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Autores: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Profa. Pollyana Maria Saud Melo Profa. Sandra Heloisa Nunes Messias Colaboradoras: Profa. Christiane Mazur Doi Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Imunologia Básica Professores conteudistas: Flávio Buratti Gonçalves / Pollyana Maria Saud Melo / Sandra Heloisa Nunes Messias Flávio Buratti Gonçalves É graduado em Biomedicina pela Universidade de Mogi das Cruzes, especialista em Diagnóstico Laboratorial de Doenças Tropicais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela Universidade Paulista (UNIP). Tem habilitações nas áreas de Análises Clínicas, Microbiologia, Imunologia, Parasitologia e Saúde Pública. Coordenador do curso de Biomedicina na modalidade semipresencial da UNIP e coordenador auxilliar do curso de Biomedicina campus Indianópolis/Bacelar. É docente titular da UNIP nas áreas de Microbiologia, Imunologia, Parasitologia e Bioquímica. Membro do banco de avaliadores (BASis) do INEP. Pollyana Maria Saud Melo É graduada em Biomedicina pela Universidade de Uberaba, mestra e doutora em Ciências Biológicas (Biologia Molecular) pela Universidade Federal de São Paulo. Tem habilitação em Análises Clínicas. É docente titular/profissionalizante IV da UNIP. Sandra Heloisa Nunes Messias É graduada em Biomedicina pela Escola Paulista de Medicina, mestra em Farmacologia pela Universidade Federal de São Paulo e doutora em Patologia Ambiental e Experimental pela UNIP. É docente titular de Farmacologia e coordenadora geral do curso de Biomedicina da UNIP. Professora de cursos da área de saúde da UNIP. Conselheira honorária do CFBM – CRBM. Membro do Comitê de Ética de Pesquisa em Animais da UNIP. Membro do corpo editorial da Journal of the Health Sciences Institute – Revista do Instituto de Ciências da Saúde (UNIP). Delegada do Conselho Regional de Biomedicina (CRBM 1) na região de Descalvado – São Carlos/SP. Membro do banco de avaliadores (BASis) do INEP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G635i Gonçalves, Flávio Buratti. Imunologia Básica / Flávio Buratti Gonçalves, Pollyana Maria Saud Melo, Sandra Heloísa Nunes Messias. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 224 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Resposta imune. 2. Inflamação. 3. Imunopatologia. I. Gonçalves, Flávio Buratti. II. Melo, Pollyana Maria Saud. III. Messias, Sandra Heloísa Nunes. IV. Título. CDU 576.8.097 U511.68 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Irana Magalhães Kleber Souza Sumário Imunologia Básica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA ................................................................................................................... 11 1.1 Breve histórico da pesquisa em imunologia ............................................................................. 11 1.2 Principais conceitos em imunologia............................................................................................. 14 1.3 Imunidade inata e imunidade adaptativa .................................................................................. 16 2 CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO: ÓRGÃOS E TIPOS CELULARES ......................... 17 2.1 Tecidos e órgãos linfoides ................................................................................................................. 17 2.1.1 Órgãos linfoides primários .................................................................................................................. 18 2.1.2 Órgãos linfoides secundários ............................................................................................................. 20 2.2 Células do sistema imunológico .................................................................................................... 25 2.2.1 Granulócitos .............................................................................................................................................. 26 2.2.2 Agranulócitos ........................................................................................................................................... 29 3 PRINCIPAIS MOLÉCULAS EFETORAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO .............................................. 34 3.1 Moléculas não próprias capazes de induzir a resposta imune .......................................... 34 3.1.1 Padrões moleculares .............................................................................................................................. 34 3.1.2 Antígenos ................................................................................................................................................... 35 3.2 Imunoglobulinas ou anticorpos ..................................................................................................... 37 3.2.1 Estrutura do anticorpo e interação com o antígeno ............................................................... 37 3.2.2 Isotipos e propriedades gerais das imunoglobulinas ............................................................... 40 3.2.3 Resposta humoral primária e secundária ..................................................................................... 43 3.2.4 Avidez de anticorpos ............................................................................................................................. 45 3.2.5 Anticorpos monoclonais ...................................................................................................................... 46 3.3 Moléculas de CD ................................................................................................................................... 48 3.4 Citocinas e eicosanoides.................................................................................................................... 49 3.4.1 Citocinas ..................................................................................................................................................... 49 3.4.2 Eicosanoides .............................................................................................................................................. 54 4 IMUNOPROFILAXIA ......................................................................................................................................... 56 4.1 Vacinas ...................................................................................................................................................... 57 4.1.1 Tipos de vacinas .......................................................................................................................................58 4.1.2 Adjuvantes, vias de administração e cuidados no armazenamento das vacinas ......... 60 4.1.3 Especificidade antigênica .................................................................................................................... 60 4.1.4 Calendário de vacinação ...................................................................................................................... 61 4.1.5 Eventos adversos da vacinação ......................................................................................................... 67 4.1.6 Soroterapia ................................................................................................................................................ 68 Unidade II 5 RESPOSTA IMUNE INATA .............................................................................................................................. 75 5.1 Barreiras naturais do organismo .................................................................................................... 75 5.1.1 Barreiras mecânicas ............................................................................................................................... 75 5.1.2 Barreiras químicas .................................................................................................................................. 76 5.1.3 Barreiras biológicas ................................................................................................................................ 77 5.2 Inflamação .............................................................................................................................................. 77 5.2.1 Aspectos fisiopatológicos do processo inflamatório ................................................................ 78 5.2.2 Processo inflamatório agudo ............................................................................................................. 80 5.2.3 Processo inflamatório crônico ........................................................................................................... 89 5.3 Sistema complemento ....................................................................................................................... 92 5.3.1 Via alternativa do sistema complemento ..................................................................................... 95 5.3.2 Via clássica do sistema complemento ............................................................................................ 97 5.3.3 Via das lectinas do sistema complemento ................................................................................... 99 5.3.4 Via terminal/efetora do sistema complemento ........................................................................100 5.3.5 Receptores para os produtos derivados do sistema complemento e funções biológicas do sistema complemento ..................................................................................100 6 RESPOSTA IMUNE ADAPTATIVA ...............................................................................................................103 6.1 Ontogênese dos linfócitos ..............................................................................................................104 6.1.1 Ontogênese e moléculas de superfície dos linfócitos B ........................................................109 6.1.2 Ontogênese e moléculas de superfície dos linfócitos T ........................................................118 6.2 Complexo principal de histocompatibilidade (MHC) ...........................................................125 6.2.1 Molécula do MHC classe I e II ......................................................................................................... 128 6.2.2 Processamento e apresentação de antígenos .......................................................................... 133 6.3 Respostas Th1 e Th2 ..........................................................................................................................138 6.4 Padrão humoral da resposta imune adaptativa ....................................................................140 6.5 Padrão citotóxico da resposta imune adaptativa .................................................................141 6.6 Regulação da resposta imune adaptativa ................................................................................142 Unidade III 7 RESPOSTA IMUNE A PATÓGENOS ...........................................................................................................148 7.1 Resposta imune a bactérias ...........................................................................................................148 7.2 Resposta imune a fungos ...............................................................................................................161 7.3 Resposta imune a vírus ....................................................................................................................165 7.4 Resposta imune a protozoários e helmintos ...........................................................................171 8 IMUNOPATOLOGIA ........................................................................................................................................178 8.1 Reações de hipersensibilidade ......................................................................................................178 8.1.1 Hipersensibilidade imediata – Tipo I ............................................................................................ 179 8.1.2 Reações anafiláticas sistêmicas ......................................................................................................181 8.1.3 Hipersensibilidade imediata – Tipo II ........................................................................................... 182 8.1.4 Hipersensibilidade imediata – Tipo III .......................................................................................... 184 8.1.5 Hipersensibilidade imediata – Tipo IV ......................................................................................... 186 8.1.6 Hipersensibilidade do tipo tardio .................................................................................................. 186 8.2 Transplante e rejeição .......................................................................................................................188 8.2.1 Antígenos de histocompatibilidade – Sistema MHC e transplante ................................ 189 8.2.2 Rejeição.....................................................................................................................................................191 8.2.3 GVHD (doença do enxerto contra o hospedeiro) .................................................................... 192 8.3 Doenças autoimunes ........................................................................................................................193 8.3.1 Abordagens terapêuticas nas doenças autoimunes .............................................................. 200 8.4 Imunodeficiências ..............................................................................................................................200 8.4.1 Imunodeficiências primárias ........................................................................................................... 200 8.4.2 Imunodeficiências secundárias ...................................................................................................... 205 9 APRESENTAÇÃO O objetivo desta disciplina é apresentar os fundamentos da imunologia, os aspectos gerais relativos ao sistema imunológico humano, os conceitos que alicerçam a divisão da imunidade em inata e adaptativa e os mecanismos envolvidos nas respostas imunes aos patógenos. Logo, esperamos que, ao concluir as atividades dessa disciplina, você seja capaz de identificar os elementos moleculares e celulares envolvidos no desenvolvimento da resposta imunológica e os processos incluídos no estabelecimento dessa resposta:• a resposta inflamatória; • o processamento, a apresentação e o reconhecimento antigênico; • o estabelecimento da resposta humoral e citotóxica. Com isso, você poderá entender como a resposta imunológica atua frente à infecção por diferentes patógenos e compreender como o sistema imunológico é capaz de contribuir para o aparecimento ou para o agravamento de doenças crônico-degenerativas. INTRODUÇÃO A imunologia é a área da biologia destinada ao estudo do sistema imunitário, também conhecido como sistema imunológico ou sistema imune. A partir do estudo do funcionamento fisiológico do sistema imunológico de um indivíduo sadio, podemos: • compreender como esse sistema atua para garantir a homeostase; • entender as condições que resultam em doenças imunológicas – doenças autoimunes, hipersensibilidade, deficiência imunológica e rejeição pós-enxerto. As abordagens relativas à imunologia também permitem que compreendamos os mecanismos envolvidos na interação do sistema imunológico com o sistema neuroendócrino. Esperamos que este livro-texto aguce a sua curiosidade sobre os assuntos aqui desenvolvidos e faça você querer saber mais sobre a imunologia, seus componentes, seus mecanismos de ação e sua relação com a manutenção da homeostase dos sistemas orgânicos. Certamente, os tópicos aqui desenvolvidos fornecerão as bases e as fundamentações necessárias para que você possa aprofundar seus conhecimentos em relação aos diversos temas que compõem a imunologia. Bom estudo! 11 IMUNOLOGIA BÁSICA Unidade I 1 INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA 1.1 Breve histórico da pesquisa em imunologia A palavra imunidade é originada do termo em latim immunis, ou immunitas, que significa isento ou livre. No âmbito das ciências biológicas, imunidade refere-se aos mecanismos utilizados pelo organismo para protegê-lo de agentes estranhos ao corpo. Ainda nesse contexto, os indivíduos que não sucumbem a uma doença, quando infectados, são denominados imunes. O estudo da imunologia é relativamente recente. Sua origem é atribuída, por alguns autores, a Edward Jenner, um médico inglês que, em 1796, verificou que o cowpox, vírus da varíola bovina, conferia proteção contra a varíola humana. Edward Jenner observou que mulheres que ordenhavam vacas recuperadas da vaccínia (varíola bovina) não contraíam a varíola humana. A partir dessas observações, Jenner demonstrou que as inoculações de amostras de varíola bovina em indivíduos sadios conferiam proteção contra a varíola, procedimento que foi denominado de vacinação. Seus métodos consistiram no que explicamos a seguir. • Em um primeiro momento, inoculou-se, no braço de um menino de 8 anos, uma pequena alíquota do pus extraído das feridas das vacas com varíola bovina. • Após aproximadamente uma semana, o menino apresentou dores de cabeça, falta de apetite, febre e inquietação, mas logo se recuperou. • Depois da recuperação, inoculou-se uma nova amostra no menino, porém, dessa vez, extraída de paciente contaminado com a varíola humana. • Semanas depois de ter sido exposto ao vírus, o menino não havia desenvolvido nenhum sintoma da infecção viral. No ano seguinte, Edward Jenner descreveu seu experimento à Royal Society, mas as provas que ele apresentou foram consideradas insuficientes. Ele, então, inoculou o material em outras crianças, inclusive em seu próprio filho. Em 1798, seu trabalho foi reconhecido e publicado. 