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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA SUZETE CÂMARA DA SILVA POLÍTICA HABITACIONAL E PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO BRASIL: O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA (PMCMV) NO MUNICÍPIO DE CEARÁ MIRIM-RN, NO PERÍODO 2009-2014. NATAL-RN 2016 SUZETE CÂMARA DA SILVA POLÍTICA HABITACIONAL E PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO BRASIL: O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA (PMCMV) NO MUNICÍPIO DE CEARÁ MIRIM-RN, NO PERÍODO 2009-2014. Versão preliminar de dissertação de mestrado apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo. NATAL-RN 2016 Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Figueiredo, Suzete Câmara da Silva. Política Habitacional e Planejamento Territorial no Brasil: o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no município de Ceará Mirim-RN, no período 2009-2014 / Suzete Câmara da Silva Figueiredo. – 2016. 133 f. : il. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós- Graduação em Geografia. Natal, RN, 2016. Orientador: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo. 1. Habitações de interesse social – Dissertação. 2. Programa Minha Casa, Minha Vida – Dissertação. 3. Ceará Mirim-RN – Dissertação. 4. Planejamento Territorial Urbano – Dissertação. I. Azevedo, Francisco Fransualdo de. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 351.778.532 A Jonilson e João Rafael, presença do amor de Deus em minha vida. AGRADECIMENTOS A Deus, que em sua infinita misericórdia, teve compaixão de mim diante de tantos momentos difíceis, sendo meu sustentáculo e a virgem Maria, exemplo de paciência, de mulher que soube silenciar diante dos desafios; A Jonilson Figueiredo, meu esposo, por ter tantas vezes enxugado minhas lágrimas, sido meu conforto, meu auxílio e um orientador, disponível 24h a medida de minha necessidade; A João Rafael, meu filho, sempre um acalento ao meu coração; Aos meus pais, Nilzete Câmara e João Pereira, pela incansável disposição em me ajudar; Ao meu orientador, Professor Dr. Francisco Fransualdo Azevedo, por ter sido um verdadeiro amigo ao longo desta etapa, esperando com paciência as minhas demoras e pelo aprendizado proporcionado pelos momentos de orientação; Ao Coorientador Professor Dr. Ademir Araújo da Costa, por sua disposição em colaborar com a pesquisa; Aos amigos, por entenderem minha ausência física em nossos momentos de vivência, e especialmente a Cícero Marques (Arquiteto) e William Gledson (Economista) pela contribuição direta com a pesquisa; Ao 1° Ofício de Notas e Registro de Imóveis de Ceará Mirim, na pessoa do Tabelião Aldemir Vasconcelos por possibilitar a pesquisa primária dos dados, bem como a minha cunhada Jonilma Figueiredo, por ter me auxiliado na coleta dessas informações in loco; A Prefeitura de Ceará Mirim/RN pela disponibilidade dos shapes da malha urbana; A Gerusa Andrade e a Luiz Oliveira, gestores da Escola Estadual Edgar Barbosa a qual sou professora, pela paciência e disposição em ajudar; Aos Irmãos em Cristo da Pastoral Familiar e do ECC, pelas orações e motivação a seguir em frente, mesmo na adversidade e pela paciência diante de minhas ausências. Por todos, louvo a Deus! Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Nós, cristãos, não podemos nos fazer de Pilatos e lavar as mãos. Não podemos! Devemos nos envolver na política porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, porque ela procura o bem comum. Papa Francisco LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Mapa de localização do município de Ceará Mirim-RN ........................................ 17 Figura 2 – Indicadores por tipologia para seleção de áreas urbanas ........................................ 21 Figura 3 – Organograma da Política Nacional de Habitação ................................................... 56 Figura 4 – Unidades habitacionais contratadas e entregues por Região (2009-2014). ............ 73 Figura 5 – Unidades habitacionais contratadas por estado (2009-2014). ................................. 75 Figura 6 – Área inicial de expansão urbana do município de Ceará Mirim-RN ...................... 14 Figura 7 – Expansão urbana do município de Ceará Mirim-RN (1960-2016). ........................ 14 Figura 8 – Localização das unidades contratadas em Ceará Mirim/RN (2009-2014). .......... 108 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Déficit absoluto (mil unidades) e Déficit relativo (2007-2009/2011-2014).......... 35 Gráfico 2 – Perfil do Déficit habitacional no Brasil (em %) (2007-2009/2011-2014) ............ 36 Gráfico 3 – Déficit Habitacional x Domicílios Vagos – em mil (2007-2009/2011-2014) ....... 37 Gráfico 4 – Capacidade de arrecadação municipal e grau de dependência do FPM (em %) ... 46 Gráfico 5 – Proporção de Unidades Habitacionais Contratadas por Região (2009-2014) ....... 71 Gráfico 6 – Proporção de unidades contratadas por faixa de renda (2009-2014) .................... 72 Gráfico 7 – Proporção de unidades entregues frente as contratadas, por estado (2009-2014) . 76 Gráfico 8 – PIB real e Valor Adicionado Bruto - Ceará Mirim/RN (2009-2013) .................... 96 Gráfico 9 – Unidades Habitacionais Contratadas em Ceará Mirim/RN (2009-2014) ............ 102 Gráfico 10 – Unidades Contratadas em Ceará Mirim/RN, por faixa (2009-2014) ................ 103 Gráfico 11 – Unidades Contratadas vis-à-vis Unidades Entregues na RMN (2009-2014) .... 104 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Descrição dos componentes do déficit habitacional .............................................. 35 Quadro 2 – Público alvo do PMCMV ...................................................................................... 69 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Variação no número de empregos formais (2009-2014): setores selecionados. .... 97 Tabela 2 – Parâmetros e resultados do cálculo amostral ........................................................ 106 Tabela 3 – Unidades contratadas por bairro em Ceará Mirim/RN (2009-2014) .................... 110 LISTA DE SIGLAS BNH Banco Nacional da Habitação CADMUT Cadastro Nacional de Mutuários CEF Caixa Econômica Federal CMN Conselho Monetário Nacional CMP Central de Movimentos Populares COFINS Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido FAR Fundo de Arrendamento Residencial FCP Fundação Casa Popular FGHAB Fundo Garantidor de Habitação FGTS Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço FJP Fundação João Pinheiro FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social FPM Fundo de Participação dos Municípios IAPs Institutos de Aposentadoria e Previdência IDH Índice de Desenvolvimento Urbano IRPJ Imposto sobre Renda de Pessoa Jurídica LABCIDADES Laboratório Direito a Cidade e Espaço Público MI Ministérioda Integração Nacional MPO Ministério do Planejamento e Orçamento PAC Plano de Aceleração do Crescimento PAIH Plano de Ação Imediata para a Habitação PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PBQP-H Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat PIB Produto Interno Bruto PIS Programa de Integração Social PLANHAB Plano Nacional de Habitação PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida PNDU Política Nacional de Desenvolvimento Urbano PNH Política Nacional de Habitação PNHR Programa Nacional de Habitação Rural PNHU Programa Nacional de Habitação Urbana PNOT Política Nacional de Ordenamento Territorial PP Política Pública PSH Política Setorial de Habitação RMN Região Metropolitana de Natal SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos SEAC Secretaria de Habitação e Ação Comunitária SECOBENERGIA Secretaria de Fiscalização de Obras de Energia e Saneamento SEPURB Secretaria de Política Urbana SEPURB Secretaria de Política Urbana SFH Sistema Financeiro de Habitação SFHM Subsistema de Financiamento de Mercado SFS Sistema Financeiro de Saneamento SHIS Subsistema de Habitação de Interesse Social SHM Subsistema de Habitação de Mercado SIACI Sistema Integrado de Administração de Carteiras Imobiliárias SNDU Sistema de Desenvolvimento Urbano TCU Tribunal de Contas da União TTS Trabalho Técnico Social UNMM União Nacional de Movimentos de Moradia RESUMO Em virtude das rápidas e crescentes transformações das cidades, as discussões acerca do urbano, especialmente no Brasil, a partir de 2009 com a difusão dos programas da Política Nacional de Habitação (PNH), têm assumido destaque na agenda pública, bem como nos estudos científicos. Inserida nesse contexto, a presente pesquisa investiga as Políticas Públicas Habitacionais no Brasil, mas particularmente sua implementação e desdobramentos em Ceará Mirim-RN no período de 2009 a 2014. Assim, neste estudo pretende-se: i) discutir a PNH sob a perspectiva do Planejamento Territorial Urbano, atentando para a problemática do déficit habitacional no Brasil; ii) compreender a importância da Política Nacional de Habitação, especialmente como base em Programas recentes como o Programa Minha Casa Minha Vida; iii) problematizar e explicar a relação entre política social e economia de mercado, observando a participação dos atores e agentes que interagem nesse processo; iv) avaliar a efetividade e os resultados do programa Minha Casa Minha Vida na cidade de Ceará Mirim-RN no período de 2009 a 2014. Considera-se ainda o urbano no contexto da Região Metropolitana de Natal (RMN), no sentido de se interpretar a dinâmica urbana, em seu aspecto habitacional, em curso na cidade de Ceará Mirim-RN. Assim, subsidiada pela revisão de literatura, pela