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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO LARA LEMOS RAULINO DE SOUZA POR UM DIREITO FEMINISTA: A PERSPECTIVA DE GÊNERO NA FORMAÇÃO EM DIREITO DA UFRN NATAL, RN 2022 LARA LEMOS RAULINO DE SOUZA POR UM DIREITO FEMINISTA: A PERSPECTIVA DE GÊNERO NA FORMAÇÃO EM DIREITO DA UFRN Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profa. Dra. Mariana de Siqueira. NATAL/RN 2022 Esta obra está licenciada com uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Permite que outros distribuam, remixem, adaptem e desenvolvam seu trabalho, mesmo comercialmente, desde que creditem a você pela criação original. Link dessa licença: creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/440 Souza, Lara Lemos Raulino de. Por um direito feminista: a perspectiva de gênero na formação em Direito da UFRN / Lara Lemos Raulino de Souza. - 2022. 112f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Curso de Direito, Natal, RN, 2022. Orientadora: Profa. Dra. Mariana de Siqueira. 1. Direitos fundamentais - Monografia. 2. Educação jurídica - Monografia. 3. Feminismo - Monografia. 4. Relação de gênero - Mulher - Monografia. I. Siqueira, Mariana de. II. Título. RN/UF/CCSA CDU 342.726-055.2 LARA LEMOS RAULINO DE SOUZA POR UM DIREITO FEMINISTA: A PERSPECTIVA DE GÊNERO NA FORMAÇÃO EM DIREITO DA UFRN Monografia apresentada ao Curso de graduação em Direito, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito. Aprovada em: __/__/____ BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Mariana de Siqueira Orientadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte Profa. Dra. Karoline Lins Marinho Membro Interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof. Dr. Ângelo José Menezes Silvino Membro Externo Centro Universitário Maurício de Nassau de Natal Aos meus avós. AGRADECIMENTOS Talvez a tarefa mais árdua desse trabalho seja tecer os agradecimentos. Acredito que tudo o que construímos é fruto da coletividade, e com isso em mente, sei que em cada palavra dessa pesquisa carrego comigo a força de tantas e tantos que me ampararam. Não foi fácil pesquisar Educação em meio a tantos ataques direcionados às Universidades Públicas (e à educação em geral). Ainda mais difícil foi estar em contato com as violências de gênero, em um cenário aterrorizante àquelas e àqueles que se indignam em face das injustiças. Em um contexto doloroso, tenho plena certeza de que os frutos dessa monografia são devidos a todas e todos que caminharam ao meu lado durante esses anos. Assim, começo agradecendo ao meu berço, meu primeiro (e eterno) suporte: meus pais, Hilton e Janiara. Carrego comigo a responsabilidade, herdada de vocês, de nunca deixar de me indignar com tudo o que é injusto. Sou profundamente grata por todo o apoio, paciência e afeto compartilhado, por sempre acreditarem em mim e investirem tanto tempo e dedicação nos meus estudos. Agradeço ainda, ao meu irmão, Davi, por dividir essa jornada – sou feliz assistindo seu crescimento. À toda a minha família, avós, avôs, tios, tias, primos e primas, meu mais sincero obrigada pela esperança que depositam em mim. Faço um agradecimento póstumo à minha avó, Regina, minha maior incentivadora e fonte de inspiração, e a quem dedico essa monografia – com ela, aprendi o significado de amor incondicional. Agradeço a Iago, meu companheiro de vida, por me acolher e apoiar em todos os momentos, por acreditar no meu potencial e ser aquele que traz leveza e amor para o cotidiano. Me inspiro em você e também agradeço as inúmeras contribuições nesse trabalho em horas de insegurança. Juntos, caminhamos melhor. Agradeço à minha “família extensa”, minhas amigas e amigos: Cecilia, Mariana, DG, Giovana, Nino, João Paulo, Marcelo e Pedro. Sou grata pelas risadas e choros divididos, pelas brincadeiras do cotidiano e por essa rede de afeto que construímos. Me sinto em casa com vocês. Obrigada também por cada palavra de incentivo e acalento, e, especialmente à Cecilia, Mariana e DG, pela revisão do trabalho e pelas chamadas todas as segundas-feiras, me lembrando, no início de cada semana, o que realmente importa nessa vida. Aos meus amigos da faculdade, agradeço, em nome de Bia Azevedo, pelas risadas que tonaram esses anos mais leves. Aos projetos, agradeço pela possibilidade de enxergar um espaço no Direito que acolhe aquelas(es) que não estão satisfeitas(os) com esse mundo: ao Efetivando o Direito à Educação agradeço por ser meu primeiro lugar no curso; à SOI, agradeço especialmente ao meu último comitê, o CRPD, que se tornou um verdadeiro encontro de almas – vocês me dão esperança. Aos projetos de pesquisa, agradeço ao GEDUP por me fazer voltar os olhos à minha própria vivência e refletir sobre o cotidiano. E ao DEFEM, meu berço na pesquisa, agradeço por me permitir experienciar o brilho no olho que é pesquisar um tema que move minhas paixões e minha justa raiva, e por mostrar que a Academia pode, e deve, ser construída de afetos. A cada uma das pesquisadoras, agradeço por inúmeras contribuições que me permitiram chegar até aqui, pela disposição de tempo para responder o questionário e realizar as entrevistas: obrigada Berê, Débora, Júlia, Jacke, Bianca, Fernanda e Manu, em especial, pela disposição em ler e revisar meu trabalho. Ao meu último estágio, o Centro de Referência em Direitos Humanos – Marcos Dionísio, agradeço por renovar minha fé no direito e por demonstrar que é possível alinhar meus ideais com um exercício da profissão que seja pautado nos direitos humanos. Agradeço aos meus colegas estagiários, em nome de Luis Lucas, amigo que me acompanha desde o começo da graduação e em quem me inspiro diariamente, pela parceria e momentos de descontração. À banca, profa. Karol Marinho e ao prof. e amigo Ângelo, agradeço pelas contribuições ao meu trabalho e pelo exemplo de docência com afeto. À minha orientadora, Mariana de Siqueira, agradeço pela paciência, pelos longos áudios, reuniões e, sobretudo, pela coragem de trazer o DEFEM ao curso de Direito da UFRN. Que felicidade foi ter como orientadora uma professora que carrega consigo esperança. Por fim, agradeço a todas e todos que de alguma forma colaboraram com a minha pesquisa, e responderam ao questionário. A noite não adormecerá jamais nos olhos das fêmeas pois do nosso sangue-mulher de nosso líquido lembradiço em cada gota que jorra um fio invisível e tônico pacientemente cose a rede de nossa milenar resistência Conceição Evaristo - Poemas da recordação e outros movimentos RESUMO A presente monografia se dedica a estudar a formação discente no curso de Direito da UFRN, com enfoque em uma educação jurídica com perspectiva de gênero. Assim, busca identificar seo curso de direito da UFRN, do campus de Natal, prepara as alunas e alunos para interpretar o Direito aplicando o que chamamos de “lentes de gênero” - as quais compreendem enxergar as desigualdades de gênero, raça e classe em cruzo. Nesse ínterim, o tema advém da necessidade de fomentar no direito uma atuação engajada com o enfrentamento às desigualdades de gênero, raça e classe, também com atenção à aproximação dos movimentos feministas e o campo jurídico. Trabalhamos, então, com a hipótese de que ainda não há uma formação estabelecida nesse sentido, mas que o Grupo de Pesquisa Direito, Estado e Feminismos (DEFEM), criado em 2019, expressa o início de uma mudança. Desse modo, o trabalho inicialmente realiza uma pesquisa bibliográfica, onde busca-se definir o que significa interpretar o direito com perspectiva de gênero, e de que forma a educação jurídica pode promover essa formação. Posteriormente, há a realização de uma pesquisa de campo, por meio da aplicação de dois questionários: 1. com estudantes ingressantes no curso entre o primeiro semestre de 2017 e 2020, 2. com pesquisadoras integrantes do DEFEM. A análise dos resultados obtidos nos permite ter uma compreensão de como o contato com temáticas de feminismos e gênero na graduação contribui para a formação de juristas engajadas(os) com as lentes de gênero, bem como se há algum item do tripé universitário que se destaca ao trabalhar essas temáticas. Ao fim da monografia, identificamos que a extensão, em geral, se destaca na formação com perspectiva de gênero, e que o Grupo DEFEM é uma iniciativa que vem promovendo uma mudança mais ampla, sendo exemplo de boas práticas para a educação jurídica. Palavras-chave: educação jurídica; feminismos; perspectiva de gênero. ABSTRACT The present monograph is dedicated to study the students' formation at the Law School of the Federal University of Rio Grande do Norte (UFRN), focused on a legal education with gender perspective. Therefore, it seeks to identify if the undergraduate on Law, at UFRN, campus Natal, prepares the students to interpret the Law applying what we call “gender lens” - which can perceive gender, race and class inequalities combined. In this context, the theme comes from the need to foment engaged law practices against the discriminations of gender, race and class, in addition to an approximation between the feminist movements and the legal field. Hence, we work with the hypothesis that there still isn’t a formation established in this manner, but that the Research Group in Law, State and Feminisms (DEFEM), founded in 2019, expresses the beginning of a change. Accordingly, this monograph initially realizes a bibliographic research, where we intend to define what it means to interpret law applying a gender perspective, and how the legal education in undergraduate could promote this formation. Subsequently, we conduct a field research, through the application of two questionnaires: 1. with students entering the course between the first semester of 2017 and 2020; 2. with researchers from the group DEFEM. The analysis of the results obtained allows us to construct a comprehension of how the contact with subjects of feminisms and gender during the graduation contributes to the formation of jurists engaged with the gender lens, as well as if there is some item from the tripod teaching, research and extension that stands out in terms of working with these thematics. By the end of this monograph, we found out that the extension, in general, was prominent in the formation of students that have a gender perspective, and that the group DEFEM is an initiative that has been promoting a bigger change, being an example of good practices for legal education, at least in this local scenario. Keywords: legal education; feminisms; gender perspective. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Contagem de respondentes por período de ingresso no curso (GERAL) ............. 64 Gráfico 2 - Contagem de respostas à pergunta "Você concorda que o Direito tem marcadores de gênero, raça e classe?” (GERAL) .................................................................................... 67 Gráfico 3 - Contagem de mecanismos legais estudados em sala de aula (GERAL) ............... 69 Gráfico 4 - Contagem de “Você participa/participou de algum projeto de extensão do departamento de Direito da UFRN em que trabalhou com mulheres em situação de vulnerabilidade?” (GERAL) ................................................................................................. 73 Gráfico 5 - Cruzamento das respostas de alunos que não participaram de nenhum projeto de extensão com as suas respostas sobre os marcadores de gênero, raça e classe ....................... 77 Gráfico 6 - Dados de estudantes que já participaram de algum grupo, projeto ou linha de pesquisa do curso de Direito da UFRN que se dedica a estudar direitos das mulheres, feminismos ou gênero .......................................................................................................... 80 Gráfico 7 - Contagem de alunos que já pesquisaram sobre violência contra as mulheres, em grupo, projeto ou linha de pesquisa do curso de Direito da UFRN ........................................ 81 Gráfico 8 - Alunos que participaram de eventos ou congressos organizados pelo curso de Direito da UFRN sobre temáticas de direito, gênero e feminismos. ...................................... 82 Gráfico 9 - Respostas de “você diria que conhece a rede de apoio às mulheres em situação de violência doméstica e familiar?” .......................................................................................... 83 Gráfico 10 - Contagem de respostas à pergunta "Você teve contato com os equipamentos da rede de apoio para mulheres em situação de violência em Natal/RN durante as experiências profissionais enquanto estudante (estágio ou NPJ)?” ............................................................ 84 Gráfico 11 - Quantidade de alunos que marcaram conhecer os equipamentos (GERAL) ...... 85 Gráfico 12 - Mecanismos legais estudados em sala de aula (DEFEM) .................................. 90 Gráfico 13 - Quantidade de alunas que marcaram conhecer os equipamentos (DEFEM) ...... 93 Gráfico 14 - Respostas à pergunta “qual(is) desses campos no curso de Direito da UFRN você acredita que poderia abordar as temáticas relativas à violência doméstica e familiar contra as mulheres?” (GERAL) .......................................................................................................... 95 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Cruzamento das respostas de aulas sobre gênero e feminismos X compreensão dos estudantes sobre os marcadores de gênero, raça e classe (GERAL) ...................................... 71 Tabela 2 - Cruzamento das respostas de “Você participa/participou de algum projeto de extensão do departamento de Direito da UFRN em que trabalhou com mulheres em situação de vulnerabilidade?” X respostas sobre os marcadores de gênero, raça e classe .................... 74 Tabela 3 - Cruzamento das respostas de “Você participa/participou de algum projeto de extensão do departamento de Direito da UFRN onde trabalhou com mulheres em situação de violência doméstica e familiar?” X respostas sobre os marcadores de gênero, raça e classe .. 75 Tabela 4 - Cruzamento das respostas de “Você participa de projeto de extensão do departamento de Direito da UFRN onde trabalhou com demandas de gênero de modo geral (mulheres e população LGBTQIAP+)?” X respostas sobre os marcadores de gênero, raça e classe ................................................................................................................................... 76 Tabela 5 - Contagem de respostas sobre o item “ensino” - DEFEM ...................................... 89 Tabela 6 - Respostas sobre vivências em estágiose NPJ (DEFEM) ...................................... 92 Tabela 7 - Categorias de sugestões apresentadas pelos estudantes (geral e DEFEM)............. 97 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABSP – Anuário Brasileiro de Segurança Pública CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas CC/16 – Código Civil de 1916 CEDAW – Comitê Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres CES – Câmara de Educação Superior CF/88 – Constituição Federal de 1988 CFOAB – Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil CNE – Conselho Nacional de Educação CNJ – Conselho Nacional de Justiça CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social CREN – Centro de Referência Elizabeth Nasser DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais DEAM – Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher. DEFEM - Grupo de Pesquisa Direito, Estado e Feminismos DH – Direitos Humanos EAD – Educação à Distância EDH – Educação em Direitos Humanos ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação LGBTQIAP+ – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros, Travestis, Queer, Intersexo, Assexuais, Pansexuais e mais. LMP – Lei Maria da Penha. MEC – Ministério da Educação NAMVID – Núcleo de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica NPJ – Núcleo de Prática Jurídica NUDEM – Núcleo de Defesa da Mulher ONU – Organização das Nações Unidas PNEDH – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PPC – Projeto Pedagógico do Curso PROPLAN – Pró-Reitoria de Planejamento RN – Rio Grande do Norte SIGAA – Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UP – Universidade Pública VDFM – Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................ 16 2 CONTAR HISTÓRIAS: METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................ 22 3 ABRAÇAR A MUDANÇA: POR QUE TECER UMA ANÁLISE CRÍTICA FEMINISTA DA EDUCAÇÃO NO DIREITO? ............................................................. 27 3.1 O pensamento crítico: quem são as mulheres para o direito? ..................................... 28 3.2 Para acabar com a opressão sexista: gênero, patriarcado e violência contra as mulheres............................................................................................................................ 36 3.3 Colaboração e diálogo: educação problematizadora, atuação em rede e interdisciplinaridade ........................................................................................................ 47 3.4 Educando juristas: uma análise das ementas das disciplinas obrigatórias do curso de direito da UFRN ............................................................................................................... 56 4 COMPARTILHANDO HISTÓRIAS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA ......... 62 4.1 Aplicação do questionário com os estudantes ............................................................... 63 4.1.1 Vivências no ensino ...................................................................................................... 67 4.1.2 Vivências na extensão................................................................................................... 73 4.1.3 Vivências na pesquisa ................................................................................................... 79 4.1.4 Vivências nos estágios e núcleo de prática jurídica ....................................................... 83 4.2 Sabedoria Prática: aplicação do questionário com alunas integrantes do DEFEM .... 87 4.3 Uma Revolução de Valores: por uma outra construção do direito ............................. 94 5 CONCLUSÕES ................................................................................................................ 99 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 102 ANEXO A - ROTEIRO DOS QUESTIONÁRIOS E RESULTADOS ......................... 