12 Unidade I Figura 1 – Pintura de Ernest Board, na qual Jenner aplica a primeira vacina em 1796 Observação O trabalho de Jenner, ao ser publicado, foi considerado ridículo e sofreu muitas críticas, especialmente por parte do clero, que avaliou como repulsivo e demoníaco inocular uma pessoa com material originado de um animal doente. Não obstante, são incontestáveis os benefícios que experimentos como esse de Jenner trouxeram à sociedade. Aproximadamente um século depois, no final do século XIX, o médico alemão Robert Koch conseguiu provar que as doenças infecciosas eram causadas por microrganismos. Esses seres microscópicos foram denominados patógenos. Hoje em dia, sabe-se que os microrganismos podem ser classificados em quatro grandes classes: os vírus, as bactérias, os fungos patogênicos e os protozoários. As descobertas de Koch e de outros pesquisadores do século XIX permitiram que a vacinação fosse estendida para a prevenção de outras doenças. De fato, por volta de 1880, na França, Louis Pasteur projetou com sucesso uma vacina contra a cólera aviária e desenvolveu uma vacina antirrábica. No início da década de 1890, Emil von Behring e Shibasaburo Kitasato descobriram que o soro de animais imunes à difteria ou ao tétano apresenta atividade antitóxica, que confere proteção de curto prazo contra os efeitos das toxinas liberadas pelos microrganismos causadores dessas doenças. Tal atividade deve-se aos anticorpos, que, ao se ligarem especificamente às toxinas, são capazes de neutralizá-las. 13 IMUNOLOGIA BÁSICA Outra contribuição importante para a imunologia foi, na mesma época, a descoberta do pesquisador russo Élie Metchnikoff. Ao estudar larvas de estrela-do-mar, ele observou que certas células englobavam lascas de madeira que haviam sido introduzidas em seu sistema de cultivo. Essa foi a primeira evidência da fagocitose, processo fundamental para a resposta imunológica. Com base em seus resultados, Élie Metchnikoff sugeriu que os anticorpos apresentavam pouca importância na efetivação do sistema imunológico. No entanto, em 1904, quando os pesquisadores Almroth Wright e Joseph Denys demonstraram que os anticorpos eram capazes de se ligar a bactérias e de promover sua destruição pelos fagócitos, ficou claro que os dois eventos atuam de maneira integrada e contribuem para a consolidação da resposta imunológica. Ainda na última década do século XIX, Paul Ehrlich, biólogo e bacteriologista alemão, formulou uma teoria denominada “teoria da cadeia lateral” (side-chain theory). A principal premissa dessa teoria era a de que a superfície dos glóbulos brancos – as células mediadoras do sistema imunológico – apresentam diversas cadeias laterais, ou receptores, capazes de se ligar às moléculas estranhas ao organismo, denominadas antígenos. Em 1919, o prêmio Nobel foi concedido a Jules Bordet, imunologista belga, pela descoberta de um conjunto de proteínas que atuam no ataque a formas extracelulares de agentes patogênicos. Esse conjunto de proteínas foi denominado “sistema complemento”. Em 1930, Karl Landsteiner, médico e biólogo austríaco naturalizado estadunidense, recebeu o Prêmio Nobel pela identificação dos diferentes tipos sanguíneos, que são resultados da expressão de distintos antígenos na superfície das hemácias. Essa descoberta possibilitou a realização dos procedimentos de transfusão sanguínea com maior segurança. Mais recentemente, em 1983, o pesquisador japonês Susumu Tonegawa desvendou a estrutura dos anticorpos e propôs que a informação para a produção dessas macromoléculas estaria distribuída em múltiplos genes, encontrados ao longo do genoma. A partir da combinação dos produtos desses genes, é possível produzir anticorpos para diferentes antígenos, o que garante a eficácia da resposta imunológica. Esse trabalho garantiu o Prêmio Nobel de 1987 para o pesquisador. Nos últimos anos, com o advento de novas tecnologias, diversos aspectos da imunologia vêm sendo estudados em detalhes. Alguns exemplos são os vários estudos que visam à compreensão dos mecanismos envolvidos na morte celular programada, na apresentação de antígenos, na consolidação da memória imunológica e no estabelecimento das doenças autoimunes. Outros aspectos importantes que vêm sendo estudados são o papel e a estrutura das citocinas, moléculas responsáveis por mediar as ações do sistema imunológico e as novas tecnologias para a produção de vacinas. 14 Unidade I 1.2 Principais conceitos em imunologia A imunologia é o ramo da biologia responsável pelo estudo do sistema imunológico, um conjunto de órgãos,células e moléculas responsável pelas reações de defesa do organismo contra corpos estranhos. Essas reações de defesa incluem a distinção e a eliminação de microrganismos, de parasitas macroscópicos e, até mesmo, de células neoplásicas. Portanto, o sistema imunológico é ativo não só contra invasores, mas também contra células anômalas que surgem diariamente como resultado de mutações. Dadas as suas funções, podemos afirmar que o sistema imunológico participa da manutenção da homeostase por meio do estabelecimento de interações celulares e moleculares complexas. A compreensão dessa complexidade e o reconhecimento dos diferentes elementos do sistema imunológico permitem uma intervenção clínica segura e eficaz, que se dá pelo uso de vacinas, soros, agentes anti-inflamatórios, imunomoduladores, imunossupressores, antibióticos, antineoplásicos etc. A eficiência do sistema imunológico contra os diferentes patógenos é garantida pela ativação concomitante de diferentes mecanismos de defesa frente a determinado invasor: enquanto alguns elementos desencadeiam mecanismos gerais e inespecíficos, outros atuam de maneira específica e direcionada. Essa característica é denominada redundância do sistema imunológico. Além disso, o sistema imunológico é dotado de mecanismos de adaptação e de memória, uma vez que apresenta a capacidade de extrair informações dos agentes infecciosos e de disponibilizá-las para uso futuro, em casos de novas infecções pelos mesmos agentes ou por agentes similares. Antes de iniciarmos o estudo da imunologia, vamos conhecer alguns conceitos importantes, que serão abordados ao longo do presente livro-texto: • Antígeno: sinônimo de imunógeno. É toda espécie molecular, de origem biológica ou sintética, que, quando introduzida em um organismo vertebrado, é capaz de produzir uma reação imunológica. Geralmente, os antígenos são proteínas ou polissacarídeos estranhos ao organismo (originários de bactérias, de vírus, de células que constituem um órgão transplantado etc.). Em alguns casos, no entanto, moléculas que são expressas normalmente em nossas células podem ser identificadas pelas células do sistema imunológico, o que dá origem às doenças autoimunes. • Epítopo: também conhecido como determinante antigênico. É a região do antígeno reconhecida pelo anticorpo. É constituído de um grupo de átomos que forma uma configuração específica tridimensional na superfície do imunógeno. Um antígeno pode apresentar mais de um epítopo, o que resulta na produção de anticorpos contra diferentes regiões da molécula. • Hapteno: refere-se a pequenas moléculas estranhas ao organismo que são incapazes de desencadear a produção de anticorpos, a menos que estejam combinadas a outras moléculas, geralmente proteínas, denominadas carreadores. São importantes nas reações de hipersensibilidade 15 IMUNOLOGIA BÁSICA e nas doenças autoimunes. Podemos dizer que, quando desligados do carreador, os haptenos apresentam antigenicidade, mas não imunogenicidade. • Anticorpos: também conhecidos como imunoglobulinas. São glicoproteínas do tipo gamaglobulina, que se encontram livres no plasma ou ligadas à superfície das células do sistema imunológico. Apresentam formato de Y, no qual os “braços”, denominados fragmentos Fab, são importantes no reconhecimento e na ligação a determinado epítopo. A partir da exposição de certas células (os linfócitos B) a determinado antígeno, são produzidos anticorpos contra seus epítopos, o que garante a especificidade da resposta imune. • Sistema complemento: é um conjunto de proteínas plasmáticas que podem ser ativadas diretamente, por patógenos, ou indiretamente, por anticorpos ligados a patógenos, a fim de desencadear uma cascata de eventos em sua superfície, que culminam na sua inativação. De maneira bem simplificada, podemos dizer que, muitas vezes, a efetiva eliminação de um patógeno se inicia com a ligação do anticorpo a seus antígenos e termina com a ativação do complemento. • Vacina: composto constituído de agentes patogênicos mortos ou vivos (atenuados), ou ainda por fragmentos desses agentes patogênicos, que têm como objetivo desencadear a produção de resposta imunológica duradoura, baseada em anticorpos contra esse agente. Assim, ao ser infectada pelo patógeno, a pessoa não adoecerá, pois já apresenta os anticorpos contra os antígenos. • Soro: composto que contém anticorpos prontos para combater uma doença, toxinas ou venenos. Para a produção de soros, os antígenos em questão são geralmente inoculados em animais, e os anticorpos produzidos por esses animais são posteriormente isolados do plasma. Os soros são utilizados quando o organismo não consegue produzir anticorpos específicos a tempo de combater o agente invasor. Um exemplo é o uso do plasma de pacientes curados da covid-19, que apresenta anticorpos contra o Sars-CoV-2, no tratamento de pacientes com a doença em curso. • Citotoxicidade: no caso de microrganismos intracelulares, a produção de anticorpos não é suficiente para eliminá-los, pois os anticorpos não são capazes de entrar nas células. Nesse cenário, o sistema imunológico lança mão da resposta citotóxica: células que apresentam antígenos em sua membrana, que são reconhecidos por anticorpos presentes na superfície de determinadas células do sistema imunológico (os linfócitos T CD8+), são induzidas à apoptose (morte celular). • Inflamação: é a primeira resposta do organismo contra um agente estranho. Constituída de sinais cardinais, ou flogísticos (dor, calor, rubor e edema), nada mais é do que uma primeira tentativa, inespecífica, de o organismo eliminar um corpo estranho antes do estabelecimento de uma resposta específica, baseada em anticorpos ou em citotoxicidade. Na inflamação, ocorre hiperalgesia (aumento da sensação dolorosa, que sinaliza ao organismo que algo está errado), vasodilatação (que facilita a migração das células do sistema imunológico para o local e aumenta o volume de líquido extracelular, facilitando sua atividade) e aumento do metabolismo local. Pelo fato de ser inespecífica, pode resultar em lesão do tecido afetado, o que culmina na perda de função tecidual. 16 Unidade I • Leucócitos: também recebem a denominação glóbulos brancos. São as diferentes células efetoras do sistema imunológico. São divididos em granulócitos – neutrófilos, basófilos e eosinófilos, envolvidos na secreção de diferentes mediadores químicos que auxiliam a eliminar diferentes classes de patógenos – e agranulócitos – linfócitos, envolvidos principalmente na imunidade baseada em anticorpos e na resposta citotóxica, e monócitos e células derivadas, que são fagócitos. • Pus: é o acúmulo de leucócitos, células do tecido afetado e patógenos mortos, além de proteínas e outras moléculas no sítio inflamatório. • Órgãos linfoides: são os locais onde os leucócitos são produzidos (órgãos linfoides primários, que são o timo e a medula óssea) ou onde ocorre a consolidação da resposta imunológica, a partir da apresentação de antígenos aos linfócitos (órgãos linfoides secundários, que são os gânglios linfáticos e o baço). • Linfa: líquido originado do sangue, composto principalmente de proteínas e lipídios, que circula nos vasos linfáticos – pequenos vasos responsáveis pela intercomunicação dos órgãos linfoides secundários – e transporta leucócitos, especialmente linfócitos. • Apresentação de antígenos: os macrófagos e as células dendríticas são células derivadas dos monócitos especializadas em fagocitar restos celulares e corpos estranhos. Essas células atingem os órgãos linfoides secundários e apresentam os diferentes antígenos fagocitados aos linfócitos T específicos, que são capazes de reconhecer se tais antígenos são próprios do organismo ou não. Caso não sejam próprios, é desencadeada resposta imunológica específica, via produção de anticorpos e citotoxicidade. • Complexo de histocompatibilidade principal: também denominado complexo MHC, é um conjunto de proteínas expressas na superfície dascélulas que participam do reconhecimento dos antígenos próprios e não próprios pelas células do sistema imunológico. Nos transplantes de órgãos, o complexo MHC do doador e do receptor precisam ser compatíveis. • Substâncias reguladoras da resposta imunológica: são moléculas, secretadas pelos leucócitos ou por outros tipos celulares, que medeiam as respostas imunológicas. São as citocinas – quimiocinas, interleucinas, linfocinas e interferons – e os eicosanoides – prostaglandinas e leucotrienos. 1.3 Imunidade inata e imunidade adaptativa A função imunológica é conceitualmente dividida em imunidade inata (inespecífica) e imunidade adaptativa (adquirida ou específica), que formam, em conjunto, um sistema de defesa complexo. A imunidade inata está presente desde o nascimento e é representada pelas barreiras naturais (físicas, químicas e biológicas) do organismo e por mecanismos inespecíficos, mediados por células especializadas e por moléculas solúveis, presentes em todos os indivíduos, independentemente de ter 17 IMUNOLOGIA BÁSICA havido contato prévio com agentes imunógenos ou agressores. A imunidade inata envolve uma resposta rápida e sempre repetitiva (igual) a um número grande de estímulos, que não se altera após o contato com o antígeno. As principais manifestações da imunidade inata são a inflamação, a fagocitose, a liberação de mediadores e de proteínas de fase aguda e a ativação de proteínas do sistema complemento. A imunidade adaptativa, ou adquirida, não está presente desde o nascimento e se desenvolve somente quando o sistema imunológico de um indivíduo reconhece substâncias não próprias (antígenos). A partir do reconhecimento desses antígenos, os linfócitos são capazes de produzir anticorpos (resposta humoral) ou, ainda, induzir a apoptose das células infectadas (resposta citotóxica). Como a resposta é dirigida a determinado antígeno, não há dano tecidual, o que é comum no decorrer da imunidade inata. A imunidade adaptativa é também denominada específica porque envolve o planejamento de um ataque a determinado antígeno com o desenvolvimento de memória imunológica, que será ativada em exposições subsequentes ao mesmo antígeno. Mas qual é a importância da atuação concomitante dessas duas linhas de defesa? As respostas envolvidas na imunidade inata são ativadas imediatamente após a exposição ao corpo estranho e têm como objetivo principal impedir a disseminação do estímulo patogênico. No entanto, apresentam sempre a mesma intensidade e não têm memória, ou seja, não melhoram em qualidade ou em intensidade à medida em que o indivíduo se expõe ao mesmo antígeno ao longo do tempo. Por outro lado, as respostas envolvidas na imunidade adaptativa permitem discriminar diferenças estruturais mínimas entre os antígenos estranhos e, portanto, realizar estratégias de defesa mais elaboradas, que não são danosas aos tecidos sadios e que incluem o desenvolvimento da chamada memória imunológica. A memória imunológica garante respostas mais rápidas e intensas a partir de uma segunda exposição ao antígeno, o que permite a eliminação dos patógenos antes mesmo do aparecimento dos sinais e dos sintomas da doença. A partir de agora, vamos estudar a constituição do sistema imunológico: os órgãos envolvidos, as células e as moléculas efetoras. 2 CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO: ÓRGÃOS E TIPOS CELULARES 2.1 Tecidos e órgãos linfoides O sistema linfoide é composto de: • órgãos linfoides primários (medula óssea e timo); • órgãos linfoides secundários (linfonodos e baço). Os órgãos linfoides primários são responsáveis pela produção das células do sistema imunológico, pelo seu desenvolvimento fenotípico e funcional e pela expressão inicial dos receptores de antígenos. 18 Unidade I Nos órgãos linfoides secundários, por sua vez, ocorre a apresentação e o reconhecimento de antígenos estranhos, para que se inicie a resposta imune adaptativa. Os órgãos linfoides secundários estão espalhados por todo o corpo, de forma a facilitar uma reação adaptativa rápida. Além dos órgãos citados, nosso organismo conta com os tecidos linfoides associados às mucosas (MALT), que participam da resposta à invasão de microrganismos em sítios de infecção primária, como o tubo digestório, respiratório e geniturinário. Ele é composto dos microcompartimentos – as placas de Peyer, os nódulos mesentéricos linfáticos, o apêndice e os folículos solitários no intestino – e das tonsilas e adenoides nas vias aéreas superiores. A seguir, vamos descrever as características gerais dos órgãos e dos tecidos linfoides primários, secundários e associados à mucosa. 