coleta de dados secundários e primários, a pesquisa traz o debate sobre a questão do déficit habitacional, bem como investiga em que medida a política pública habitacional interfere no planejamento territorial urbano. Os resultados da investigação evidenciam que ocorre em Ceará Mirim-RN uma saturação da área urbana central, impulsionando a ocupação das áreas periféricas da cidade, provocando uma notória periferização. Essa dinâmica por sua vez, denota baixa efetividade da PNH e, por conseguinte, requer do planejamento urbano uma maior preocupação com as carências e vulnerabilidades sociais existentes em Ceará Mirim-RN, sobretudo, quando da implementação dessa política pública dada a sua relevância. Palavras-chave: Programa Minha Casa, Minha Vida. Ceará Mirim-RN. Avaliação de Efetividade. Planejamento Territorial Urbano. ABSTRACT Due to the increasing and rapid transformations of cities, discussions about urban, especially in Brazil, from 2009 with the dissemination programs of the National Housing Policy (NHP), have assumed prominence in the government plan, as well as in scientific studies. Inserted in this context, this research investigates the Public Housing Policies in Brazil, but particularly its implementation and developments in Ceará Mirim-RN in the period from 2009 to 2014. Thus, in this study it is intended: i) discuss the NHP in the urban planning perspective, paying attention to the problem of housing shortage in Brazil; ii) understand the importance of the National Housing Policy, especially based on recent programs as the Program Minha Casa, Minha Vida; iii) to discuss and to explain the relationship between social policy and the market economy, noting the participation of actors and agents that interact in this process; iv) evaluate the effectiveness and results of the Program Minha Casa, Minha Vida in the city of Ceará Mirim-RN in the period 2009 to 2014. The still considered urban in the context of the Região Metropolitana de Natal (RMN), to interpret the dynamics urban in housing aspect, in the city of Ceará Mirim-RN. Thus, subsidized by the literature review, the secondary and primary data collection, the research brings the debate on the question of the housing shortage as well as investigates to what extent the Public Housing Policy interferes in the Urban Land Planning. The results of the investigation show that occurs in Ceará Mirim-RN a saturation of the central urban area, boosting the occupation of the peripheral regions of the city, causing a notorious spatial and social segregation. This process in turn denotes low effectiveness of NHP and therefore requires urban planning a greater concern with the social and needs vulnerabilities that exist in Ceará Mirim-RN, especially when implementing this public policy given its relevance. Palavras-chave: Program Minha Casa, Minha Vida. Ceará Mirim-RN. Evaluation of Effectiveness. Urban Land Planning. SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .......................................................................................... 14 2 A POLÍTICA HABITACIONAL E O PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO BRASIL: ASPECTOS TEÓRICOS ...................................................................................... 20 2.1 O DIÁLOGO CONCEITUAL ENTRE POLÍTICA PÚBLICA E TERRITÓRIO ........ 23 2.2.1 O Território das Políticas Públicas Habitacionais .............................................. 28 2.2 A QUESTÃO DO DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL ...................................... 33 2.3 PLANEJAMENTO TERRITORIAL: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO ....................... 37 2.3.1 Planejamento, Gestão e Ordenamento Territorial.............................................. 38 2.3.2 Governança, participação popular e descentralização de políticas sociais ....... 43 3 A POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS E NORMATIVOS ........................................................................................ 48 3.1 BREVE HISTÓRICO ..................................................................................................... 50 3.2 A “NOVA” POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO (PNH) .................................. 57 3.3 O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA (PMCMV) ........................................ 69 4 A POLÍTICA SOCIAL E A ECONOMIA DE MERCADO NO BRASIL: O PROBLEMA DA HABITAÇÃO ........................................................................................... 78 4.1 A HABITAÇÃO NO CONTEXTO DA POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL ................ 79 4.2 OS AGENTES-ATORES E O DISCURSO NA POLÍTICA HABITACIONAL .......... 83 4.3 A HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E A HABITAÇÃO DE MERCADO ...... 91 5 A POLÍTICA HABITACIONAL E O PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO MUNICÍPIO DE CEARÁ MIRIM - RN .............................................................................. 96 5.1 A CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL VINCULADA À HISTÓRIA ......................... 97 5.2 O PMCMV EM CEARÁ MIRIM-RN ..........................................................................101 5.3 O PLANEJAMENTO TERRITORIAL REVELADO PELO PMCMV ...................... 104 5.3.1 Aspectos metodológicos........................................................................................ 105 5.3.2 Apresentação e análise dos resultados ................................................................ 107 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 116 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 120 APENDICE A: DADOS COLETADOS A PARTIR DA PLATAFORMA PGI ............ 129 14 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O rápido desenvolvimento das cidades, a aparente expansão do perímetro urbano, o dinamismo dos negócios imobiliários e do setor da construção civil têm impulsionado de maneira crescente pesquisas relacionadas à expansão territorial.1 Aliado a tais aspectos, assiste- se ao acumulado de programas e financiamentos de caráter social que envolvem a habitação e a moradia2, assim como os problemas advindos dessa urbanização imediatista. A universalização da moradia digna se configura como uma das questões urbanas mais prementes no Plano Nacional de Habitação (PlanHab) (BRASIL, 2015d). Este plano elenca ações dirigidas à habitação que contemplam não apenas a casa, mas os equipamentos urbanos que atendam integralmente as necessidades dos beneficiários. Contudo, nem sempre essas necessidades são atingidas a contento (BRASIL, 2013a). Engels (1887) já considerava o tema da habitação no século XIX e os problemas relacionados a esta. Ponderando sobre a classe operária, suas condições de vida e de moradia tidas como precárias e a perpetuação dessas condições ao longo do tempo que atingia de maneira similar todas as classes oprimidas. Assim, o autor aponta que “Aquilo que hoje se entende por falta de habitação é o agravamento particular que as más condições de habitação dos operários sofreram devido à repentina afluência da população às grandes cidades; [...]” (ENGELS, 1887, p. 17). Segundo Engels (1887), tal afluência foi motivada pela industrialização crescente, pela modernização e “limpeza” da cidade. Desde então, a classe trabalhadora foi afastada do campo, que lhes oferecia o mínimo de infraestrutura básica. As colônias que ficavam no campo foram cercadas em sua maioria pela expansão esmagadora da indústria e de casas, a qual trouxe consigo a constituição de um déficit habitacional e problemas ambientais. Sem condições de habitar com qualidade no campo, que se transformava com a industrialização, o número de habitações precárias e coabitações cresceram nas cidades do século XIX. Engels (1887) considera que a habitação seja, antes de mais nada, uma questão histórica e econômica. 1 Neste contexto, vale a pena as leituras de Shimbo (2012); Santos (2013); Steinberger (2013); Dantas (2014); Amore, Shimbo e Rufino (2015). 2 À exemplo do financiamento de eletrodomésticos e móveis para quem é beneficiário do Programa Minha Casa Minha Vida. Esse financiamento, lançado em junho de 2013, constitui-se em uma linha de crédito especial destinadas às famílias que independente da renda, participem do programa, podendo financiar até R$ 5 mil, com juros de 5% ao ano e tendo até 48 meses para pagar ou um desconto de 5% na Nota Fiscal incidentes sobre os preços à vista. (Http://www.cidades.gov.br) 15 O processo de industrialização no Brasil também provocou mudanças semelhantes às ocorridas no mundo. A cidade torna-se locus do desenvolvimento e da expansão do capitalismo industrial. O capital imobiliário tem a cidade como motor para seu crescimento. O urbano toma outras proporções e a reforma sanitária e estética da cidade determinam as regras do mercado imobiliário. A população marginalizada constitui-se em obstáculo, assim, torna-se inevitável sua expulsão das áreas centrais e sua segregação aos espaços periféricos (MARICATO, 1995 e MOREIRA, 1994). O pós-30 será de muitas transformações para o cenário nacional no contexto da habitação. Nesse sentido, é, pois, a partir do financiamento habitacional que se encontra associado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), cuja estruturação data de 1964 e centrou-se na criação do Banco Nacional da Habitação (BNH) e de duas fontes que até hoje são as mais expressivas – o fundo de Garantia do tempo de Serviço (FGTS – Lei nº. 5.107/1966) e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE / 1967), que foram lançadas as bases para a Política Nacional de Habitação (PNH). A PNH, a fim de dirimir as demandas apresentadas pelo déficit3, em seu documento original, prevê investimentos habitacionais por faixa de renda, consistindo em financiamentos para a casa própria, alcançando as famílias de renda baixa e em situação de vulnerabilidade social. Inicialmente, a faixa 1 compreendia famílias de até 2 salários mínimos, faixa 2 de até 3 salários mínimos e a faixa 3 de até 5 salários mínimos. Atualmente, a faixa 1 contempla famílias que ganham até 1.800 reais, assim como também as famílias que se enquadram nas faixas 2 até 3.600 reais e 3 até 6.500 reais. O PMCMV, programa de destaque na agenda pública quanto à habitação, assumiu a responsabilidade por criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais. Segundo Shimbo (2012), o PMCMV apresentava quatro modalidades de financiamento, a saber: i) habitação para famílias com renda até três salários mínimos; ii) habitação para famílias com renda acima de três e até dez salários mínimos; iii) operações coletivas urbanas e rurais em parceria com associações e cooperativas sem fins lucrativos; e, iv) crédito corporativo para infraestrutura. Percebe-se, assim, que não há mais a divisão por faixa definida pela quantidade de vezes do salário mínimo, mas com base em um valor específico definido por faixa. Permanece ainda o segmento de financiamento para áreas urbanas e outro para áreas rurais. 3 Serão apresentados alguns aspectos a posteriori. 16 Dessa maneira, o segmento de financiamento para áreas urbanas tem como uma das exigências a construção de casas apenas em áreas urbanas, o que poderia estar provocando a expansão do perímetro urbano, embora outra exigência para participação dos municípios seja a da existência do plano diretor, como forma de inibir esse processo e uma urbanização sem critérios claros, em decorrência da falta de planejamento territorial. Assim, o estudo da política habitacional e do PMCMV na cidade de Ceará Mirim-RN se dá pela necessidade de elementos que subsidiem o Planejamento Territorial local. É nesse contexto, portanto, que se dá a Política Pública, que resulta em uma ação pública, sobre um espaço humano, espaço habitado, onde o Estado não é o único a imprimir suas marcas, conquanto sua participação seja decisiva em alguns aspectos, como tem se mostrado na questão habitacional desde então. O Planejamento Territorial torna-se instrumento nas mãos do Estado para ordenar e/ou reordenar este território segundo a política e a estratégia estabelecida. As ações desenvolvidas neste contexto para se tornarem de fato Política Pública precisam envolver toda a sociedade, para então se falar em Governança. Ordenamento e Gestão do Território constituem parte de um mesmo processo organizativo do espaço. Assim, a partir dos conceitos de Território (usado), Política Pública e Planejamento Territorial buscar-se-á compreender a dinâmica que hora se instala em Ceará Mirim-RN, a partir dos seguintes questionamentos: a Política Habitacional no Brasil tem sido efetiva no atendimento da população prioritária e no enfrentamento das situações de segregaçãosocioespacial, por meio da mitigação do déficit habitacional? O Programa Minha Casa, Minha Vida no município de Ceará Mirim-RN revela uma Política Pública voltada para o Planejamento Territorial? Dessa maneira, a presente pesquisa investiga as Políticas Públicas Habitacionais no Brasil, mas particularmente sua implementação e desdobramentos em Ceará Mirim-RN no período de 2009 a 2014. Assim, pretende-se: i) discutir a PNH sob a perspectiva do Planejamento Territorial Urbano, atentando para a problemática do déficit habitacional no Brasil; ii) compreender a importância da Política Nacional de Habitação, especialmente como base em programas recentes como o Programa Minha Casa, Minha Vida; iii) problematizar e explicar a relação entre política social e economia de mercado, observando a participação dos atores e agentes que interagem nesse processo; iv) avaliar a efetividade e os resultados do programa Minha Casa, Minha Vida na cidade de Ceará Mirim-RN no período de 2009 a 2014 do ponto de vista do Planejamento Territorial. 17 O município (Figura 1) integra a Região Metropolitana de Natal-RN e apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,646, o 52º do Estado4. Nos últimos dez anos sua população cresceu 8% chegando a 68.141 habitantes, cuja estimativa para 2015 estava em 72.878 habitantes (BRASIL, 2015a). Desmembrado de Natal, o município faz parte da Microrregião Macaíba e da Zona Homogênea Litoral Oriental, possuindo uma área de 739,686 km², equivalente a 1,40% da superfície estadual (RIO GRANDE DO NORTE, 2016). A taxa de urbanização está compreendida em 52,09%. Figura 1 – Mapa de localização do município de Ceará Mirim-RN Fonte: IBGE (2010); Ceará Mirim (2016a). Quantos aos aspectos físicos, o clima é tropical chuvoso com verão seco. Precipitação pluviométrica anual (2008) normal de 1.548,3mm, cujo período chuvoso compreende os meses de março a agosto. Temperatura média anual de 25,3 °C. Umidade relativa média anual de 79%. Há uma predominância dos solos de Gley Eutrófico cuja fertilidade natural é alta, textura argilosa, mal drenados, relevo plano e rasos ideal para o cultivo da cana de açúcar, porém precisam ser drenados em razão da alta quantidade de água (RIO GRANDE DO NORTE, 2015). 4 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para os municípios do Brasil em 2003. 18 Além do estabelecimento do vínculo de identificação com o município, por tratar-se do local de habitação da pesquisadora, o município de Ceará Mirim-RN foi eleito como recorte espacial empírico, a princípio pela notoriedade da expansão da construção de unidades habitacionais vinculadas ao PMCMV, a partir de observações iniciais na dinâmica habitacional do município e de visitas técnicas ao 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis de Ceara-Mirim. O período de análise corresponde ao interstício entre 2009 e 2014, que compreende a fase de execução do programa em tela5 – segunda metade do 2º governo Lula e 1º governo Dilma. Ao passo que, ao abarcar a série dos seis primeiros anos de implementação do PMCMV, além do alcance dos objetivos inerentes a pesquisa, este período proporcionará a percepção da evolução do programa, bem como a dinâmica expressa por ele ao longo dos anos. Os procedimentos metodológicos propostos aportam-se numa abordagem exploratória, orientada pelos delineamentos bibliográfico e documental. O exame bibliográfico decorre da verificação do estado da arte no que se refere a literatura sobre Política Habitacional e Planejamento Territorial. O levantamento documental diz respeito a consulta de arquivos públicos, sejam os documentos oficiais relacionados a PNH e ao PMCMV, seja os dados de registro de Cartório, especificamente os contratos referentes a aquisição de imóveis financiados pelo Programa. Dessa maneira, além desta introdução e das considerações finais, a presente dissertação compõe-se de outros quatro capítulos. O capítulo 2 apresenta uma discussão teórica conceitual a acerca da Política Pública, Território e Planejamento, bem como as faces que compõem este, de modo a não só auxiliar todo o debate futuro trazido pelo trabalho, mas jogar luz sobre a questão do déficit habitacional no Brasil, subsidiada por pesquisa secundária ao sítio da Fundação João Pinheiro, responsável pelo cálculo do déficit utilizado pelo Governo Federal. O capítulo 3, seguinte, compreenderá como o Território é revelado pela Política Pública, pela PNH e pelo PMCMV. Especificamente no caso da PNH, as leituras de seus principais documentos regulatórios e legais como o plano, a resolução 3.253 e as leis 10.392/2004, 11.124/2005 e 11.977/2009 serão fundamentais. O capítulo 4 problematizará e explicará a relação entre a habitação no contexto da Política Social e a Economia de Mercado, identificando agentes e atores por meio da análise do discurso inserido na PNH, bem como a participação destes dentro dessa problematização. 5 O governo Dilma pretendeu dar prosseguimento a esta agenda com a criação do MCMV 3, lançado no primeiro semestre de 2016, porém o MCMV 2 se manteve até o fim do segundo semestre de 2015, funcionando como programa de transição. Para mais esclarecimentos acessar Ministério do Planejamento: http://www.planejamento.gov.br. 19 O quinto capítulo diz respeito a um estudo de caso na cidade de Ceará Mirim-RN, avaliando a efetividade do PMCMV no período de 2009 a 2014, considerando o Planejamento Territorial, subsidiado pela consulta aos dados contratuais do 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis de Ceará Mirim-RN e do banco de dados Plataforma de Indicadores (PGI), do Ministério das Cidades. No que concerne a Política Pública, Souza (2009, 2010) e Steinberger (2013) trazem importantes contribuições a fim de esclarecer seu significado, entendendo esta como uma ação pública, em razão do envolvimento da sociedade, ou seja, dos sujeitos afetados, cujas estratégias partem de suas necessidades e interesses. Deve, portanto, ser expressão da interação entre os atores coletivos e individuais. O segundo ponto esclarece o conceito geográfico de Território, assim como a categoria território usado, além de sua relação com a política pública, o Estado e o Modelo de Governança, a partir de autores como Santos (1993, 1996, 1998, 1999, 2002, 2003, 2007, 2012); Santos e Silveira (2001); e Mc Gee (2010). Segundo Santos (1998) e Santos e Silveira (2001), o Território por si só não constitui categoria de análise do espaço geográfico, e sim seu uso que permite fazer análises sociais, porque o Território é estático, mas o Território usado é compreendido como objetos e ações. A PNH, que suscitou, dentre outras, as leituras de Rolnik (2015a, 2015b) e Maricato (2005, 2011) trazem uma abordagem para além da política, identificando as necessidades habitacionais que não compreendem apenas a habitação, mas o saneamento, o transporte, os serviços urbanos públicos ou privados. Trazem ainda para esta discussão os conceitos de habitação e moradia, além de um contexto histórico, político e econômico que envolve a habitação. Assim, definidos os procedimentos metodológicos, a metodologia e o estudo teórico envolvidos na construção do trabalho, norteados pelos objetivos delimitados e apresentados nesta introdução, além da apresentação do que constará em cada capítulo, tem-se, nas considerações finais, sintetização dos achados e limites da pesquisa, além das perspectivas para estudos futuros. 