112 16 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Desde as proximidades do século XVIII, mulheres têm se organizado em movimentos reivindicando direitos e condições de igualdade. São importantes marcos as lutas das mulheres na Revolução Francesa, representada por Olympe de Gouges ao escrever a Declaração dos Direitos das Mulheres e da Cidadã em resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; a luta das mulheres sufragistas pelo direito ao voto; a luta das mulheres negras na abolição da escravidão e as reivindicações das mulheres trabalhadoras ao redor do mundo pela superação da exploração capitalista - hoje sedimentada no 8 de março, que reivindica a marcha de operárias russas em Petrogrado por pão e paz, que deu o pontapé inicial para a Revolução Russa. Todas essas reivindicações culminaram numa diversidade de movimentos feministas, de diferentes vertentes teóricas e epistemológicas1, os quais estão, em geral, comprometidos com pensar construções alternativas de mundo ou reformas à sociedade atual, buscando melhores condições de vida para todas as mulheres. A partir da interação dialética entre movimentos sociais e Direito, os feminismos passaram a influenciar a reflexão jurídica a partir do que hoje se vem construindo como Teoria Feminista do Direito - caminhando para se tornar, no plural, “Teorias”, da mesma forma que os movimentos, com base nas diferentes vertentes e epistemologias adotadas. Da existência de uma Teoria Feminista do Direito, portanto, é consequente pressupor que as desigualdades de gênero existentes na sociedade atravessam as situações que chegam ao Direito. Essa afirmação encontra espaço na materialidade ao verificar que as mulheres enfrentam questões como: é sobre elas que recai o trabalho de reprodução social2; as mulheres recebem salários menores que os homens nas mesmas funções3; são alarmantes e crescentes 1 A epistemologia consiste na perspectiva de construção de saber que é adotada. Conforme Sabrina Fernandes, os feminismos podem ser divididos em vertentes teóricas, que são, essencialmente, a forma de ver o mundo adotada por aquelas feministas (marxista, anarquista, liberal, radical e pós-moderno). Em outra divisão, é possível falar de epistemologias feministas, isto é, de onde estão vindo os saberes produzidos - é nessa classificação que a pesquisadora coloca os feminismos negros, transfeminismos, ecofeminismos etc. Cf: TESE ONZE. Sobre feminismos e vertentes. Youtube, 2 de março de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=08A7PD-frxo. Acesso em: 22 de nov. 2022. 2 Para compreender o tema, cf.: BHATTACHARYA, Tithi. WHAT IS SOCIAL REPRODUCTION THEORY? Socialist Worker. Disponível em: https://socialistworker.org/2013/09/10/what-is-social- reproduction-theory. Acesso em: 08 de nov. 2022. 3 Conforme pesquisa realizada em 2022 a partir de dados obtidos do IBGE, as mulheres receberam em média 20,5% a menos que os homens no primeiro semestre de 2021. A pesquisa foi divulgada pelo G1 e pode ser conferida: https://g1.globo.com/dia-das-mulheres/noticia/2022/03/08/mulheres-ganham-em-media- 205percent-menos-que-homens-no-brasil.ghtml 17 os números de violência praticada contra as mulheres em razão do gênero4; há privaçãode acesso a direitos sexuais e reprodutivos, como na criminalização do aborto e barreiras de acesso ao planejamento familiar e tantas outras questões de ordem estrutural que serão melhor desenvolvidas ao longo deste trabalho. Nesse contexto, o Direito, enquanto um mecanismo para onde são direcionados os conflitos sociais, se depara em todos os seus ramos com as imbricações de gênero, raça e classe como fatores determinantes das demandas sociais. Assim, é essencial observar que a violência contra as mulheres esteve em contínuo crescimento de 2009 a 2019, conforme o Atlas da Violência de 2021 - inclusive chamando atenção os altos índices do Rio Grande do Norte (RN), que teve um crescimento de 54,9%. Ainda, o RN foi o estado com maior risco de letalidade para mulheres negras, sendo estas 88% das mulheres assassinadas. Em um aparente contraponto, com a Pandemia da COVID-19, deflagrada em 2020, houve uma redução nos registros de lesão corporal dolosa, estupro e estupro de vulnerável com relação a 2019. Um olhar descuidado da crise social, sanitária e econômica poderia concluir que a violência contra a mulher diminuiu naquele ano - contudo, o mais provável é que tenha ocorrido um aumento da subnotificação dessas ocorrências, por influência de diversos fatores, como as medidas de isolamento social, de fechamento das delegacias e demais serviços de atendimento às mulheres (BARBOSA et al, 2020). Os estudos ao redor do mundo indicam que as medidas de isolamento social e quarentena foram intensificadoras da violência contra as mulheres, mas com diminuição no número de denúncias (SIEGFRIED, Kristy, 2020). Essa ocorrência escancara a necessidade do mundo jurídico voltar a atenção para como as questões estruturantes da sociedade influenciam na vida dos indivíduos, de modo a pensar e aplicar o Direito buscando não intensificar essas desigualdades. A tese “Azul Profundo: Etnografia das práticas de advocacia feminista e antirracista na Bahia”, de Andressa Morais (2020) documentou experiências do grupo de juristas feministas Tamojuntas e como o comprometimento delas com suas vivências e com uma atuação jurídica engajada no enfrentamento do sexismo, racismo e das desigualdades de classe é essencial para mudar o 4 Conforme a pesquisa “Violência contra as mulheres em 2021”, divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve un aparente recuo de casos de feminicídio. Contudo, uma observação total dos dados da pesquisa demonstra que houve um aumento, espcialmente nos meses em que o isolamento social esteve mais intenso. Considerando os casos de violência sexual (estupro e estupro de vulnerável), houve um crescimento na mesma medida em que os registros foram aparentemente diminuídos, o que a própria pesquisa aponta como consequência do isolamento social. Cf. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Violência contra mulheres em 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp- content/uploads/2022/03/violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf. Acesso em: 29 de nov. 2022. 18 rumo de casos de violência contra mulheres na justiça, por exemplo. Ao final, ela conclui que a atuação delas promove uma verdadeira justiça de gênero. Nesse trabalho específico, voltamos o olhar para a urgência de ter profissionais do direito capacitadas/os para interpretá-lo aplicando lentes de gênero, considerando a complexidade das relações sociais. Isso porque, conforme Mascaro (2016, p. 259), o Direito é um instrumento que garante a reprodução do sistema socioeconômico vigente e que retroalimenta a opressão das mulheres, sendo um mecanismo de controle social que atende aos interesses da classe dominante. Portanto, é essencial se debruçar sobre ele como um campo de disputa, o que acreditamos poder iniciar pelos seus campos de construção do saber - as universidades. Ao longo desta monografia também iremos nos deter na reflexão sobre os limites e possibilidades deste próprio Direito, que, conforme Leite (2020) está intrinsecamente relacionado com a manutenção do Estado Capitalista, Patriarcal e Racista. Ademais, observamos as desigualdades enfrentadas pelas mulheres, considerando como as estruturas de opressão recaem sobre elas. Assim, incentivar nos cursos de graduação em direito o debate sobre teoria crítica e teoria feminista do direito pode ser uma forma de buscar uma concepção alternativa. A partir dessa perspectiva, entendemos que a educação nas faculdades de direito tem direta relação com a formação de profissionais que o “operam” como um instrumento de controle social, revestido de uma pretensa neutralidade - mas que, na prática, é violador dos direitos humanos de tantas e tantos. Ante o exposto, o ponto de partida deste trabalho considera que para caminhar rumo à mudança e ao enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres, o Direito precisa ser um campo de disputa e, portanto, também devem ser seus centros de construção do saber - nesse caso, as universidades. Nesse quesito, pactuamos com a compreensão de que a educação jurídica enfrenta duas dificuldades principais, quais sejam: a metodologia utilizada e as bases epistemológicas a partir das quais se ensina o direito.5 Da mesma forma, a atual estrutura do direito (exegético, judicialista, manualesco e descontextualizado)6 contribui para 5 Lyra Filho, em “O direito que se ensina errado”, nos traz (....) o paradigma epistemológico seguido nas faculdades de direito segue o positivismo-normativista a partir do método lógico-formal, o que reduz a capacidade de compreensão dos juristas aos aspectos da norma, “A educação jurídica se reduziria a uma hermenêutica de normas” (FEITOZA, 2011, p. 26) 6 Conforme constrói FEITOZA (2011) e iremos trabalhar mais detalhadamente ao longo do subcapítulo 3.1: o pensamento crítico: quem são as mulheres para o direito? 