2.1.1 Órgãos linfoides primários Faremos, a seguir, descrições a respeito dos órgãos linfoides primários. Medula óssea A medula óssea é o tecido que preenche o canal medular dos ossos longos e as cavidades dos ossos esponjosos. A medula óssea funcional apresenta cor vermelha, devido à presença de grande quantidade de eritrócitos (hemácias). O componente amarelo da medula óssea, por sua vez, não tem função hemocitopoiética, ou seja, não é capaz de produzir glóbulos brancos nem vermelhos a partir de células-tronco, e tem essa cor devido ao acúmulo de tecido adiposo. No recém-nascido, toda medula óssea é ativa na produção de células do sangue e, portanto, é vermelha. Com o avanço da idade, a maior parte da medula óssea transforma-se na variedade amarela e, no adulto, a medula vermelha persiste somente nas epífises proximais do fêmur e do úmero, no esterno, nas vértebras, nas costelas e nos ossos do crânio. Em algumas situações, como nas hemorragias extensas, a medula óssea amarela transforma-se em vermelha, pois a produção de células sanguíneas precisa ser aumentada. A medula óssea vermelha é constituída por células reticulares (principalmente macrófagos, células adiposas e células hematopoiéticas) e por fibras reticulares, de colágeno tipo III. Esses componentes formam uma espécie de esponja, percorrida por numerosos capilares. À medida que as células sanguíneas vão sendo produzidas e maturadas, atravessam a parede dos capilares e são levadas até a circulação sistêmica. A hematopoiese é a produção das células do sangue a partir de precursores indiferenciados (células-tronco). Nesse processo, as células-tronco pluripotentes dão origem a células-filhas com potencial restrito, chamadas de células progenitoras ou de unidades formadoras de colônia (UFC). 19 IMUNOLOGIA BÁSICA As células progenitoras são comprometidas com a diferenciação em uma das linhagens a seguir, em um processo regulado por moléculas denominadas citocinas. • Linhagem mieloide: posteriormente, é diferenciada em linhagens eritroide, megacariocítica, granulocítica e monocítica. • Eritroide: dá origem às hemácias. • Megacariocítica: dá origem às plaquetas. • Granulocítica: dá origem aos neutrófilos, aos basófilos e aos eosinófilos. • Monocítica: dá origem aos monócitos, que, mais tarde, podem se diferenciar em macrófagos e em células dendríticas. • Linhagem linfocítica: dá origem aos linfócitos NK e B, que sofrem maturação na própria medula óssea, e aos linfócitos imaturos, que se diferenciam em linfócitos T no timo. É importante salientar que as hemácias e as plaquetas não participam diretamente da efetivação do sistema imunológico. Célula-mãe Medula óssea Fêmur Hemácias Plaquetas Neutrófilos Linfócitos Célula mieloide Célula linfoide Figura 2 – Representação da medula óssea e da hematopoiese Timo O timo é um órgão linfoepitelial situado atrás do esterno e na altura dos grandes vasos do coração. É constituído por dois lobos envoltos por uma cápsula e é amplamente irrigado por vasos sanguíneos e linfáticos eferentes que drenam para os linfonodos do mediastino. Esse órgão atinge 20 Unidade I seu desenvolvimento máximo no feto e no recém-nascido, e cresce até a puberdade, quando se inicia sua atrofia. No entanto, nunca desaparece totalmente. Cada lobo do timo é formado por uma zona cortical, periférica, e uma zona medular,central. As células mais abundantes na zona cortical são os linfócitos T, em diversos estágios de maturação, e os macrófagos. Na medula, são encontrados os corpúsculos de Hassall, constituídos por células reticulares epiteliais. Os macrófagos localizados próximos aos capilares asseguram que os antígenos que atingem o timo não reajam com os linfócitos T em desenvolvimento na zona cortical, o que previne o desenvolvimento de uma reação autoimune. O timo é um local de formação e de seleção de linfócitos T. Células-tronco da linhagem linfocítica migram continuamente da medula óssea, carregadas pelo sangue, e se alojam no timo, onde proliferam e se diferenciam. Após saírem do timo, os linfócitos vão se estabelecer em outros órgãos linfoides, denominados secundários ou periféricos (linfonodos, polpa branca do baço e nódulos linfoides das placas de Peyer e das tonsilas). A) TímoTímo B) Lobo direito Lobo esquerdo Lóbulos Figura 3 – (a) Imagem anatômica do timo; (b) Divisão anatômica do timo 2.1.2 Órgãos linfoides secundários Faremos, a seguir, descrições a respeito dos órgãos linfoides secundários. Baço O baço é o maior órgão linfoide secundário do organismo. É composto de células reticulares, muitos linfócitos e outras células do sangue, macrófagos e células apresentadoras de antígenos. O baço tem dois componentes principais com funções distintas: • a polpa vermelha; • a polpa branca. 21 IMUNOLOGIA BÁSICA A polpa branca corresponde ao componente imunológico do baço. Ela é dividida em bainha linfoide periarteriolar e em folículos, os quais são, respectivamente, zonas bem caracterizadas de linfócitos T e B. Nessas regiões, ocorre tanto a produção de anticorpos pelos linfócitos B ativados quanto a ativação dos linfócitos T, a partir do reconhecimento de um antígeno não próprio. A polpa vermelha é responsável pela remoção de microrganismos da circulação sanguínea e pela destruição das hemácias velhas, com mais de 120 dias (hemocarotese). É também um local de armazenamento de hemácias. Apesar de o baço desempenhar importantes funções para o corpo, ele não é essencial para a vida. Quando o baço é removido por alguma situação (doenças, ruptura etc.), outros órgãos, como o fígado e a medula óssea, assumem muitas das funções desse órgão. No entanto, ocorre um aumento significativo do risco de infecções em indivíduos que tiveram o baço retirado. Artéria esplênica Veia esplênica Polpa branca Polpa vermelha Diafragma PulmãoCoração Fígado Aorta Veia cava inferior Baço Figura 4 – Localização e estrutura anatômica do baço Linfonodos Os linfonodos, ou gânglios linfáticos, são constituídos por tecido linfoide e se localizam no trajeto dos vasos linfáticos. São encontrados na axila, na virilha, ao longo dos grandes vasos do pescoço e, em grande quantidade, no tórax e no abdome, especialmente no mesentério. Além de filtrarem a linfa, os linfonodos mantêm e produzem os linfócitos B e, também, alojam os linfócitos T. Esses órgãos são envolvidos por uma cápsula de revestimento, e o seu parênquima é dividido em zona cortical e zona medular. A zona cortical é dividida em: • córtex externo, constituído por tecido linfoide frouxo e por nódulos linfoides, ricos em linfócitos B; • córtex interno, que aloja os linfócitos T, as células reticulares e alguns macrófagos e plasmócitos (linfócitos B diferenciados, que já produzem anticorpos). 22 Unidade I A zona medular é constituída principalmente pelos linfócitos B, pelos plasmócitos e por alguns macrófagos. Os linfócitos B ativados migram do córtex como plasmócitos e entram nos seios medulares, onde secretam imunoglobulinas, sem deixar o linfonodo. Os seios medulares recebem a linfa que vem da zona cortical e se comunica com os vasos linfáticos eferentes, pelos quais a linfa sai do linfonodo. Os linfonodos são ligados em série pelos vasos linfáticos de forma que o vaso linfático eferente de um linfonodo se torna o vaso linfático aferente do linfonodo seguinte da cadeia. Os linfócitos deixam os linfonodos pelos vasos linfáticos eferentes, que confluem com outros vasos linfáticos até se formarem os grandes linfáticos, que desembocam em veias. Pelo sangue, os linfócitos retornam aos linfonodos através de vênulas por diapedese. Após atravessarem as vênulas, os linfócitos caem no tecido linfático e, finalmente, saem do linfonodo pelo vaso linfático eferente. Assim, os linfócitos recirculam numerosas vezes pelo linfonodo. Vasos linfáticos aferentes Região interna macrófagos Folículo linfoide Vasos linfáticos eferentes Região externa linfócitos Trabecular cápsula densa de tecido conjutivoVálvula F E D C BA Figura 5 – Estrutura e localização da rede linfática Lembrete Os linfonodos apresentam tamanhos variados: alguns têm cerca de 1 mm de comprimento e outros têm até 2 cm. Apresentam, de maneira geral, um formato que se assemelha ao de um feijão. Estão distribuídos por todo nosso corpo. As neoplasias que têm início nos linfonodos são denominadas linfomas. 23 IMUNOLOGIA BÁSICA Tecido linfoide associado às mucosas (MALT) Os tratos gastrointestinal, respiratório e geniturinário estão em contato com o meio externo, e, por esse motivo, estão mais sujeitos à ação de patógenos. Nas camadas mucosa e submucosa desses sistemas, existem acúmulos de tecido linfático difuso que, em alguns lugares, formam órgãos bem estruturados, como as tonsilas, localizadas na faringe, e as placas de Peyer, localizadas no intestino delgado. O tecido linfático das mucosas é denominado MALT (mucosa associated lymphatic tissue). Os componentes do MALT são divididos nas seguintes categorias: • GALT (tecido linfoide associado ao trato gastrointestinal); • BALT (tecido linfoide associado aos brônquios); • NALT (tecido linfoide associado às narinas); • SALT (tecido linfoide associado à pele); • VALT (tecido linfoide associado aos vasos sanguíneos); • CALT (tecido linfoide associado à conjuntiva do olho). Coletivamente, o MALT é um dos maiores órgãos linfoides e contém até 70% de todas as células imunes do corpo. Vasos linfáticos, por onde as células do sistema imunológico e os antígenos são transportados, estão presentes nele também. As tonsilas são formadas por aglomerados de tecido linfoide e estão localizadas na boca e na faringe – posições estratégicas para defender o organismo contra antígenos transportados pelo ar e pelos alimentos. Nelas, ocorre a produção de linfócitos. Há três tonsilas, conforme a localização: • palatinas (localizadas na parede lateral da orofaringe); • faríngeas (também chamadas de adenoides, localizadas no teto da nasofaringe); • linguais (localizadas na base da língua). 24 Unidade I Mucosa respiratória inferior Manchas bronquiais Medula óssea Tonsilas faríngeas (adenoides) Tonsilas palatinas Tonsilas linguais Mucosa respiratória superior Timo Pele Fígado SALT GALT NALT BALT Mucosa intestinal Placas de Peyer Apêndice Mucosa urogenital Tecidos linfoides primários Tecidos linfoides secundários Linfonodo Figura 6 – Representação dos tecidos linfoides secundários associados à mucosa (MALT) Observação Os locais onde encontramos os tecidos linfoides associados à mucosa são portas de entradas para inúmeros patógenos. Daí seu principal papel, que é limitar a entrada desses patógenos no organismo. Exemplo de aplicação Você sabia que os estudos acerca dos tecidos linfoides associados à mucosa levaram a uma melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desenvolvimento de doenças autoimunes, como, por exemplo, a doença celíaca? Vale a pena pesquisar. 25 IMUNOLOGIA BÁSICA 2.2 Células do sistema imunológico As células efetoras do sistema imunológico são denominadas, em conjunto, glóbulos brancos ou leucócitos. Elas usam o sangue e a linfa para se deslocarem pelo organismo e, assim, combaterem os estímulos lesivos onde quer que eles estejam. Neutrófilo Linfócito T Eosinófilo Linfócito B Basófilo Linfócito NK MonócitoMacrófago Figura 7 – Células de defesa do sistema imunológico Apenas 20% das células da corrente sanguínea são linfócitos, os outros 80% são granulócitos e monócitos. Os leucócitos que circulam pelo sangue apresentam, em sua maioria, funções definidas e vida limitada. Assim sendo, há necessidade contínua de se produzirem novas células. Esse processo, como já vimos, é denominado hematopoiese e ocorre na medula óssea. Todas as células hematológicas derivam de uma única célula-mãe, pluripotente, chamada de célula-tronco hematopoiética ou stem cell. Após o estímulo apropriado, essas células dão origem a colônias específicas de células de determinada linhagem hematológica, denominadas de células progenitoras. Essas células progenitoras, por sua vez, dão origem às células precursoras, que podemos reconhecer morfologicamente como as precursoras imediatas das diversas células maduras presentes no sangue periférico. Como já vimos anteriormente, os leucócitos são derivados: • da linhagem granulocítica (células que apresentam grânulos de secreção, neutrófilos, basófilos e eosinófilos); • da linhagem monocítica (responsável pela geração de monócitos e, subsequentemente, macrófagos e células dendríticas); • da linhagem linfocítica (responsável pela geração de linfócitos NK e de linfócitos T e B). 26 Unidade I Vamos conferir o papel de cada um desses tipos celulares na efetivação da resposta imunológica? 2.2.1 Granulócitos Os granulócitos têm esse nome porque, ao microscópio, pode-se observar a presença de grânulos de secreção em seu citoplasma. Esses grânulos liberam diferentes moléculas mediadoras, enzimas, peptídeos e proteínas antibacterianas. Existem três tipos de granulócitos: os neutrófilos, os basófilos e os eosinófilos. Neutrófilos Cerca de 50 a 70% de todos os leucócitos são neutrófilos. Essas células são os principais fagócitos do organismo humano e figuram entre as primeiras a migrarem para o local da lesão celular. Os níveis de neutrófilos no plasma aumentam rapidamente na vigência de infecção bacteriana. A ação dessas células contra tais patógenos envolve o que segue. • Quimiotaxia: trata-se da fase em que há movimento do neutrófilo do sangue em direção às bactérias, a partir do reconhecimento de substâncias liberadas por esses microrganismos patogênicos. • Fagocitose: trata-se da fase em que o microrganismo é englobado no interior de um vacúolo fagocítico, circundado por membrana. • Destruição do microrganismo: trata-se da fase que ocorre a partir da liberação dos conteúdos dos grânulos de secreção, que contêm proteínas bactericidas, mieloperoxidase, catepsinas e radicais livres. Os neutrófilos ainda sofrem o processo de degranulação e são capazes de liberar o conteúdo de três classes de grânulos no meio extracelular, mostradas a seguir. • Grânulos primários ou azurófilos: contêm mediadores importantes como a mieloperoxidase, as defensinas, a elastase neutrofílica, a proteína de aumento da permeabilidade bacteriana e a catepsina G. • Grânulos secundários: apresentam componentes secretados especificamente por neutrófilos, sendo a lactoferrina o principal exemplo. • Grânulos terciários: suas principais proteínas são as catepsinas e as gelatinases, também conhecidas como “armadilhas extracelulares neutrofílicas” (NETs, do inglês neutrophil extracellular traps), capazes de anular fatores de virulência e de destruir bactérias extracelulares, além de impedir sua disseminação. 27 IMUNOLOGIA BÁSICA Morfologicamente, os neutrófilos apresentam-se como uma célula de diâmetro entre 10 e 14 micrômetros. São células arredondadas e apresentam núcleo constituído de dois a cinco lóbulos. Por esse motivo, são consideradas células polimorfonucleares. Figura 8 – Neutrófilo em esfregaço sanguíneo Eosinófilos Durante seu desenvolvimento, na medula óssea, os eosinófilos produzem e armazenam muitos grânulos proteolíticos no citoplasma. Após a maturação, circulam pela corrente sanguínea em pequenas quantidades e são encontrados em maior número nas mucosas dos tratos gastrointestinal, respiratório e geniturinário. Os níveis plasmáticos de eosinófilos aumentam quando o paciente apresenta reações alérgicas ou infecções parasitárias. No interior dos seus grânulos, temos, além de substâncias proteolíticas, os mediadores histamina e heparina, que apresentam papel importante nas reações de hipersensibilidade e na resposta contra parasitas, sobretudo helmintos. Outro constituinte dos grânulos dessas células é a proteína catiônica eosinofílica. Trata-se de uma ribonuclease com propriedades antivirais, que promove a formação de poros na membrana da célula-alvo, inibe a proliferação de linfócitos T, suprime a produção de anticorpos pelos plasmócitos e induz a degranulação de mastócitos. Morfologicamente, os eosinófilos apresentam núcleo com dois lobos conectados por um filamento e grânulos citoplasmáticos que se coram por eosina. 28 Unidade I Figura 9 – Eosinófilo em esfregaço sanguíneo Basófilos Os basófilos constituem menos de 1% dos leucócitos do sangue periférico. Eles também liberam histamina e heparina, que são armazenadas em seus grânulos de secreção. A liberação desses mediadores consolida as reações de hipersensibilidade e inibe a coagulação do sangue. Embora não estejam normalmente presentes nos tecidos, os basófilos podem ser recrutados para sítios inflamatórios, em conjunto com os eosinófilos. Morfologicamente, os basófilos têm núcleo grande e de formato irregular, que lembra a letra “S”, e apresentam grânulos maiores do que os dos neutrófilos e dos eosinófilos. Figura 10 – Basófilo em esfregaço sanguíneo 29 IMUNOLOGIA BÁSICA 2.2.2 Agranulócitos Os agranulócitos não apresentam grânulos de secreção em seu citoplasma. São células especializadas em fagocitar e apresentar antígenos (monócitos, macrófagos e células dendríticas) e em consolidar a imunidade adaptativa (linfócitos). Monócitos/macrófagos Os monócitos perfazem de 3% a 8% dos leucócitos circulantes e, no tecido conjuntivo ou parênquima de órgãos, dão origem aos macrófagos e às células dendríticas mieloides. Essas células atravessam as paredes dos capilares, em um processo denominado diapedese, e, quando atingem o tecido conjuntivo, se diferenciam em macrófagos. Esse processo encontra-se aumentado nas reações inflamatórias. Os macrófagos passam a receber denominação específica, de acordo com sua localização: os microgliócitos são os macrófagos do cérebro, as células de Kupffer são os macrófagos do fígado, os macrófagos alveolares fazem parte do tecido pulmonar etc. A principal função dos macrófagos é fagocitar patógenos e restos (debris) celulares. Ao contrário dos neutrófilos, os macrófagos podem permanecer no tecido por meses ou anos, onde atuam como sentinelas. Admite-se que haja três subpopulações distintas de macrófagos, cada qual com atividades e funções próprias, conforme explicado a seguir. • Macrófagos ativados: são os macrófagos clássicos. Apresentam atividade microbicida e tumoricida, secretam grandes quantidades de citocinas e de mediadores inflamatórios, fagocitam patógenos e restos (debris) celulares, processam seus antígenos e os apresentam, via complexo de histocompatibilidade principal (MHC), para os linfócitos T, a fim de consolidar a resposta imune adaptativa. • Macrófagos de reparo tecidual: são ativados por um mediador denominado interleucina-4 (IL-4) e estão basicamente envolvidos no reparo dos tecidos lesionados, a partir do estímulo dos fibroblastos, responsáveis por promover a deposição de matriz extracelular. • Macrófagos reguladores: são ativados por um mediador denominado interleucina-10 (IL-10), que apresenta ação anti-inflamatória, e participam da regulação da resposta imune. Morfologicamente, os monócitos são células grandes, cujo núcleo tem formato semelhante a um rim, ao passo que os macrófagos apresentam núcleo periférico e mais arredondado. 