Ciberespaço ..................................................................................... 97 
4.2 A flor da palavra ......................................................................................................... 100 
4.3 A rede global zapatista ................................................................................................ 102 
4.4 Novas plataformas da rede global zapatista ................................................................. 105 
 
5 SEMEANDO ESPAÇOS ZAPATISTAS .................................................................... 109 
5. 1 Caminhando o território: a Marcha da Cor da Terra ................................................. 110 
10 
 
5.2 Contraespaços: o CompARTE pela humanidade ......................................................... 121 
 
PARA SEGUIRMOS PERGUNTANDO E CAMINHANDO ...................................... 141 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES ....................................................... 145 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
ANCIEZ - Alianza Nacional Campesina Indígena “Emiliano Zapata” 
ANIPA - Assembleia Nacional Plural pela Autonomia 
CIDECI - Centro Indígena de Capacitação Integral 
CND - Convenção Nacional Democrática 
CNI - Congresso Nacional Indígena 
COCOPA - Comissão de Concórdia e Pacificação 
CRAREZ - Centros de Resistência Autônoma e Rebeldia Zapatistas 
EZLN - Exército Zapatista de Libertação Nacional 
FLN - Forças de Libertação Nacional 
FNI - Foro Nacional Indígena 
INEGI - Instituto Naconal de Estatística e Geografia 
MAREZ - Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas 
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 
NAFTA - North American Free Trade Agreement 
PNR - Partido Nacional Revolucionário 
PRD - Partido da Revolução Democrática 
PRI - Partido Revolucionário Institucional 
PRM - Partido da Revolução Mexicana 
RIBMA - Reserva Integral da Biosfera "Montes Azules" 
TLCAN - Tratado de Libre Comercio de América del Norte 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedicado a todos os povos del color de la tierra, 
aos ninguéns de Nuestramérica... 
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
“Nossa luta podia ser entendida e explicada como uma luta de 
geografias e calendários.” 
 
Elías Contreras, Comissão de Investigação do EZLN
1
 
 
 
Caminhos da pesquisa... 
 
 “Ao povo do México, aos povos e governos do mundo: irmãos, nós nascemos da 
noite, nela vivemos, morreremos nela, porém a luz será manhã para os demais, para todos 
aqueles que hoje choram a noite, para quem se nega o dia”2. Quando, pela primeira vez, no 
ano de 2013, ouvi estas palavras na voz do Subcomandante Marcos3, algo de diferente me 
ocorreu. Não falo que me senti contemplado pela fala do Subcomandante, pois nada daquela 
realidade que ele retratava condizia com a minha – um quase calouro, cursando o segundo 
ano da graduação em História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte –, mas, 
aquelas palavras, somadas à imagem e estética de um movimento que apresentava indígenas 
encapuzados, anunciando uma luta na qual não almejavam nada para si e tudo para os outros, 
me trouxe um sentimento de que, no mínimo, minha atenção deveria ser dedicada com maior 
afinco para aquilo que eu havia recém-conhecido (e ainda estou a conhecer). A partir desse 
momento, travei meus primeiros contatos com as Declarações da Selva Lacandona, com os 
discursos de Marcos, com as histórias (ou estórias) do Velho Antônio4, com a petulância de 
 
1 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MARCOS. Nem o centro e nem a periferia: sobre cores, calendários 
e geografias. Erahsto Felício e Alex Hilsenbeck, organização. Coletivo Protopia S.A. e Danilo Ornelas Ribeiro, 
tradução. Porto Alegre: Deriva, 2008, p. 32. 
2 Comité Clandestino Revolucionario Indígena – Comandancia General del Ejército Zapatista de Liberación 
Nacional. Cuarta Declaración de La Selva Lacandona. México, 1996. Disponível em: 
<http://enlacezapatista.ezln.org.mx/1996/01/01/cuarta-declaracion-de-la-selva-lacandona/>. Acesso em 20 de 
fev. de 2020. 
3 Principal porta voz nos anos iniciais do movimento e que recebeu grande destaque na mídia e entre intelectuais 
pela sua habilidade em manejar as palavras. 
4 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MARCOS. El Viejo Antonio: “En la montaña nace la fuerza, pero no 
se ve hasta que llega abajo”. México, 1994. Disponível em: <https://enlacezapatista.ezln.org.mx/1994/05/28/el-
viejo-antonio-en-la-montana-nace-la-fuerza-pero-no-se-ve-hasta-que-llega-abajo/>. Acesso em 20 de fev. de 
2020. 
http://enlacezapatista.ezln.org.mx/1996/01/01/cuarta-declaracion-de-la-selva-lacandona/
https://enlacezapatista.ezln.org.mx/1994/05/28/el-viejo-antonio-en-la-montana-nace-la-fuerza-pero-no-se-ve-hasta-que-llega-abajo/
https://enlacezapatista.ezln.org.mx/1994/05/28/el-viejo-antonio-en-la-montana-nace-la-fuerza-pero-no-se-ve-hasta-que-llega-abajo/
14 
 
Don Durito de La Lacandona5 e descobri que o poço era tão profundo quanto a utopia descrita 
por Fernando Birri: por mais que eu caminhasse, jamais chegaria ao fim... e assim segui 
caminhando. 
 O fascínio pelo movimento zapatistas é imediato para todos aqueles que, por qualquer 
razão e motivo, têm nas lutas sociais objeto de interesse. Seja para compreender os sistemas 
econômicos e sociais, sejapara sonhar com a revolução, seja para apontar o dedo e falar que 
não se passa de uma farsa e de hipocrisia, seja para se engajar na luta cotidiana de transformar 
a dura realidade, os movimentos sociais têm a capacidade de aglutinar em torno de si paixões 
e envolvimentos para além dos distanciamentos da pesquisa. De uma aula da graduação, 
aquele primeiro contato com os zapatistas se tornou em rotina, projeto, pesquisa e mestrado. 
Não obstante, as diversas facetas deste movimento que atraiu povos de todo o mundo para 
perto de si e que proporcionou novos capítulos para a história recente do México, também 
consiste em um desafio metodológico e analítico para o seu estudo: como investigar 
historicamente um movimento que possui importantes dimensões clandestinas em sua 
composição? Mais do que isso, como investigar historicamente um movimento inacabado e 
que, constantemente, se reinventa em seu cotidiano? Como determinar uma baliza temporal 
para investigar um movimento que em seus discursos confunde passado com presente, mortos 
com vivos, lendas com realidade? Desafios para o historiador do Tempo Presente6. 
 Diferentemente dos já trilhados caminhos das revoluções latino-americanas do século 
XX, a insurgência zapatista de 1994 trouxe à tona novas formas de se pensar não apenas a 
atuação dos movimentos sociais na realidade, mas também os estudos das humanidades em 
seus labores científicos7. Compreender os discursos zapatistas a partir de um olhar histórico; 
compreender as transformações e adaptações do movimento, conforme novos capítulos da 
conjuntura político-econômica mundial são escritos; compreender a luta dos indígenas sobre 
 
5 Idem. La historia de Durito. México, 1994. Disponível em: 
<http://enlacezapatista.ezln.org.mx/1994/04/10/la-historia-de-durito/>. Acesso em 20 de fev. de 2020. 
6 Sobre os desafios para investigar historicamente o zapatismo, Di Felice arremata: “Um aspecto ulterior que 
diferencia o movimento zapatista é o fato de ser um movimento “majoritariamente indígena”, isto é, formado e 
dirigido pelos representantes das sete etnias que são parte significativa dos povos indígenas do sul do México. 
[...] O elemento indígena permeia toda a política zapatista, desde a organização do movimento, assentada em 
formas de democracia direta, passando por um conceito de representação sintetizado no lema “mandar 
obedecendo”. Estende-se às formas de comunicação, de atuação e à sua filosofia, que não pode ser 
compreendida dentro dos paradigmas ideológicos da política iluminista”. BRIGE, Marco F.; DI FELICE, 
Massimo (Org.). Votán-Zapata: a marcha indígena e a sublevação temporária. São Paulo: Xamã, 2002, p. 32. 
7 Ver LEYVA, Xochitl et al. Prácticas otras de conocimiento(s): Entre crisis, entre guerras (Tomo I). San 
Cristóbal de Las Casas: Cooperaiva Editorial Retos, 2015. 
http://enlacezapatista.ezln.org.mx/1994/04/10/la-historia-de-durito/
15 
 
