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TCC--versAúo-final

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE ANÁLISES CLÍNICAS E TOXICOLÓGICAS
CURSO DE FARMÁCIA
Júlia Costa Gorgônio
INFLUÊNCIA DOS MODULADORES GENÉTICOS NOS NÍVEIS DE HEMOGLOBINA
FETAL NA ANEMIA FALCIFORME: REVISÃO LITERÁRIA
Natal, RN
2022
Júlia Costa Gorgônio
INFLUÊNCIA DOS MODULADORES GENÉTICOS NOS NÍVEIS DE HEMOGLOBINA
FETAL NA ANEMIA FALCIFORME: REVISÃO LITERÁRIA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de
Graduação em Farmácia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção
do título de Bacharel em Farmácia.
Orientadora: Profa. Dra. Ivanise Marina Moretti Rebecchi
Co-orientador: Prof. Dr. Igor de Farias Domingos
Natal, RN
2022
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências da Saúde - CCS
Gorgônio, Júlia Costa.
Influência dos moduladores genéticos nos níveis de
hemoglobina fetal na anemia falciforme: revisão literária
/ Júlia Costa Gorgônio. - 2022.
54f.: il.
Trabalho de Conclusão de Curso - TCC (Graduação em Farmácia)
- Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de
Ciências da Saúde, Departamento de Análises Clínicas e
Toxicológicas. Natal, RN, 2022.
Orientadora: Ivanise Marina Moretti Rebecchi.
Coorientador: Igor de Farias Domingos.
1. Anemia Falciforme - TCC. 2. KLF - TCC. 3. BCL11A - TCC. 4.
HBS1L-MYB - TCC. 5. Genes - TCC. I. Rebecchi, Ivanise Marina
Moretti. II. Domingos, Igor de Farias. III. Título.
RN/UF/BS-CCS CDU 616.155.194
Elaborado por ANA CRISTINA DA SILVA LOPES - CRB-15/263
3
JÚLIA COSTA GORGÔNIO
INFLUÊNCIA DOS MODULADORES GENÉTICOS NOS NÍVEIS DE HEMOGLOBINA
FETAL NA ANEMIA FALCIFORME: REVISÃO LITERÁRIA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Farmácia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção
do grau de Graduação em Farmácia.
Aprovado em __/__/____.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
Profa. Dra. Ivanise Marina Moretti Rebecchi
Orientadora
DACT/CCS/UFRN
_______________________________________________________
Prof. Dr. Igor de Farias Domingos
Co-orientador
4
_______________________________________________________
Prof. Dr. Thales Allyrio Araújo de Medeiros Fernandes
Convidado
DCB/UERN
__________________________________________________________
Mestre Gabriela da Silva Arcanjo
Convidada
PPGG/UFPE
5
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus por ter me dado o
dom da vida, forças, ser meu guia, me iluminar
para conquistar tudo isso e me ajudar a superar
todos os obstáculos que encontrei pelo caminho.
Tudo isso só seria possível com a Tua graça.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado a oportunidade de viver, muita
força para realização de tudo isso, por confiar na Tua serva e ter me dado uma família
maravilhosa e bem instruída por Ti. Obrigada Senhor, pelo que me proporcionou em todos
os momentos da minha vida;
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por toda a estrutura fornecida para
minha formação acadêmica e profissional;
À família Gorgônio, por ser minha base, meu lar e ter me dado o que eu mais
precisava e quando precisava, principalmente amor e confiança. Vocês foram e sempre
serão minha luz, meu apoio. Obrigada por tudo;
Aos meus avós, em especial a Flávio Gorgônio (In memorian) por ser meu amigo,
meu norte pela área da saúde e por me ensinar o gosto em cuidar dos outros com todo
amor. Agradeço demais por Deus ter te colocado na minha história e por você significar
bastante, vovô.