19 a revitimização7 das mulheres que buscam o sistema de justiça em face de uma violência sofrida. Desse modo, compreendemos que o Direito possui marcadores de gênero, raça e classe, de maneira tal que um jurista comprometido com a justiça social precisa ser capaz de direcionar um olhar sensível às desigualdades que são fruto do sistema excludente que está imposto. Por exemplo, a/o profissional do direito que atua com violências e violações de direitos precisa dialogar com outras áreas - como a assistência social e saúde. Por isso, acreditamos que ter uma perspectiva interdisciplinar e que considere as imbricações entre o capitalismo, o racismo e o patriarcado é um caminho que permite enxergar as complexidades das demandas. Destarte, acreditamos que uma formação acadêmica focada apenas nas normas e na dimensão do ensino em detrimento da pesquisa e da extensão é incapaz de garantir uma compreensão ampla da sociedade e do próprio direito. Essa compreensão não surge isolada: no ano de 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva no Gênero, que surge justamente através da compreensão de que o cenário de desigualdades em que estamos inseridas influencia na forma como interpretamos o direito, e que é necessário tomar atitudes para caminhar rumo à emancipação das mulheres e à igualdade de gênero. Ademais, a publicação do Protocolo veio acompanhada de outras normativas incorporadas ao cenário nacional: ainda em 2013 o Comitê Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) das Nações Unidas recomendou aos estados-parte que buscassem a formação dos juristas em seus países para atentarem-se às questões de gênero. A Recomendação Geral nº 33, que versa sobre o acesso das mulheres à justiça, ainda reconhece que estereótipos e preconceitos de gênero geram consequências na forma como as mulheres acessam seus direitos humanos, e estabelece a necessidadede uma Educação a partir de uma perspectiva de gênero. De modo mais amplo, ainda é necessário mencionar que este trabalho se encontra alinhado com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), publicados na Agenda 2030. Destacamos os objetivos 4, 5, 10 e 16, que versam sobre educação de qualidade, busca pela igualdade de gênero, redução de desigualdades e promoção da paz, justiça e instituições eficazes. 7 Aqui considera-se revitimização no sentido de vitimização secundária, isto é, o fato de que uma mulher que sofreu violência é submetida a passar pelo processo de reviver o ocorrido ao ser atendida pelas instituições que deveriam acolhê-la - seja pelo ato de fazer a mulher contar repetidas vezes sua história, ou por um discurso de culpabilização da vítima. Ávila apud Patterson, 2017, p. 109. 20 Nesse momento, cabe explicar brevemente que o ensino superior brasileiro divide-se em três pilares: ensino, pesquisa e extensão. Enxergamos esse tripé como indispensável na formação de um profissional habilitado para trabalhar com questões sociais, com uma atenção especial aos espaços da extensão e pesquisa, na medida em que são previstos para proporcionar o contato com a comunidade externa à universidade. Sendo assim, entendemos também que esses são espaços em disputa no campo político, de modo que classificamos o tripé na perspectiva do que Freire (2018, p. 55) e Boaventura (2010, p. 73 - 80) trazem. Isto é, como forma de sair dos muros da universidade e abandonar os sofás epistemológicos (SIMAS; RUFINO, 2018, p. 19), limitantes do conhecimento transformador e crítico. Ademais, os títulos dos capítulos e subcapítulos desta monografia foram escolhidos para fazer referência a textos de bell hooks, marco teórico adotado ao falar sobre educação e gênero. Bell foi professora, feminista e voz central nas questões que envolvem gênero, raça e classe na pedagogia. A autora faz fortes críticas ao feminismo liberal8 e, a partir do seu lugar como mulher negra na academia, sugere uma teoria feminista “da margem ao centro”, sempre discutindo como o elitismo do mundo acadêmico (inclusive de mulheres brancas) exclui mulheres negras do lugar de estudos e pesquisas, compartilhando situações que ela viveu. Hooks também estabelece muitos diálogos com Paulo Freire ao pensar os modelos educacionais e propor a Pedagogia Engajada. Pelas razões expostas, escolhemos como universo de pesquisa o curso de graduação em Direito da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), campus Natal/RN. Buscamos investigar se o curso tem preparado os estudantes para interpretar o Direito a partir de perspectivas de gênero, estabelecendo diálogo com a comunidade estudantil e suas impressões acerca da sua própria formação. A análise passa pelas categorias do ensino, pesquisa e extensão, permitindo um olhar amplo sobre como essas dinâmicas se apresentam. O percurso metodológico da monografia será melhor desenvolvido no próximo capítulo, específico para tratar dessa temática. Dessa maneira, buscamos trazer algumas contribuições que possam instigar o debate acerca da necessidade de reformulação da educação jurídica para acolher as demandas sociais (em pauta, com perspectiva de gênero), de modo a enxergar a raiz dos problemas. Sem pretensão de concluir a temática, essa monografia tem um fim: inquietar-se em face das 8 Feminismo liberal é uma vertente dos feminismos que parte de uma teoria individualista e capitalista para pensar as questões de gênero. Assim, propõe reformas na sociedade, buscando reduzir as desigualdades utilizando-se de mecanismos já existentes - a nível institucional. Cf. mais em: RAUBER, Beatriz Viera, et al. Dicionário de Gênero e Segurança: Feminismo Liberal. [s.l.] 25 nov. 2021. Disponível em: https://gedes- unesp.org/feminismo-liberal/. Acesso em: 29 de nov. 2022. 21 opressões contra as mulheres e sensibilizar aquelas e aqueles que lutam por uma sociedade onde haja justiça social. 22 2 CONTAR HISTÓRIAS9: METODOLOGIA DA PESQUISA “[...] quanto do que nos diziam ser ciência dura ou dados eram, na verdade, histórias, a interpretação de dados e de fatos.” (bell hooks) Conforme já dito, essa monografia está dividida em três etapas, de modo que cada momento seguirá abordagens teórico-metodológicas diversas. Disso, a escolha em dedicar um capítulo apenas para a explicação dos métodos utilizados para a realização desta pesquisa, bem como o caminho que levou à determinação do tema tratado. Assim, o universo de pesquisa é o Curso de Direito da UFRN, por ser o local de graduação desta autora e permitir uma melhor inserção na vida acadêmica para a coleta dos dados. Ademais, foi realizado o recorte sob o olhar apenas do corpo discente, pois a intenção desta monografia é tecer considerações das experiências dos estudantes - de modo que, desde já, frisamos a importância de mais pesquisas que tragam o olhar do corpo docente, haja vista que compreendemos a educação como um campo de construção que depende da participação ativa de todos os envolvidos - educando e educador. Nesse ponto, é importante ressaltar que não desconsideramos que o universo de estudo está continuamente em relação com as expressões da “questão social”10, é dizer: não estudamos um ambiente neutro, e as vivências dos estudantes na universidade não podem ser dissociadas de suas vivências fora dos muros da universidade, de maneira tal que as respostas dadas a essa pesquisa precisam ser compreendidas dentro de contexto e considerando as dinâmicas sociais em que estamos inseridos/as. A pergunta-problema que guia essa pesquisa é: o curso de graduação em Direito da UFRN prepara as/os estudantes para interpretar o Direito aplicando lentes de gênero? A partir dessa pergunta, formulamos a hipótese de que o curso não prepara os estudantes para interpretar o Direito a partir de lentes de gênero, contudo, que há uma via de mudança sendo institucionalizada desde 2019, a partir da criação do Grupo de Pesquisa Direito, Estado e Feminismos (DEFEM). Assim, o objetivo geral é responder à pergunta, analisando se o curso de graduação em Direito da UFRN, campus Natal, prepara os alunos para aplicar lentes de 9 Esse título faz referência ao ensinamento 9 da obra “ensinando pensamento crítico: sabedoria prática”, de bell hooks. 10 Considera-se, aqui, o conjunto de problemas políticos, históricos e culturais vivenciados pela sociedade com o advento do capitalismo e, portanto, com o surgimento da classe trabalhadora. (NETTO, José Paulo. Capitalismo e barbárie contemporânea. Argumentum, v. 4, n. 1, p. 202-222, 2012.) 23 gênero ao Direito. Para cumprir com o proposto, os objetivos específicos são: 1. Delinear as principais críticas ao Direito a partir de perspectivas feministas; 2. Definir o que são lentes de gênero e como aplicá-las ao Direito; 3. Observar as experiências dos estudantes no curso de Direito da UFRN no que tange ao contato com as temáticas de gênero e feminismos; 4. Comparar as noções de gênero e feminismos dos estudantes em geral e das alunas que integram o Grupo de Pesquisa Direito, Estado e Feminismos; 5. Identificar boas práticas em educação feminista no direito e 6. Apontar campos que precisam de melhorias. Para atingir tais objetivos, foi adotada majoritariamente a vertente jurídico- sociológica, buscando investigar relações entre o direito e a sociedade (GUSTIN, 2010, p. 27). Isso porque caminha nos aspectos de efetivação do direito à educação das/os estudantes do curso de Direito da UFRN, visto que a Resolução nº 5/2018 do MEC prevê o tratamento transversal de conteúdos sobre educação em direitos humanos, educação em políticas de gênero e educação das relaçõesétnico-raciais, dentre outras. Em determinados momentos, também seguiremos a vertente jurídico-dogmática, a partir da análise de normativas. Isso posto, o método de abordagem adotado foi o hipotético-dedutivo (LAKATOS; MARCONI, 2017, p. 66-71), pois a pesquisa vai buscar realizar o teste de falseamento da hipótese criada para o problema. Para tanto, esta monografia estruturou-se da seguinte forma: o primeiro e segundo capítulos dedicam-se à introdução e à metodologia desta pesquisa. O terceiro capítulo, intitulado “Abraçar a mudança: porque tecer uma análise crítica feminista no Direito?”, apresenta as discussões sobre os principais conceitos que envolvem este trabalho, para compreender o porquê de se buscar uma educação feminista no Direito. Esse capítulo está dividido em quatro subtópicos, onde no primeiro, chamado “O pensamento crítico: quem são as mulheres para o Direito?” serão feitas considerações sobre a formação do direito, quem são os ditos “sujeitos de direitos” e as contribuições da teoria feminista a esses pontos, tendo por referência principal Taylisi Leite. O segundo subtópico foi nomeado “Pelo fim da violência: gênero, patriarcado e violência contra as mulheres”, em que serão realizadas conceituações sobre gênero, patriarcado e violência, a partir das contribuições de Heleieth Saffioti e bell hooks, majoritariamente. No terceiro subtópico, “Constituir o diálogo: educação problematizadora, atuação em rede e interdisciplinaridade” apresentamos uma proposta de educação alternativa à bancária, modelo atualmente seguido no curso de Direito da UFRN, também pontuando como e porque inserir a interdisciplinaridade e atuação em rede no processo formativo. 