um outro prisma que mescla questões étnicas identitárias, com questões de relações de poder 
no mundo globalizado e de luta às estruturas do trabalho e do capital, enriquecem este vasto 
campo de pesquisa histórica que o zapatismo tem a oferecer. Ao longo deste breve caminho 
que nos trouxe até aqui, pudemos atestar novas etapas do movimento: convocações para a 
comunidade externa conviver junto aos seus municípios autônomos; a presença de 
intelectuais e pensadores do mundo inteiro para debater a conjuntura político-econômica 
globalizada neoliberal do século XXI8; a “morte” do Subcomandante Marcos9 – que, para 
muitos espectadores, era um ídolo; as intenções de se desligar do Estado mexicano, porém, 
permanecendo na luta pela nacionalidade mexicana; até, brevemente, a ampliação de suas 
territorialidades e redes de influência nas esferas políticas e sociais do México. Ou seja, 
pudemos perceber que, dentro de todo esse quadro maleável que o movimento desenhou nos 
últimos anos, a nossa contribuição para a sua compreensão histórica consistiria, portanto, em 
lançar novos olhares, servir como uma janela capaz de suscitar novas possibilidades de 
interpretação do movimento e das condições históricas que o circunda. 
 Seguindo esta linha de contribuir para os estudos acerca do zapatismo possibilitando 
novos olhares e novos ângulos para sua interpretação, trabalhamos sob as perspectivas 
espaciais do mesmo. Inserido no programa de História e Espaços, versamos sobre o 
conhecimento histórico de modo que, para além do tempo, devemos compreender os espaços 
como categoria fundamental epistemológica da ciência histórica10, sendo assim, a partir dos 
discursos zapatistas, fontes primárias que buscamos em seu acervo digital11, versaremos 
sobre representações, conflitos, ocupações, significações, apropriações e relações outras 
espaciais que dão sentido às práticas, histórias e projetos políticos zapatistas. Sendo, portanto, 
os espaços tanto explicitamente situados no debate, quanto espacialidades pormenorizadas 
nas dinâmicas sociais da realidade dos povos indígenas em conflitos com a modernidade. 
 
8 Como foi o caso de Pablo González Casanova, Luis Villoro, Carlos Antonio Aguirre Rojas, José Saramago, 
entre outros importantes pensadores sociais dos nossos tempos que estiveram pessoalmente discutindo os 
conflitos do mundo junto aos zapatistas. 
9 Em maio de 2014, foi assassinado o maestro Galeano no território autônomo Caracol de La Realidad. Em uma 
cerimônia repleta de simbolismos, mística e rituais, o Subcomandante Insurgente Marcos deixou de existir para 
dar lugar ao Subcomandante Insurgente Galeano, se despedindo da seguinte maneira: “até nunca... ou até 
sempre, quem entendeu saberá que isso já não importa, que nunca importou”. Ver SUBCOMANDANTE 
INSURGENTE GALEANO. ENTRE LA LUZ Y LA SOMBRA. México, 2014. Disponível em: 
<http://enlacezapatista.ezln.org.mx/2014/05/25/entre-la-luz-y-la-sombra/>. Acesso em 20 de fev. de 2020. 
10 Ver KOSELLECK, Reinhart. Espaço e história. In: Estratos do tempo: estudos sobre a história. Rio de 
Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2014. 
11 Ver http://enlacezapatista.ezln.org.mx/. 
http://enlacezapatista.ezln.org.mx/2014/05/25/entre-la-luz-y-la-sombra/
http://enlacezapatista.ezln.org.mx/
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 Isto posto, do fascínio inicial originado pelo estudo da retórica do Subcomandante 
Insurgente Marcos, amadurecemos esta pesquisa em nível de mestrado. A imersão nos 
discursos e nas lutas dos indígenas de Chiapas proporcionaram reflexões profundas no 
contexto de globalização e crises políticas dos tempos em que vivemos. Mais do que contar 
uma história, pretendemos atribuir a este trabalho um caráter propositivo, de modo que não 
almejamos encontrar soluções para os conflitos do mundo, mas, a partir da explanação das 
lutas zapatistas, de suas histórias, passado e presente e formas de pensar a teoria e a prática, 
novas luzes possam iluminar novas possibilidades escondidas nas penumbras da história, 
para, enfim, repensarmos – e, por que não, refazermos – o presente. A história, finalmente, 
traz desde o seu surgimento relações diretas com o presente, que esta pesquisa, dedicada a 
problemas e conflitos do presente, sirva para que possamos almejar outros mundos, outras 
histórias e outros espaços. 
 Neste sentido, perguntar geografias e caminhar calendários assume uma condição 
metodológica de nossa pesquisa que compreende o movimento zapatista como um mosaico 
composto por estes fragmentos temporais e espaciais, que compõem suas lutas enquanto 
indígenas, enquanto povos colonizados, enquanto rebeldes que almejam mudar o mundo. 
Inquirimos as geografias aqui propostas, que versam desde as regiões espaciais naturais 
geográficas, perpassam por dinâmicas espaciais internas dos conflitos sociais, abstraem as 
espacialidades metafóricas dos discursos, dialogam com as representações espaciais que 
englobam o movimento e tocam o corposimbólico de sua identidade, e caminhamos seus 
calendários desde as disputas coloniais, atreladas às lutas da modernidade, da globalização e 
dos estratos do tempo que compilam a complexa realidade e projeto de México e de mundo 
para os zapatistas. Perguntamos geografias e caminhamos calendários neste desafio de lidar 
com um movimento que, em sua essência é permeado por uma cosmologia e significados de 
tempo e de espaços que destoam das formulações através das quais interpretamos o 
conhecimento histórico enquanto método e ciência. Apreender estes desafios, reconhecê-los 
e fazer dos caminhos da pesquisa os caminhos da ciência consistem, também, em um novo 
espaço de se pensar a História e que almejamos desenvolver nesta dissertação. 
 Finalmente, compreendendo a amplitude do zapatismo e este caminho que nos trouxe 
até aqui, as páginas subsequentes apresentarão uma investigação histórica a partir das 
diferentes espacialidades, através das quais ofereceremos possibilidades de compreensão do 
17 
 
movimento – e da ciência histórica de mesmo modo. Assim, ainda nesta introdução, 
iniciamos com um debate acerca de novas perspectivas teórico-metodológicas e 
epistemológicas da História, diante dos estudos dos movimentos sociais e do Tempo 
Presente, que nos auxiliam como alicerce para introduzirmos nossas proposições a partir da 
temática zapatista; no primeiro capítulo, apresentamos um estudo no qual desenvolvemos o 
mapa da arte zapatista nos espaços acadêmicos brasileiros: onde foi produzida grande parte 
da bibliografia acadêmica que versa sobre o zapatismo? Sobre quais problemáticas 
circundantes ao movimento elas se debruçam? Como se tem interpretado este movimento na 
academia? Bem como explanamos o zapatismo enquanto um movimento que ultrapassa os 
limites da guerrilha e alcança os espaços da produção científica e do saber; no segundo 
capítulo a discussão histórico-espacial traz reflexões acerca do projeto de “libertação 
nacional” zapatista e como isso este relacionado a aspectos da formação do Estado-nação 
mexicano e dos colonialismos interno e de longa duração que integram as dinâmicas sociais 
do país; no terceiro capítulo saímos da discussão do debate nacional e passamos para uma 
esfera mais local, a partir da qual recuperamos elementos históricos que culminaram na 
formação do Exército Zapatista em suas relações espaciais com o estado de Chiapas e com a 
Selva Lacandona, até a conformação de suas territorialidades e sociabilidades autônomas 
como produtos deste processo histórico e de suas raízes indígenas; no capítulo seguinte 
passamos para o âmbito da internacionalização do zapatismo, o que tratamos como o 
“transnacionalismo zapatista”, o qual, tomando como ferramenta e estratégia de guerra o 
ciberespaço, expandiu a flor da palavra zapatista, alcançando a solidariedade de movimentos 
antissistêmicos mundo afora e conformando uma rede global; por último, após perpassarmos 
as relações históricas da insurgência zapatista nos âmbitos nacional, local e internacional, 
versamos sobre outras formas de relação e ocupação dos espaços desenvolvidos pelo 
movimento: tais quais a Marcha da Cor da Terra, ou pela dignidade, onde, literalmente, os 
zapatistas percorreram o território mexicano contando suas histórias; e, por último, o 
CompARTE pela Humanidade, não um espaço, mas um contraespaço permeado pelas 
histórias, memórias, signos e símbolos zapatistas, onde a arte assume uma condição de 
linguagem decolonial, de linguagem e representação de um mundo outro possível – e em 
curso. 
18 
 
 Que nestas páginas o leitor possa percorrer geografias e calendários da história 
zapatista e adentrar um pouco mais nos conflitos e emergências de Nuestramérica. 
 