20 2 A POLÍTICA HABITACIONAL E O PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO BRASIL: ASPECTOS TEÓRICOS Importante instrumento para a implementação da então Nova Política Nacional de Habitação delimitada a partir de 2005, o PlanHab foi elaborado, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades,pela consultoria do Consórcio PlanHab, formado pelo Instituto Via Pública, Fundação para a Pesquisa em Arquitetura e Ambiente (Fupam), Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (LabHab) da Faculdade de Arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e Logos Engenharia, objetivando a formulação de estratégias que possam equacionar as necessidades habitacionais do país, universalizando o acesso a moradia por meio de quatro eixos que articulam a PNH: modelo de financiamento e subsídio; política urbana e fundiária; arranjos institucionais e cadeia produtiva da construção civil (BRASIL, 2015d). Antes, porém, torna-se imperativo esclarecer a diferença existente entre os termos política, plano e programa que se encontram, assim, em grau decrescente de abrangência. Retomando o conceito de política pública, tem-se que é aquela “que se desenvolve em esferas públicas da sociedade – e não no plano privado e interno das instituições ou organizações da sociedade” embora não se restrinjam a políticas estatais ou de governo desde que preservem o caráter público já citado (DRAIBE, 2001, p.17). O plano é um instrumento para a implementação de uma política, congregando propostas e metas para a execução da política. Já o programa é a efetivação do que foi determinado como premissas e metas no plano, são as ações em que se desdobram aquela política (DRAIBE, 2001). Os eixos citados anteriormente ficarão claros quando forem considerados os aspectos normativos e regulatórios sob a forma de leis e resoluções, apontando para um planejamento habitacional com intuito de firmar a habitação como Política Social. O principal indicador das necessidades habitacionais utilizadas pelo governo é o Déficit Habitacional elaborado pela Fundação João Pinheiro (FJP). Busca-se, portanto, com o PlanHab, uma articulação mais concreta entre a política social e o desenvolvimento econômico do País. Assim, busca-se discutir a PNH sob a perspectiva do Planejamento Territorial Urbano, observando como o déficit é considerado para fins de entendimento da problemática habitacional no Brasil, subsidiada por discussão teórica de conceitos e categorias de análise, bem como a análise de dados secundários coletados da FJP, fonte de dados utilizados pelo Governo Federal para veiculação do déficit. 21 Como o enfoque dado pela política incide sobretudo no urbano, e como pela própria dimensão e diversidade do país os municípios trazem características diferentes e especificidades próprias, de modo que, para as ações no âmbito habitacional serem mais efetivas o PlanHab adotou o estudo elaborado pelo Observatório das Metrópoles para o Ministério das Cidades, em 2005, intitulado Tipologia das Cidades Brasileiras, que congrega indicadores como número de habitantes, importância metropolitana, polarização regional, variáveis socioeconômicas, níveis de pobreza etc. (Figura 2) Figura 2 – Indicadores por tipologia para seleção de áreas urbanas Fonte: BRASIL (2015d). A ocupação no caso do PMCMV segue uma lógica regular/concentrada, considerando os fatores distância e acessibilidade, segundo o PlanHab, objetivando promover maior e melhor acesso a transporte e ao abastecimento de água e energia elétrica, equipamentos básicos. O Plano aponta ainda que a justificativa do BNH em 1985 para as fragilidades dos equipamentos públicos foi em razão de menos de 10% dos terrenos adquiridos estarem dentro da malha urbana. Há com isso, um incentivo ao avanço da mancha urbana ou a opção preferencial por 22 áreas urbanas como se percebe na figura 2. Contudo, segundo o PlanHab, as habitações devem possuir pelo menos infraestrutura básica. Segundo Gomes (2013), os formuladores da PNH admitem ser a falta de habitação um problema estrutural que afeta prioritariamente a população com menor renda, o que direciona a política para áreas com graves desigualdades sociais e altos índices de pobreza. Além disso, os maiores déficits habitacionais estão localizados em cidades. As áreas urbanas estão em maior número, haja vista que é onde se concentra maior parte da população. Isso significa que a política precisará resolver muitos problemas estruturais nestas cidades relacionados a qualidade de vida. Mesmo a PNH tendo forte apelo social, não se deve desconsiderar seu caráter espacial em razão de que esta encontra-se atrelada a políticas urbanas, ambientais, de ordenamento territorial, regionais e rurais. Portanto, devem manter o diálogo a fim de suas ações serem transversais, afastando os entraves advindos da fragmentação e setorização. A Política não deve apenas prever os equipamentos urbanos necessários, mas dispô-los aos beneficiários, caso contrário a política habitacional será confundida com política de geração de emprego, sobretudo na área da construção civil (ROLNIK, 2015b). Ainda segundo o PlanHab, a obrigatoriedade de elaboração de Planos Urbanísticos de Expansão Urbana subordinados ou integrantes ao Plano Diretor impedirá a lógica usual de expansão dos perímetros urbanos dos municípios sem planejamento. O fato é que se tornou comum a aprovação por meio da criação de leis que permitem a ampliação da área urbana nos municípios. Entretanto, uma inquietação é premente: qual o benefício direto alcançado por estas prefeituras? O PlanHab prevê que os municípios sejam pontuados positivamente quanto ao índice de Capacidade Industrial e Gestão Urbana o que lhes dará condições privilegiadas para acessar recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) desde que estes utilizem os instrumentos urbanísticos adequados para ampliar o acesso à terra urbana. Assim, o uso regulado, planejado do território poderá lhe conferir maior ordenamento. O planejamento precede o ordenamento, ou pelo menos assim o ordenamento seria mais eficiente, mas o ordenamento não subverte o planejamento. E aqui um ponto que se precisa tocar é quanto à gestão, que deve ser pensada como parte do planejamento, considerando a dinamicidade do território e suas especificidades. Outro entrave à dinâmica habitacional diz respeito ao custo das moradias. É inegável que dentre as consequências da produção das unidades está o mercado especulativo que age de forma determinante no valor da terra. Os planos diretores e os municípios podem e devem atuar 23 nesse sentido, destinando um percentual de terra para a habitação de interesse social ou de mercado popular, como pondera o PlanHab, contudo pouco tem acontecido neste sentido. As alternativas a estas questões compreendem desde a inserção da produção habitacional prioritariamente dentro da área urbana ou imediatamente contígua a ela e a fiscalização por meio das operadoras de financiamento que no caso do PMCMV é a Caixa Econômica Federal (CEF) quanto a qualidade e padrão dos imóveis, até mais rigor na liberação dos empreendimentos e das construtoras. “Trata-se de um modelo de urbanização baseado na expansão horizontal e na ampliação permanente das fronteiras, na subutilização da infraestrutura e da urbanidade já instaladas e na mobilidade centrada na lógica do automóvel particular” (BRASIL, 2015e). Assim, a título de primeiras considerações, observa-se que o planejamento e as medidas regulamentadoras são importantes para o pleno desenvolvimento da Política Habitacional, bem como da Política Pública como um todo, e sua implementação carece de um substrato capaz de acomodar as diversas relações e agentes/atores, como o Território. 