24 Ainda nesse capítulo inicial, no quarto subtópico, chamado “Educando juristas: uma análise das disciplinas obrigatórias do curso de Direito da UFRN”, será realizado um estudo das ementas das disciplinas obrigatórias do curso de Direito da UFRN, com o objetivo de compreender qual a previsão de assuntos a serem vistos em sala de aula. Para tanto, será feita uma busca às palavras “gênero”, “feminismos”, “feminismo”, “mulher” e “mulheres” nas ementas, bem como referências à Lei Maria da Penha, à Convenção de Belém do Pará (ou Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher) e à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Essas normativas foram elencadas em razão da sua relevância a nível nacional e internacional. Explica-se a busca nas disciplinas obrigatórias do curso porque são componentes que todos os estudantes precisarão cursar. Assim, são aquelas disciplinas que integram o que o curso de Direito da UFRN compreendeu como fundamental na formação de seus estudantes, também com base no que as diretrizes curriculares do Ministério da Educação (MEC) estabelecem para as graduações em direito. Nesse primeiro momento, será portanto realizada uma pesquisa bibliográfica, aplicada a técnica de pesquisa de documentação indireta (LAKATOS; MARCONI, 2017, p. 118), utilizando-se de fontes documentais (documentos oficiais e jurídicos) e de fontes bibliográficas. Posteriormente, no quarto capítulo, intitulado "Compartilhando Histórias: um olhar sobre a experiência", serão apresentados os resultados da observação realizada com os estudantes do curso de Direito da UFRN. Serão utilizadas duas técnicas de observação, sendo ambas de documentação direta, com pesquisa de campo. Assim, o capítulo se dedica a apresentar os resultados de questionário aplicado com estudantes que ingressaram no curso de direito da UFRN a partir de 2017.1 até 2020.1. O período de ingresso é considerado até 2020.1 pois aqueles que ingressaram até esse semestre encontram-se atualmente há dois anos e meio no curso, sendo esta exatamente a metade da graduação, considerando a contagem de cinco anos de curso. O questionário também será aplicado com as alunas integrantes e fundadoras do Grupo de Pesquisa DEFEM, com intenção de cumprir o terceiro, quarto, quinto e sexto objetivos específicos. Serão comparados os dados obtidos a partir do questionário para o público geral e para as integrantes do Grupo, como forma de identificar se o DEFEM, enquanto única iniciativa do curso que se dedica especificamente às questões entre Direito e gênero, refletiu na formação dessas alunas e se há diferença significativa entre as respostas. Além do questionário, também serão realizadas entrevistas semiestruturadas com as integrantes do DEFEM. O objetivo das entrevistas é colher a experiência das integrantes do 25 DEFEM possibilitando cumprir o quarto, quinto e sexto objetivos específicos, também como forma de enrobustecer os dados. A escolha do Grupo deve-se ao fato de ser o primeiro a dedicar-se ao estudo das relações entre Direito, Estado e Feminismos no curso de Direito da UFRN. Assim, considera-se essa uma amostragem relevante de alunas para investigar como o contato específico com essas temáticas pode influenciar na formação voltada a incentivar a aplicação da perspectiva de gênero. Destarte, o Grupo de Pesquisa DEFEM foi criado em abril de 2019, e em 2022 publicou o primeiro livro organizado pelas pesquisadoras. Nesse ínterim, foram escolhidas para serem entrevistadas as oito alunas que integraram o Grupo quando de sua criação, no ano de 2019, e que permaneceram no grupo até a publicação do Livro Direito, Estado e Feminismos. Dessa maneira, a técnica de entrevistas semiestruturadas será aplicada a partir de um roteiro de perguntas a serem realizadas a todas as integrantes do grupo que serão entrevistadas - sem a necessidade de seguir a mesma ordem de perguntas ou de fazê-las com as mesmas palavras. Em suma, é um tipo de entrevista que requer a preparação de um material prévio, mas que permite algum tipo de flexibilidade (QUEIROZ; FEFERBAUM, 2019, p. 284). Será garantido o anonimato às alunas entrevistadas no momento de redação desta monografia, visando deixá-las confortáveis para responder às perguntas. Para a análise dos dados das entrevistas, utilizaremos da metodologia da análise de conteúdo, que permitirá processar dados científicos qualitativamente. Nessa pesquisa, focaremos no que as entrevistadas querem dizer, isto é, realizaremos uma análise temática. Para tanto, esse método de análise se desenvolve em 5 etapas: A primeira é a preparação das informações, onde serão transcritas as entrevistas e emitidas as respostas do questionário e será realizada a leitura de todos os materiais obtidos. (MORAES, 1999). A segunda etapa envolve a definição de unidades de análise, que podem ser palavras, trechos, documentos integrais etc, a serem delineadas a partir do material recebido e preparado. (MORAES, 1999) Após serem individualizadas, parte-se à terceira etapa, de categorização, onde agrupam-se dados a partir de semelhanças ou analogias, neste caso, a partir de critérios semânticos/temáticos. Os princípios da categorização envolvem: 1. Validade ou pertinência em face da problemática; 2. Exaustividade, que enfatiza a necessidade de analisar todas as unidades de análise; 3. Homogeneidade, devendo ser utilizado o mesmo critério de classificação; 4. Exclusividade, cada unidade não pode estar em duas categorias; 5. Objetividade, permitindo a replicação por outros pesquisadores. (MORAES, 1999) Para o quarto momento é realizada a descrição dos resultados, que para uma pesquisa 26 qualitativa, deve envolver uma síntese dos significados encontrados a partir das unidades de análise e das categorias estabelecidas. Enfim, a quinta etapa é a interpretação dos resultados, e nesse caso, parte de uma contrastação dos resultados obtidos com a teoria definida anteriormente, no capítulo 3 desta monografia. (MORAES, 1999). Em face do exposto, cumpre ainda dizer que a pesquisa terá um caráter majoritariamente qualitativo, pois o objetivo geralcentra-se na busca por compreender o ponto de vista dos alunos e dialogar com as respostas obtidas para a compreensão de um cenário geral. Ao final da pesquisa, acredita-se que será possível fazer um diagnóstico atual do perfil dos alunos do curso de Direito da UFRN, e propor sugestões do que acreditamos ser uma forma eficaz de trazer um olhar atento e crítico para o Direito acerca das desigualdades de gênero, que compreenda também as imbricações de raça e classe. Assim, durante este trabalho, nos utilizaremos majoritariamente do arcabouço metodológico que traz bell hooks, com a concepção de Pedagogia Engajada (HOOKS, 2013). Também nos ocuparemos em trazer contribuições do feminismo marxista, a partir de Saffioti (2015) e Leite (2020), ao falar sobre as categorias Gênero, Patriarcado e Violência e ao tratar dos direitos das mulheres e movimentos feministas. 27 3 ABRAÇAR A MUDANÇA11: POR QUE TECER UMA ANÁLISE CRÍTICA FEMINISTA DA EDUCAÇÃO NO DIREITO? “Tivemos de lembrar a todos, várias vezes, que nenhuma educação é politicamente neutra.” (bell hooks) Os estudos feministas e de gênero são marcados historicamente pelo questionamento do status quo, das hegemonias e do modo de fazer Ciência. (MARCONDES; FARAH, 2021). Nesse âmbito, o Direito é um campo que recebeu e recebe críticas e apontamentos que se reúnem no que hoje algumas teóricas chamam de feminismo jurídico, outras de teoria feminista do direito. Independentemente do termo, as críticas feministas ao Direito manifestam-se principalmente em três perspectivas: 1. à teoria do Direito, definindo-o enquanto produto de sociedades patriarcais e reprodutor dos interesses masculinos; 2. crítica de determinadas instituições jurídicas, como normas excludentes e discriminatórias das mulheres; 3. à aplicação do direito, apontando o machismo presente na hermenêutica jurídica. (SILVA, 2018) Consoante Carmen Hein de Campos, jurista feminista, o direito brasileiro ainda tem dificuldade em incorporar as críticas da teoria feminista do direito, embora seja um campo já consagrado internacionalmente. A nível local, temos uma forte tradição de doutrinadores homens (ao que Campos vai referir-se como malestream, para expor que há uma centralidade masculina na nossa produção acadêmica) e de negação das contribuições feministas ao direito, o que, conforme a autora, se expressa não apenas pelo claro antagonismo de ideias, mas também pela ocultação teórica de estudiosas feministas. Dessa forma, pontua que dificilmente encontraremos referenciais bibliográficos feministas nas disciplinas dos cursos de direito brasileiros. (CAMPOS, 2015, p. 980) A partir dessa inquietação de Carmen Hein, que também acomete a autora deste trabalho, sugerimos que as críticas feministas ao direito devem englobar a educação nos cursos de graduação e pós-graduação - embora essa pesquisa foque no primeiro campo. Consoante Silva (2018, p. 90) “o pensamento/movimento jurídico feminista ainda é pouco conhecido nas faculdades de direito na América Latina”, e quando o é, está restrito a grupos 11 Esse título faz referência ao capítulo 3 da obra “Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade”, de bell hooks. Originalmente, o título seria “abraçar a mudança: o ensino num mundi multicultural”. 