 
Tateando os Espaços, Compreendendo a Arte 
 
“Dizem nossos mais velhos que os primeiros deuses, os que nasceram o mundo, 
foram sete; que sete são as cores: o branco, o amarelo, o vermelho, o verde, o 
azul, o café e o preto; que são sete os pontos cardeais: o acima, o abaixo, o 
adiante e o atrás, o um lado e o outro lado, e o centro; que sete são também os 
sentidos: olhar, degustar, tocar, ver ouvir, pensar e sentir. Sete serão então os 
fios desta grande trança, sempre incompleta, do pensamento zapatista.” 
 
Subcomandante Insurgente Marcos
12
 
 
 
 Tudo está contido no tempo e espaço. Partindo desse pressuposto, podemos afirmar 
que o trabalho do historiador caracteriza-se na perscrutação dessas duas categorias que 
abarcam os problemas de sua práxis. A História, que em determinado período trazia consigo 
a pretensão e prepotência de reviver o passado tal qual ele foi, hoje já não se concebe de 
mesma forma. Sabemos muito bem que a rememoração não é sinônimo de revivificação. Ao 
tentar retomar a história do passado, o historiador não deve, portanto, ter como pretensão e 
objetivo último a verdade – o que é a verdade, afinal? –, mas, sim, a reconstrução desse 
passado, através de métodos, hipóteses, fontes, temporalidade e, finalmente, o espaço. 
 A História, como disciplina, passa a ser estudada, pois, não mais pelos mesmos 
paradigmas, teorias e métodos de outrora – principalmente a partir do século XIX com a sua 
cientificidade peculiar –, mas, por uma nova perspectiva, na qual o sujeito passa a ser pensado 
como uma produção histórica13 e, como produção histórica, os sujeitos históricos trajam 
indumentárias que os identificam com os espaços aos quais eles estão vinculados, numa 
relação de quem é produto e também produz. O espaço, outrossim, está presente na história 
bem como o tempo: se retornamos ao passado e buscamos a compreensão deste passado pela 
 
12 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MARCOS. SEGÚN CUENTAN NUESTROS ANTIGUOS... 
Relatos de los pueblos indios durante la otra campaña. México, 2007, pp. 32-33. Tradução do autor. 
13 Ver ALBUQUER JUNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da 
história: Bauru, SP: Edusc, 2007. 
19 
 
conjuntura temporal em que ele está inserido, para não cometermos a maior das gafes que 
um historiador, ou qualquer analista social, pode vir a cometer que é a do anacronismo; 
também retornamos ao passado e buscamos a compreensão deste passado pela conjuntura 
espacial em que ele está inserido, para não cometermos a segunda maior das gafes que um 
historiador, ou qualquer analista social, pode vir a cometer que é a do desprezo ao espaço, 
que é a da indiferença ao espaço, que é a da ingenuidade de não perceber que o espaço não é 
mero receptáculo dos acontecimentos históricos e pensá-lo como uma categoria amorfa e 
separável do seu objeto de estudo. 
 Dito isso, podemos chegar à conclusão de que o espaço não é inerte, pelo contrário, 
o espaço é protagonista, o espaço requer atenção e inquérito, o espaço é história. Mas o que 
torna o espaço história? Podemos nos questionar. Basta pararmos para pensar no que consiste 
a epistemologia da História enquanto disciplina: se a História consiste na ação do homem 
inserida no espaço e tempo, logo, o que torna o espaço história é a sua relação com o homem 
em suas mais complexas variações: relações físicas, imagéticas, simbólicas, discursivas, 
memoráveis, afetivas, subconscientes etc. Tais condições nos proporcionam um vasto campo 
de problematização do espaço na História e da História dos espaços. O espaço produz e é 
produto. O espaço, há quem diga (e há quem concorde), é vivo e, portanto, constitui uma das 
esferas relevantes para a compreensão do processo histórico. Dessa forma, já que é a relação 
do homem com o espaço, e vice-versa, que torna o espaço história, podemos ampliar o leque 
de espaços a serem problematizados indo além dos já consagrados substratos espaciais – 
como o tradicional território nacional incorporado pelo heterônomo Estado-nação –, e 
englobando categorias que estão inseridas em toda essa ampla gama de possibilidades que 
relacionao homem ao espaço, corroborando, uma vez mais, que o espaço, 
independentemente do problema posto, não está ausente, de modo que, a ausência do espaço 
não reflete a sua inexistência, mas a insensibilidade à sua percepção por parte do pesquisador. 
Perceber as relações sociais e espaciais, pois, são basilares para a compreensão da História. 
 Em suma, o historiador dos espaços traz à disciplina contribuições imprescindíveis 
para uma melhor compreensão do passado das sociedades humanas no mundo. Se não somos 
capazes de traduzir o passado assim como ele ocorreu, como defendemos no início, abarcar 
a dimensão espacial se faz premente para suscitar novas questões, novas perspectivas, novas 
formas de compreender tal passado. Questionar os espaços, se dedicar a eles, não subestimá-
20 
 
los, é uma forma de ampliar nossos horizontes para uma percepção mais abrangente da 
realidade e da capacidade humana em construir a realidade, é, enfim, descobrir e redescobrir 
a História14. Finalmente, o sentido em se estudar os espaços não se encerra no espaço em si, 
o sentido em se estudar os espaços se estende para o grande cerne da questão histórica: a 
compreensão do homem e sua construção de mundo que nos trouxe até aqui. 
 Destarte, tal qual um mosaico que é composto por fragmentos, visando formar a 
imagem de um pretenso todo, assim é a História: série de elementos descontínuos – mas que 
possuem sentido em si mesmos –, na qual o historiador tem a incumbência de identificar 
estes fragmentos a serem interpretados e conformarem a sua imagem. Portanto, resumir a 
compreensão da história à sua relação com o tempo a torna pueril, a história é não apenas 
tempo, mas também mentalidades, sentimentos, discursos, formas, trabalho, imagens e 
espaço. Estudar a História e buscar compreendê-la é interpretá-la de maneira fragmentada e 
não mais como era vista outrora a partir de concepções cristalizadoras e que a naturalizavam 
e a entregavam pronta, completa, lapidada e selada. História é fragmentação. Devemos, pois, 
interpretar a História a partir de um caráter relacional com os diversos fragmentos que a 
compõem, incluindo o espaço, que, de mesma maneira, também deve ser interpretado de 
forma relacional aos diversos outros elementos que o circundam, fomentando a possibilidade 
de se enxergar lacunas a serem preenchidas. 
 Desta maneira, a proposta de versar sobre as espacialidades zapatistas surge como 
uma proposta de lançar novas luzes sobre um tema mas, de antemão, assumindo a 
impossibilidade de iluminá-lo por completo. Por mais que os zapatistas tenham aparecido 
para o mundo de forma contundente no ano de 199415 com o seu levante armado, nem de 
longe a amplitude do movimento se resume ao domínio de seu Exército. O Exército Zapatista 
de Libertação Nacional (EZLN) surgiu como um fragmento a ser explorado para 
 
14 “Nenhum historiador consegue abarcar e assim recuperar a totalidade dos acontecimentos passados, porque 
o “conteúdo” desses acontecimentos é praticamente ilimitado. Não é possível relatar mais que uma fração do 
que já ocorreu, e o relato de um historiador nunca corresponde exatamente ao passado: o simples volume 
desse último inviabiliza a história total”. JENKINS, Keith. A história repensada. 2 ed. São Paulo: Contexto, 
2004, p. 31. 
15 Alguns autores utilizam o termo “neozapatistas”, para se referirem ao movimento insurgido no levante de 
1994, levando em consideração que os “zapatistas” seriam os próprios da Revolução Mexicana de 1910, na qual 
lutaram ao lado de Emiliano Zapata. Todavia, por mais que reconheçamos as diferenças, ressignificações e 
particularidades pertinentes a essa distinção, ainda assim optaremos por utilizar o termo “zapatistas”, tal qual 
as fontes nos apresentam, porém, tomando os devidos cuidados para evitar possíveis distorções anacrônicas na 
compreensão dos eventos aqui trabalhados. 
21 
 