30 Unidade I Figura 11 – Monócito em esfregaço sanguíneo Figura12 – Macrófagos em processo de fagocitose Células dendríticas As células dendríticas podem ser encontradas no sangue, na pele e nos tratos gastrointestinal e respiratório. Essas células são responsáveis por capturar e fagocitar microrganismos invasores. Após a fagocitose do patógeno, as células dendríticas migram rapidamente para os nódulos linfáticos e apresentam os antígenos em sua superfície para os linfócitos T, o que dá início à resposta imune adaptativa. Tanto os macrófagos quanto as células dendríticas contam com receptores de superfície (por exemplo, os receptores do tipo toll – do inglês toll-like receptors – TLR), que são de fundamental importância no reconhecimento de moléculas relacionadas ao patógeno e também no desencadeamento de resposta 31 IMUNOLOGIA BÁSICA específica contra ele. Outra similaridade entre esses dois tipos celulares é que ambos são células apresentadoras de antígenos aos linfócitos T, via complexo principal de histocompatibilidade (MHC). As células dendríticas podem ser classificadas de acordo com os seguintes fatores: a expressão de marcadores em sua superfície, a localização e a função que desempenham. • As células dendríticas plasmocitoides estão localizadas principalmente no sangue e nos órgãos linfoides (baço, timo, medula óssea e linfonodos) e atuam especialmente contra os vírus, a partir da produção de interferons alfa e beta. • As células dendríticas mieloides estão localizadas na pele, no sangue e nas mucosas. Produzem TNF-alfa (tumour necrosis factor-alpha, citocina responsável pela morte de células tumorais e pelo processo inflamatório). Na pele, elas são denominadas células de Langerhans ou migratórias. Morfologicamente, as células dendríticas apresentam diversos prolongamentos que se assemelham aos dendritos dos neurônios, daí seu nome. Linfócito Célula dendrítica Figura 13 – Célula dendrítica em processo de interação com um linfócito Linfócitos Os linfócitos são células pequenas que apresentam um grande núcleo circular, que ocupa cerca de 70% do volume do citoplasma. Eles são classificados em três grupos principais: • linfócitos T; • linfócitos B; • linfócitos NK. Os linfócitos T têm esse nome porque, embora sejam originados na medula óssea, migram para o Timo para sofrerem o processo de maturação. 32 Unidade I Figura 14 – Linfócito em esfregaço sanguíneo Existem duas categorias principais de linfócitos T: • os linfócitos T CD4+ (também chamados de helper, ou auxiliadores); • os linfócitos T CD8+ (também chamados de citotóxicos). Os linfócitos T CD4+ são as células responsáveis por reconhecer antígenos não próprios a partir da apresentação deles pelas células apresentadoras de antígenos e, então, direcionar a imunidade adaptativa à resposta humoral (baseada em anticorpos) e/ou à resposta citotóxica. Tal direcionamento é realizado a partir da secreção de moléculas denominadas linfocinas, capazes de controlar e coordenar outras células do sistema imunológico. Os linfócitos T CD8+ têm como função principal atacar as células que expressam antígenos não próprios, o que é importante principalmente no caso de antígenos tumorais presentes nas células neoplásicas, e antígenos virais presentes nas células infectadas por esses microrganismos. Os linfócitos T CD8+ também liberam linfocinas, responsáveis por atrair macrófagos e linfócitos para o local de sua ação. Célula T helper maturada (Th1 ou Th2) Célula T citotóxica maturada (Tc) Célula apresentadora de antígeno Célula apresentadora de antígeno Célula T CD8+ imatura Célula T CD4+ imatura Antígeno Antígeno TCRTCR MHCII MHCI CDH8+CDH4+ Figura 15 – Apresentação de antígeno a células Th (CD4+) e Tc ( CD8+) imaturas e processo de ativação e maturação 33 IMUNOLOGIA BÁSICA Os linfócitos B recebem esse nome em razão de a maturação ocorrer na medula óssea (do inglês Bone marrow). Essas células são as responsáveis pela produção de anticorpos. Na superfície dos linfócitos B, existem receptores que têm a função de reconhecer antígenos não próprios. A partir desse reconhecimento, os linfócitos B tornam-se ativados e passam a produzir clones das proteínas que reconheceram tais antígenos. Esses clones são os anticorpos capazes de neutralizar o antígeno reconhecido como estranho ao organismo. A partir do momento que o linfócito B inicia a produção de anticorpos, ele passa a ser denominado plasmócito. Os linfócitos NK, do inglês Natural Killer, representam de 5% a 20% das células mononucleares do sangue. São uma importante linha de defesa inespecífica, pois reconhecem e lisam células infectadas por vírus, bactérias e protozoários, bem como células tumorais. Ademais, recrutam neutrófilos e macrófagos, ativam células dendríticas e linfócitos T e B. A citólise mediada pelos linfócitos NK ocorre pela ação das enzimas perforinas, que criam poros na membrana das células-alvo, e granzimas, que penetram nas células e desencadeiam a morte celular por apoptose. Célula NK em repouso Célula tumoral Célula tumoral Perforina Granzima Célula NK ativada Figura 16 – Ativação e mecanismo de ação de célula NK frente a antígeno tumoral Saiba mais Para aprofundar seu conhecimento sobre as células-tronco hematopoiéticas, leia o artigo indicado a seguir. MARQUES, A. C. B. et al. Transplante de células-tronco hematopoiéticas e qualidade de vida durante o primeiro ano de tratamento. Revista latino-americana de enfermagem, 2018. Disponível em: https://bit.ly/330TfoM. Acesso em: 28 abr. 2021. 34 Unidade I 3 PRINCIPAIS MOLÉCULAS EFETORAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO Você já aprendeu que a função de uma célula é mediada por diferentes moléculas, secretadas pela própria célula efetora ou por outros tipos celulares. No sistema imunológico não é diferente: os leucócitos sintetizam e secretam, entre outras moléculas, quimiocinas, citocinas, linfocinas, eicosanoides e anticorpos. Além disso, eles respondem a moléculas produzidas por outras células, a fim de consolidar a resposta imune. A seguir, vamos conhecer essas moléculas. 3.1 Moléculas não próprias capazes de induzir a resposta imune As células do sistema imunológico são capazes de reconhecer moléculas estranhas ao organismo e, a partir desse reconhecimento, desencadear a resposta imune inata e/ou adaptativa. 3.1.1 Padrões moleculares Os padrões moleculares associados a patógenos, ou PAMPs (do inglês pathogen associated molecular patterns) são substâncias microbianas que estimulam a imunidade inata. Trata-se: • dos ácidos nucleicos (como o RNA de fita simples e dupla, presente nos vírus); • das proteínas (como as estruturas pilina e flagelina encontradas nas bactérias); • das moléculas de superfície (como, por exemplo, os lipopolissacarídeos – LPS) da superfície de bactérias Gram-negativas; • do ácido lipoteicoico de bactérias Gram-positivas; • dos carboidratos (como as mananas e as glucanas presentes em fungos). Esses produtos microbianos são essenciais para a sobrevivência dos microrganismos patogênicos e, por isso, seu reconhecimento pelos leucócitos envolvidos na imunidade inata muitas vezes culmina na morte deles. Além dos PAMPs, outras moléculas podem iniciar a resposta imune inata. Os padrões moleculares associados a danos, ou DAMPs (do inglês damage associated molecular patterns), são substâncias endógenas produzidas ou liberadas por células mortas ou danificadas por diferentes motivos (infecções, queimaduras, toxinas químicas, traumas etc.). Por sua vez, os padrões moleculares associados a venenos, ou VAMPs (do inglês venom-associated molecular patterns), são moléculas introduzidas no hospedeiro a partir de picadas de escorpiões e abelhas, por exemplo. Os PAMPs, os DAMPs e os VAMPs são reconhecidos por receptores específicos, denominados receptores de reconhecimento de padrões, ou PRRs (do inglês pattern recognition receptors), que são expressos principalmente por fagócitos e por neutrófilos. A ligação entre essas moléculas e os PRRs 35 IMUNOLOGIA BÁSICA culminamna eliminação dos microrganismos ou dos restos celulares, na neutralização das substâncias tóxicas ou, ainda, na indução da resposta imune adaptativa após a estimulação da inflamação. 3.1.2 Antígenos Antígeno é qualquer substância solúvel, celular ou particulada, capaz de se ligar de maneira específica a uma molécula de anticorpo ou a um receptor de antígeno dos linfócitos T. Trata-se de moléculas presentes no meio extracelular ou na superfície das células que, a partir do processamento e do reconhecimento pelos linfócitos, podem desencadear uma resposta imunológica específica. Os antígenos apresentam duas propriedades principais, explicadas a seguir. • Imunogenicidade: por serem moléculas estranhas ao organismo (não próprias), os antígenos têm a capacidade de induzir uma resposta imune específica (imunogenicidade). Geralmente, são proteínas que apresentam alto peso molecular e estrutura química complexa. Quanto mais facilmente fagocitado, maior a capacidade de o antígeno induzir uma resposta. • Antigenicidade: é a capacidade de o antígeno interagir com os linfócitos T ou com os linfócitos B já sensibilizados. Várias regiões de um mesmo antígeno, ou seja, vários epítopos, podem desencadear a resposta imune. Entendemos por epítopo, ou determinante antigênico, a menor porção da molécula responsável pela ligação ao linfócito ou ao anticorpo. As superfícies celulares, incluindo os microrganismos, normalmente apresentam uma quantidade considerável de epítopos, que devem estar acessíveis à ação dos anticorpos ou dos linfócitos T. Um antígeno pode ter vários epítopos diferentes entre si ou várias cópias de um mesmo epítopo. A presença de diversos epítopos iguais em um antígeno é chamada de polivalência ou multivalência. Os epítopos podem ser lineares ou conformacionais. Os epítopos lineares são aqueles formados por resíduos dispostos sequencialmente em um antígeno proteico ou polissacarídico e, portanto, não são afetados por nenhum tratamento que altere a estrutura tridimensional da substância. Os epítopos conformacionais, por sua vez, são aqueles formados pelas estruturas secundária, terciária ou quaternária de uma proteína, ou pelo dobramento tridimensional normal de um polissacarídeo. Eles perdem suas funções de epítopos se desnaturados. Assim, se uma proteína desnaturada que contém epítopos conformacionais for inoculada em um animal, há a formação de anticorpos com especificidade diferente da que haveria se a proteína intacta fosse administrada. 36 Unidade I A) Desnaturação A estrutura do epítopo é perdida com a desnaturação da proteína Epítopo B) Desnaturação A ligação do anticorpo ao epítopo é mantida tanto na proteína nativa quanto na proteína desnaturada Epítopo Figura 17 – Diagrama esquemático de um antígeno demonstrando os tipos de epítopos: (a) epítopo descontínuo ou conformacional; (b) epítopo contínuo ou linear Os epítopos têm estrutura química que favorece a complementaridade com o anticorpo, o que possibilita o estabelecimento de interações intermoleculares de diferentes naturezas (ligações de hidrogênio, interações hidrofóbicas, interações eletrostáticas etc.). Essas ligações apresentam diferentes intensidades, e pode acontecer de um anticorpo reconhecer um epítopo semelhante ao qual ele foi originalmente desenhado. A esse fenômeno, denominamos reação cruzada. Alguns antígenos requerem a intervenção de linfócitos T CD4+ para desencadear a produção de anticorpos pelos linfócitos B. Eles são denominados antígenos T-dependentes e compreendem a maioria dos antígenos de origem proteica. Os antígenos T-independentes, por sua vez, são capazes de estimular os linfócitos B sem o auxílio dos linfócitos T. Geralmente, são imunógenos mais fracos do que os antígenos T-dependentes. A imunogenicidade dos antígenos T-independentes aumenta quando eles são transformados em antígenos T-dependentes pelo acoplamento de uma proteína também T-dependente. Essa estratégia é utilizada na preparação de vacinas conjugadas, como, por exemplo, a vacina contra H. influenzae tipo b, na qual o polissacarídeo relevante (T-independente) é unido ao toxoide diftérico, ao toxoide tetânico ou a outra proteína carreadora (T-dependente). 37 IMUNOLOGIA BÁSICA Substâncias químicas de pouca complexidade e de baixo peso molecular não são capazes de estimular, sozinhas, a resposta imune. Elas são denominadas hapteno, e podem ser convertidas ao status de imunógeno desde que estejam ligadas a uma macromolécula carreadora. O complexo hapteno-carreador, ao contrário do hapteno livre, pode atuar como um imunógeno. 3.2 Imunoglobulinas ou anticorpos A partir do reconhecimento de um antígeno não próprio pelos linfócitos, ocorre a produção de anticorpos, também conhecidos como imunoglobulinas, que são macromoléculas de natureza glicoproteica capazes de reconhecer os epítopos desses antígenos. A região da molécula do anticorpo que reconhece o antígeno apresenta grande variabilidade estrutural e, por esse motivo, é denominada região variável ou região V. A região do anticorpo que participa das suas funções efetoras não apresenta a mesma variabilidade que a região V e, assim, é conhecida como região constante ou região C. Existem apenas cinco conformações da região C, contra centenas de milhões de conformações da região V. Cada uma dessas cinco configurações da região C dá origem a um isotipo, ou classe, de anticorpo: IgA, IgD, IgE, IgM e IgG. Esses isotipos são capazes de ativar diferentes mecanismos efetores da imunidade. 3.2.1 Estrutura do anticorpo e interação com o antígeno A molécula de anticorpo de todas as classes é representada por um modelo básico constituído de duas cadeias polipeptídicas leves (cadeia L, do inglês light), de peso molecular aproximado de 23 kDa, e duas cadeias pesadas (cadeia H, do inglês heavy) com peso molecular que varia de 50 a 75 kDa, dependendo da classe do anticorpo. As regiões variáveis apresentam domínios constituídos por cadeias leves e pesadas (VL e VH, respectivamente) e, do mesmo modo, as regiões constantes apresentam domínios CL (constante leve) e CH (constante pesada, que pode apresentar três domínios diferentes: CH1, CH2 e CH3). A estrutura do cromossomo é resultado da transcrição de diferentes genes, cujos produtos combinam-se entre si. Os genes que codificam os domínios variáveis, envolvidos na ligação com o antígeno, estão distribuídos em três regiões hipervariáveis, as regiões determinantes da complementaridade (CDR1, CDR2 e CDR3, do inglês complementarity determining regions 1, 2 and 3). O locus da cadeia pesada que compõe a região variável contém cerca de 65 genes, que diferem nos seus CDRs. A combinação desses genes com vários outros genes, que codificam outros domínios, resulta na grande variedade de anticorpos encontrados no organismo. Esse processo é denominado recombinação V(D)J. Na recombinação V(D)J, os genes que codificam os segmentos da cadeia pesada da região variável, denominados segmento variável (V), segmento de diversidade (D) e segmento de acoplamento (J, do inglês joining), são combinados e, como existem múltiplas cópias ligeiramente distintas para cada segmento, o resultado é a possibilidade de se gerar uma grande variedade de anticorpos. 38 Unidade I Observação Os segmentos V, D e J encontram-se nas cadeias pesadas. Nos segmentos leves, só estão presentes os segmentos V e J. Os produtos proteicos resultantes da tradução dos diferentes genes que codificam as cadeias leves e pesadas dos anticorpos combinam-se entre si e, assim, originam o anticorpo. As cadeias leves se unem às cadeias pesadas por pontes dissulfeto, e a união entre as duas cadeias pesadas também é feita por pontes dissulfeto. Além das pontes intercadeias, as imunoglobulinas têm as pontes intracadeias, que ligam dois aminoácidos distantes da cadeia polipeptídica que compõem a estrutura primária da proteína, formando domínios globulares (daí o nome imunoglobulina). VL VL VH VH CL CL CH1CH2 CH2 COO- COO- COO- COO-COO- Ponte dissulfeto intercadeia DobradiçaPonte dissulfeto intracadeia COO- CH1 CDRsNH3 + NH3 + NH3 + NH3 +NH3 + NH3 + NH3 + NH3 + CH2 CH3 Região constante Região variável Ponte dissulfato Cadeia pesada Cadeia leve Amino- terminal A) B) C) Carboxi-terminal Figura 18 – Estrutura básica de uma molécula de anticorpo: (a) cadeias leves e pesadas e as regiões amino e carboxi-terminal; (b) regiões variáveis e constantes das cadeias leve e pesada; (c) pontes dissulfeto intra e intercadeia Na região V, a variabilidade não é uniformemente distribuída. Muitos aminoácidos são conservados, especialmente aqueles que são importantes na manutenção da estrutura dessa região. Por outro lado, os domínios codificados pelos CDRs (CDR1, CDR2 e CDR3) formam um centro de interação com o antígeno. 