À minha orientadora Profa. Dra. Ivanise Marina Moretti Rebecchi e meu
co-orientador, Prof. Dr. Igor de Farias Domingos por toda a colaboração, paciência e os
muitos conhecimentos transmitidos. Sem esses incentivos nada disso seria possível;
Aos meus amigos, por todo carinho, mão amiga e diversos momentos juntos, sejam
alegres, sejam de sofrimento. Em especial ao meu amigo Igor Segundo e a Milza Menezes
que sempre estiveram comigo em todos os momentos;
A Ruan Aurélio, por ter sido meu companheiro durante a caminhada, de maneira tão
singular. Obrigada por seu amor, carinho e compreensão, sendo essencial para que esse
momento se tornasse ainda mais especial;
E, por fim, a todos aqueles que contribuíram na realização deste trabalho de maneira
direta ou indiretamente e me fizeram chegar até aqui.
Os meus mais sinceros agradecimentos.
7
RESUMO
A anemia falciforme é uma doença de origem genética em que o indivíduo apresenta
hemólise crônica e crises de dor decorrentes da vasoclusão. É causada por uma falha na
síntese da estrutura molecular da hemoglobina, mais especificamente no 6° códon do gene
da beta-globina (HBB) no cromossomo 11, havendo a troca do aminoácido ácido glutâmico
pela valina. Além disso, alterações em genes que não estão relacionados à síntese das
cadeias globínicas, como genes relacionados à síntese de hemoglobina fetal, podem
modular o quadro clínico dos pacientes e, assim, determinar se o indivíduo terá formas mais
brandas ou mais severas da doença. O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão
literária a respeito da influência dos genes KLF na modulação do quadro clínico de
pacientes portadores da anemia falciforme. A literatura selecionada foi retirada de bases
científicas como a Google Acadêmico, Scielo, Pubmed e Mayo Clinic Proceedings no
período entre os anos de 2001 e 2021, com algumas exceções. A avaliação dos trabalhos
utilizados no desenvolvimento desta revisão literária revelou a importância dos genes KLF,
BCL11A e HBS1L-MYB na regulação da hemoglobina fetal e do quadro clínico de pacientes
com anemia falciforme. Esse fato reforça a real necessidade do estudo aprofundado dos
genes envolvidos para melhor cuidado e manejo terapêutico mais adequado desses
pacientes, garantindo uma elevação na qualidade de vida dos portadores da anemia
falciforme.
Palavras-chave: KLF, BCL11A, HBS1L-MYB, Genes, Anemia Falciforme
8
ABSTRACT
Sickle cell anemia is a disease of genetic origin in which the individual has chronic hemolysis
and pain crises resulting from vaso occlusion. It is caused by a failure in the synthesis of the
molecular structure of hemoglobin, more specifically in the 6th codon of the beta-globin gene
(HBB) on chromosome 11, with the exchange of the glutamic acid amino acid for valine. In
addition, alterations in genes that are not related to synthesis of globin chains, such as
genes related to fetal hemoglobin synthesis, can modulate the clinical picture of patients
and, thus, determine whether the individual will have milder or more severe forms of the
disease. The aim of this study was to carry out a literary and systematic review of the
influence of KLF genes in modulating the clinical picture of patients with sickle cell anemia.
The selected literature was taken from scientific databases such as Google Academic,
Scielo, Pubmed and Mayo Clinic Proceedings in the period between 2001 and 2021, with
some exceptions. The evaluation of the works used in the development of this systematic
review revealed the importance of the KLF, BCL11A and HBS1L-MYB genes in the
regulation of fetal hemoglobin and the clinical picture of patients with sickle cell anemia. This
fact reinforces the real need for an in-depth study of the genes involved for better care and
more adequate therapeutic management of these patients, ensuring an increase in the
quality of life of patients with sickle cell anemia.