aproximarmo-nos da história do movimento e, enquanto fragmento, ele possui suas 
significações e relações históricas próprias que complementam e complementam-se com as 
demais dimensões do movimento. A amplitude do zapatismo, de mesmo modo, está para 
além das suas ambições militares; para além das suas ambições étnicas indígenas; para além 
das suas ambições rebeldes ou revolucionárias, de modo que, o próprio movimento não 
define bem como eles se comportam neste campo, como afirmou Marcos, ao apontar que se 
identificam mais como um movimento rebelde que quer mudanças sociais, de tal maneira 
que a definição como um movimento revolucionário clássico não seria cabível, pois “o 
revolucionário tende a converter-se em um político e o rebelde social não deixa de ser um 
rebelde social” e “no momento em que Marcos ou o zapatismo se convertam em um projeto 
revolucionário, ou seja, em algo que se torna em um ator político dentro da classe política, o 
zapatismo vai fracassar como proposta alternativa” e complementa: 
Porque um revolucionário almeja fundamentalmente transformar as coisas 
desde acima, não desde abaixo, ao contrário do rebelde social. O 
revolucionário propõe: vamos fazer um movimento, tomo o poder e, desde 
acima, transformo as coisas. E o rebelde social não. O rebelde social 
organiza as massas e, desde abaixo, vai transformando sem ter que colocar 
em pauta a questão da tomada do poder16. 
Todavia, ainda assim os seus comunicados oficiais são assinados em nome de seu Comitê 
Clandestino Revolucionário Indígena, o que remete à formação do Exército Zapatista em seu 
processo de sincretismo ideológico com os grupos guerrilheiros que compuseram as bases 
fundamentais do zapatismo. 
 O zapatismo, portanto, abrange as mais diversas esferas e reitera sua imagem de 
movimento que pode ser visto tanto vanguardista, quanto contraditório (o que uma coisa não 
desqualifica a outra). Para além do movimento armado, o zapatismo também é movimento 
cultural, ideológico, metodológico, alegórico, seminal e inacabado. Versar sobre as 
espacialidades de tão complexo movimento é levar à cabo o papel da História e do historiador 
em descortinar penumbras do passado que estão encobertas por obstáculos e que, para serem 
descortinados, merecem novos olhares, novas perguntas e novas categorias de análise, tais 
quais as mais diversas espacialidades. 
 
 
16 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MARCOS. Subcomandante Marcos, entrevista con Julio Scherer. 
2001. Disponível em: < https://enlacezapatista.ezln.org.mx/2001/03/10/subcamandante-marcos-entrevista-con-
julio-scherer/>. Acesso em 25 de fevereiro de 2020. Tradução do autor. 
https://enlacezapatista.ezln.org.mx/2001/03/10/subcamandante-marcos-entrevista-con-julio-scherer/
https://enlacezapatista.ezln.org.mx/2001/03/10/subcamandante-marcos-entrevista-con-julio-scherer/
22 
 
Novos Paradigmas para Novas Histórias... E Novos Espaços 
 
“Pensei então em trazer-lhes algo da música que toca nas comunidades zapatistas. 
Por exemplo, só ontem à noite escutei uma música que o “mestre de cerimônia” 
classificou como ritmo ‘corrido-cumbia-ranchera-norteña’. 
Que tal? Ritmo corrido-cumbia-ranchera-norteña... 
se isso não é um desafio teórico, então não sei o que é.” 
 
Subcomandante Insurgente Marcos
17
 
 
 
 Na busca dessa compreensão zapatista, de suas espacialidades e suas relações com o 
mundo, seguimos como primeiros passos a trilha iniciada por Sebastião Vargas, aos nos 
apontar que 
para se compreender o zapatismo há que se considerar três dimensões ou 
facetas que se interpenetram e se alimentam simultaneamente: a primeira é 
a dimensão local, com as demandas agrárias e étnicas tomando um lugar 
central nas reivindicações dos insurgentes; a segunda é a dimensão do 
zapatismo enquanto impulsionador de um movimento nacional que aspira 
inicialmente conquistar uma democracia de fato (contra a “ditadura 
perfeita” de mais de 80 anos do PRI) e construir um novoe alternativo 
projeto popular para o país, “a la isquierda y abajo”; a terceira dimensão da 
luta dos zapatistas aparece em âmbito latino-americano e global, com certo 
impacto sobre os movimento indígenas da região e, principalmente, na 
considerável sedução e influência sobre a juventude do chamado 
movimento “anti-globalização” europeu e norte-americano18. 
 Seguindo essa trilha e reconhecendo as dimensões supracitadas da dinâmica zapatista 
e sua relação com o real, queremos, ainda, continuar adentrando no vasto e escuro caminho 
das facetas zapatistas e lançar novas luzes para outras formas de compreender este 
movimento, em seu diálogo com a complexidade da realidade dos povos que dele se 
alimentam. Pretendemos lançar novas luzes para espaços que conformam a visão de mundo, 
as representações, o poder simbólico19 que abraça os zapatistas e sua ampla comunidade – e 
que são construções históricas dos mesmos. Para tanto, dispomos de pressupostos teórico-
metodológicos que nos dão o alicerce necessário para adentrarmos a essa missão de ir além 
da trilha inicial que nos serviu como norte até o momento e de nos perdermos novamente na 
investigação do que ainda não foi descortinado. 
 
17 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MARCOS, 2008, p. 29. 
18 VARGAS NETTO, op. cit., p. 101. 
19 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Lisboa: Difel, 1989. 
23 
 
 Como um dos pilares de nossa estruturação teórica, compreendemos a ciência 
(incluindo a ciência histórica) não mais a partir de suas concepções a priori de sua 
formulação moderna, mas sim, como uma ponte que leva a romper com o senso comum e 
transformar-se em um novo e mais esclarecido senso comum20. Seguindo as linhas de 
Boaventura de Sousa Santos, constatamos o Tempo Presente como um período de transição 
e, por conseguinte, um período no qual as definições sobre a realidade ainda não estão bem 
estruturadas. Dessa forma, a ciência, para a compreensão e apreensão deste período, exige 
uma condição, também, que compreenda a maleabilidade do mesmo. Explorar o universo (ou 
seria multiverso?) zapatista, deste modo, é lançar novas luzes, compreender fragmentos que 
se manifestam como um todo, e que, na sua união e articulação por intermédio da 
metodologia histórica, trará possibilidades para a compreensão do movimento, da história, 
da prática e da vida dos que o compõe. Para tanto, o paradigma dominante hegemônico 
científico moderno deve ser repensado para abarcar tal dinâmica em sua complexidade, pois, 
sendo um modelo que se pretende global, a racionalidade científica é, de mesmo modo, um 
modelo totalitário, pois nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não 
estão pautadas pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas21. 
Consiste, portanto, numa concepção científica que parte de uma postura apriorística, como 
já dito, caracterizando-se por uma tentativa de explicação antes mesmo da compreensão. 
 Desta forma, o paradigma científico moderno reduz o mundo ao que ele é capaz de 
compreender, logo, não desafia as suas complexidades. Por conseguinte, reconhece o mundo 
numa condição de: “se a realidade não se comporta como indica a teoria, pior para a 
realidade”, como acusou Marcos22. Todavia, os espaços, tal qual a história, não constituem 
mera plataforma servil ao homem; os espaços, tal qual a história, são parte integrante do 
homem em suas ações, reações e relações. Daí a incursão histórica nas espacialidades, não 
para compreender a sua natureza pronta e sistematizada, como almejou Milton Santos23, mas 
para dialogar com os seus sentidos e significações. Lançar luzes sobre as espacialidades 
zapatistas é buscar compreender as suas intenções nas suas relações com os sujeitos históricos 
 
20 SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010. 
21 Ibidem. 
22 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MARCOS, 2008, p. 34. 
23 SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4 ed. São Paulo: Edusp, 2006. 
 