39 IMUNOLOGIA BÁSICA Pelo fato de os anticorpos serem constituídos de uma região C única e uma região V que apresenta dois “braços” com a mesma estrutura (o que dá aos anticorpos a aparência de um Y), dizemos que os anticorpos são bivalentes, ou seja, são capazes de se ligar a dois epítopos idênticos ao mesmo tempo. A) Domínio VH CDR1 CDR2 150 100 50 0 20 40 60 80 100 120 CDR3 Número da disposição do resíduo Domínio VH Va ria bi lid ad e B) Cadeia leve Cadeia leve Região constante Cadeia pesadaCadeia pesada Região variável Região variável Região determinante da complementariedade (CDR) Região determinante da complementariedade (CDR) Sítio de ligação do antígeno Figura 19 – Organização estrutural das regiões variáveis do anticorpo: (a) diagrama de variabilidade de aminoácidos ao longo da região variável da cadeia pesada; (b) diagrama esquemático da disposição dos CDRs nas cadeias leves e pesadas de uma molécula de imunoglobulina Algumas imunoglobulinas (IgG, IgD e IgA) apresentam uma fração flexível de cadeia polipeptídica, conhecida como região de articulação ou de dobradiça, que está localizada entre os domínios CH1 e CH2. Essa região apresenta grande proporção de aminoácidos prolina e cisteína e, por esse motivo, é dotada de mobilidade, o que permite que os dois “braços” do anticorpo tenham movimentos de abertura e de fechamento. Tais movimentos são fundamentais para que ela possa se ligar a determinantes antigênicos distantes, não acessíveis. Experimentalmente, ao incubar um anticorpo com enzimas proteolíticas papaína e pepsina, essa estrutura é separada nos seus diferentes fragmentos funcionais. A clivagem do anticorpo com a enzima papaína gera três fragmentos, sendo dois fragmentos idênticos e que contêm a atividade de ligação ao antígeno. Esses dois fragmentos são denominados Fab’ (fragmento de ligação ao antígeno, do inglês – fragment antigen binding) e correspondem aos dois braços do anticorpo, contendo a cadeia leve completa pareada aos domínios VH e CH1 das cadeias pesadas. O terceiro fragmento não interage com o antígeno. Pelo fato de sofrer cristalização facilmente, é chamado de fragmento Fc (fragmento cristalizável, do inglês fragment crystallizable). O fragmento Fc corresponde aos domínios CH2 e CH3 da cadeia pesada e é responsável pela interação com células e moléculas efetoras da resposta imune. 40 Unidade I Clivagem proteolítica pela papaína Clivagem proteolítica pela pepsina FabFab Fc F(ab’)2 Papaína Pepsina Fc parcialmente digerida Figura 20 – Molécula de anticorpo digerida por papaína ou pepsina Outra enzima também utilizada nesses experimentos é a pepsina. Essa enzima cliva o anticorpo na mesma região que a papaína, mas gera um fragmento com os dois braços do anticorpo unidos. Esse fragmento é denominado F(ab’)2 e mantém a atividade de ligação ao antígeno. O fragmento Fc, por sua vez, é parcialmente digerido pela pepsina. Atualmente, pelas técnicas da engenharia genética, é possível construir moléculas recombinantes constituídas somente dos domínios variáveis da cadeia pesada e da leve unidas por pequeno fragmento peptídico. Essa construção é denominada fragmento variável de cadeia única ScFv (do inglês single chain variable fragment) e tem um grande potencial de aplicação terapêutica. 3.2.2 Isotipos e propriedades gerais das imunoglobulinas Já aprendemos que as imunoglobulinas, ou anticorpos, são secretadas pelos linfócitos B ativados (plasmócitos). Vimos também que, em humanos, são conhecidos cinco isotipos de imunoglobulinas: IgM, IgD, IgG, IgE e IgA. Essa classificação baseia-se na constituição da fração constante da cadeia pesada (região CH). Vamos, agora, estudar as principais características de cada imunoglobulina. Imunoglobulina G (IgG) A IgG é produzida e secretada pelos plasmócitos, e encontrada, principalmente, no baço, nos linfonodos e na medula óssea. Sua estrutura corresponde basicamente à estrutura do anticorpo que descrevemos até agora. A IgG é a classe de imunoglobulina encontrada em maior concentração no sangue e, por essa razão, é o isotipo principal envolvido nos mecanismos de defesa mediados por 41 IMUNOLOGIA BÁSICA anticorpos. Níveis adequados de IgG contra determinado antígeno podem persistir no sangue durante anos e, por esse motivo, dizemos que essa classe de anticorpos consolida imunidade duradoura. É a única classe de imunoglobulinas que atravessa a barreira placentária em humanos, e a IgG materna é transportada através da placenta para o feto a partir da 16ª semana. Os anticorpos IgG passivamente adquiridos são responsáveis pela proteção dos recém-nascidos e das crianças menores contra doenças virais e bacterianas. Em locais onde os agentes infecciosos circulam em níveis altos na população e os adultos são imunes naturalmente, o repertório de anticorpos maternos é maior do que aqueles encontrados em pessoas que vivem em áreas onde a circulação de agentes infecciosos é limitada. Em países em desenvolvimento, a transferência passiva ocorre para anticorpos para a difteria, o sarampo, a poliomelite e a rubéola. Nos países desenvolvidos, onde as mulheres em idade fértil podem ter baixos níveis de anticorpos para a pólio e a difteria, o neonato não é passivamente protegido contra essas infecções. Existem 4 subclasses de IgG: IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4. Anticorpos contra antígenos proteicos são usualmente das subclasses IgG1 ou IgG3; anticorpos contra polissacarídeos, inclusive aqueles que constituem a parede celular de bactérias, são usualmente da subclasse IgG2; anticorpos da subclasse IgG4, por sua vez, auxiliam no direcionamento da imunidade adaptativa. Cadeia leve Cadeia pesada Pontes dissulfeto Peça secretória Cadeia J Cadeia J IgM IgG Fab Fc A) C) D) B) IgEIgA secretada Figura 21 – Representação esquemática das várias classes de imunoglobulinas: (a) imunoglobulina G; (b) imunoglobulina M; (c) imunoglobulina A; (d) imunoglobulina E Imunoglobulina M (IgM) A IgM é também produzida e secretada pelos plasmócitos presentes no baço, nos linfonodos e na medula óssea. Depois da IgG, é a segunda maior concentração de imunoglobulina encontrada no soro de mamíferos. Os anticorpos da classe IgM podem apresentar-se na forma de monômeros ou pentâmeros. 42 Unidade I A forma monomérica expressa-se ligada à membrana plasmática de linfócitos B e, assim, constitui-se como receptora de células B (BCR). A molécula de IgM apresenta, de forma geral, a mesma estrutura de anticorpo que já descrevemos, acrescida de um quarto domínio na cadeia pesada, denominado CH4, e é destituída da região da dobradiça. Já a forma secretada de IgM se apresenta como pentâmeros, ou seja, é constituída de cinco unidades monoméricas de IgM. A IgM é o primeiro anticorpo a ser produzido frente a um estímulo antigênico específico, caracterizando o que conhecemos como resposta primária, normalmente associada à infecção em sua fase aguda. Essa molécula tem grande capacidade de fixação do complemento pela via clássica (o sistema complemento é um eficiente mecanismo de eliminação de patógenos, que iremos estudarem detalhes nos próximos capítulos deste livro-texto) e alta eficiência em aglutinar antígenos. A aglutinação se deve à forma pentamérica da molécula que congrega cinco unidades moméricas de IgM e, portanto, é capaz de se ligar em até dez epítopos. Imunoglobulina A (IgA) A IgA é o anticorpo que predomina nas secreções mucosas. Há duas subclasses conhecidas: a IgA1 e a IgA2. A IgA é secretada por plasmócitos presentes nas paredes dos tratos intestinal, respiratório e geniturinário, da pele e das glândulas mamárias. No soro, ela está presente em concentrações baixas e na forma de monômeros. Nas secreções mucosas, está presente em alta concentração e, geralmente, na forma de dímero, porém, pode também se apresentar na forma de trímeros e tetrâmeros. A forma dimérica é denominada IgA secretora (SIgA). A principal função da SIgA nas mucosas é se ligar aos patógenos, impedindo que estes se liguem à superfície das mucosas e estabeleçam uma infecção. Clivagem enzimática Receptor poli-Ig Submucosa Plasmócito Lúmen IgA secretada Dímero de IgA Vesícula Figura 22 – Representação esquemática do transporte da SIgA para a face externa das mucosas 43 IMUNOLOGIA BÁSICA Imunoglobulina E (IgE) A IgE é produzida por plasmócitos localizados, principalmente, abaixo das superfícies corpóreas (pele e mucosas). Ela apresenta-se na forma de monômero e tem também um domínio CH4 adicional na cadeia pesada. Essa imunoglobulina é encontrada em concentrações extremamente baixas na circulação. A IgE tem tropismo pelos mastócitos, basófilos e eosinófilos, ou seja, liga-se com alta afinidade aos receptores de Fc presentes nas superfícies dessas células. A ligação da IgE à superfície de tais células se dá pela fração Fc e, assim, a fração Fab’, que se liga ao antígeno, fica voltada para o meio externo. A função da IgE está relacionada à indução da inflamação, à resposta imune efetora contra helmintos e ao desenvolvimento de reações alérgicas. Imunoglobulina D (IgD) A IgD está presente no soro, em concentrações muito reduzidas, pois é bastante instável. A IgD, juntamente com a IgM monomérica, está presente na superfície de células B, e ambas funcionam como receptores. A função efetora da IgD, se existir, ainda não foi descrita. 3.2.3 Resposta humoral primária e secundária A síntese da imunoglobulina começa antes do nascimento: • a IgM tem se mostrado presente na 10ª semana; • a IgG tem se mostrado presente na 12ª semana; • a IgA tem se mostrado presente na 30ª semana de gestação. A maior parte dos anticorpos sintetizados pelo feto é IgM. No entanto, devemos nos lembrar de que o feto cresce em meio estéril e que, por esse motivo, a produção de imunoglobulinas pelo feto saudável é extremamente limitada até o nascimento. 44 Unidade I 3 0 50 100 3 12 IgE IgA IgG da criança IgG da materna IgM 6 6 15 Tempo (meses) Concepção Nascimento Conteúdo de Ig (em % da quantidade definitiva) 9 9 Figura 23 – O desenvolvimento normal dos níveis de imunoglobulina sanguínea No primeiro ano de vida, os níveis de imunoglobulina aumentam rapidamente sob a influência das provocações antigênicas do meio ambiente (infecções) e do contato com antígenos de vacinas. Ao final do primeiro ano de vida, os valores das concentrações de IgG, IgM e IgA são cerca de 60%, 100% e 30%, respectivamente, daqueles nos adultos. O recém-nascido é capaz de responder a inúmeros antígenos, porém de maneira menos intensa do que os adultos. Os anticorpos passivamente transferidos da mãe para o feto, via lactação, podem suprimir essa deficiência. É por esse motivo que dizemos que a amamentação protege a imunidade do lactente. A imunização e a infecção natural induzem a produção de anticorpos das classes IgG, IgM e IgA. Durante a infecção aguda, o anticorpo IgM normalmente aparece nos primeiros dias após o início dos sintomas e alcança seu pico de concentração em torno de 7 a 10 dias. A IgM gradualmente declina para níveis não detectáveis durante os próximos meses, com resolução da infecção. Assim, a presença de anticorpo IgM no sangue indica uma infecção atual ou recente, embora existam exceções para essa regra. Na infecção natural ou após a imunização, o anticorpo IgG sanguíneo aparece simultaneamente com a IgM, ou dentro de um ou dois dias após. A IgG aumenta sua concentração rapidamente depois disso. O anticorpo IgG normalmente persiste por anos em níveis baixos, os quais são detectáveis com testes adequados de sensibilidade suficiente. Diante de uma reinfecção ou revacinação, ocorre uma resposta de reforço. Na primeira introdução de um antígeno no corpo, a resposta de anticorpo leva 10 dias para se desenvolver. Esse período é denominado tempo de retardo, ou fase de retardo. Os linfócitos encontram o antígeno, dividem-se rapidamente para formar um clone de células com reatividade similar, diferenciam-se e iniciam a síntese de anticorpo. Os níveis de anticorpos se elevam abruptamente, 45 IMUNOLOGIA BÁSICA alcançam um platô e, então, declinam. No próximo contato com o anticorpo (resposta secundária), o tempo de retardo é menor, o platô é mais alto e os níveis de anticorpos demoram mais para declinar. Os principais componentes da resposta imune primária e secundária são, respectivamente, a IgM e a IgG. 40 <2 2 8 32 128 3 IgA IgM IgG 12 1413 15 16 Semanas após a vacinação Fi ltr o de a nt ic or po Figura 24 – Surgimento temporal de classes diferentes de anticorpos seguintes à imunização primária com vacina oral viva contra poliomielite 3.2.4 Avidez de anticorpos A resposta imunológica é caracterizada não apenas pela quantidade de anticorpos produzidos, mas também pela sua qualidade. Quanto maior a afinidade do anticorpo pelo antígeno, mais forte será a ligação entre esses componentes, e mais eficaz a neutralização do antígeno e/ou a eliminação do patógeno. A soma de todas as forças das ligações é denominada avidez do anticorpo. Ela tende a aumentar no decurso da resposta imunológica. Os linfócitos B que apresentam alta afinidade por determinado antígeno são mais prováveis de serem provocados em um segundo contato com o antígeno e, assim, a avidez aumenta a cada exposição. A avaliação da avidez da IgG é de grande relevância na investigação de doenças como a toxoplasmose, a rubéola e a citomegalovirose em gestantes. Na primoinfecção aguda, que pode trazer risco ao feto, a avidez dos anticorpos costuma ser menor. 46 Unidade I IgG - avidez IgG IgM Estímulo antigênico Infecção primária Semanas Meses Infecção secundária ou reativação Início dos sintomas Dias Figura 25 – Presença de anticorpos IgG de alta avidez na fase secundária 3.2.5 Anticorpos monoclonais Os anticorpos produzidos pelos linfócitos frente a um estímulo antigênico são policlonais, ou seja, vários linfócitos B reconhecem diferentes epítopos do antígeno e, assim, produzem diferentes anticorpos frente a um mesmo estímulo antigênico. Embora essa estratégia seja vantajosa do ponto de vista fisiológico, trata-se de uma desvantagem quando pensamos no uso de anticorpos como ferramentas experimentais, diagnósticas e terapêuticas: nesses casos, é interessante que saibamos especificamente contra qual epítopo foi desenhado o anticorpo que estamos utilizando. Em 1975, Georges Köhler e Cesar Milstein conceberam um método que permitiu o isolamento de apenas um clone de anticorpos do soro de animais desafiados com determinado antígeno. Esse anticorpo é denominado anticorpo monoclonal e é obtido da maneira descrita a seguir. • O antígeno é administrado a um animal de experimentação, geralmente um coelho ou um camundongo. • Células do baço do animal são retiradas, e os linfócitos B ativados pela exposição ao antígeno, isolados. • É feita a fusão de um linfócito B com uma célula de mieloma (uma célula plasmática neoplásica), o que origina um hibridoma. • O hibridoma é imortal, característica que herda do mieloma, e secreta apenas um clone de anticorpo, característica que herdado linfócito B. Uma vez identificados, os hibridomas são induzidos à proliferação, tornando-se, assim, uma fonte inesgotável de anticorpos altamente específicos. Os anticorpos monoclonais são utilizados como reagentes para diagnóstico, nos exames de imagem, na pesquisa científica e em diversos procedimentos terapêuticos. 47 IMUNOLOGIA BÁSICA Especificamente no diagnóstico, os anticorpos monoclonais são empregados nos testes de gravidez, na detecção de doenças infecciosas, na aferição dos níveis sanguíneos de várias drogas, na tipagem sanguínea etc. Além disso, anticorpos monoclonais radiomarcados podem ser utilizados in vivo na detecção de antígenos tumorais, o que permite o diagnóstico precoce de alguns tumores primários ou metastáticos nos pacientes. Na imunoterapia, anticorpos monoclonais específicos contra determinado antígeno tumoral, acoplados a uma molécula de químio ou de radioterápico, têm se mostrado importantes agentes terapêuticos. Seleção e crescimento de células híbridas Seleção de células que produzem o anticorpo correto Células de mieloma Cultura das células de mieloma Células do baço Antígeno Crescimento em cultura Indução de tumores Anticorpo Anticorpo Congelar Descongelar Propagação de clones Figura 26 – Etapas na produção de anticorpos monoclonais 48 Unidade I Saiba mais Para entender mais sobre a utilização do anticorpo monoclonal no tratamento de câncer, recomendamos o artigo a seguir. VIDAL, T. J.; FIGUEIREDO, T. A.; PEPE, V. L. E. O mercado brasileiro de anticorpos monoclonais utilizados para o tratamento de câncer. Cadernos de saúde pública, 2018. Disponível em: https://bit.ly/33nHNUp. Acesso em: 28 abr. 2021. 