Keywords: KLF, BCL11A, HBS1L-MYB, Genes, Sickle Cell Anemia
9
Lista de Ilustrações
Figura 1: Fisiopatologia da Anemia Falciforme……………………………………………………………25
Figura 2: Representação dos eventos fisiopatológicos derivados da polimerização da
desoxi-HbS…………………………………………………………………………………………………….26
Figura 3: Algoritmo de Tratamento com a Hidroxiuréia na Doença Falciforme………………………..32
Figura 4: Representação da proteína KLF……………………………………………………..…………..37Figura 5 Árvore filogenética dos fatores semelhantes a Krüppel………………………………………..38
Figura 6: Os mecanismos de hidroxiureia para a indução de HbF: reguladores e ações mediadas por
miRNAs………………………………………………………………………………………………………...41
Figura 7: Representação do modelo silencioso da atuação da BCL11A no gene γ-globina através dos
fatores de transcrição…………………………………………………………………………………………42
Figura 8: Representação da região intergênica 126kb HBS1L-MYB……………………………………43
10
Lista de abreviações, siglas e símbolos
OMS: Organização Mundial da Saúde
Hb: Hemoglobina
g/dL: Gramas por decilitros
fL: Fentolitro
VCM: Volume corpuscular médio
HCM: Hemoglobina corpuscular média
CHCM: Concentração de hemoglobina corpuscular média
RDW: Coeficiente de distribuição das hemácias
DF: Doença falciforme
ABHH: Associação brasileira de hematologia e hemoterapia
↓: Diminuído
N: Normal
↑: Aumentado
AF: Anemia falciforme
HbSS: Homozigoto para a hemoglobina S, anemia falciforme
HbF: Hemoglobina fetal
HbS: Hemoglobina falcisa
PNTN: Programa nacional de triagem neonatal
HU: Hidroxiuréia
β: Beta
O2: Oxigênio
NO: Óxido nítrico
KLF: Fatores semelhantes a Krüppel
BCL11A: B-cell lymphoma/leukemia 11A
HBS1L - HBS1 like translational GTPase
MYB - MYB Proto-oncogene, Transcription Factor
c-MYB: Proto-oncogene membro da família de mieloblastoses (myeloblatosis)
DNA: Ácido desoxirribonucleico
ZFP: Proteínas de dedo de Zinco (Zinc finger protein)
FDA: Food and drug administration
EMA: European medicines agency
pH: Potencial hidrogeniônico
AVC: Acidente vascular cerebral
AVE: Acidente vascular encefálico
G6PD: Glicose-6-fosfato desidrogenase
SOD: Enzima superóxido dismutase
CAT: Enzima catalase
11
GPx: Glutationa Peroxidase
SNP: Polimorfismo de Nucleotídeo Único
QTL: Quantitative Trait Loci
SNP: Polimorfismo de único nucleotídeo
HBG2: (subunidade gama 2 do gene da hemoglobina)
12
Lista de Quadros
Quadro 1: Classificação das Anemias de acordo com os Índices Hematimétricos…………….………18
Quadro 2: Classificação Laboratorial das Anemias conforme os resultados do eritrograma….………18
Quadro 3: Classificação Fisiopatológica das Anemias…………………………………………….………19
Quadro 4: Classificação Funcional das Anemias segundo a contagem de reticulócitos………………20
Quadro 5: Classificação das doenças falciformes quanto ao tipo de hemoglobina presente, %HbA2 e
grau de hemólise……………………………………………………………………………………………….20
Quadro 6: Alterações laboratoriais características na Anemia Falciforme……………………………....21
Quadro 7: Representação dos diferentes tipos de hemoglobina de acordo com seu principal período
de produção…………………………………………………………………………………………………….23
Quadro 8: Representação dos sintomas e sinais mais comuns da doença falciforme………………...26
Quadro 9: Representação dos estágios da osteonecrose da cabeça do fêmur………………………...29
Quadro 10: Representação dos haplótipos da anemia falciforme e os efeitos na gravidade clínica e
hematológica nos EUA e no Brasil, associados ao nível de HbF………………………………………...36
Quadro 11 Representação dos membros da família KLF relacionando com as funções dos
genes…………………………………………………………………………………………………………….39
13
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..........................................................................................................15
2. OBJETIVOS………………………………………………………………………………..16
2.1. GERAL…………………………………………………………………………………... 16
2.2. ESPECÍFICOS………………………………………………………………………….. 16
3. METODOLOGIA………………………………………………………………………….. 17