24 
 
e não apenas buscar meramente justificá-las para que conceitos pré-determinados sejam 
aplicados e, por fim, pretensamente tenhamos domínio sobre o tema. É uma investigação 
propositiva, em suma. 
 Diferentemente das ciências naturais, as ciências sociais não devem apresentar 
conformidade e unidade nas suas pré-determinações como categoria: 
Enquanto, nas ciências naturais, o desenvolvimento do conhecimento 
tornou possível a formulação de um conjunto de princípios e de teorias 
sobre a estrutura da matéria que são aceites sem discussão por toda a 
comunidade científica, conjunto esse que designa por paradigma, nas 
ciências sociais não há consenso paradigmático, pelo que o debate tende a 
atravessar verticalmente toda a espessura do conhecimento adquirido24. 
Sendo esse, portanto, um dos aspectos que “fragilizariam” as ciências sociais, na concepção 
científica moderna, mas que, em nossa ótica, é o que as enriquece. 
 Não há como as ciências sociais encontrarem uma regra a ser seguida como modelo 
de inquirição científica e, de mesma forma, tal regra ser aceita pela comunidade, pois, por 
serem sociais, são, essencialmente, ciências humanas, logo, subjetivas. Encontrar uma regra 
para mediar o modo como devem ser tratadas, é diminuir as ciências sociais; é ser negligente 
ao que há de mais humano que é a diversidade, subjetividade, singularidade e não-linearidade 
da vida. As ciências sociais não devem diminuir a natureza ao alcance de seus conceitos, 
mas, sim, tentar compreendê-la ao que está ao seu alcance; as ciências sociais não permitem 
a conformação de um modelo universal de investigação pois seria anacrônico; as ciências 
sociais, por serem intensamente humanas, sequer sabem onde está o seu limite. Como aponta 
Boaventura de Sousa Santos: 
A ciência social será sempre uma ciência subjectiva e não objectiva como 
as ciências naturais; tem de compreender os fenómenos sociais a partir das 
atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas acções, para 
o que é necessário utilizar métodos de investigação e mesmo critérios 
epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências naturais, métodos 
qualitativos em vez de quantitativos, com vista à obtenção de um 
conhecimento intersubjectivo, descritivo e compreensivo, em vez de um 
conhecimento objectivo, explicativo e nomotético25. 
Vale salientarmos uma observação importante levantada por Boaventura que é a de que, por 
mais que estejamos desenhando um quadro no qual o paradigma de ciência moderna se 
conceba como ultrapassado, só foi possível chegar a esse ponto devido aos avanços 
permitidos por essa mesma ciência moderna: “a identificação dos limites, das insuficiências 
 
24 SANTOS, 2010, pp. 37-38. 
25 Ibid. pp. 38-39. 
25 
 
estruturais do paradigma científico moderno é o resultado do grande avanço no conhecimento 
que ele propiciou. O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares 
em que se funda”26. 
 Dessa forma, concebemos nosso estudo sobre as espacialidades zapatistas partindo de 
pressupostos teórico-metodológicos que compreendem a ciência de modo que todo o 
conhecimento científico-natural é científico social, pois relacional. No que Boaventura de 
Sousa Santos trata como novo paradigma científico, ou seja, uma ciência pós-moderna, na 
qual o conhecimento é total, ainda que fragmentado – mas total em seu fragmento. “Os temas 
são galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros. Ao contrário 
do que sucede no paradigma actual, o conhecimento avança à medida que o seu objecto se 
amplia [...] em busca de novas e mais variadas interfaces”27. Mais do que isso 
O conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico, sendo 
local, não é descritivista. É um conhecimentosobre as condições de 
possibilidade. As condições de possibilidade da acção humana projectada 
no mundo a partir de um espaço-tempo local. Um conhecimento deste tipo 
é relativamente imetódico, constitui-se a partir de uma pluralidade 
metodológica. Cada método é uma linguagem e a realidade responde na 
língua em que é perguntada28. 
Destarte, o conhecimento pós-moderno acusado por Boaventura nada mais é do que a 
configuração que aplicamos como metodologia de labor historiográfico, desenvolvida por 
nós no presente trabalho: a conformação da história a partir da metáfora espacial do mosaico. 
 As espacialidades zapatistas, portanto, tais como fragmentos componentes de um 
amplo mosaico, reivindicam, cada uma, suas próprias interpretações necessárias para 
esclarecer suas proposições para a História. Finalmente, cientes da dimensão do movimento 
zapatista, que atinge os mais diversos âmbitos, desde a faceta local, passando pelo projeto 
nacional, relacionando-se com a comunidade internacional, e ainda pertencente a um vasto 
universo a ser descoberto, comprometer-se a investigar as suas representações de mundo a 
partir das mais diversas espacialidades é uma tarefa que exige perceber nas mais 
diversificadas manifestações de suas visões de mundo, projetos de sociedade, sociabilidades 
internas, relações de alteridades e demais potencialidades do movimento para abarcarmos 
tais objetivos. Portanto, para este estudo, travamos contato direto com as fontes primárias – 
 
26 Ibid. p. 41. 
27 Ibid. p. 76. 
28 Ibid. p. 77. 
26 
 
discursos zapatistas, emitidos pelo seu Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – e as 
relações de poder que incidem sobre, percebendo os discursos, como acusou Foucault, como 
um espaço anfitrião de disputas e intenções de poder 29, os caminhos já trilhados por 
acadêmicos Brasil afora, representações que remetam às idiossincrasias do movimento, 
relatos de vivências, em diálogos que nos exprimam a relevância histórica da construção 
desse mundo, pois: “a história, seja como evento, seja como narrativa, nasce da relação. Entre 
o realismo e o construtivismo, talvez devamos adotar o relacionismo, pensar a ação humana, 
as práticas sociais, sejam práticas discursivas ou não, como a realização de mediações, de 
traduções”30. 
 Em suma, o conhecimento histórico, como já afirmara Durval Muniz, é perspectivista, 
pois ele também é histórico, assim como o historiador31. Dessa forma, a ciência histórica, 
associada à ciência pós-moderna é marcada não mais pelas descobertas (eureca!), mas sim 
pela criação, pela invenção32, e pela inserção dos antigos pressupostos metafísicos agora 
como parte integrante da construção dessa ciência – não mais uma relação a priori com seu 
objeto. Essa nova forma de conhecimento, pois, assume a responsabilidade de ser um 
conhecimento “compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una pessoalmente ao 
que estudamos”, mais do que isso, “a incerteza do conhecimento, que a ciência moderna 
sempre viu como limitação técnica destinada a sucessivas superações, transforma-se na chave 
do entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de ser contemplado”33. Deste 
modo, conduzindo esse novo conhecimento a uma nova ressignificação do mundo e, por 
conseguinte, a um novo senso comum, o conhecimento científico se apresenta como a origem 
 
29 “Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, 
organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função conjurar sus poderes e 
perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”. FOUCAULT, 
Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2012, pp. 8-9. 
30 ALBUQUERQUE JÚNIOR, op. cit., p. 31. 
31 Ibid. 
32 Sobre o termo invenção na História, Durval Muniz mostra que: “No campo da historiografia, este termo 
[invenção] ganha destaque com o progressivo afastamento dos historiadores em relação às explicações que 
remetiam para o emprego de categorias trans-históricas, das abordagens metafísicas ou estruturais, que tendiam 
a enfatizar a permanência, a continuidade e pressupunham a existência de uma essência, de um núcleo 
significativo da História, de determinadas relações ou processos como sendo determinantes de toda a variedade 
do acontecer histórico. [...] o uso do termo invenção remete para uma abordagem do evento histórico que 
enfatiza a descontinuidade, a ruptura, a diferença, a singularidade, além de que afirma o caráter subjetivo da 
produção histórica. Ibid., p. 20. 
33 SANTOS, 2010, pp. 85-86. 
27 
 
de uma nova racionalidade, uma racionalidade vinculada aos sujeitos históricos e aos espaços 
que com ela se relacionam. 
 Sendo assim, o historiador tem sua presença assumidamente protagonista na produção 
do conhecimento histórico e a História requer essa postura como ciência. O historiador não 
apenas será um mero porta-voz da história, mas estará inscrito, também, na sua formulação 
e reformulação tal qual passado. A relação objeto-natureza passa a ser pensada como 
produção histórica, produção subjetiva. Todavia, assumir o caráter perspectivista da história 
e aplicá-lo à sua conformação científica não é o mesmo que tornar a história fantasia. O 
historiador, portanto, deve ocupar o seu posto a partir do que Durval Muniz nos mostra como 
“a terceira margem”: 
O que significa pensar a História e escrevê-la desta terceira margem? 
Significa primeiro pensar que a História não se passa apenas no lugar da 
natureza, da coisa em si, do evento, da matéria ou da realidade, nem se passa 
apenas do lado da representação, da cultura, da subjetividade, do sujeito, da 
ideia ou da narrativa, mas se passa entre elas, no ponto de encontro e na 
mediação entre elas, no lugar onde estas divisões ainda são indiscerníveis, 
onde estes elementos e variáveis se misturam. [...] Se de um lado, numa 
margem, temos os objetos já formados, os fatos cristalizados, definidos, 
tidos como materiais e se, de outro lado, na outra margem, temos as formas 
de sujeito já estabilizadas, com identidades definidas, fruto de divisões 
sociais estabelecidas, subjetividades pretensamente estáticas, culturas e 
simbologias bastante estruturadas, a história se passa justo entre elas, a 
historicidade é justamente o que impede que estas formas se mantenham 
intactas, sem transformações. A história como o rio heraclitiano arrasta 
estas formas estabilizadas para o fluxo, para o redemoinho do tempo, 
tornando-as sempre diferentes do que pareciam ser34. 
Reiterando, assim, o caráter relacional da História que salientamos desde o princípio: 
relacional com as temporalidades, com as espacialidades e com os eventos históricos. 
 Em conformidade com a necessidade de novos olhares para suscitar novas 
perspectivas histórico-espaciais do movimento, os próprios zapatistas manifestam sua 
insatisfação à lógica apriorística da ciência moderna e almejam, por meio de suas práticas e 
conhecimentos, promover uma teoria outra para a cientificidade, uma teoria tão outra que 
seja prática35. Em consonância com as ideias de Boaventura, uma teoria que encontre alguma 
forma de ligar a teoria com o amor, a música e a dança, não para se mostrar mais “científica” 
ou “evoluída” que as demais, mas pra se mostrar, principalmente, mais humana, “porque a 
 