3.3 Moléculas de CD Os grupamentos de diferenciação, também conhecidos como moléculas de CD (do inglês cluster of differentiation), são proteínas presentes na superfície dos leucócitos. Existem diferentes grupamentos de diferenciação, que são identificados pelas letras CD seguidas de um número que foi sendo adicionado na ordem de descoberta desses grupamentos. Assim, quando, por exemplo, dizemos que o linfócito T auxiliar é CD4+, significa que ele expressa o grupamento CD4 na membrana plasmática. Subpopulações de linfócitos podem ser identificadas a partir das moléculas de CD que eles expressam na sua superfície, as quais são reveladas por anticorpos monoclonais desenhados experimentalmente contra essas moléculas. Experimentalmente, tal procedimento é realizado da seguinte maneira: os linfócitos, mantidos in vitro e devidamente processados, são incubados com esses anticorpos. Caso haja ligação, ela pode ser revelada por diferentes procedimentos. O marcador presente em todos os linfócitos T – mas não nos linfócitos B nem nos linfócitos NK – é o CD3. Portanto, todos os linfócitos T são CD3+. No entanto, existem subpopulações de linfócitos T que, além do CD3, expressam outros CDs: são os linfócitos T CD4+ e os T CD8+, que apresentam diferentes funções. O quadro a seguir resume os marcadores fenotípicos presentes em cada um dos linfócitos e apresenta a função principal de cada grupo. Quadro 1 – Classe e função dos linfócitos e respectivo marcador fenotípico (CD) Classe Função Marcador fenotípico Linfócitos T γδ Provável reconhecimento de antígenos presentes em mucosas e epitélios que fazem barreira com o meio externo CD3+, TCR do tipo γδ Linfócitos T helper Estimula a proliferação e diferenciação de células B (imunidade humoral). Ativam macrófagos, pelas citocinas secretadas, a aumentarem sua atividade microbicida (imunidade mediada por células) CD3+, CD4+ e CD8- 49 IMUNOLOGIA BÁSICA Classe Função Marcador fenotípico Linfócitos T citolítico Elimina células infectadas por vírus, células tumorais; participa da rejeição de transplantes (imunidade mediada por células) CD3+, CD4- e CD8+ Linfócitos B Produção de anticorpos (imunidade humoral) CD19, CD21 receptor de Fca Células NK Elimina células infectadas com vírus, células tumorais e tem citotoxidade celular dependente de anticorpob CD3-, CD2+, CD16+ a - Os linfócitos B têm um receptor específico para imunoglobulina na sua superfície, chamado receptor de Fc. b - Tipo de morte celular induzida por células NK que são mediadas por anticorpos. Fonte: Oliveira; Kanashiro (2010, p. 55). 3.4 Citocinas e eicosanoides As citocinas e os eicosanoides são moléculas secretadas pelos leucócitos ou por outros tipos celulares cujas funções englobam o direcionamento da resposta imunológica para determinado padrão, de acordo com as características do estímulo gerador dessa resposta e com o local afetado. Vamos aprender mais sobre essas moléculas? 3.4.1 Citocinas As citocinas são polipeptídeos ou glicoproteínas extracelulares, hidrossolúveis, cujo tamanho varia entre 8 e 30 kDa. São produzidas por diversos tipos de células no local da lesão e por células do sistema imunológico, a partir da ativação da via de proteinoquinases ativadas por mitógenos (MAPK, do inglês mitogen associated protein kinases). Diferentemente dos hormônios clássicos, as citocinas não são armazenadas como moléculas pré-formadas e atuam especialmente por mecanismos parácrino (em células vizinhas) e autócrino (nas próprias células produtoras). Diferentes tipos de células secretam a mesma citocina, e uma única citocina pode agir em diversos tipos de células, fenômeno denominado pleiotropia. As citocinas são redundantes em suas atividades, ou seja, ações semelhantes podem ser desencadeadas por diferentes citocinas. Em alguns casos, é necessária a ação combinada de duas citocinas para que o efeito seja observado (sinergismo). Outras vezes, uma mesma célula é capaz de produzir duas citocinas que exercem papéis antagônicos (antagonismo). As citocinas são moléculas extremamente potentes, ou seja, baixas concentrações dessas moléculas são capazes de induzir uma resposta, a partir da ligação a receptores de superfície presentes na superfície das células-alvo. A resposta gerada após a ativação desses receptores está relacionada com a transcrição de genes específicos. Dessa forma, as citocinas influenciam a atividade, a diferenciação, a proliferação e a sobrevida dos leucócitos. Além disso, regulam a produção e a atividade de outras citocinas, que podem aumentar (pró-inflamatórias) ou atenuar (anti-inflamatórias) as respostas imunes inata e adaptativa. 50 Unidade I IL-4 IL-2 Inibição Proliferação Diferenciação em TH2 Produção de IgE IL-4 IL-5 IFN-γ TNF Aumento de expressão das moléculas do MHC de classe 1 em muitos tipos celulares Ativação do macrófago Inibição da ativação do macrófago IFN-γ IL-4 Célula T CD4+ auxiliar ativada Célula T CD4+ Célula B Célula B Pl ei ot ro pi sm o Re du nd ân ci a Si ne rg ia An ta go ni sm o Macrófago Figura 27 – Propriedades das citocinas Com frequência, as citocinas são sintetizadas em cascata, ou seja, uma citocina estimula suas células-alvo a produzirem mais citocinas. Como não é possível classificar as citocinas quanto à célula de origem ou quanto à função biológica, elas foram agrupadas em: • interleucinas (IL, numerada sequencialmente de IL-1 a IL-35); • fatores de necrose tumoral (TNFs); • fatores transformadores do crescimento (TGFs); • interferons (IFN); • quimiocinas (citocinas quimiotáticas). 51 IMUNOLOGIA BÁSICA Algumas citocinas podem ter ações pró ou anti-inflamatórias, de acordo com o microambiente no qual estão localizadas. As IL 1, 2, 6, 7 e o TNF são pró-inflamatórias, ao passo que as IL-4, IL-10, IL-13 e TGFβ são anti-inflamatórias. A seguir, apresentamos as principais citocinas. Interleucina-1 (IL-1) As células do sistema imunológico que sintetizam e secretam a IL-1 são os macrófagos e os monócitos. Além disso, essa citocina pode ser produzida pelos fibroblastos e por células endoteliais em diferentes contextos (lesão celular, infecção, invasão e inflamação). Sua principal função é induzir a resposta inflamatória aguda. Interleucina-2 (IL-2) A IL-2 éproduzida principalmente por linfócitos T CD4+. Os linfócitos T CD8+ também podem produzir pequenas quantidades dessa citocina. Sua principal função é direcionar a resposta imune adaptativa a partir da indução da expansão clonal de linfócitos T e B ativados. Interleucina-4 (IL-4) A IL-4 apresenta propriedades anti-inflamatórias e é produzida pelos linfócitos T CD4+, pelos mastócitos, pelos eosinófilos e pelos basófilos. Essa interleucina medeia a indução e o controle da síntese e da liberação de proteínas de fase aguda pelos hepatócitos durante os estímulos dolorosos, e também regula as respostas alérgicas como, por exemplo, a asma e a rinite. Interleucina-6 (IL-6) A IL-6 é uma citocina pró-inflamatória que promove maturação e a ativação dos neutrófilos, a maturação dos macrófagos e a diferenciação dos linfócitos T CD8+ e NK. Além disso, ativa os astrócitos e a micróglia, importantes células efetoras do sistema imunológico presentes no sistema nervoso central. Interleucina-10 (IL-10) É sintetizada em células imunológicas e tecidos neuroendócrino e neural. A produção de IL-10 é inibida por outras citocinas, como a IL-4, a IL-13 e o IFNγ. Suas principais funções são antagonizar as citocinas pró-inflamatórias, principalmente TNFs, IL-1 e IL-6, e estimular a produção de citocinas anti-inflamatórias. Interleucina 12 (IL-12) A IL-12 é uma citocina pró-inflamatória, sintetizada pelas células apresentadoras de antígeno durante a infecção. Essa citocina induz a síntese de IFN-γ pelos linfócitos NK e T. 52 Unidade I Fator transformador de crescimento β (TGFβ) O TGFβ é uma citocina anti-inflamatória que compreende cinco isoformas diferentes: tGFβ1 a β5. As principais funções dessa citocina são inibir a produção de IL-1, IL-2, IL-6 e TNF e induzir a produção de IL1AR, um antagonista do receptor de IL-1 produzido por diferentes tipos de leucócitos, células epiteliais e adipócitos. Fator de necrose tumoral α (TNFα) O TNFα, também conhecido como caquetina, é uma citocina pró-inflamatória produzida principalmente por monócitos, macrófagos e linfócitos T presentes no peritônio e no tecido esplâncnico. Tal citosina também é produzida nos neurônios e nas células da glia. Desempenha papel importante na morte das células tumorais por apoptose e participa da hiperalgesia inflamatória e da dor neuropática. Interferons (IFNs) Os interferons são proteínas cuja principal função é defender o organismo contra agentes externos, tais como bactérias, vírus e fungos, e, também, contra células neoplásicas. Essa proteína produz uma resistência antiviral em células teciduais que não foram infectadas, a partir de sinalização parácrina que ocorre na fase inicial da infecção. Nessas células, a ativação dos receptores de IFNs resulta na transcrição de genes que codificam proteínas antivirais. Existem diferentes subtipos de interferons principais: o IFNα e o IFNβ são produzidos pelas células infectadas por vírus, e o IFNγ é produzido por linfócitos T e por algumas outras células. Terapeuticamente, são utilizados nos tratamentos da esclerose múltipla, do câncer sistêmico, da hepatite C e da leucemia. Quimiocinas As quimiocinas são uma grande família de pequenas citocinas com peso molecular que varia de 7 a 15 kDa. Estão envolvidas na inflamação, na manutenção da homeostasia e no desenvolvimento orgânico, a partir da regulação de todo o processo dinâmico de trânsito celular. A importância fisiológica dessa família de mediadores é resultante de sua especificidade − os membros da família de quimiocinas induzem ao recrutamento de subtipos bem definidos de leucócitos. As quimiocinas e seus receptores são capazes de controlar a migração e a residência de diferentes leucócitos. Algumas quimiocinas são consideradas pró-inflamatórias e podem ser induzidas no sítio de infecção durante a resposta imune, enquanto outras são consideradas homeostáticas e estão envolvidas no controle da migração celular durante o desenvolvimento do tecido ou até mesmo em etapas mais tardias. Existem duas grandes subfamílias de quimiocinas, que variam com relação à posição dos seus resíduos de cisteínas: CXC e CC. Os membros da família de quimiocinas CXC são quimiotáticos de neutrófilos, e as quimiocinas CC são quimiotáticos de monócitos e de alguns subtipos de linfócitos, apesar de existirem algumas exceções. 53 IMUNOLOGIA BÁSICA Os receptores de quimiocinas são diferencialmente expressos pelos leucócitos e podem ser divididos em dois grupos: os receptores de quimiocina acoplados à proteína G e os receptores atípicos de quimiocina, que parecem formar gradientes de quimiocina e reduzir a inflamação ao sequestrarem as quimiocinas de uma forma que não depende da proteína G. Atualmente, cerca de 50 ligantes endógenos das quimiocinas e 20 receptores acoplados à proteína G já foram descritos. No entanto, ainda há muito por compreender nessa área, especialmente com relação aos mecanismos que ocorrem durante o desenvolvimento de doenças. Tabela 1 – Quimiocinas: CC, receptores e função imune Quimiocina Outros nomes Receptor Função imune CCL1 I-309 CCR8 Tráfego de Th2 e Treg CCL2 MCP-1 CCR2 Tráfego de monócito CCL3 MIP-1α CCR1, CCR5 Migração macrógrafo NK; interação célula T/DC CCL4 MIP-1β CCR5 Migração macrógrafo NK; interação célula T/DC CCL5 RANTES CCR1, CCR3, CCR5 Migração macrógrafo NK; interação célula T/DC CCL6 C-10 Desconhecido ? CCL7 MCP-3 CCR2, CCR3 Mobilização de monócito CCL8 MCP-2 CCR1, CCR2, CCR3, CCR5 Resposta Th2 CCL9 MIP-1γ Desconhecido ? CCL10 MIP-1γ Desconhecido ? CCL11 Eotaxina CCR3 Migração de eosinófilo e basófilo CCL12 MCP-5 CCR2 Tráfego de monócito CCL13 MCP-4 CCR2, CCR3, CCR5 Resposta Th2 CCL14 HCC-1 CCR1 ? CCL15 HCC-2 CCR1, CCR3 ? CCL16 HCC-4 CCR1, CCR2, CCR5 ? CCL17 TARC CCR4 Resposta Th2, migração de célula Th2, Treg e homing (endereçamento) para pulmão e pele CCL18 PARC CCR8 Resposta Th2, marcador AAM e homing (endereçamento) para pele CCL19 MIP-3β CCR7 Célula T/DC com homing (endereçamento) para linfonodo CCL20 MIP-3α CCR6 Resposta Th17, célula B e DC com homing (endereçamento) para tecido linfoide associado ao intestino CCL21 SLC CCR6, CCR7 Célula T e DC com homing (endereçamento) para linfonodo CCL22 MDC CCR4 Resposta Th2, migração de célula Th2, migração de Treg CCL23 MIP-3 Desconhecido ? CCL24 Eotaxina-2 CCR3 Migração de eosinófilo e basófilo CCL25 TECK CCR9 Homing (endereçamento) de célula T para intestino, migração de timócito CCL26 Eotaxina-3 CCR3, CX3CR1 Migração de eosinófilo e basófilo CCL27 CTAK CCR10 Célula T com homing (endereçamento) para pele CLL28 MEC CCR3, CCR10 Célula T e plasmócitos de IgA com homing (endereçamento) mucosa Adaptada de: Murphy et al. (2000). 54 Unidade I Tabela 2 – Quimiocinas: CXC, receptores e função imune Quimiocina Outros nomes Receptor Função imune CXCL1 GROα CXCR2 Tráfego de neutrófilos CXCL2 GROβ CXCR2 Tráfego de neutrófilos CXCL3 GROγ CXCR2 Tráfego de neutrófilos CXCL4 PF4 ? Pró-coagulante CXCL5 ENA78 CXCR2 Tráfego de neutrófilos CXCL6 GCP-2 CXCR1, CXCR2 Tráfego de neutrófilos CXCL7 NAP-2 CXCR2 Tráfego de neutrófilos CXCL8 IL-8 CXCR1, CXCR2 Tráfego de neutrófilos CXCL9 MIG CXCR3 Resposta Th1, tráfego de Th1, CD8 e NK CXCL10 IP-10 CXCR3 Resposta Th1, tráfego de Th1, CD8 e NK CXCL11 I-TAC CXCR3 Resposta Th1, tráfego de Th1, CD8 e NK CXCL12 SDF-1 CXCR4 Homing (endereçamento) para medula óssea CXCL13 BLC CXCR5 Posicionamento de célula B e Tfh no linfonodo CXCL14 BRAK ? Homing (endereçamento) de macrófago para a pele CXCL15 Lungkine ? ? CXCL16 5R-PSOX CXCR6 Migração e sobrevida de NKT e ILC CXCL17 DMC ? ? XCL1 SCM-1α XCR1 Apresentação cruzada por CD8+ DC XCL2 SCM-1β XCR2 Apresentação cruzada por CD8+ DC CX3CL1 Fractalquina CX3CR1 Migração de NK, monócito e célula T Adaptada de: Murphy et al. (2000). 3.4.2 Eicosanoides Os eicosanoides são moléculas derivadas de ácidos graxos com 20 carbonos das famílias ômega-3 e ômega-6, sendo que a maioria deriva do ácido araquidônico, resultado daação da enzima fosfolipase A2 sobre os fosfolípides de membrana. Essas moléculas estão envolvidas no controle do processo inflamatório e da imunidade adaptativa e também atuam como importantes mensageiros no sistema nervoso central. Existem três famílias de eicosanoides: • os prostanoides (prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxanos); • os leucotrienos; • as lipoxinas. 55 IMUNOLOGIA BÁSICA A seguir, vamos conhecer melhor os principais eicosanoides. Prostaglandinas As prostaglandinas são produzidas pela ação da enzima ciclo-oxigenase sobre o ácido araquidônico. Essas moléculas têm importante papel fisiológico, pois: • estimulam a síntese de muco protetor; • inibem a síntese de suco gástrico no estômago; • regulam o tônus vascular; • realizam a vasodilatação renal e estimulam a contração uterina durante a menstruação e também durante o ato sexual (as prostaglandinas presentes no sêmen provocam contrações no aparelho genital feminino, o que impulsiona os espermatozoides em direção ao ovócito). As prostaglandinas ditas fisiológicas são produzidas pela ação da isoforma 1 da ciclo-oxigenase (COX-1) sobre o ácido araquidônico. Além de todas essas funções, as prostaglandinas são responsáveis por estabelecer o processo inflamatório. No local da lesão, as prostaglandinas E2 e I2, produzidas a partir da ação da isoforma 2 da ciclo-oxigenase (COX-2) sobre o ácido araquidônico, promovem a hiperalgesia, o aumento da temperatura, o edema e a vermelhidão que são característicos do processo inflamatório. Seu papel é tão determinante para a consolidação da resposta inflamatória que os anti-inflamatórios não esteroidais atuam inibindo a síntese dessas moléculas. Lembrete Na disciplina de farmacologia aplicada à biomedicina, você aprendeu que os anti-inflamatórios não esteroidais inibem a enzima ciclo-oxigenase, responsável pela produção de prostaglandinas a partir do ácido araquidônico. Leucotrienos Os leucotrienos são importantes agentes quimiotáticos, pois promovem o recrutamento de neutrófilos, basófilos, mastócitos e outros leucócitos para o sítio inflamatório. Nos pulmões, estão relacionados com a broncoconstrição, que é uma característica do processo inflamatório desse órgão. Além disso, promovem vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. Sua síntese é realizada a partir da ação de enzima lipo-oxigenase (LOX) sobre o ácido araquidônico. 56 Unidade I Ácido araquidônico Leucotrienos Prostaglandinas “Prostaglandina fisiológica“ (COX-1 constitutiva) “Prostaglandina patológica“ (COX-2 indutiva) Tromboxano Fosfolipídeos Fosfolipase A2 Lipo-oxigenase Ciclo-oxigenase Figura 28 – Biossíntese de prostaglandinas e leucotrienos Lipoxinas As lipoxinas também são sintetizadas a partir da ação da LOX e atuam como inibidores da inflamação, ou seja, são antagonistas endógenos dos leucotrienos. Essas moléculas inibem a adesão dos leucócitos ao endotélio vascular e, consequentemente, a migração dessas células para o sítio inflamatório. 4 IMUNOPROFILAXIA Agora que já conhecemos os principais efetores da resposta imunológica, vamos estudar uma aplicação clínica importante, que envolve a ativação do sistema imunológico. Trata-se da imunoprofilaxia, que é a administração de antígenos de patógenos para que nosso sistema imunológico produza anticorpos ou a administração de soro contendo anticorpos prontos. Podemos definir imunoprofilaxia como as medidas de prevenção que se utilizam do sistema imunológico. Essas medidas podem ser de dois tipos: ativa ou passiva. Na imunoprofilaxia ativa, são fornecidos antígenos ao indivíduo, a fim de que seu sistema imunológico produza anticorpos específicos. É o que ocorre quando tomamos uma vacina. Na imunoprofilaxia passiva, são administrados soros, que contêm os anticorpos de interesse, a fim de se obter resposta rápida frente a uma infecção em curso. Vamos aprender mais sobre essas estratégias? 