28 específicos que estudam essa temática. Propomos que para o direito ser um campo útil à redução de desigualdades e ao enfrentamento da violência contra as mulheres, essa realidade precisa mudar. Nesse sentido, a Resolução Geral nº 33 do Comitê CEDAW da ONU traz, nos arts. 32 e 33, que os estados-parte devem fomentar a educação a partir de uma perspectiva de gênero como forma de assegurar que as mulheres acessem seus direitos. Esses artigos recomendam: 1. Fomento do conhecimento sobre gênero, com mais especialistas no tema; 2. Difusão de materiais informativos sobre os direitos das mulheres; 3. A inclusão das temáticas de igualdade de gênero e direitos das mulheres nos currículos de todos os níveis de ensino. A partir desses pontos, inegável é a urgência de as universidades buscarem promover educação com perspectiva de gênero. Indo além, entendemos que a educação deve ser prática de liberdade, como propõem bell hooks e Paulo Freire. Para tanto, a educação no direito precisa ser um campo também de críticas e construções feministas, antirracistas e libertadoras. A frase “abraçar a mudança”, que abre esse capítulo, é retirada do livro “Ensinando a Transgredir”, onde hooks trabalha a importância de uma educação crítica em um contexto multicultural, reforçando que nenhuma educação é politicamente neutra e que educadores e educadoras precisam ter comprometimento com a mudança e com a democracia. Isto é, não basta abordar gênero: é preciso uma educação feminista. Ainda, acrescentamos que toda educação libertadora e críticas feministas ao direito devem considerar as imbricações entre gênero, raça e classe. Dessa maneira, há também a necessidade de ser uma educação antirracista e com viés de classe. Isso posto, os tópicos seguintes se dedicam a explorar pontos centrais que buscam responder à pergunta realizada no título desse capítulo, e permitir compreender o que consideramos interpretar o Direito a partir de perspectivas ou “lentes” de gênero. 3.1 O pensamento crítico12: quem são as mulheres para o direito? No texto que inspirou o título deste subcapítulo, bell hooks explica que o pensamento crítico é composto por cinco perguntas: identificamos quem, o quê, quando, onde e como das coisas. Assim, iniciamos nos perguntando quem são as mulheres para o direito, abrindo margem para duas interpretações: a partir da pergunta, é possível imaginar que o direito 12 Esse título faz referência ao Ensinamento 1 da obra “ensinando pensamento crítico: sabedoria prática” de bell hooks. 29 constrói uma narrativa do “ser mulher”. Por outro lado, é possível ler com uma indicação de subalternidade das mulheres para o direito, querendo em verdade perguntar-se: afinal, as mulheres são alguém para o direito? Ou ainda: quando falamos dos “sujeitos de direitos”, as mulheres estão incluídas? A partir dessas duas interpretações podemos iniciar duas narrativas diferentes, mas que, como veremos, conectam-se ao final para dizer: sim, o direito se ocupa de construir uma narrativa do ser mulher - e essa construção as entrega o lugar de “Outro”13, de não-sujeito. Nessa perspectiva, um ponto central no apagamento das mulheres para o mundo jurídico - bem como na criação de um “ser mulher” estereotipado e dotado de viés de gênero14 - é o mito da neutralidade do Direito. Abrindo a reflexão, ao pensar acerca da própria definição de direito reproduzida pela Academia e pelas instâncias do judiciário, Silvino (2022, p. 205)15 questiona a ideia de neutralidade apresentando como um de seus exemplos a perpetuação de valores patriarcais na legislação. Conforme trazem César e Suxberger (2019), ao falarem sobre o gênero do direito, a farsa de que o sistema jurídico opera de maneira imparcial, ou quase asséptica, é o que permite que esse campo se constitua numa estrutura de poder androcêntrica e patriarcal16. Em outras palavras, a neutralidade é masculina, e isso pode ser observado ao analisar julgamentos de violência de gênero contra as mulheres. O que indicam as pesquisas estudadas que se dedicaram a fazer uma análise de discurso desses julgamentos é que estes se baseiam em estereótipos e preconceitos de gênero e exercem o poder do controle dos corpos das mulheres a partir desses discursos. (CÉSAR, SUXBERGER, 2019; ALMEIDA, NOJIRI, 2018). Desse modo, os julgamentos de violências praticadas contra mulheres são fortemente influenciados pelo estereótipo da mulher honesta e de que as mulheres não são confiáveis, como identificaramAlmeida e Nojiri (2018) ao analisarem os discursos de julgamentos de crimes de estupro praticados contra mulheres no estado de São Paulo. Neste estudo, também afirmam que esses estereótipos são acobertados pelo paradigma da neutralidade do Direito, 13 Ao dizer a famosa frase “não se nasce mulher, torna-se”, Simone de Beauvoir trabalha a categoria do Outro afirmando que o masculino é a construção universal, ele é o ponto de partida - ela é o que deriva. Nos diz Simone: “O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro”.(BEAUVOIR, 2016, p.13 ) 14 Consideramos aqui por viés de gênero a predisposição de tomar decisões ou ações a partir de noções de papéis de gênero pré-concebidas e formuladas por noções patriarcais e machistas. (ALMEIDA, NOJIRI, 2018). 15 A tese referenciada nesse trecho encontra-se atualmente em situação de submetida à publicação, mas não está disponível no repositório institucional. O conteúdo integral para referência foi obtido diretamente com o autor. 16 Adiante, será demonstrado que podemos e devemos ir além: o Direito é masculino e desassocia as mulheres por essência, pois deriva de uma estrutura capitalista e patriarcal. É o que sugere a crítica marxista feminista do Direito de Leite apud Scholz. 30 “que naturaliza estereótipos e impõem padrões de conduta, especialmente às mulheres” (ALMEIDA; NOJIRI, 2018, p. 833). Assim, é razoável afirmar que os discursos do poder judiciário possuem uma compreensão do ser mulher que não as classifica enquanto sujeitas dotadas de autonomia e direitos. Nesse ponto, cabe fazer uma breve digressão sobre quem seriam esses sujeitos de direitos. Gomes (2019), ao pensar a categoria da dignidade da pessoa humana a partir dos marcos de gênero e raça, faz uma divisão entre a pessoa humana e o sujeito de direitos. Diz ela que “O sujeito de direitos é a entrada da pessoa humana no mundo normativo-jurídico e suas instituições, o sujeito de direitos é uma instituição desse mundo jurídico.” (GOMES, 2019, p. 874). Então, pode-se dizer que ser considerado sujeito de direitos é condição fundamental para o acesso a todos os direitos garantidos à pessoa humana. Portanto, também não é forçoso concluir que essa noção está diretamente ligada à construção feita sobre quem são as pessoas dotadas de humanidade. Nessa linha de pensamento, Gomes (2019) constrói a ideia de que o conceito de humanidade é fundamento do projeto colonial, e toma por base a racionalidade. Nessa perspectiva, as leis seriam fruto do exercício da racionalidade por um ser humano e poderiam ser aplicadas universalmente a todas as pessoas.17 Esse humano de quem falam essas leis, contudo, é uma pessoa sem corpo, sem influências ou pré-concepções: é um ideal concebido a partir da colonialidade, que é especialmente violento contra os desviantes de gênero e raça. Desse modo, temos que a construção de sujeito de direito adota esse ideal permitindo a exclusão e punição dos desviantes (como as mulheres), como também reforça sua desumanização (Gomes, 2019, p. 892). Por conseguinte, a naturalização de estereótipos é um dos elementos que compõem a violação e revitimização das mulheres pelo poder judiciário. Porém, é preciso ir além para entender que essa violação é expressão da própria concepção de humanidade para o mundo jurídico, que, na narrativa dominante, desconhece as mulheres como pessoas humanas com dignidade. Logo, até aquelas que se adequam aos estereótipos sofrem com violência e feminicídios (Gomes, 2019, p. 893). Indo além, Leite (2020) propõe que o “Direito é homem”, de modo que a forma- sujeito (ou, como aqui nos referimos, o sujeito de direito) é também, e sempre será, correspondente à masculinidade e à branquitude. Logo, o sujeito das revoluções burguesas é sempre formalmente referenciado como o homem - a exemplo, na revolução francesa, da 17 Conforme Taylisi Leite, o sujeito racional desdobra-se em sujeito de direito, unidade mínima da modernidade jurídica. (LEITE, 2020, p. 71-73 ) 31 “Declaração sobre os Direitos do Homem e do Cidadão” - e materialmente, é sempre o homem branco e