34 ALBUQUERQUE JÚNIOR, op. cit., pp. 28-29. 
35 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MARCOS, 2008. 
28 
 
seriedade e o endurecimento não garantem rigor científico”, utilizando as palavras de 
Marcos36. Portanto, uma teoria capaz de chegar às margens da superfície e tocar a realidade; 
uma teoria que ultrapasse o paradigma determinado pelas concepções cartesianas, na qual “o 
‘penso, logo existo’ definia também um centro, o eu individual, e o outro como uma periferiaque se via afetada ou não pela percepção desse eu: afeto, ódio, medo, simpatia, atração, 
repulsa. O que estava fora do alcance da percepção do eu era, e é, inexistente”37; uma teoria, 
em suma, que se faça como prática, que se reelabora nas experiências cotidianas, que se 
reconheça no senso comum. 
 Ademais, a proposta de versar sobre as histórias e espaços zapatistas a partir dos 
enfoques teóricos aqui expostos, enfatizam a emergência (e urgência) das Epistemologias do 
Sul38, na busca por uma ciência mais propositiva para questões prementes no mundo e nas 
vidas39. Desse modo, estas epistemologias (in)surgem a partir da premissa da compreensão 
do mundo como muito mais ampla do que a compreensão ocidental do mundo – como 
outorgou a ciência moderna – e pela tomada de consciência da diversidade do mundo 
enquanto uma diversidade que inclui modos muito distintos de ser, pensar e sentir, de 
conceber o tempo, a relação entre seres humanos e entre seres humanos e não-humanos, de 
enxergar o passado e o futuro, de organizar coletivamente a vida, a produção de bens e 
serviços e o ócio, sendo assim, ultrapassando os limites determinados pelas teorias e 
conceitos desenvolvidos a partir do paradigma moderno de sociedade ocidental, 
promovendo, deste modo, um ¡Ya Basta! epistémico e caminhos senti-pensantes das lutas 
antissistêmicas – incluindo as lutas pelos espaços espistêmicos enquanto lutas políticas40. 
 Finalmente, neste tecer dos fios, trançando histórias e espaços zapatistas, a assumida 
incapacidade de se abarcar a totalidade de um movimento que tem em suas ações cotidianas 
seu modus operandi, para não permitir-se uma definição engessada de suas idiossincrasias e 
dinâmicas que se atualizam conforme se constrói e se descobre novas facetas de suas lutas, 
 
36 Ibid. p. 28. 
37 Ibid. pp. 35-36. 
38 SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do sul. Coimbra: 
Almedina, 2009. 
39 as Epistemologias do Sul consistem em novos processos de produção e de valoração de conhecimentos 
válidos, científicos e não científicos, de novas relações entre diferentes tipos de conhecimentos e que se 
organizam a partir das práticas das classes e dos grupos sociais envolvidos. SANTOS, Boaventura de Sousa. 
Prólogo. In: LEYVA, Xochitl et al. op. cit., p. 12. 
40 Ibid. 
29 
 
demandará novos caminhos e espaços para a sua apreensão. Assim como o Velho Antônio 
propôs a Marcos que “para saber e para caminhar há que perguntar”41, os zapatistas 
propõem à ciência que, para além de expressar desejos, juízos, condenações e receitas, se 
deve tratar de entender para tratar de explicar e, assim, “servir como uma janela, para que 
outros e outras conheçam e difundam uma parte dessa experiência em outras geografias e em 
outros calendários”42. Neste sentido, é no reconhecimento da impossibilidade de se explicar 
o zapatismo em sua expressão final (afinal, é no cotidiano de suas práticas que o movimento 
inventa e se reinventa) que assumimos a inquirição histórica de algumas da facetas espaciais 
zapatistas ao nosso alcance, como uma possibilidade de tornar passível de leitura a história 
de tal movimento. Pretendemos não explicar o zapatismo, mas permitir a sua manifestação, 
nas mais diversas representações e, nesse relacionismo com a história de longa duração, com 
as lutas de seus antepassados, com a significação e ressignificação de suas trajetórias e 
conformação de espacialidades outras, enxergar uma parcela da tradução dos zapatistas na 
História. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
41 SUBCOMANDANTE INSURGENTE. La historia de las preguntas. 1994. Disponível em: 
<https://enlacezapatista.ezln.org.mx/1994/12/13/la-historia-de-las-preguntas/> Acesso em 01 de out. de 2019. 
42 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MARCOS, 2008, p. 25. 
https://enlacezapatista.ezln.org.mx/1994/12/13/la-historia-de-las-preguntas/
30 
 
1 MAPEANDO A ARTE 
 
“Seguimos caminhos e rotas que não existem nos mapas nem nos satélites, 
e que só se encontram no pensamento de nossos mais antigos.” 
 
Sucomandante Insurgente Moisés
43
 
 
 
 Apesar de terem surgido publicamente para o mundo em 1994 com o Exército 
Zapatista, o movimento zapatista tem suas raízes mais profundas e sua semente plantada 
muito antes de se exporem ao México e à comunidade internacional. Os zapatistas expressam 
a heterogeneidade de um movimento que incorpora as lutas dos trabalhadores modernos, mas 
que anuncia serem produto da “longa noite dos 500 anos”, fazendo uma referência direta à 
colonização espanhola e demais expropriações, sejam elas culturais, territoriais, 
epistemológicas, ou de qualquer outro tipo. Movimento que, por ser indígena, é preenchido 
pela cosmovisão desses povos, o que, inclusive, provoca mudanças cruciais em sua forma e 
conduta – ressignificando, por exemplo, conceitos clássicos da luta armada latino-americana 
como a ideia de revolução. Em outras palavras, um movimento tão complexo quanto a 
conjuntura político-social latino-americana. Sendo assim, perante a complexidade do 
movimento, é quase que impossível determinarmos uma organicidade do mesmo. Tendo as 
Forças de Libertação Nacional (FLN)44 como base, o Exército Zapatista surgiu a partir do 
encontro de um grupo guerrilheiro formado na guerrilha cubana de cunho marxista-leninista 
e um grupo indígena maia nas entranhas da Selva Lacandona: “Foram seis os guerrilheiros 
que instalaram, em 17 de novembro de 1983, o primeiro acampamento das Forças de 
Libertação Nacional em algum lugar da Selva Lacandona”45. A partir desse sincretismo 
ideológico, surgiu o Exército Zapatista de Libertação Nacional e, não obstante, carregando 
consigo as peculiaridades de sua formação. 
 
43 SUBCOMANDANTE INSURGENTE MOISÉS. Comunicado del CCRI-CG del EZLN. Y 
ROMPIMOS EL CERCO. México, 2019. Disponível em: 
<http://enlacezapatista.ezln.org.mx/2019/08/17/comunicado-del-ccri-cg-del-ezln-y-rompimos-el-cerco-
subcomandante-insurgente-moises/>. Acesso em 20 de fev. de 2020. Tradução do autor. 
44 Fundada por Ángel López em 6 de agosto de 1969, com o apoio financeiro e logístico do governo cubano, as 
Forças de Libertação Nacional (FLN) objetivavam criar um foco guerrilheiro em Chiapas, mais 
especificamente, na Selva Lacandona. VOS, Jan de. Una tierra para sembrar sueños: Historia reciente de la 
Selva Lacandona (1950-2000). México: FCE, CIESAS, 2002. 
45 Ibid., p. 335. Tradução do autor. 
http://enlacezapatista.ezln.org.mx/2019/08/17/comunicado-del-ccri-cg-del-ezln-y-rompimos-el-cerco-subcomandante-insurgente-moises/
http://enlacezapatista.ezln.org.mx/2019/08/17/comunicado-del-ccri-cg-del-ezln-y-rompimos-el-cerco-subcomandante-insurgente-moises/
31 
 