2.1 O DIÁLOGO CONCEITUAL ENTRE POLÍTICA PÚBLICA E TERRITÓRIO Em consonância com o crescimento das cidades, o extremo enfoque dado à urbanização e à expansão do mercado imobiliário, a literatura tem se aprofundado na análise das políticas de habitação, a exemplo de Souza et al (1993), o qual afere que, historicamente, a intervenção do Estado na questão habitacional não tem se mostrado capaz de garantir o direitouniversal à moradia, dada a descontinuidade das políticas implementadas e os entraves políticos, sociais e econômicos advindos da setorialização. Os programas habitacionais, a exemplo PMCMV, têm assumido destaque na agenda das políticas públicas no Brasil e integram os estudos voltados ao planejamento urbano, aos quais segundo Jobert e Muller apud Souza (2010) são identificadas como o Estado em ação, por ser uma visão predominante. Embora predominante, a política pública não diz respeito apenas ao Estado. Seria equivocada e reducionista esta afirmação e por isso alguns autores preferirem tratá-la como ação pública. Assim, o conceito de PP delineia-se como ação pública, em razão do envolvimento da sociedade, segundo Souza (2009), propondo como uma das características principais desse conceito, tratado por Meny e Thoenig (1992), “a competência social com atos de disposição afetando os administrados” (SOUZA, 2009, p.15). Para aqueles autores, o estudo da política pública deveria considerar, dentre outras questões, o grau de universalidade e os sujeitos 24 afetados (SOUZA, 2010). O conceito de política pública surge em razão do envolvimento coletivo dos cidadãos segundo Souza (2009). Contudo, este autor aponta para uma abordagem generalizada quando conceitua PP como política estatal e governamental em termos amplos e complementa esta concepção citando Meny e Thoenig (1992) que apontam que PP é uma competência social voltada para os administrados, ou seja, compete a sociedade, onde estão incluídos os governantes e volta-se para a sociedade, pois é de onde partem as necessidades que orientam para a criação de políticas específicas, considerando, portanto, sua abrangência e os sujeitos afetados. O Estado, assim, teria poder decisório. O poder público tem modelado o meio construído como principal responsável pela criação e manutenção das infra-estruturas de transporte, energia e telecomunicações, bem como da normatização do uso do solo. Nas relações entre os dois circuitos da economia urbana, o Estado intervém, direta ou indiretamente, por meio da regulação dos salários e das condições de trabalho, das tarifas de transporte e do estímulo ao crédito, entre outras medidas (ARRAYO, p.1, 2008). Assim, a política pública compete à sociedade por meio de ações e para ela volta em forma de resultados, ou pelo menos deveriam voltar. Essas ações podem se dar no âmbito das ideias e manifestações que resultam no exercício da cidadania e luta por direitos, bem como na criação e manutenção de equipamentos urbanos e serviços e sobretudo na normatização quanto ao uso do solo, ainda mais quando o contexto é habitação, e neste caso o poder público é o principal responsável. Se considerarmos que uma política consiste em um conjunto de estratégias oriundas de atores com poder de decisão e que público diz respeito ao plural de pessoas, coletivo de cidadãos; que ambos os conceitos, adjetivamente são sinônimos de ação coletiva, conclui-se, portanto, que PPs são estratégias voltadas para os afetados pelas transações sociais, cujas estratégias partem de suas necessidades e interesses. Deve, assim, ser expressão da interação entre os atores coletivos e individuais, hegemônicos e não hegemônicos de maneira que se relacionem estrategicamente a fim de fazerem valer e articular suas diferentes ações. Muller e Surel (2002) apud Souza (2009) propõem outro modelo, não muito diferente, enfatizando a especificidade do Estado, mas não restringindo a este o poder decisório, mas envolvendo o conjunto de atores. Embora, este modelo não descarte a contradição que é inerente à política pública, considerando que esta seja resultado de decisões. Assim, considerando tais atores e o poder que deles emana, claro que em proporções diferentes, pode-se transpor para a situação da habitação a definição de poder que segundo Taylor e Thrift (1982) é a capacidade 25 de uma organização em controlar os recursos que lhe são necessários, mas que também são necessários a outras organizações. Tais organizações se fortalecem ainda mais quando têm apoio dos governos e esse fortalecimento pode levar ao que Santos e Silveira (2014) chamam de desvalorizações e revalorizações que obedecem a uma mesma lógica haja vista que o território é uno. Enquanto certas parcelas do território se valorizam em dado momento, outras se desvalorizam ao mesmo tempo e por consequência. A valorização de dada porção do território pelo grande capital torna- se, concomitantemente, de menor valor para os homens. Portanto, o tipo de produto dirá como fração do território pode ser aproveitada e atribuirá valor a este para uns em detrimento de outros. O Estado como apoiador das empresas e do grande capital, o que pode provocar tal esquizofrenia do território, só acentua a necessidade de compreender a política pública como ação pública que não se limita às ações estatais (SANTOS, 2008). Para isso, Rosanvallon (1997) afirma que é importante extinguir com a dicotomia público e estatal. Habermas (1984) considera que a ação pública se associa ao poder público e envolve também as ações coletivas dos cidadãos. Draibe (1997) ao considerar as PPs e, de modo mais específico, a política social na América Latina recente, ressalta a multiplicação dos espaços públicos não estatais, ou seja, resultado de parcerias e participação social que visam construir espaços de amplitude e alcance social. Assim, entende-se política pública como ação pública onde os diversos agentes podem participar de ações que pensem o bem comum. Os Espaços públicos não estatais não dizem respeito às iniciativas do Estado, mas de todos os interessados, apontando para o conceito de ação pública. Segundo Souza (2009), a atuação do Estado se faz presente desde a acumulação primitiva do capital, ou seja, antes mesmo do capitalismo existir, o Estado se estabelecia enquanto regulador na figura de um rei absolutista. Embora não houvesse um banco central, o Estado determinava os impostos, controlava o mercado e incentivava a indústria, no período do mercantilismo já no fim da Idade Média. s Para Brunhoff (1991) é só a partir de 1930 que política econômica ou de modo amplo, PP, viria a ser criada, de fato. Antes disso, existiam ações estatais que não eram propriamente políticas públicas. Como então, surgem, de fato, as políticas públicas? A partir da crise de 1929, da Revolução Soviética de 1917 e do New Deal americano combinado à intervenção estatal monetária e financeira, bem como, envolvendo o papel dos sindicatos. Portanto, as políticas públicas de modo amplo surgem a partir de intervenções econômicas e participação dos 26 sindicatos, sendo decisiva para a configuração atual de política que consta de participação social. Após a Segunda Guerra (1939-1945), sob a forma de economias mistas, assumidas pelos países desenvolvidos, o Estado tem maior conotação econômica cuja política econômica ou política pública de modo geral, passou a funcionar como política financeira, monetária e social. O Estado deixa de simplesmente ser um gestor da burguesia para constituir-se em condensador de lutas de classes, o que já direciona para a atual compreensão de como deve ser uma política pública, envolvendo ampla participação, embora isto algumas vezes não ocorra, permitindo que o Estado aja em benefício prioritariamente do grande capital (OLIVEIRA, 1998). Na verdade, segundo Santos (2008), nos países subdesenvolvidos, o Estado se apresenta como aliado do circuito moderno da economia, dando-se de modo discreto ou não, mas levando invariavelmente ao aprofundamento da dependência externa e dos impostos. É a partir disto que o próprio Estado investe em “condições de circulação indicadas como indispensáveis para a chamada “abertura” ao comércio externo. Estes são os corredores do Brasil em Ação, sustentando a tese do desenvolvimento endógeno. Trata-seisto sim de uma verdadeira sangria do território brasileiro” (SOUZA, p. 3, 2002). “Neste sentido podemos dizer que o Estado governa mais para o interesse hegemônico do que para a sociedade Brasileira, pois é fantástico o processo de tecnificação do território brasileiro, nos últimos anos. Não se trata de contrapor a modernidade dada pela técnica ao atraso” (SOUZA, p. 2, 2002). Tal “aliança” ocorre em detrimento da população das camadas mais desfavorecidas e de diversas formas: [...] proteção concedida à concentração e aos monopólios, financiamento direto ou indireto das grandes firmas através da construção de infra-estrtuturas caras, a formação profissional, a promoção das indústrias de base, os subsídios à produção e a exportação e todas as formas de acordos com as firmas dominantes da economia, tais como legislação discriminatórias, leis de investimento e planos de desenvolvimento. Tudo isso certamente reduz a capacidade de investimento dos Estados nacionais nos setores que interessam diretamente à população (SANTOS, p.161, 2008). Por tudo isso, o Estado paga o alto preço da dependência e a redução do seu poder de decisão porque tem de responder aos “anseios” da modernização cumulativa, enquanto que a população não tem sua necessidade plenamente atendida, haja visto que o Estado investe o capital público na indústria privada ou na criação de indústrias de base nacionais como é o caso da construção civil, tornada fundamental no caso do PMCMV. 