proprietário que exerce as liberdades, direitos políticos e transações. Corroborando com esse entendimento, Saffioti (2013, p. 60) demonstra que a marginalização de determinadas pessoas na sociedade é gerada pelas relações de produção, e não pelas características individuais. Em outras palavras: gênero e raça não são a origem do machismo e do racismo, essas características foram selecionadas, em determinado momento, como marcadores para criar hierarquias sociais. Em razão disso, atender ao molde que foi designado às mulheres não significa deixar de sofrer opressão - e igualmente, renunciar totalmente a esse molde também não implica na emancipação. Completa a autora: há que se buscar nas primeiras (relações de produção) a explicação da seleção de caracteres raciais e de sexo para operarem como marcas sociais que permitem hierarquizar, segundo uma escala de valores, os membros de uma sociedade historicamente dada. (SAFFIOTI, 2013, p. 60) Assim, quando nos perguntamos quem são as mulheres para o direito, precisamos inicialmente ter em mente que a narrativa hegemônica as exclui - os direitos humanos não são pensados para elas, porque a própria pessoa humana é um mero ideal, e quanto mais à margem está o indivíduo, mais difícil alcançá-lo [o ideal]. Percebe-se isso ao identificar que décadas após a positivação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os direitos lá contidos estão longe de serem realidade para a maior parte da população mundial (LEITE, 2020, p. 69). De modo mais geral, Silvino (2022) trata sobre o que ele denomina teoria hegemônica dos direitos humanos. Esses direitos positivados em legislações nacionais e internacionais são falsamente expostos nos manuais como “plataformas para se obter direitos”, não estão assentados na materialidade. Essa ideia sedimenta tudo o que viemos falando até o momento: os direitos humanos não são vivenciados pela população porque, de fato, eles não são pensados a partir do cotidiano: são meros ideais. Por essa razão, para pensar quem são as mulheres para o direito, defendemos partir de teorias contra-hegemônicas de direitos humanos, que os construam a partir das relações sociais e mobilizações populares. A partir desses pontos, portanto, os primeiros passos a serem dados para aplicar as aqui ditas lentes de gênero ao direito são: 1. A superação do mito da neutralidade; 2. A percepção da condição de humanidade das mulheres, que precisam ser compreendidas como sujeitas de direitos para terem acesso às garantias que lhes protegem. Ademais, esses passos não se fazem sem realizar o exercício do pensamento crítico com o aporte teórico feminista 32 que já no início trouxemos. Seguimos buscando responder quem são essas mulheres para o direito. Feitas essas considerações, pretendemos, nesse segundo momento, direcionar o olhar para como as normativas nacionais alimentaram e ainda alimentam esses estereótipos do que é ser mulher. Parte importante dessa análise é considerar como o mundo jurídico tem se portado frente à crescente presença de mulheres ocupando cargos no direito. Conforme dados do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), o número de advogadas inscritas já supera o número de advogados18. Não há, contudo, informações sobre raça e etnia dos inscritos. De todo modo, esse número já mostra que as mulheres são maioria, mas ainda nos questionamos se a prática as acolhe, ou se os estereótipos de gênero alcançam também o fazer profissional das advogadas e demais juristas. Nesse quesito, a antropóloga Andressa Morais (2020) demonstra diversas situações em que advogadas mulheres, brancas e negras, receberam tratamentos desiguais em razão de seugênero, raça, etnia, vestimenta etc. Em geral, elas precisam criar estratégias, majoritariamente coletivas, para se fazerem ouvir e exercer sua profissão. Ademais, as discriminações são diferentes a depender da cor da pele, local de origem e classe das advogadas, denotando como não é possível dissociar os preconceitos de gênero das estruturas de opressão de raça e classe. Dessa maneira, a ideia de neutralidade também atinge a atuação profissional de mulheres nas diversas áreas do direito. Tendo isso em mente, apesar das considerações feitas anteriormente acerca da limitação do Direito em modificar a realidade social, é fato que a luta por direitos ainda é necessária para o hoje19, razão pela qual os avanços da constituinte precisam ser reconhecidos. Nesse ponto, a ordem constitucional criada a partir da Constituição Federal (CF/88) vigente trouxe um amplo rol de direitos e inaugurou no Brasil um período de retomada da democracia e da luta por direitos humanos. Mesmo assim, a partir da sociologia jurídica, compreendemos que a vigência de uma lei não importa, necessariamente, na sua efetividade20, 18 Durante a realização dessa pesquisa, são 668.595 pessoas do gênero feminino e 643.516 do gênero masculino inscritas na OAB. 19 Para iniciar a discussão acerca das contradições entre as limitações do Direito burguês e a luta por direitos nesse sistema, cf. REVOLUSHOW. Pachukanis: direito e marxismo. Entrevistados: José Luis Alcantara, Carla Appollinário, Ana Cecilia Faro Bonan e Carlos Eduardo Martins. Entrevistador: Zamiliano. [S.l]: Revolushow, 04 fev. 2019. Podcast. Disponível em: https://revolushow.com/35-pachukanis-direito-e- marxismo/. Acesso em: 03 ago. 2022. 20 Compreendemos por efetividade ou eficácia social o cumprimento da norma pela sociedade - seja de maneira espontânea, seja porque o Estado exerce ação coercitiva em face do seu descumprimento. (SABADELL, 2013, p. p. 61). 33 de modo que ainda continuaram vigentes, após a constituição, leis violadoras dos direitos das mulheres. Por essa razão, escolhemos o período desde a promulgação da CF/88 como marco temporal para olhar como as normativas se referiam e se referem às mulheres. Frente a isso, cabe começar expondo que a Constituição Federal de 1988 recebeu forte influência do movimento de mulheres, que elaboraram a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes21, envolvendo reivindicações nos âmbitos do trabalho, educação, enfrentamento à violência, saúde etc. Tiveram diversas conquistas, notadamente, o artigo 5º, I, da CF/88 que assegura a igualdade22 entre homens e mulheres. (PIOVESAN, 2008). Contudo, a máxima de igualdade entre homens e mulheres custa a sair do mundo do dever ser, ou ainda, a alcançar a ordem infraconstitucional. Uma das legislações que continuou em vigor à época da promulgação da CF/88 foi o Código Civil de 1916 (CC/16), carregado de parâmetros discriminatórios contra as mulheres. Um dos pontos que mais chama a atenção é a restrição dos direitos civis das mulheres casadas, as quais eram consideradas “relativamente incapazes” (art. 6º, II). Ademais, o art. 233, que tratava da sociedade conjugal, conferia ao marido o poder de chefia na relação, de modo que também era trazido no art. 242 um rol de atos que a mulher não poderia realizar sem a autorização do marido. O Código Civil de 1916 também trazia diversos dispositivos que se baseavam nos estereótipos de “mulher honesta”, “virgindade” e “inocência” - a título de exemplo, era considerado erro essencial sobre a pessoa do cônjuge, e motivo justificado para anulação do casamento, “o defloramento da mulher, ignorado pelo marido” (art. 219, IV). Ademais, a ofensa à honra da mulher apenas ensejava responsabilidade do agressor se esta fosse “mulher honesta” ou “virgem e menor de idade”. Aspecto que também merece ser mencionado desse dispositivo é que o agressor poderia reparar o dano casando-se com a mulher que violentou.23 O CC/16 veio a ter alguns dispositivos alterados ainda em 1962, com a Lei nº 4121, 21 Para ver a carta, cf.: CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER - CNDM. Carta das Mulheres. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade- legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as- mulheres/arquivos/Constituinte%201987-1988-Carta%20das%20Mulheres%20aos%20Constituintes.pdf. Acesso em: 29 de nov. 2022. 22 hooks (2016, p. 112-113) faz uma crítica sobre como o movimento feminista foi corrompido por uma busca das mulheres brancas por “igualdade” com os homens. Segundo a estudiosa, o foco do feminismo precisa ser o fim da opressão contra as mulheres, e a busca por igualdade é uma briga de poder entre a branquitude para que mulheres privilegiadas (brancas, de classe média ou burguesas) possam desfrutar da mesma força de dominação que seus pares - homens brancos. 23 Art. 1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à condição e estado da ofendida: I. Se, virgem e menor, for deflorada.; II. Se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças.; III. Se for seduzida com promessas de casamento. IV. Se for raptada. 