 Dito isso, as produções científicas que compreendem o zapatismo, de mesmo modo, 
também são diversas e abarcam todo um universo, perpassando pelos mais diferentes 
métodos, olhares e problemáticas, de modo que, mapear toda a produção 
historiográfica/científica que busca no zapatismo seu objeto de investigação seria uma 
atividade que extrapolaria as nossas possibilidades. Portanto, nas próximas linhas nos 
propomos a mapear a arte zapatista brasileira: o que se tem discutido sobre os zapatistas nos 
espaços acadêmicos brasileiros? Quais as problemáticas mais recorrentes? Como se tem 
interpretado tão complexo e vasto movimento? Essas serão as nossas perguntas norteadoras 
para seguirmos caminhando. 
 Um primeiro passo que podemos dar em direção ao intento de mapear como a 
literatura zapatista brasileira aborda o movimento, está na problemática da sua gênese, em 
outras palavras das suas raízes históricas. Alejandro Buenrostro y Arellano, ao lançar a obra 
“As Raízes do Fenômeno Chiapas: O Já Basta da resistência zapatista” (2002)46, buscou uma 
maior proximidade junto aos zapatistas para ir àssuas raízes e compreender as contribuições 
do movimento para a construção de um outro México. Aspecto de grande contribuição, 
trazido à tona pelo estudo se dá no convívio direto do autor com os povos tzeltales47, 
participando de sua luta cotidiana e pensando questões sobre a vida econômica, social, 
política e cultural, bem como de questões relativas aos aspectos governamentais, 
indigenistas, identitários e conjunturais, além de oferecer uma verdadeira cronologia da luta 
zapatista, desde as suas raízes – como denuncia o título da obra. Ainda no mesmo ano (2002), 
Alejandro Buenrostro y Arellano e Ariovaldo Umbelino de Oliveira organizaram a obra 
“Chiapas: construindo a esperança”48, na qual dispomos de uma compilação de ensaios que 
abordam o levante zapatista desde a sua origem e história, passando pelas questões de 
relações de poder, autonomia, democracia, embates com o governo mexicano, direitos 
indígenas, violência indígena e, até mesmo, ensaios de renomados pensadores e literatos 
simpatizantes à causa, tais como José Saramago, Manuel Vázquez Montalbán, Antonio 
Candido, José de Souza Martins e Pedro Casaldaliga. Esses estudos se complementam e 
 
46 BUENROSTRO Y ARELLANO, Alejandro. As raízes do fenômeno Chiapas: o já basta da resistência 
zapatista. São Paulo: Alfarrabio, 2002. 
47 Etnia indígena de origem maia, com língua própria e localizado nos Altos e no norte de Chiapas. 
48 BUENROSTRO Y ARELLANO, Alejandro; OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de (Org.). CHIAPAS: 
construindo a esperança. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 
32 
 
trazem contribuições significativas para uma introdução ao movimento zapatista nas suas 
mais diversas esferas. 
 As origens do movimento zapatista, de fato, despertaram e continuam despertando o 
interesse de grande parte da comunidade acadêmica. Emilio Gennari (2005) ao escrever 
“EZLN: passos de uma rebeldia”49 nos apresentou uma obra de grande valor didático para, 
ainda, se ter uma introdução à insurgência. Tratando-se do movimento zapatista um 
movimento clandestino, rebelde, encabeçado por indígenas, localizados no estado mais pobre 
do México e apenas quando cobriram seus rostos foram capazes de serem notados, a obra 
didática de Gennari se faz de suma importância para a produção bibliográfica sobre o assunto. 
Gennari utiliza-se em sua narrativa do artifício da ação de uma personagem – a coruja Nádia 
– e conduz todo o seu livro numa linearidade temporal, desde a formação do Exército 
Zapatista, perpassando pelo levante em 1994, a reação da comunidade civil, a reação do 
México e do mundo e os passos seguintes realizados pelos zapatistas em busca de uma melhor 
estruturação e organização para seguirem consistentes em busca de suas demandas básicas: 
trabalho, terra, teto, alimentação, saúde, educação, independência, liberdade, democracia, 
justiça e paz. Sendo portanto, como dito, uma obra de caráter introdutório ao vasto universo 
zapatista. 
 Ainda no campo das investigações acerca dessa gênese da insurgência zapatista está 
a obra “Abaixo e à Esquerda: Uma Análise Histórico-Social da Práxis do Exército Zapatista 
de Libertação Nacional”, de Alexander Maximilian Hilsenbeck Filho (2007)50. Hilsenbeck 
Filho51 estuda o zapatismo com o intuito de alcançar uma análise das causas e motivações do 
movimento para a sua insurgência em armas, desde o desenvolvimento do seu processo de 
luta e do seu projeto político, a fim de apresentar um quadro analítico que possibilite apontar 
o papel ocupado pelo zapatismo na luta social, bem como as possíveis limitações e 
superações que estas experiências trazem consigo para o pensamento e para os movimentos 
 
49 GENNARI, Emilio. EZLN Passos de uma rebeldia. São Paulo: Expressão Popular, 2005. 
50 HILSENBECK FILHO, Alexander Maximilian. Abaixo e à Esquerda: Uma Análise Histórico-Social da 
Práxis do Exército Zapatista de Libertação Nacional. 2007. 247 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Ciências 
Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2007. 
51 Alexander Maximilian Hilsenbeck Filho, juntamente com Erahsto Felício, foi responsável por organizar a 
obra “Nem o Centro e nem a periferia: sobre cores, calendários e geografias”, no ano de 2008, onde é compilada 
uma série de discursos do Subcomandante Marcos que falam sobre aspectos importantes o movimento zapatista, 
tais como as teorias científicas, o reconhecimento das diferenças, a guerra capitalista, a terra e a memória 
histórica. 
33 
 
sociais. Para tanto, o autor perpassa pelos fundamentos do levante indígena em Chiapas; a 
luta indígena zapatista por “um mundo onde caibam muitos mundos”52; e uma discussão 
teórica acerca da conceitualização de novas relações e práticas sociais propostas pelo 
movimento. 
 No mesmo ano de 2007, Sebastião Leal Ferreira Vargas Netto se debruçou sobre outro 
aspecto fundamental da luta zapatista e de sua configuração fundamental enquanto 
movimento: a mística. Em seu trabalho intitulado “A Mística da Resistência: Culturas, 
histórias e imaginários rebeldes nos movimentos sociais latino-americanos”53, como o 
próprio título anuncia, Vargas Netto perscruta questões pouco exploradas quando se trata de 
um trabalho científico histórico, o autor trata de questões como mística, rituais, imaginários, 
festas, enquanto elementos da composição cultural/mística/artística do movimento, mas de 
mesmo modo, enquanto manifestações de resistência às estruturas capitalistas. Vargas traz 
discussões pertinentes acerca de simbolismos e místicas, mas também nos propõe 
interpretações valiosíssimas sobre questões de identidade, dignidade, exclusão social, 
tradição e modernidade, cultura e a ressignificação constante de um movimento que é 
inovador e busca se inovar a todo momento. Resultado de uma densa pesquisa de campo e 
bibliográfica, Sebastião Vargas abre os horizontes para a compreensão de movimentos 
sociais (MST e Zapatismo, especificamente em sua tese) ao explorar fontes diversas e 
compreender relações históricas que estão entranhadas no imaginário e nas relações dos 
povos com sua cultura, seus hábitos, suas terras, seus antepassados, seus sentidos e toda a 
sua tradição. Consistindo, portanto, numa obra de suma importância dentro da historiografia 
brasileira dos movimentos sociais e, especificamente, do zapatismo. 
 Situado no que foi definido enquanto Novos Movimentos Sociais, será recorrente a 
aparição de problemáticas no movimento zapatista associada às idiossincrasias destes novos 
movimentos. A problemática do recurso à internet e sua publicização mundo afora – ou 
 
52 Expressão manifestada pelos zapatistas em sua Quarta Declaração da Selva Lacandona, onde propõem não 
apenas uma nova percepção da realidade, mas uma nova forma de se interpretar a utopia. Na sequência deste 
trabalho, desenvolveremos esta ideia que compreende o que seria “o mundo onde caibam muitos mundos” 
zapatista. 
53 VARGAS NETTO, Sebastião Leal Ferreira. A MÍSTICA DA RESISTÊNCIA: culturas, histórias e 
imaginários rebeldes nos movimentos sociais latino-americanos. São Paulo, USP. Tese (Doutorado em História 
Social) – Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, 2007. 
34 
 