27 Contudo, o “Estado possui uma grande capacidade de arrecadar recursos para investir na criação de programas de geração de emprego e de renda e na realização de políticas públicas de melhoramento da infra-estrutura urbana” (SOUZA, 2004, p.70). A sociedade civil se bem organizada pode fiscalizar e exigir dele o cumprimento das leis, além de propor e elaborar projetos e ações que objetivem a redução das desigualdades. Meny e Thoenig (1992) desconsideram o diálogo com a sociedade e as políticas que partem de diversos seguimentos da própria sociedade. Steinberger (2013) esclarece ainda a respeito da existência de uma classificação para as PPs que incluem as espaciais e dentro destas a ambiental, a de ordenamento territorial, a regional, a urbana e a rural, além de outras configuradas como econômicas, sociais e setoriais. Como exemplo da classificação social, segundo a autora, destaca-se a PNH e o PMCMV. Isso posto, torna-se factível resgatar o entendimento do que venha a ser uma política destinada ao social, que na verdade se refere a uma ação governamental dedicada a classe trabalhadora, isto é, a chamada classe dominada. De fato, esse tipo de política pode se apresentar na forma de uma política salarial, de emprego, dentre outras, conforme atesta Brunhoff (1985). A Política Social será ainda abordada de forma mais explícita no capítulo quatro. Dessa maneira, a desigualdade que caracteriza o sistema capitalista, deve ser interesse do Estado minorar essa dicotomia sistêmica e atender à sociedade integralmente e, sobretudo, os mais necessitados, embora ele encerre em si o poder da classe dominante. Logo, o contexto econômico atual influencia decisivamente os contornos das políticas orientadas às camadas sociais menos favorecidas, investigando-se como tais dinâmicas sociais e econômicas que ocorrem no Território são considerados pelos principais textos normativos da política em questão, expressando de fato o território. Com efeito, Silva et al. (2013) mostram que diante de um quadro econômico de referência, no qual os capitalistas auferem renda cada vez mais elevada, seja no contexto produtivo, via lucros ou no financeiro, via juros, as ações de governo geram repercussões na sociedade, não sendo objetivo deste capítulo examinar tais contradições do ponto de vista da gênese das políticas, restando apenas discutir o território é revelado na PNH e no PMCMV, isto é, o território das políticas públicas. 28 2.2.1 O Território das Políticas Públicas Habitacionais As Políticas Públicas necessitam promover uma ampla assistência e ações globais que se concretizem no território por meio de objetos e ações, pois de outro modo, “são ações essencialmente paliativas, em vez de preventivas contra os males e catástrofes sociais – como a fome; elas são impeditivas à expansão de capacidades” (AZEVEDO, 2007, p. 131). Deve-se considerar, assim, que as PPs se expressam no território, embora não expressem o território porque na verdade as políticas no Brasil são mais setoriais que territoriais, embora isto não justifique a falta de diálogo entre setores, como por hipótese ocorre também na PNH. O fato é que esta política possui efeito territorial provocado pelos novos usos, pelo estabelecimento de novas ordens no espaço, pelo fortalecimento do poder dos atores hegemônicos, pelo aprofundamento de relações conflitantes, novas leis e diversos acordos econômicos. Portanto, o território é concebido como extensão apropriada e usada (SANTOS; SILVEIRA, 2001), por isso fala-se em território usado cujos usos, caracterizados por estes autores, permitem analisar a relação dos conceitos e das noções, evidenciando a relação entre poder, governo e território. Toda essa composição ou o que Santos (1988) chama de configuração territorial, mostra-se como totalidade, um sistema permeado por fluxos e fixos, possibilitando a formação de redes e malhas. Assim, o território constituir-se-ia em um todo complexo com relações complementares e conflitantes (SANTOS et al., 2000). Segundo Santos e Silveira (2001, p.247) “o Território em si não constitui categoria de análise de espaço geográfico nas ciências sociais. [...] Devemos levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre materialidade, que inclui natureza, e o seu uso, que inclui a ação humana, isto é, o trabalho e a política”. Portanto, o território usado é aquele das infraestruturas postas, do dinamismo econômico e social refletido nos movimentos da população, da indústria e dos serviços e nas normas configuradas nas legislações que, por meio da cidadania, dão nova função ao espaço geográfico. Santos (1998) considera que é o uso do território que permite a partir dele se fazer análises sociais. Ele não é estático e o que permanece é o que o autor chama de quadro de vida. Considera o território como forma e o território usado como objetos e ações, ou seja, aquilo que confere dinamicidade ao espaço geográfico, pois mediados pela ação humana e assim, o território se configura como sinônimo de espaço humano, espaço habitado. 29 Fato é que as PPs se dão no território porque necessitam de um substrato no qual subentendem relações sociais, políticas e econômicas por meio da apropriação de um espaço que não se dá de modo aleatório, pois atende aos interesses antes de tudo do capital hegemônico para daí alcançar os que serão considerados como beneficiados diretos. Embora essa relação hierárquica se mostre aparente, dada a veiculação de que as políticas, de modo geral, se voltam primeiro para o atendimento das necessidades sociais, a sociedade precisa se dar conta de que também é um instrumento político e por isso capaz de interferir. O Território é, portanto, a apropriação de um espaço cujo fim e o meio são o poder, que se consolida e se concretiza por relações que não envolvem apenas o homem, mas também o Estado-nação, tecendo redes em um campo de forças em suas múltiplas dimensões, onde malhas se constituem em superfícies do sistema territorial para delimitar campos operatórios e funcionais. A ocupação deste espaço apropriado pode ocorrer segundo duas ordens: aleatória, regular ou concentrada, respondendo ao fator distância e acessibilidade onde se observa uma diferenciação funcional que obedece a um princípio hierárquico dado pelos indivíduos e/ou grupos. Isso possibilita um controle daquilo que pode ser distribuído, alocadoe/ou possuído (RAFFESTIN, 1993). Santos e Silveira (2014) ponderam sobre a prática neoliberal quanto ao uso do território do ponto de vista econômico assumidos pelas empresas, sendo possível compatibilizar tal situação para o caso da habitação. Os autores afirmam que o neoliberalismo acarreta mudanças na utilização do território ao tornar o seu uso mais seletivo do que antes, desfavorecendo assim, as populações mais pobres e mais distantes dos centros produtivos. Exemplificando, as localizações mais favoráveis do ponto de vista do Estado e das empresas para o PMCMV são, geralmente, os mais desafiadores para a população mais pobre, pois o acesso a bens e serviços, quando existem, são escassos6. “Desse modo a acumulação, em certos pontos, das respectivas atividades pode conduzir a maiores dificuldades quanto ao acesso aos respectivos produtos, sejam eles bens ou serviços” (SANTOS; SILVEIRA, 2014, p. 302). Harvey (1980) auxilia na compreensão do que é acessibilidade quando então se considera que esta diz respeito às condições dadas aos indivíduos de ter acesso aos equipamentos urbanos públicos, os serviços, o lazer, os bens culturais, as vias de ingresso às 6 Segundo estudo desenvolvido por Analúcia de Azevedo Silva em 2014 para a Região Metropolitana de Natal em relação aos empreendimentos residenciais do PMCMV pesquisados, dos municípios que a compõe, oito estão distantes em média de 3km dos seus centros, além de Natal que dista 12 km e Parnamirim que dista 8km de seus centros, considerando os pontos de referência adotados pela autora. Outro ponto considerado por Silva (2014) é que entre os 32 empreendimentos do PMCMV Faixa 1 na RMN foram erguidos nas franjas urbanas dos municípios, exigindo medidas que atendam ao fator acessibilidade. Para mais esclarecimentos consultar sua dissertação em http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/handle/123456789/16440. 30 áreas urbanas, o transporte público coletivo7, isto é, o acesso direto à cidade. O acesso a esses elementos parece ter um custo muito alto, sobretudo para os pobres. Deveria ser auto-evidente que assim como mudamos a forma espacial da cidade (por relocação de residências, vias de transporte, oportunidades de emprego, fontes de poluição, etc.) também mudamos o preço de acessibilidade e o custo de proximidade de qualquer moradia (HARVEY, 1980, p. 45). Os moradores dos empreendimentos residenciais do PMCMV em Ceará Mirim-RN, prioritariamente os da Faixa 1, ao necessitarem de transporte para deslocar-se para o centro da cidade e até mesmo para chegar ao ponto de ônibus mais próximo para pegar outra condução que os levem ao trabalho, geralmente na capital Natal-RN, enfrentam uma série de dificuldades, a começar pela ausência de linhas de transporte público que os contemplem. As políticas urbanas necessitam acompanhar as demandas que surgem com os novos rearranjos das cidades8. As cidades cresceram muito nos últimos vinte anos ou mais, e esse crescimento resultou em algumas mudanças significativas na sua forma espacial. Houve, assim, (e presumivelmente sempre haverá) uma reorganização na localização, e distribuição de algumas atividades no sistema urbano. É muito fácil encarar essas mudanças como, “naturais” e “justas”, e como, simples, manifestação de ajustamento do sistema urbano a mudanças em tecnologia, mudanças em padrões de demanda e outras. Do ponto de vista político, contudo, deveria estar claro que esses ajustamentos na forma espacial da cidade provavelmente contribuem para produzir uma variedade de formas, de redistribuição de renda (HARVEY, 1980, p.48). Na verdade, não há uma nova segregação sócioespacial, há a permanência desta, visível nos empreendimentos residenciais construídos pelo PMCMV espalhados pelo Brasil. Pesquisas como: “Ferramentas para avaliação da inserção urbana dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida”, desenvolvida pelo Laboratório Direito à Cidade e Espaço Público da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LabCidade – FAU/USP) em conjunto com uma rede nacional formada por onze instituições de pesquisa e veiculado em 2014, aponta essas questões. A análise da distribuição espacial dos empreendimentos do PMCMV em nossos estudos de caso nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas aponta para o inegável predomínio da inserção de novos conjuntos habitacionais de Faixa 1 em áreas periféricas. Se o programa passou a atingir uma camada da população historicamente não atendida pelas iniciativas federais na área habitacional, não chegou a interferir em seu “lugar” histórico nas cidades, reproduzindo o padrão periférico. 