57 IMUNOLOGIA BÁSICA 4.1 Vacinas A vacinação é um método profilático de imunização que tem como objetivo gerar imunidade de longa duração, ou seja, memória imunológica contra determinado patógeno. É uma das medidas mais importantes de prevenção contra doenças. É muito melhor e mais fácil prevenir uma doença do que tratá-la, e é isso que as vacinas fazem. Elas protegem o corpo humano contra vírus e bactérias, os quais provocam vários tipos de doenças que podem afetar a saúde das pessoas e até levá-las à morte. A vacinação não apenas protege aqueles que recebem a vacina, mas também ajuda a população como um todo. Quanto mais pessoas de uma comunidade ficarem protegidas, menor é a chance de que qualquer uma delas – vacinada ou não – fique doente. Além disso, algumas doenças preveníveis por vacina podem ser erradicadas por completo. Até hoje, a varíola é a única já erradicada mundialmente: o último registro da doença no mundo é de 1977. Outra doença que está em processo de erradicação é a poliomielite (paralisia infantil): no continente americano, não há casos dessa doença desde 1991. No entanto, alguns países da África e da Ásia ainda apresentam casos da doença. Assim, existe a possibilidade de o vírus que causa essa doença ser levado a outros países onde essa enfermidade já está erradicada. É por isso que ainda é muito importante que todas as crianças sejam vacinadas contra a doença, segundo o calendário de vacinação e durante as campanhas nacionais contra a poliomielite. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente um grande número de vacinas contra diversas doenças graves. Todos devem estar atentos ao calendário básico de vacinação, devem levar seus filhos e estimular os parentes a irem aos postos de saúde para serem vacinados nas idades recomendadas. É importante destacar que as vacinas não são necessárias apenas na infância. Os idosos precisam se proteger da gripe, da pneumonia e do tétano, e as mulheres em idade fértil devem tomar vacinas contra rubéola e tétano, que, se ocorrerem enquanto elas estiverem grávidas (rubéola) ou logo após o parto (tétano), podem causar doenças graves ou até a morte de seus bebês. Os profissionais de saúde, as pessoas que viajam muito e outros grupos de pessoas, com características específicas, também têm recomendações para tomarem certas vacinas. A vacinação é uma estratégia profilática de imunização, ou seja, um meio de prover proteção específica contra a maioria dos patógenos nocivos comuns, antes de o indivíduo entrar em contato com eles. Algumas vacinas, no entanto, podem ser utilizadas após a exposição ao patógeno. Um exemplo é a vacina antirrábica. 58 Unidade I 4.1.1 Tipos de vacinas A imunização mediada por vacinas pode ser obtida a partir da administração de: • patógenos vivos, mas atenuados; • microrganismos mortos, mas íntegros; • epítopos antigênicos provenientes de microrganismos. A primeira vacina viva foi a da varíola bovina, introduzida por Edward Jenner, conforme já discutido anteriormente. Na atualidade, vacinas vivas são usadas no combate de várias infecções virais. A vacina Sabin, contra a poliomielite, é um exemplo; outros exemplos são as vacinas contra o sarampo, a caxumba, a rubéola, a varicela, a hepatite A e a febre amarela. Em relação aos agentes bacterianos, o único exemplo de vacina viva é a contra a tuberculose (BCG). Vacinas vivas normalmente produzem infecções subclínicas e autolimitadas. A exposição ao vírus atenuado é capaz de ativar a produção de anticorpos e, também, a imunidade citotóxica, essencial quando se trata de infecção por microrganismos intracelulares. No entanto, elas podem desencadear manifestações clínicas em indivíduos imunocomprometidos. Os microrganismos que compõem a vacina viva são atenuados, ou seja, tornados menos patogênicos a partir da passagem por um animal ou pela exposição a diferentes temperaturas. No entanto, esses microrganismos podem retornar à forma patogênica e causar a doença. É por essa razão que a vacina viva da poliomielite (Sabin), que foi usadapor muitos anos, tem sido substituída em muitos países pela vacina inativada (Salk). As vacinas de vírus inativados apresentam vírus cuja capacidade infectante não está presente, pois as partículas virais foram submetidas ao aquecimento ou à exposição a agentes químicos ou à radiação ultravioleta. Alguns exemplos são a vacina Salk, as vacinas da gripe, a vacina antirrábica etc. As vacinas de bactérias mortas constituem a maioria das vacinas contra esses microrganismos. Nesse tipo de vacina, as bactérias estão mortas, porém são mantidas íntegras para que seus antígenos estimulem a imunidade. Exemplos são a vacina contra o tifo, a cólera, a peste bubônica etc. Algumas vacinas utilizam subunidades dos microrganismos para desencadear a resposta imunológica específica. Essas vacinas são conhecidas como vacinas acelulares, desenhadas para reduzir os problemas de toxicidade. As vacinas contra a meningite causada pelo Haemophilus tipo B, a pneumonia por pneumococos e a coqueluche, entre outras, são produzidas a partir de fragmentos da membrana desses microrganismos. Algumas vacinas virais, como a vacina contra a hepatite B, são constituídas por proteínas antigênicas clonadas em um vetor de expressão. O vetor de expressão, que contém o gene que codifica 59 IMUNOLOGIA BÁSICA para determinado antígeno proteico do vírus, é adicionado a uma célula fúngica. Após a expressão das moléculas de antígeno pelo fungo, elas são purificadas e utilizadas para a produção da vacina. Quando o mecanismo patogênico de um agente envolve uma toxina, uma forma modificada dessa toxina (toxoide), que não apresenta ação tóxica, mas mantém as características imunogênicas, é usado como vacina, como ocorre, por exemplo, nas vacinas contra a difteria e o tétano. Uma variedade de novas abordagens para a imunização ativa está em fase de investigação. Elas incluem anticorpos anti-idiotipos, vacinas de ácidos nucleicos, vacinas de vetores virais e peptídios imunodominantes que são adicionados às moléculas de MHC. As vacinas de ácidos nucleicos, por exemplo, são constituídas de genes que codificam peptídeos virais clonados em vetores de expressão. Quando essas vacinas são administradas ao indivíduo, elas transfectam as células hospedeiras e, consequentemente, produzem uma resposta semelhante àquela produzida contra vírus vivos atenuados. Nas vacinas de vetores virais, o gene que codifica o antígeno proteico do vírus contra o qual se deseja imunizar é adicionado a um segundo tipo de vírus, menos patogênico ou atenuado, que passa a expressar o antígeno em questão quando administrado no indivíduo. Observação Vacinas de ácidos nucleicos e vacinas de vetores virais estão sendo desenvolvidas contra a Sars-CoV-2, provocada pelo novo coronavírus. Caso sejam aprovadas para uso, será a primeira vez que essas estratégias serão efetivamente utilizadas na imunização. Saiba mais Para saber sobre os avanços nos estudos contra a covid-19 e ver quais vacinas estão sendo desenvolvidas, leia o texto disponível no site a seguir. SANAR. Tipos de vacinas em estudo contra covid-19 – Resumo. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3uhbphN. Acesso em: 18 nov. 2020. As vacinas induzem a imunidade adaptativa e específica, cuja duração depende de uma série de fatores, que incluem a taxa de replicação do patógeno, seu período de incubação no organismo, o mecanismo de patogenicidade e a efetivação de mutações que alteram os epítopos antigênicos. Por esse motivo, muitas vezes, são necessárias doses de reforço, como ocorre no caso da vacina contra a hepatite B e da vacina tríplice viral, que protege do sarampo, da caxumba e da rubéola. 60 Unidade I 4.1.2 Adjuvantes, vias de administração e cuidados no armazenamento das vacinas Os principais fatores na eficácia de uma vacina são: • a dose do antígeno; • a via de administração; • o esquema de imunização; • o uso de adjuvantes. As vias de administração subcutânea, intradérmica e intramuscular são seguidas da condução do antígeno para os nódulos linfáticos, e as vias de administração intravenosa e intraperitoneal resultam no acúmulo de antígenos no baço. Como resultado, temos diferentes padrões de imunidade consolidados. O adjuvante é uma combinação de substâncias e é adicionado à vacina a fim de aumentar sua imunogenicidade. Eles normalmente “aprisionam” o antígeno, o que faz com que a sua liberação e, consequentemente, sua degradação sejam retardadas. Isso possibilita maior aporte das células para o local de inoculação da vacina. Alguns exemplos de adjuvantes são os elencados a seguir: • Adjuvante incompleto de Freund, constituído por óleo mineral neutro e lanolina. • Adjuvante completo de Freund, constituído por óleo mineral neutro, lanolina e um componente bacteriano, normalmente uma micobactéria morta pela exposição ao calor. • Sulfato de alumínio. • Hidróxido de alumínio. • Interleucina-12. A estabilidade, a segurança e a eficácia das vacinas dependem de uma série de fatores, que incluem a temperatura na qual elas são armazenadas e transportadas, seu tempo de validade após a diluição e o tipo de veículo utilizado. 4.1.3 Especificidade antigênica A afinidade do anticorpo pelo antígeno contra o qual ele foi produzido depende de uma série de fatores, que englobam as características da molécula do antígeno, o tipo de resposta desencadeada e a conformação do epítopo, entre outros. Os antígenos específicos de determinado anticorpo são denominados antígenos homólogos. 61 IMUNOLOGIA BÁSICA Em algumas situações, os anticorpos são capazes de reagir com outros antígenos, não específicos, que são considerados antígenos heterólogos. Esse evento é denominado reação cruzada e, muitas vezes, consegue oferecer uma defesa inicial contra a infecção pelos antígenos heterólogos. Um exemplo desse caso é a vacina contra a leptospirose oferecida a cães: ela contém antígenos para 4 dos 10 sorotipos de Leptospira sp., mas o cão adquire certo grau de imunidade contra todos os 10 sorotipos. Outra situação, completamente oposta, é a perda da eficácia da vacina: caso ocorram, no microrganismo, mutações que levam à alteração do determinante antigênico que foi utilizado para se produzir a vacina, os anticorpos não serão mais eficazes em combater o patógeno. É por esse motivo que temos de nos vacinar todos os anos contra a gripe: o vírus Influenza apresenta alta taxa de mutação sazonal, o que resulta na inserção de novas variantes virais na comunidade, para as quais a população não apresenta imunidade. 4.1.4 Calendário de vacinação A figura a seguir apresenta o calendário de vacinação 2019, apresentado pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). Figura 29 – Calendário de vacinação 2019 Vamos conhecer melhor cada uma dessas vacinas? 62 Unidade I BCG A vacina BCG (Bacilo de Calmette-Guérin) protege contra a tuberculose. Ela é elaborada a partir de uma micobactéria atenuada que infecta bovinos, a Mycobacterium bovis, semelhante Mycobacterium tuberculosis, agente etiológico da tuberculose em humanos. Deve ser aplicada em dose única o mais precocemente possível. Oferece certo grau de proteção contra a hanseníase, cujo agente etiológico (Mycobacterium leprae) também é uma micobactéria, visto que os anticorpos produzidos com a administração da BCG realizam reação cruzada contra alguns epítopos antigênicos presentes na bactéria da hanseníase. Por se tratar de uma vacina de vírus atenuado, em recém-nascidos filhos de mãe que utilizaram imunossupressores na gestação, ou com história familiar de imunossupressão, a vacinação poderá ser adiada ou contraindicada. Hepatite B e hepatite A A vacina contra a hepatite B é recombinante. Para sua produção, o gene que codifica para o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HbsAg) é clonado em um plasmídeo, que é inserido em leveduras. Após a expressão das proteínas, elas são purificadas e utilizadas na produção da vacina. A vacina contra a hepatite A, por sua vez, é produzida a partir de partículasvirais inativadas. As duas vacinas podem ser associadas. Recém-nascidos filhos de mães portadoras do vírus da hepatite B (HbsAg positivas) devem receber, além da vacina, a imunoglobulina específica para hepatite B (HBIg), na dose 0,5mL, até o sétimo dia de vida, de preferência logo ao nascer. Nem todas as pessoas que tomam a vacina contra a hepatite B ficam imunizadas. Para confirmar a imunização, é necessário realizar um exame que detecta a presença de anticorpos anti-HBs no soro. DTP/DTPa A DTP é a vacina tríplice bacteriana, que protege contra a difteria, o tétano e a coqueluche. Trata-se de pertussis (tríplice bacteriana). A vacina DTP contém toxoide diftérico, toxoide tetânico e Bordetella pertussis inativada em suspensão. A vacina DTPa, por sua vez, é acelular, ou seja, apresenta somente componentes da cápsula de B. pertussis e, por esse motivo, é mais segura. O esquema de vacinação é de 5 doses, aos 2, 4 e 6 meses de idade, com reforço aos 15 meses. Um segundo reforço deve ser aplicado entre 4 e 6 anos de idade. 63 IMUNOLOGIA BÁSICA dT/dTpa A dT é a vacina dupla bacteriana do tipo adulto, que contém toxoide diftérico e tetânico. A dTpa, por sua vez, protege adultos contra a difteria, o tétano e a coqueluche, e é acelular. Adolescentes com esquema primário de DTP ou DTPa completo devem receber um reforço com dT ou dTpa, preferencialmente com a formulação tríplice acelular, aos 14 anos de idade. Alguns calendários preconizam esse reforço a cada 10 anos. Gestantes devem receber, a cada gravidez, uma dose da vacina dTpa a partir da vigésima semana de gestação, com o objetivo de transferir anticorpos protetores contra a coqueluche para o recém-nascido. Aquelas que perderam a oportunidade de serem vacinadas durante a gestação deverão receber uma dose de dTpa no puerpério, o mais precocemente possível. Hib A vacina que protege das infecções por Haemophilus influenzae tipo b (Hib) é composta de extrato liofilizado de polissacarídeos da cápsula da bactéria conjugado com toxoide tetânico, lactose, cloreto de sódio e água para injeção. É, portanto, uma vacina acelular, que protege contra meningites e pneumonias causadas por esse patógeno. Os polissacarídeos da cápsula de H. influenzae desencadeiam resposta T-independente. Por esse motivo, eles são unidos ao toxoide que ativa resposta T-dependente, mais robusta e duradoura. A Hib pode ser encontrada isolada ou combinada com a vacina tríplice bacteriana (dTPa). VIP/VOP A vacina oral contra a poliomielite (VOP), também conhecida como Sabin, é uma vacina oral atenuada bivalente, composta dos poliovírus tipos 1 e 3 vivos. Por ser uma vacina de vírus atenuado, é menos segura, pois, embora seja evento raro, o vírus pode ser reativado. Por esse motivo, recomenda-se que a imunização seja feita, sempre que possível, com a vacina inativada contra a poliomielite (VIP), também conhecida como Salk. Por apresentar vírus inviáveis, não tem como causar a doença. Ela é composta de partículas do poliovírus tipos 1, 2 e 3 e é administrada por via parenteral. As três primeiras doses da imunização, aos 2, 4 e 6 meses de idade, devem ser feitas obrigatoriamente com a VIP. A recomendação para as doses subsequentes é que sejam feitas preferencialmente também com a VIP. No entanto, o Programa Nacional de Imunização também oferece três doses iniciais de VIP (2, 4 e 6 meses de idade) seguidas de duas doses de VOP (15 meses e 4 anos de idade). A VIP pode fazer parte da vacina quíntupla acelular, ou penta, uma vacina combinada contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e Haemophilus influenza tipo B (combinação da DTPa, da Hib e da VIP). 64 Unidade I VPC10/VPC13 A vacina pneumocócica conjugada é composta de 10 (VPC10) ou de 13 (VPC13) sorotipos de Streptococcus pneumoniae inativados. Na VPC10, 8 dos sorotipos são conjugados à proteína D do Haemophilus influenzae tipo b, e os dois restantes são conjugados ao toxoide tetânico ou ao toxoide diftérico, o que aumenta a imunogenicidade das partículas virais. Na VPC13, os 13 sorotipos são conjugados à proteína CRM197 (mutante atóxico da proteína diftérica), com o mesmo objetivo. Essas vacinas são indicadas para todas as crianças até 5 anos de idade. O Programa Nacional de Imunização utiliza VPC10 no esquema de duas doses, administradas aos 2 e 4 meses, seguidas de um reforço aos 12 meses. No entanto, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda, sempre que possível, o uso da VPC13, devido ao seu maior espectro de proteção. Crianças saudáveis com esquema completo com a VPC10 podem receber uma dose adicional da VPC13 até os 5 anos de idade, com o intuito de ampliar a proteção para os sorotipos adicionais. Crianças com risco aumentado para doença pneumocócica invasiva devem receber também, a partir de 2 anos de idade, a vacina polissacarídica 23-valente, com intervalo mínimo de dois meses entre elas. Meningocócica conjugada A vacina meningocócica conjugada protege das doenças causadas pelo meningococo C (Neisseria meningitidis), o que inclui meningite meningocócica. Ela contém o antígeno formado por componente da cápsula da bactéria (oligossacarídeo) do sorogrupo C conjugado ao toxoide tetânico ou ao CRM 197. Recomenda-se a imunização de lactentes maiores de 2 meses de idade, crianças e adolescentes. Sempre que possível, utilizar preferencialmente a vacina MenACWY, que apresenta antígenos dos sorotipos A, C, W e Y da N. meningitidis. Crianças com esquema vacinal completo com a vacina MenC podem se beneficiar de uma dose adicional da vacina MenACWY a qualquer momento, respeitando-se um intervalo mínimo de 1 mês entre as doses. Meningocócica B recombinante A vacina meningocócica B recombinante protege do meningococo B (outra cepa de Neisseria meningitidis), que também causa meningite. Contém três proteínas subcapsulares e vesículas da membrana externa do meningococo B. Recomenda-se o uso da vacina meningocócica B recombinante para lactentes, crianças e adolescentes. Não conhecemos, até o momento, a duração da proteção conferida pela vacina e a eventual necessidade de doses adicionais de reforço. 