34 popularmente conhecida como Estatuto da Mulher Casada. Essa lei foi uma conquista de mulheres juristas24, e retirou a incapacidade relativa das mulheres casadas, bem como trouxe a possibilidade do desquite. Contudo, o poder familiar continuava em função do homem, que seria exercido com a ajuda da mulher: “O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interêsse comum do casal e dos filhos” (art. 233, caput). Ante o exposto, o Código Civil de 1916 trazia um rol de dispositivos que tolhiam a autonomia das mulheres, e permaneceu vigente durante a nova ordem constitucional até o ano de 2002, quando o Código atual foi publicado. A partir do Código Civil de 2002, as menções ao “pátrio poder” e a hierarquia do homem sobre a mulher foram retiradas, contudo, ainda permanecem traços dos estereótipos de mulher honesta no código atual. Como exemplo, podem ser citados os artigos 1.573, VI, e 1.520, os quais mencionam, respectivamente, a conduta desonrosa como razão para a impossibilidade do casamento, e a permissão de matrimônio com quem ainda não atingiu a idade núbil para evitar punição criminal, ou em casos de gravidez. Quanto a esse último, apenas veio a ser alterado em 2019, pela Lei 13.811, e o primeiro segue vigente até o momento de realização desta monografia. Acerca desses dispositivos, Pimentel apud Piovesan (2008, p. 16) afirma que: Sob a aparência de uma neutralidade ideológica quanto ao gênero, a expressão “conduta desonrosa” apresenta-se como passível de ser atribuída a ambos os sexos. Contudo, tradicionalmente, expressões alusivas à honra e à honestidade, em nossa legislação civil, estão carregadas de conotações pejorativas e discriminatórias quanto à sexualidade das mulheres. [...] Mantém-se, assim, no Novo Código Civil, o tradicional papel destinado à mulher na sociedade: o casamento. Essa norma viola o princípio da igualdade e fere a dignidade e os direitos humanos das mulheres, ao atribuir ao casamento o caráter reparador da violência cometida e, consequentemente, também o de gerador da impunidade. (Grifo nosso) Assim, percebe-se que a legislação civil brasileira, ainda nos dias atuais, está repleta de compreensões estereotipadas e que corroboram com a construção de uma mulher específica que será protegida pelo Direito. Esse padrão de mulher (honesta, virgem, para casar) reflete a imagem construída socialmente sobre a mulher branca, rica, cisheterossexual. Davis (2016, p. 18) chama de ideologia da feminilidade a construção sobre o lugar dasmulheres brancas, que data ainda do século XIX, e afirma que as mulheres negras eram 24 Para uma análise das alterações que o Estatuto da Mulher Casada trouxe ao direito brasileiro na época,Cf. GAZELE, Catarina Cecin. Estatuto da mulher casada: uma história dos direitos humanos das mulheres no brasil. 2005. 194 f. Dissertação (Mestrado) - Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2005. Disponível em: https://repositorio.ufes.br/handle/10/9246. Acesso em: 29 nov. 2022. 35 alheias a essa ideologia.25 Também merece citação o Código Penal de 1940, que ainda é vigente, embora tenha passado por várias reformas desde a Constituição Federal de 1988. Este ainda traz em seu rol crimes contra o “pátrio poder”, bem como a punição do aborto praticado pela gestante ou com seu consentimento. Trazemos a menção à criminalização do aborto como mais um exemplo de situação em que a legislação pátria é seletiva quanto à mulher que irá proteger26, haja vista que a Pesquisa Nacional do Aborto (DINIZ, MEDEIROS, MADEIRO, 2017), traz que 15% das mulheres pretas e 24% das mulheres indígenas já realizaram um aborto, contrapostas a 9% das mulheres brancas. Isto é, esse é um fenômeno que atinge majoritariamente mulheres atravessas por discriminações de raça e classe.27 Desse modo, os indicativos de que a mulher protegida pelo direito brasileiro, ainda nos dias atuais, é a mulher branca, rica, heterossexual e monogâmica aparentam que há, de fato, um marcador de gênero que repercute no direito. Retoma, portanto, a construção que foi feita sobre os sujeitos de direitos: se há uma mulher que consegue acessar certos direitos garantidos, essa mulher possui características bem delimitadas.28 Em face do que foi dito, verifica-se que mesmo a CF/88 sendo um marco importante na luta dos direitos humanos de modo geral, e dos direitos das mulheres especificamente, permanecem ranços da opressão contra as mulheres na lei escrita e na sua aplicação nos tribunais. Em partes, isso se deve porque a alteração de leis nunca trará emancipação. Por outro lado, também porque os avanços conquistados, como se tentou brevemente delinear, nunca irão se concretizar nas classes mais oprimidas, enquanto nossa referência for esse mesmo Direito, que é discurso vazio e se materializa apenas para o homem cishétero, burguês, 25 O discurso “Não sou eu uma mulher?” de Soujouner Truth, feito em uma convenção de mulheres em 1851, rebateu os discursos contra o sufrágio feminino que se centravam no estereótipo do sexo frágil. Expondo a diferença nas vivências de mulheres brancas e mulheres negras, ela também escancarou o classismo e o racismo no movimento de mulheres da época, que se baseava apenas no contexto de vida de mulheres brancas da classe média e da burguesia. Cf. em DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. 26 Assim, acrescenta-se que quando os códigos se referem à maternidade como algo inerente ao ser mulher, por si essa também já é uma compreensão que traz violações: corpos não são femininos só porque gestam, e corpos masculinos também podem ficar grávidos. 27 Para um debate mais aprofundado acerca do direito à maternidade e ao aborto, Cf. VILLAS BÔAS, Bianca de Figueiredo Melo. Procriar é obrigação e ser mãe não é escolha: crítica feminista, reprodução social e contradições entre a criminalização do aborto e a seletividade do direito à maternidade no Brasil. In: SIQUEIRA, Mariana de (Org.). Direito, Estado e Feminismos. João Pessoa, PB: Editora Porta, p. 314 – 358, 2022. 28 Importante relembrar o que já foi anteriormente dito: não existem mulheres que não sofrem com a opressão patriarcal e machista, fato comprovado pelos altos índices de violência contra as mulheres. Contudo, por vivermos em um patriarcado de supremacia branca e capitalista, raça e classe social sempre vão ser fatores que implicarão em maior exclusão e violações. Cf. HOOKS, bell. Teoria feminista: da Margem ao Centro.São Paulo: Perspectiva, 2019. 36 cristão, branco (LEITE, 2020, p. 69). Essa conclusão é o terceiro aspecto que defendemos fazer parte da interpretação do Direito com perspectiva de gênero: é preciso compreender como as desigualdades de gênero estão presentes na lógica do fazer jurídico: normas, decisões, doutrinas, para enxergar os ditos e não-ditos. Essa compreensão, portanto, exige noções gerais de como os direitos se constituem enquanto processos sócio-históricos, além de um olhar para quando, onde e como o fato ou aspecto jurídico observado aconteceu. Para prosseguirmos ao próximo tópico, cabe reforçar: não acreditamos na conversão do Estado e do Direito para serem entes de luta contra o patriarcado e emancipação das mulheres. Contudo, entendemos que é necessária a luta por inclusão de direitos nas leis, pois é preciso trabalhar com as contradições, pela minimização das dores dos oprimidos. A positivação de demandas em forma de leis apresenta-se como uma luta que deve ser respeitada, mas jamais será emancipação, pois as garantias jurídicas ainda operam a partir de universais abstratos, como a percepção universalizante do sujeito de direito. (LEITE, 2020, p. 71). Por essa razão, a importância de trabalhar com a práxis, na perspectiva que Freire (2018, p. 167) propõe - movimento de ação e reflexão tendo como finalidade a transformação do mundo. Ainda, conforme Leite (2020, p. 140), é necessário saber realizar o equilíbrio e interpretar a relação dialética entre as lutas (feministas) e as formas (Estado, Direito, Patriarcado). Isto é, não se trata de descartar um caminho ou o outro, mas de reconhecer a importância de ambos: cobrar o avanço das legislações em favor dos direitos das mulheres, mantendo no horizonte a mudança radical da sociedade. 3.2 Para acabar com a opressão sexista29: gênero, patriarcado e violência contra as mulheres É preciso, neste ponto, definir alguns conceitos-base já citados anteriormente, mas que agora merecem uma atenção especial. A definição conceitual faz parte do exercício de construção de uma resposta para pensarmos o que são as tais lentes de gênero que defendemos que devem ser aplicadas ao Direito. Já estabelecemos alguns pontos, mas essencial é, sem dúvidas, compreender então que gênero é esse do qual estamos falando, bem como outras categorias indissociáveis ao pensar nas desigualdades de gênero - é o caso do que iremos 29 Esse título faz referência ao capítulo 2 do livro “Teoria Feminista: Da Margem ao Centro”, de bell hooks, o qual é originalmente intitulado “Feminismo: um movimento para acabar com a opressão sexista.” 37 entender por patriarcado e violência. Assim, partimos dos conceitos trazidos por Heleieth Saffioti, socióloga, pioneira nos estudos feministas no Brasil a partir de uma ótica marxista. Desse modo, a autora trabalha com a ideia de que o gênero é uma categoria sócio-histórica que se relaciona com fatores culturais, símbolos, expressões corpóreas, sendo representações construídas da imagem do feminino e do masculino. (SAFFIOTI, 2015, p. 45) Nesse sentido, gênero é algo que está presente desde o início da história da humanidade, e não denota necessariamente uma relação hierárquica. Mesmo assim, os estudos acerca desse conceito permitiram uma série de teorizações feministas que vieram demonstrar como as ciências são fortemente influenciadas pelo gênero - ou “engendradas” (CAMPOS, 2015, p. 3). Além disso, é preciso pontuar que essas reflexões dos estudos de gênero permitem investigar diversas relações jurídicas que, de alguma forma, tenham relação com significados/vivências de gênero, como as reivindicações de direitos da população LGBTQIAP+30. Nesse quesito, Campos pontua que