7 Que engloba a mobilidade urbana, mas que não será enfocada neste trabalho. 8 Apreensão resultante de conversas informais com moradores que se enquadram na faixa de renda 1 quando questionados a respeito dos pontos negativos de suas habitações. O aspecto localização foi o mais criticado, o que atenta para a reflexão das questões urbanas e de acessibilidade. 31 Este estudo foi desenvolvido no Estado de São Paulo, contudo, tantos outros, como também considerado no estudo de Silva (2014) para a Região Metropolitana de Natal-RN, apresentam graves gargalos como a constituição de “novas” periferias e “novos” espaços segregacionados. “Novos” porque apesar de parecer que o lugar do pobre historicamente continua sendo a periferia, há uma reprodução desses espaços pelo país, em certa medida, sendo alimentado pelas políticas públicas e no caso específico, pelo PMCMV. Portanto, de que forma é abordado o território na PNH? Segundo Gomes (2013) o território abordado na PNH assume conotação de mero receptáculo das ações sociais o que tem provocado o acúmulo de inúmeras críticas, talvez para assumir uma pretensa lógica de reprodução do capital sem compreender a repercussão teórica e prática no espaço. Além disto, o diálogo entre os setores do governo é importante. “A provisão de moradia adequada nas cidades requer um diálogo efetivo com a política urbana, porque somente assim é possível oferecer à população desabrigada as condições de estabelecer vínculo e identidade com o meio urbano” (GOMES, 2013, p.280). Na verdade, o que se tem hoje, sobretudo na PNH, é uma política setorial, ou até mesmo uma política econômica porque encontra-se fragmentada em órgãos, em esferas, em setores e ainda há a necessidade de participação da sociedade civil organizada. Nossa política urbana é fragmentada e setorial, além de marcada pela temporalidade dos ciclos eleitorais. Fragmentada porque está disseminada em órgãos e esferas de gestão nos vários níveis da federação – municípios, estados e União – e setorial porque está em pedaços do desenvolvimento urbano como, por exemplo, habitação, saneamento, transportes, patrimônio, etc. Mas estes dois campos de atuação não dialogam entre si, sem que haja uma base planejada, pactuada com cidadãos, para dar sustentação (ROLNIK, 2015a). A habitação por si não é capaz de atender as necessidades de um cidadão. Produzir habitação é, segundo Carlos (2007), permitir a reprodução da vida dos homens por meio de escolas, assistência médica, transporte, água, luz, esgoto, telefone, além de atividades voltadas para o lazer. Isto é território usado e, portanto, por esse entendimento deveria perpassar a compreensão da PNH. Contudo, tal entendimento vai ainda além do provimento técnico, de objetos, mas incorpora o sentimento de pertencimento àquilo que o pertence, numa relação de identidade, porque o “território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida” (SANTOS, 1999, p. 8). É, dessa maneira, que a categoria território usado é suscitada nesta pesquisa. Segundo Santos (1999, p.8) “o território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence”. A relação de pertencimento exige mais que 32 equipamentos, objetos. Assim, a habitação que não dispensa as condições físicas necessárias ao exercício da cidadania, além da casa em si, não deve dispensar também aquilo que identifica o homem em seu espaço, onde a vida acontece, nos apontando para o conceito de moradia. São as ações sociais que dão vida as habitações (STEINBERGER, 2009). Isto é moradia. Rolnik (2015a) afirma que moradia “significa a inserção dessa moradia em um bairro, em um pedaço da cidade com toda a infraestrutura completa, com acesso direto e fácil a equipamentos de educação, saúde e culturais, a oportunidade de desenvolvimento humano e a emprego”. E quando nem uma, nem outra é garantida a população? Santos (2007) alerta para a confusão ideológica imposta entre o direito a habitar e a morar a partir de um discurso que distancia da proposta ideal. O direito de habitar resume-se apenas em casas tão pequenas que terminam por abrigar e reproduzir situações sociais e urbanas problemáticas. O lucro e a reprodução do capital fustigam as reais necessidades dos espaços públicos. “Temos de comprar o ar puro, os bosques, os planos de água, enquanto se criam espaços privados publicizados, como os playgrounds ou, ainda mais sintomático, os condomínios fechados [...] O lazer da cidade torna-se igualmente o lazer pago [...]” (SANTOS, 2007, p.62), restringindo esse prazer àqueles que podem pagar, quando do contrário deveriam ser essenciais. Maricato (2004) complementa esta ideia afirmando que não há como pensar a habitação sem considerar o saneamento, o transporte, os serviços urbanos públicos ou privados. E ainda, que a moradia não tem autonomia, sobretudo, no meio urbano porque não se mora apenas na moradia, se esta estiver no meio urbano, mas mora na cidade. A moradia, segundo a autora, nesse sentido não tem autonomia. Portanto, se vive todos os aspectos que circundam o viver na cidade, dentre elas a identificação e a subjetividade. Assim, o objetivo da PNH deveria centrar-se na moradia, considerando o uso do território, o que resultaria em uma política mais efetiva e que geraria menos transtornos sociais e urbanos. Além disso, o aparente aumento do perímetro urbano aponta para o forte esquema de estoque de terras, como se nota “no processo de ampliação das periferias urbanas através dos projetos de assentamentos urbanos, os quais nem sempre oferecem condições de vida e habitat desejáveis, pelas carências que apresentam em serviços básicos como saúde, educação, lazer, segurança e trabalho” (AZEVEDO, p.17, 2016). Quanto a isto, Maricato (2004) considera que mesmo o mercado imobiliário sendo uma referência importante para as políticas urbanas no Brasil, por isso mesmo não deve deixar-se conduzir por interesses empresariais privados. Pondera ainda sobre a preocupação que as políticas públicas devem ter sobre a unidade habitacional, tendo como referência o conceito de 33 habitat que englobam questões amplas como as fundiárias e urbanas e, portanto, se assemelhando ao que aqui se trata por moradia. Aliado ao conceito de habitat encontra-se o de habitabilidade que compõe juntamente com mais seis elementos o documento do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (1991) em seu Comentário Geral nº 4 que estabelece pontos direcionados ao direito da moradia. Tal Comitê não concebe a moradia como um abrigo composto apenas por um teto e quatro paredes e elenca pontos para sua real efetivação, a saber: habitabilidade; disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; localização adequada; adequação cultural; acessibilidade; segurança da posse; e custo acessível. Dessa maneira e a partir desses elementos, seria possível uma compreensão mais territorial da PNH, cujas ações amplas e universais compreenderiam e resultaria neste mesmo território, principalmente no que diz respeito à concretização de um dos programas de maior relevo quanto a habitação que é o PMCMV, haja vista que o território não é mero receptáculo de ações e de objetos, mas resulta da relação destes. O território assim é humano, resultado do exercício da vida. 2.2 A QUESTÃO DO DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL As políticas habitacionais trazem consigo a justificativa de mitigar o déficit habitacional acumulado, bem como sua demanda futura estimada em 25 milhões de unidades. De modo que a universalização da moradia digna se configura como uma das questões urbanas mais prementes no PlanHab (BRASIL, 2015d). Dessa maneira, é recorrente a afirmação da não efetividade do Estado, dada a sua incapacidade de atender à população de baixa renda – que compreende 90% (noventa por cento) desse déficit. O atual modelo de Política Habitacional brasileiro foi sendo configurado ao longo de anos, alcançando diversas estruturas de governo e governantes. Governo após governo, desde a primeira metade do século XX, são desenvolvidas ações no âmbito habitacional e criadas secretarias, políticas e planos. Contudo, foi a criação e a extinção não exitosa e contínua a cada governo de programas, planos e secretarias que limitou as ações e promoveu gastos desnecessários. Partindo de uma concepção ampla de necessidades habitacionais, a metodologia desenvolvida pela FJP para tratar dessa problemática trabalha com duas tipologias: o déficit habitacional e a inadequação de moradias. Enquanto o primeiro refere-se à necessidade de incremento no estoque de moradias (quantitativo), o segundo reflete a inadequação das 34 especificidades internas deste estoque (qualitativo) e que, portanto, precisam de reposição, dada a precariedade e o desgaste estrutural. O campo habitacional é um dos mais desafiantes de se tratar por considerar que mensurar suas necessidades não é tarefa simples. “Não se pode chegar a uma conclusão sobre a necessidade de casas por meio da comparação entre o número