65 IMUNOLOGIA BÁSICA VRH1 e VRH5 As vacinas VRH1 e VRH5 protegem da doença diarreica por rotavírus. A VRH1 (vacina oral monovalente) contém um tipo de rotavírus vivo atenuado, enquanto que a VRH5 é composta de cinco tipos de rotavírus vivos atenuados. Por conter vírus atenuados, é contraindicada para crianças imunossuprimidas ou em uso de medicamentos que causam imunossupressão. Influenza A influenza é a vacina da gripe. Sua formulação, que muda anualmente, contém proteínas de diferentes cepas do vírus Influenza, conforme orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS). As cepas vacinais são cultivadas em ovos embrionados de galinha, o que garante a diminuição da patogenicidade, e então são isoladas para compor a vacina. São disponibilizadas: • a vacina trivalente, com duas cepas de vírus A e uma cepa de vírus B; • a vacina quadrivalente, com duas cepas de vírus A e duas cepas de vírus B. Sempre que possível, é melhor utilizar vacinas quadrivalentes, pelo maior espectro de proteção. A imunização deve ser feita anualmente e, por se tratar de doença sazonal, a vacina precisa ser aplicada idealmente antes do período de maior circulação do vírus. SCR e SCRV A vacina SCR (tríplice viral) protege contra o sarampo, a caxumba e a rubéola, e a SCRV (tetraviral) oferece, adicionalmente, proteção contra a varicela. Ambas são compostas de vírus vivos atenuados. A vacina contra a varicela, quando aplicada sozinha, é efetiva na profilaxia pós-exposição dentro de cinco dias após o contato, preferencialmente nas primeiras 72 horas. 17DD A vacina 17DD protege contra a febre amarela. É produzida a partir da cepa 17DD do vírus da febre amarela, atenuada a partir do cultivo em ovos embrionados de galinha. É uma vacina indicada para residentes ou viajantes para as áreas com recomendação da vacina. Recomenda-se apenas uma dose da vacina na vida, semnecessidade de reforços. No entanto, a ocorrência de falhas vacinais primárias, especialmente em crianças com idade inferior a 2 anos, faz com que a aplicação de uma segunda dose seja desejável, em geral a partir dos 4 anos de idade. 66 Unidade I Deve ser evitada a aplicação da vacina contra a febre amarela no mesmo dia em que a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) em crianças menores de 2 anos, devido à possível interferência na resposta imune, sendo ideal guardar um intervalo de 30 dias entre a aplicação das duas vacinas. HPV4 e HPV2 As vacinas HPV4 e HOV2 protegem contra o câncer de colo uterino provocado pelo papilomavírus humano. Existem duas disponíveis no Brasil contra o HPV, ambas recombinantes: • a vacina com as VLPs (partículas semelhantes aos vírus – “virus-like particle”) dos tipos 16 e 18 (HPV2); • a vacina com as VLPs dos tipos 6, 11, 16 e 18 (HPV4). As VLPs nada mais são do que estruturas muito semelhantes ao envelope proteico do vírus, mas que não apresentam material genético em seu interior. Portanto, não podem causar a doença, mas são muito efetivas em desencadear uma resposta imune. A HPV4 está indicada para ambos os sexos (é a vacina disponível no PNI) e a HPV2 apenas para indivíduos do sexo feminino. Imunodeprimidos por doença ou tratamento devem receber o esquema de três doses. Dengue A vacina comercializada no Brasil, a partir de 2015, e é produzida a partir de quatro sorotipos atenuados do vírus. Ela promove a imunização efetiva de duas em cada três pessoas que tomaram a vacina. Por ser de vírus atenuado, está contraindicada para gestantes, mulheres que amamentam e portadores de imunodeficiências. Saiba mais Para entender melhor as complexas questões relacionadas à pandemia e ao desenvolvimento das vacinas contra a Sars-CoV-2, recomendamos a leitura do artigo a seguir. GUIMARÃES, R. Vacinas anticovid: um olhar da saúde coletiva. Ciência & saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 9, set. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3xLzNds. Acesso em: 29 abr. 2021. 67 IMUNOLOGIA BÁSICA 4.1.5 Eventos adversos da vacinação Apesar de serem consideradas seguras, as vacinas podem conferir alguns eventos adversos, que resultam das condições gerais do indivíduo (idade, existência de imunossupressão, presença de doenças etc.) ou dos componentes da vacina. Esses eventos adversos podem ser classificados nos quatro grupos elencados a seguir. • Evento adverso comum ou esperado que se apresenta com maior intensidade ou frequência e, portanto, não exige notificação. • Evento adverso comum ou esperado que exige notificação. • Evento adverso raro, que exige notificação. • Evento adverso que exige notificação imediata e contraindica dose seguinte da vacina. A seguir, vamos estudar os principais eventos adversos associados a algumas vacinas. • BCG: úlcera com diâmetro maior do que 1 cm de diâmetro, abscessos subcutâneos frios, abscessos subcutâneos quentes, reação queloide, lesões resultantes de disseminação em pele, lesões osteoarticulares, lesões no abdome, linfonodos, lesões generalizadas, linfadenopatia não supurativa e linfadenopatia regional supurada. • Hepatite B: edema, eritema e nódulo indolor no local da injeção, mal-estar, cefaleia, astenia, mialgia e artralgia, febre, abscesso frio ou quente, choque anafilático. • Tetravalente DTP+HiB: febre, hiperemia, calor, endurecimento e edema local, nódulo indolor local, sonolência, perda de apetite, vômitos, exantema ou petéquias. • Poliomielite: caso de poliomielite associado ao vacinado, caso de poliomielite associado ao comunicante do vacinado. • Tríplice viral: dor, eritema, ardência e/ou endurecimento, reações alérgicas, febre, púrpura trombocitopênica, meningites assépticas, encefalites, encefalopatias e panencefalopatia, choque anafilático, artralgia ou artrite (associado ao componente que protege contra a rubéola). • Gripe (influenza): dor, edema, eritema, mal-estar, febre baixa e mialgia e choque anafilático. 68 Unidade I 4.1.6 Soroterapia A soroterapia é um método de imunização passiva que consiste na transferência de anticorpos presentes no soro com o intuito de fornecer proteção imediata contra toxinas e contra alguns patógenos. Ela é utilizada quando já há uma infecção instalada, como no caso do tétano, e no tratamento de picadas de cobra e de alguns aracnídeos. Logo, vemos que o soro atua como antídoto. A imunização por soroterapia é temporária e sua ação termina a partir do momento em que os anticorpos perdem a atividade. Como o soro é estranho ao receptor, podem ocorrer reações alérgicas anafiláticas. Um exemplo importante de soro é o soro antiofídico, utilizado quando uma pessoa é picada por uma serpente. Nessa situação, o objetivo é neutralizar o veneno que se encontra no sangue e nos tecidos da pessoa que sofreu a picada. Os soros antiofídicos são produzidos a partir do veneno retirado da própria serpente e da hiperimunização de animais. Primeiramente, obtemos o veneno da serpente da qual se deseja produzir o soro. Posteriormente, esse veneno é inoculado em um animal, normalmente um cavalo, que produz anticorpos contra esse antígeno. Após a produção dos anticorpos, realizamos uma sangria, em que se retira cerca de 3% do peso total do animal em sangue. Após a retirada do sangue, ele é enviado para laboratórios, local em que se separa a parte ativa e se verifica a qualidade do produto produzido. Existem diferentes tipos de soro antiofídico fabricados a partir do veneno de diferentes serpentes. Logo, é importante capturar a serpente ou descrevê-la ao médico no momento da aplicação do soro para que o profissional consiga escolher o produto adequado para aquela determinada espécie. Entre os principais tipos de soro antiofídico produzidos no Brasil, podemos citar os que seguem. • Anticrotálico: soro utilizado para o tratamento de acidentes com cobras cascavéis (gênero Crotalus). • Antibotrópico: soro utilizado para o tratamento de acidentes com jararacas (gênero Bothrops). • Antielapídico: soro utilizado para o tratamento de acidentes com serpentes da família das corais (gênero Micrurus). 69 IMUNOLOGIA BÁSICA Veneno Antígenos do veneno Sangue de cavalo Células sanguíneas Anticorpos contra o veneno Plasma sanguíneo Anticorpos produzidos pelo cavalo Figura 30 – Representação esquemática da produção de soro antiofídico em cavalo Alguns eventos adversos podem ocorrer em função da administração de soroterapia, motivo pelo qual essa técnica deve ser realizada somente em local apropriado e por profissionais capacitados, mantendo-se o paciente mantido sobre monitoramento. A figura a seguir descreve esses eventos adversos. – 10-180 minutos – Broncoespasmo – Edema de glote, hipotensão, choque anafilático – Primeiras 24 horas – Sua ocorrência é variável (4,6% a 87,2%) – Urticária, tremores, vômitos, dor abdominal, diarreia – Manifestam-se de 5 a 24 dias após uso do soro – Incidência real é subestimada – Conhecida por “doença do soro” Graves Leves Tardios Figura 31 – Eventos associados à soroterapia Exemplo de aplicação Com os conhecimentos sobre anticorpos, vacinação e soroterapia, o biomédico pode atuar nas áreas de produção e de desenvolvimento de imunobiológicos. Trata-se de uma área bastante atrativa para o profissional biomédico, tanto na indústria privada quanto nos institutos de pesquisa. 70 Unidade I Resumo Na primeira unidade do livro-texto, nós conhecemos os componentes do sistema imunológico e compreendemos o quanto eles são fundamentais para a nossa sobrevivência. Vimos as principais células constituintes do sistema imunológico e suas características morfológicas e funcionais. Estudamos o papel das principais moléculas envolvidas na consolidação da resposta imune. Observamos as diferenças entre a resposta imune inata e a resposta imune inata adaptativa. Além disso, entendemos o princípio da ação dos soros e das vacinas. Verificamos que existe uma grande variedade de componentese de mecanismos distintos que atuam no sistema imunológico. Alguns desses elementos são otimizados para haver a defesa contra um único invasor, de maneira específica (imunidade adaptativa), enquanto outros são direcionados contra uma ampla variedade de agentes infecciosos, de maneira inespecífica (imunidade inata). Essas respostas ocorrem de maneira redundante de modo que vários mecanismos de defesa são ativados contra um único invasor. O conhecimento dos efetores dessas respostas, aspecto abordado ao longo do texto, é essencial para entendermos os mecanismos envolvidos na consolidação da imunidade inata e da imunidade adaptativa. 71 IMUNOLOGIA BÁSICA Exercícios Questão 1. Leia o texto e observe a figura a seguir. Os neutrófilos são o tipo leucocitário mais abundante em circulação, constituem a primeira linha de reconhecimento e defesa contra agentes infecciosos no tecido, tradicionalmente iniciam a inflamação aguda e são responsáveis por uma resposta imune pró-inflamatória eficaz. Recentemente, essas células vêm sendo descritas como complexas e com uma vasta capacidade de desempenhar funções especializadas, ao interagir com macrófagos, células dendríticas e linfócitos TCD4+. É importante reconsiderar as novas perspectivas sobre as funções imunorregulatórias dessas células nas reações imunológicas normais e patológicas. SILVA, Í. C. Neutrófilos: aspectos clássicos, plasticidade e novas funções imunorregulatórias. Revista interdisciplinar de estudos experimentais, v. 7, n. único, p. 35, 2015. Figura 32 – Esfregaço sanguíneo (aumento: 10x), indicando, no primeiro plano, dois leucócitos polimorfonucleares diferentes Disponível em: https://bit.ly/33py0gw. Acesso em: 1° dez. 2020. Com base nessas informações e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas. I – As principais características morfológicas dos neutrófilos são: o formato arredondado, o núcleo constituído de dois a cinco lobos e o citoplasma abundante, com aspecto granular pouco evidente. II – A defesa inicial contra as bactérias depende da ação conjunta dos neutrófilos e dos eosinófilos, ambos representados na figura. Os neutrófilos, à direita, realizam a fagocitose dos microrganismos, mas não participam da liberação de substâncias microbicidas e pró-inflamatórias no meio extracelular. Essa ação é realizada pelos eosinófilos à esquerda, a partir da secreção do conteúdo de seus grânulos citoplasmáticos. 72 Unidade I III – A interação entre os neutrófilos, as células apresentadoras de antígenos e os linfócitos T CD4+ resulta na ativação da imunidade adaptativa, direcionada especificamente contra os antígenos presentes nos microrganismos patogênicos. IV – Os neutrófilos são os leucócitos menos abundantes no sangue periférico, e a neutrofilia é restrita às reações alérgicas e às infecções bacterianas, fúngicas e helmínticas. É correto apenas o que se afirma em: A) I, III e IV. B) I, II e III. C) II, III e IV. D) I e III. E) II e IV. Resposta correta: alternativa D. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: a célula representada à direita é um exemplo típico de neutrófilo. Na figura, vemos uma célula arredondada, com cinco lobos unidos entre si por filamentos de cromatina, e citoplasma fracamente corado, com grânulos azurófilos esparsos. À esquerda, é observado um eosinófilo, com núcleo constituído de três lobos e citoplasma rico em grânulos acidófilos. II e IV – Afirmativas incorretas. Justificativa: os neutrófilos são responsáveis por realizar a defesa inicial contra bactérias e por efetivar a resposta inflamatória. Portanto, seus níveis encontram-se aumentados nas infecções bacterianas. A ação dos neutrófilos contra as bactérias envolve a fagocitose desses microrganismos e a liberação do conteúdo dos seus grânulos de secreção no interior das vesículas fagocíticas e no meio extracelular. Os grânulos presentes no citoplasma dos neutrófilos contêm mieloperoxidases, defensinas e elastase (grânulos primários), lactoferrina (grânulos secundários) ou catepsinas e gelatinases (grânulos terciários). Os eosinófilos, por sua vez, não atuam contra bactérias, mas, sim, contra helmintos, além de participarem das reações alérgicas. No interior dos seus grânulos, são encontrados, além de substâncias proteolíticas, os mediadores histamina e heparina, que têm papel importante nas reações de hipersensibilidade e na resposta contra parasitas. 73 IMUNOLOGIA BÁSICA III – Afirmativa correta. Justificativa: atualmente se sabe que os neutrófilos, além de atuarem na primeira linha de combate a parasitas extracelulares, como as bactérias, participam da consolidação da imunidade adaptativa. Nos linfonodos, os neutrófilos participam da apresentação, para os linfócitos T CD4+, de antígenos fagocitados. Além disso, neutrófilos apoptóticos e/ou fagocitados são apresentados para os linfócitos T. Esses eventos culminam no direcionamento da resposta imune para um padrão que prioriza a eliminação de microrganismos intracelulares, como as micobactérias e alguns protozoários e fungos, ou para um padrão que prioriza a eliminação de microrganismos extracelulares de diferentes naturezas. Questão 2. Os interferons, os fatores de crescimento de colônia de granulócitos (G-CSF) e as interleucinas IL-2 e IL-11 são, na atualidade, produzidas pela tecnologia do DNA recombinante. Essa estratégia permite a síntese in vitro das citocinas, para que sejam usadas no tratamento de diferentes patologias. A respeito da estrutura e da função das citocinas produzidas pela tecnologia do DNA recombinante, assinale a alternativa correta. A) Os interferons induzem o estado antiviral em células nucleadas, inibem a resposta mediada por linfócitos T citotóxicos e podem ser usados no tratamento dos processos inflamatórios agudos. B) O G-CSF é usado no tratamento das infecções graves e da imunossupressão induzida por quimioterápicos e no estímulo da produção de leucócitos em pacientes submetidos a transplante de medula óssea. C) A IL-2 ajuda a prevenir a queda no número de plaquetas observada em pacientes submetidos à quimioterapia contra o câncer. D) A IL-11 induz a expansão clonal dos linfócitos T CD4+ ativados e é usada no tratamento do carcinoma renal e do melanoma metastático. E) Todas as citocinas produzidas pela tecnologia do DNA recombinante são de natureza lipídica e, portanto, devem ser administradas por via parenteral. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: são três os tipos de interferons: alfa, beta e gama. O interferon alfa é usado no tratamento das hepatites B e C (o que induz o estado antiviral nessas células) e no tratamento de uma série de neoplasias malignas, a partir da ativação dos linfócitos T citotóxicos. Os interferons beta são usados no tratamento da esclerose múltipla e estão disponíveis em duas formas, uma não glicosilada, de 74 Unidade I ação rápida, e outra glicosilada, de efeito mais prolongado. O interferon gama é usado no tratamento da doença granulomatosa crônica, mas não nos processos inflamatórios agudos. B) Alternativa correta. Justificativa: o G-CSF é uma citocina que estimula a produção de granulócitos na medula óssea e, portanto, é usado em situações nas quais o aumento dessas células na circulação é desejável: quando o indivíduo se encontra imunossuprimido (como, por exemplo, na quimioterapia contra o câncer), quando recebe transplante de medula óssea (para estimular a produção de leucócitos por esse tecido) e na vigência de infecções graves. C e D) Alternativas incorretas. Justificativa: as funções dessas citocinas estão trocadas: a IL-2 induz a expansão clonal dos linfócitos T CD4+ ativados e é usada no tratamento do carcinoma renal e do melanoma metastático; a IL-11, por sua vez, ajuda a prevenir a queda no número de plaquetas observada em pacientes submetidos à quimioterapia contra o câncer. E) Alternativa incorreta. Justificativa: a tecnologia do DNA recombinanteenvolve a inserção do gene de interesse em um vetor de expressão, seguida da adição desse vetor a células mantidas in vitro. Assim, a maquinaria transcricional e translacional da célula é utilizada para produzir a proteína de interesse. Logo, conclui-se que todas as citocinas produzidas pela tecnologia do DNA recombinante são proteínas, pois essa estratégia experimental somente é adequada para a produção dessa classe de moléculas.