“espetacularização”, como defendera Figueiredo (2003)54, foi um desses temas explorados. 
No ano de 1997, Pedro Henrique Falco Ortiz desenvolveu a pesquisa "Z@patistas on-line: 
uma análise sobre o EZLN e o conflito em Chiapas, sua presença na internet e a cobertura da 
imprensa mexicana, argentina e brasileira"55, na qual o autor buscou enfocar o conflito de 
Chiapas e a insurgência zapatista a partir de uma perspectiva comunicacional e jornalística, 
buscando contextualizar os zapatistas com suas relações históricas, políticas, sociais e 
culturais e como os mesmos recorreram aos meiosde comunicação virtuais (internet) como 
uma estratégia de sobrevivência ao realizarem um diálogo direto com a população civil e sua 
sensibilização à causa zapatista, evitando um evidente genocídio por parte do exército 
mexicano contra os povos indígenas rebeldes. Com isso, Ortiz levantou uma das 
problemáticas recorrentes nos trabalhos que versam sobre os zapatistas: as suas estratégias 
de guerra; as suas ocupações no ciberespaço; e o envolvimento direto da sociedade civil 
mexicana em suas lutas e causas. O autor ainda levanta a problemática acerca da cobertura 
jornalística do conflito nos principais meios de comunicação do México, Argentina e Brasil, 
discutindo suas reflexões e interpretações sobre a complexidade do fenômeno zapatista. 
 Explorando a problemática das estratégias de guerra do EZLN, Guilherme Gitahy de 
Figueiredo, ao escrever “A Guerra é o Espetáculo: Origens e Transformações da Estratégia 
do EZLN” no ano de 200356, enxergou no zapatismo uma inovação estratégica ao não almejar 
a substituição do sistema, mas a sua reforma, de modo que 
sua estratégia, inovadora, coloca a violência armada a serviço da abertura 
de espaços de diálogo com o governo. E a maior novidade estaria nas táticas 
que incluem o uso da internet, que permitiu a formação de uma rede de 
comunicação e solidariedade internacional que foi o diferencial na guerra57. 
Com isso, o autor busca elaborar uma definição diferente para o conceito de estratégia, de 
modo que, a estratégia corresponde 
aos padrões da prática, da organização e do discurso que estão relacionados 
à sobrevivência e aos objetivos do movimento. Não se trata, portanto, dos 
planos mais gerais do EZLN, mas da maneira como na prática esta 
 
54 FIGUEIREDO, Guilherme Gitahy de. A Guerra é o Espetáculo: Origens e Transformações da Estratégia 
do EZLN. 2003. 366 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências 
Humanas, Unicamp, Campinas, 2003. 
55 ORTIZ, Pedro Henrique Falco. Z@patistas on-line: uma análise sobre o EZLN e o conflito em Chiapas, sua 
presença na internet e a cobertura da imprensa mexicana, argentina e brasileira. 1997. 590 f. Dissertação 
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação Integração da América Latina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 
1997. 
56 FIGUEIREDO, op. cit. 
57 Ibid., pp. 16-17. 
35 
 
guerrilha, e depois o movimento zapatista mais amplo formado ao seu 
redor, foi se formando do amálgama dos resultados de esforços voluntários 
e de adaptações inconscientes às realidades encontradas58. 
Por fim, assumindo esta estratégia, também, na habilidade do EZLN ao lidar com a 
comunicação, com as redes de solidariedade formadas e que ampliaram o zapatismo mundo 
afora promovendo a “espetacularização” do movimento, sendo o “espetáculo” um dos 
elementos constitutivos da política e da estratégia de guerra zapatista. 
 Ainda no tocante à relação da insurgência zapatista e sua utilização das mídias, José 
Gaspar Bisco Júnior (2007) escreveu “Guerrilha em foco: a presença na mídia do discurso 
Zapatista, de seu surgimento até a Quinta Declaração da Selva Lacandona”59 e buscou 
compreender “como os zapatistas utilizaram-se das tecnologias de comunicação para 
divulgar e dar forma à suas lutas e reivindicações”60. Para tanto, a investigação do autor partiu 
das análises socioeconômicas do estado de Chiapas, reconstruindo os processos que levaram 
ao surgimento do EZLN até as manifestações políticas do movimento, englobando sua 
habilidade retórica e artística e a utilização da internet enquanto uma nova ferramenta para 
os movimentos sociais e, de mesmo modo, para o controle da informação pelos Estados, 
abordando não apenas a luta política, mas também a “luta cultural” das tradições dos povos 
maias. 
 Uma última investigação que pudemos mapear, no tocante ainda à difusão e 
influência zapatista mundo afora, utilizando-se das mídias e internet, foi o trabalho intitulado 
“A Ação Global dos Povos e o novo anticapitalismo”, do ano de 201761. Neste estudo o autor 
Bruno de Matos Fiuza adentra às problemáticas da globalização e do neoliberalismo e de um 
movimento, a partir dos anos 1990, denominado de anticapitalismo global. Em sua pesquisa, 
Fiuza relaciona a emergência dessa nova forma de ativismo a partir dos impactos diretos do 
levante zapatista de 1994 e, por conseguinte, a formação de uma rede mundial de luta contra 
a globalização neoliberal que se mobilizou em solidariedade ao EZLN. Fiuza enfatiza, 
portanto, O caráter protagonista dos zapatistas na formação desse movimento mais amplo. 
 
58 Ibid., p. 17. 
59 JUNIOR, José Gaspar Bisco. Guerrilha em foco: a presença na mídia do discurso Zapatista, de seu 
surgimento até a Quinta Declaração da Selva Lacandona. Juiz de Fora, UFJF. Dissertação (Mestrado em 
História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2007. 
60 Ibid., p. 08. 
61 FIUZA, Bruno de Matos. A Ação Global dos Povos e o novo anticapitalismo. 2017. 248 f. Dissertação 
(Mestrado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São 
Paulo, São Paulo, 2017 
36 
 
Segundo o autor, o “Já basta!” zapatista é o marco para que apoiadores do EZLN no México 
e no resto do mundo iniciassem uma rede transnacional de solidariedade e, através de seus 
comunicados, se sensibilizassem “devido à capacidade do movimento de projetar sua luta 
para além do âmbito particular em que ela se dava, permitindo que pessoas vivendo em 
contextos políticos, econômicos e culturais muito distintos se identificassem com a sua 
mensagem”62. 
 Outro aspecto notável promovido pelos zapatistas e que oferece uma possibilidade a 
mais de serem percebidos enquanto um movimento de vanguarda, ou dissidente das 
guerrilhas tradicionais, consiste na participação direta de lideranças femininas no 
movimento. Lideranças como as Comandantas Esther e Ramona, por exemplo, apareceram 
como figuras icônicas da luta feminina e indígena dentro do Exército Zapatista. Não à toa, a 
temática das mulheres também reverberou, diretamente, nas produções científicas acerca do 
movimento. Com isso, no ano de 2012, Priscila da Silva Nascimento ao escrever “Mulheres 
zapatistas: poderes e saberes. Uma análise das reivindicações das mulheres indígenas 
mexicanas na luta por seus direitos – anos 1990”63 buscou explorar a presença de espaços no 
movimento zapatista para tratar da questão da mulher indígena, no tocante aos seus direitos, 
protagonismos e revisão de papéis de gênero no cotidiano das comunidades indígenas. A 
partir desse enfoque, a autora visa identificar as reivindicações e transformações na 
experiência das mulheres indígenas zapatistas nos seis primeiros anos de visibilidade do 
movimento (1994 – 2000) e apreender as singularidades que o cercam como um espaço de 
interesse de atuação dessas mulheres. Por fim, a pesquisa ainda aponta para a perspectiva de 
um feminismo indígena, que, para a autora 
reforça a necessidade de se pensar os problemas enfrentados pelas mulheres 
a partir de sua diversidade cultural. Entendendo que a exclusão que incorre 
às mulheres indígenas não se deve apenas à sua condição genérica, mas à 
sua condição de classe e étnica, reforçam em quase todos os discursos, 
inclusive as zapatistas, que sua exclusão se deve ao fato de serem mulheres, 
pobres e indígenas64. 
 Outro trabalho realizado acerca da problemática das mulheres foi o de Clara Cecilia 
Seguro da Silva, “Memória das mulheres zapatistas: participação, mobilização e a construção 
 
62 Ibid., p. 152. 
63 NASCIMENTO, Priscila da Silva. Mulheres zapatistas: poderes e saberes: Uma análise das reivindicações 
das mulheres indígenas mexicanas na luta por seus direitos - anos 1990. 2012. 188 f. Dissertação (Mestrado) - 
Curso

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