de total de unidades residenciais num país e a população total” (MARSHALL, 1967, p.196). A distribuição geográfica das moradias não é equiparável com a distribuição demográfica. Este autor elenca uma série de problemas relacionados ao cálculo da demanda habitacional: 1) distribuição geográfica não coincidente com a distribuição demográfica; 2) superpopulação e subocupação podem conviverem lado a lado; 3) composição etária e estrutura social: se as pessoas casam cedo e têm famílias reduzidas, pode aumentar o número de unidades residenciais; 4) o aumento da expectativa de vida gera maior tempo de posse de unidades residenciais; 5) aumento de divórcio também aumenta a demanda por mais moradias, até que volte a casar. Segundo Marshall (1967) o objetivo de uma PNH é suprir a demanda e estimular a economia a partir do controle da oferta e da procura. Embora a moradia seja considerada um bem durável com capital inicial que pode ser superior ao que muitos podem pagar, a procura é estimulada pelos financiamentos, como se vê atualmente. Outro fator que controla a oferta é o fato da produção se dar de modo lento e drenar muitos recursos, embora técnicas de pré- fabricação e produção em massa estejam constantemente evoluindo. A produção habitacional não deve estar relacionada apenas ao déficit, mas deve-se considerar casos mais urgentes como a substituição de casas obsoletas e remoção de favelas. O fato da disponibilidade total de unidades residenciais não deve ser o centro. Embora o déficit seja o principal estímulo à produção habitacional utilizado pelo governo e fonte de críticas, o cálculo considera questões como essas e as demográficas. A ideia desse índice, segundo Santos (2012), se constitui em um parâmetro dinâmico, a ser analisado e configurado pelo momento histórico, cultural e tecnológico. Tal dinamicidade se faznecessária haja vista os entraves já considerados por Marshall e que tornam a definição do índice algo complexo, mas possível de ser calculado. Assim, tomando como referência o método adotado pelo Ministério das Cidades, o qual é proposto pela FJP9, o déficit habitacional é calculado como a soma de quatro componentes: 9 Uma metodologia alternativa pode ser encontrada em Prado e Pelin (1993). 35 a) domicílios precários; b) coabitação familiar; c) ônus excessivo com aluguel urbano; e d) adensamento excessivo de domicílios alugados.10 Quadro 1 – Descrição dos componentes do déficit habitacional Componente Descrição/subcomponentes Domicílios precários Domicílios rústicos: aqueles sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada; e, domicílios improvisados: locais e imóveis sem fins residenciais e lugares que servem como moradia alternativa. Coabitação familiar Domicílios particulares compostos por um ou mais aposentos (cômodos); famílias conviventes: famílias secundárias que dividem a moradia com a família principal e desejam constituir novo domicílio. Ônus excessivo com aluguel urbano Número de famílias urbanas, com renda familiar de até 3 salários mínimos, que moram em casa ou apartamento e que gastam 30% ou mais de sua renda com aluguel. Adensamento excessivo de domicílios alugados Domicílios alugados com um número médio superior a três moradores por dormitório. Fonte: adaptado a partir de FJP (2014). Assim, conforme o quadro 1, ao analisar o déficit habitacional deve-se levar em consideração a pluralidade das tipologias que constituem esse indicador, dado que cada um destes possui dinâmica e características singulares. Assim, um estudo que envolva déficit requer um maior aprofundamento e detalhamento. Entretanto, o objetivo aqui é apontar como é feito e considerado tal dado pelo governo ao veicular informações relacionadas a PNH. Gráfico 1 – Déficit absoluto (mil unidades) e Déficit relativo (2007-2009/2011-2014) Fonte: Elaboração própria, a partir da Fundação João Pinheiro (2014; 2016). 10 Para detalhes veja: Déficit Habitacional no Brasil 2011 e 2012: resultados preliminares (FJP, 2014). 10,8% 9,8% 10,4% 9,5% 9,1% 9,0% 9,0% 6.102 5.687 6.143 5.889 5.793 5.846 6.068 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 5.000 5.200 5.400 5.600 5.800 6.000 6.200 6.400 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 U n id ad es H ab it ac io n ai sM ilh ar es Anos Pesquisados Déficit Total Relativo Déficit Total Absoluto 36 Ao analisar o período de 2007 a 201411, conforme Gráfico 1, observa-se que em termos absolutos, embora tenham apresentado reduções sistemáticas ao longo dos anos pesquisados, em 2014 o déficit habitacional retornou aos patamares de 2009 (início do PMCMV), isto é, a necessidade de cerca de 6,1 milhões de unidades habitacionais. Esse resultado, por sua vez, sinaliza a necessidade premente de avaliação das estratégias de execução do programa, no intuito de aumentar a efetividade da política habitacional. Contudo, quando analisado em termos relativos, isto é, considerando o crescimento populacional e o consequente aumento da demanda por moradia, a série estudada revela que, excetuando o ano de 2009, assiste-se a uma redução gradativa do déficit habitacional. Enquanto em 2007 esse déficit era de 10,8%, em 2008 ele foi reduzido para 9,8% e em 2011 foi reduzido para 9,5% para seguir mantendo a redução até 2014. Assim, ao avaliar os resultados da política nacional, instrumentalizada pelo PMCMV, deve-se considerar, inclusive, a dinâmica demográfica pela qual o país é disposto, de modo a traduzir o perfil do déficit. Nesse sentido, analisando o déficit por componente, observa-se a predominância da coabitação familiar e do ônus excessivo com aluguel. Juntos eles vêm representando em média 76% do déficit total ao longo dos anos. Contudo, quando observado o padrão dessa evolução, esses componentes apresentam dinâmicas distintas, tendo como marco de inflexão o ano de 2009. Isto é, enquanto o déficit por coabitação familiar representava 41% em 2009 e, partir de então foi reduzindo sua participação, chegando em 2014 a 32%, o déficit representado pelo ônus excessivo com aluguel saltou de 35% para 48%, nesse mesmo intervalo, conforme denota o Gráfico 2, seguinte. Gráfico 2 – Perfil do Déficit habitacional no Brasil (em %) (2007-2009/2011-2014) Fonte: elaboração própria, a partir de FJP (2014). 11 Exclusive o ano de 2010, dada a não realização da PNAD. 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50% 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 Habitação Precária Coabitação Familiar Ônus Excessivo com Aluguel Adensamento Excessivo 37 O adensamento excessivo e a habitação precária vêm mantendo sua participação, de cerca de 6,5% e 17,9%, respectivamente. Nesse contexto, merece destaque o déficit por habitação precária. Como demonstra o Gráfico 2, acima presentado, enquanto em 2007 sua participação era de 20,7% (1.274.414), em 2014 passou a representar 14% (863.030) do déficit habitacional total, resultado significativo do ponto de vista da qualidade da moradia disponível a população brasileira, e consequente efetividade da política nacional. Contudo, nesse cenário de manutenção do déficit habitacional absoluto, nota-se um fato que pode se configurar como a justificativa ou a solução para tal problema. Trata-se da manutenção pari-passu da quantidade de domicílios particulares vagos. A aparente contradição demonstrada pelo Gráfico 3, em que o déficit de moradias se coloca ao lado da expressividade no número de imóveis vagos é sempre uma fonte de questionamento. Gráfico 3 – Déficit Habitacional x Domicílios Vagos – em mil (2007-2009/2011-2014) Fonte: elaboração própria, a partir de FJP (2014; 2016). Diante do exposto, observa-se que embora tenha havido sua manutenção em termos absolutos, o perfil do déficit habitacional brasileiro vem se modificando, o que (por hipótese) reflete as características da política habitacional recente – representada notadamente pelo PMCMV. 2.3 PLANEJAMENTO TERRITORIAL: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO Santos (2013) afirma que segundo Jean-Michel Roux (1980) as transformações no território são resultado da pressão socioeconômica, mas também são resultado da imposição 7.076 7.290 7.247 7.595 7.198 7.231 7.241 6.102 5.687 6.143 5.889 5.793 5.846 6.068 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 2 0 1 4 ANOS PESQUISADOS Domicílios Vagos Déficit Habitacional absoluto 38 dos detentores do poder. Fala-se em poder se referindo ao Estado que de acordo com estes autores, em se tratando de planejamento do território, possuem quase que um monopólio das reflexões sobre essa questão, controla a maior parte dos investimentos para a organização do espaço e concentra as decisões expressas em suas determinações. O planejamento urbano segue atendendo mais a uma lógica capitalista de mercado que uma perspectiva social. Santos (2013) fala sobre a dicotomia entre a cidade econômica e a cidade social haja vista que as receitas públicas se destinam mais em direção àquela. O marketing urbano se encarrega de encarecer construções e terrenos. Há uma ampliação das diferenças em todos os aspectos. A PNH e antes disso, o BNH geraram expectativas na população, sobretudo na mais pobre. Assim, os “novos” moradores do urbano necessitam despender mais recursos, considerando o aumento da malha urbana e por serem empurrados para as periferias. Há na verdade um aprofundamento da escassez, da especulação e de espaços vazios dentro das cidades. Neste caso, o modelo de produção de casas não é compatível com os espaços deixados dentro da cidade. Essa situação “empobrece ainda mais os mais pobres, forçados
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