4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA…................................................................................. 17
4.1. CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS.........................................................................17
4.1.1. CLASSIFICAÇÃO LABORATORIAL...................................................................18
4.1.2. CLASSIFICAÇÃO FISIOPATOLÓGICA...............................................................19
4.2. DOENÇAS FALCIFORMES...……….…….............................................................20
4.3. ANEMIA FALCIFORME...…………….....................................................................21
4.3.1. DEFINIÇÃO…………………………………………………………………………….21
4.3.2. CLASSIFICAÇÃO DA ANEMIA FALCIFORME…………………………………….21
4.3.3. EPIDEMIOLOGIA……………………………………………………………..………22
4.3.4. FISIOPATOLOGIA…………………………………………………………………….23
4.3.5. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS……………………………………………………….26
4.3.6. TRATAMENTO DA ANEMIA FALCIFORME………………………………………..29
4.3.6.1. HIDROXIURÉIA................................................................................................30
4.3.6.2. TERAPIA GÊNICA...........................................................................................33
4.3.7. VARIABILIDADE DA DOENÇA...........................................................................33
4.3.7.1. VARIABILIDADE AMBIENTAL.........................................................................33
4.3.7.2. VARIABILIDADE GENÉTICA ……………………………………………………..34
4.4. MODULAÇÃO GENÉTICA DA HBF…………………………………………………..37
4.4.1. KLF……………....................................................................................................37
4.4.2. OUTROS GENES……………………………………………………………………..39
4.4.2.1. BCL11A……………………………………………………………………………….39
4.4.2.2. HBS1L-MYB………………………………………………………………...……….43
5. CONCLUSÃO............................................................................................................45
REFERÊNCIAS.............................................................................................................46
14
1. Introdução
As anemias são definidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma
condição na qual o conteúdo de hemoglobina no sangue se encontra abaixo do valor
considerado normal, como resultado de uma carência de um ou mais nutrientes essenciais,
seja qual for a causa dessa deficiência (OMS, 2004).
A anemia pode ainda ser descrita como uma diminuição da hemoglobina circulante
ocasionada por diversos mecanismos fisiopatológicos, e é comparada com os valores
esperados em pessoas saudáveis do mesmo sexo e da mesma faixa etária, sob as mesmas
condições ambientais. Seria, então, um conjunto de alterações que tem constatações
clínicas e laboratoriais sendo, portanto, uma manifestação de uma doença já apresentada
pelo paciente (NAOUM; NAOUM, 2008).
As Doenças Falciformes (DF) é um termo genérico para se designar um conjunto de
alterações genéticas que se encontram ligadas à presença de uma hemoglobina alterada, a
HbS. Quando acontece essa alteração genética na hemoglobina e essa mutação é herdada
do pai e da mãe em homozigose (HbSS), dizemos que o paciente apresenta a Anemia
Falciforme (AF). Portanto, a anemia falciforme é uma das doenças falciformes (SAÚDE,
2015).
Dentro das anemias e de sua classificação, a anemia falciforme se destaca por ter
sido descrita primeiramente pelo médico James Bryan Herrick, em Chicago, em 1910
(HERRICK, 1910). Originada na África e vindo as Américas pelo tráfico de escravos, a
doença foi se alastrando por todo o território até a metade do século XIX. A doença é grave
e resulta em morbidade significativa, bem como redução do tempo de vida (Hassan, 2003).
A fisiopatologia da doença está envolvida com a polimerização da hemoglobina S se
tornando insolúvel, que promove alterações morfológicas das hemácias (hemácias em
forma de foice). O polímero falciforme danifica a hemácia e produz danos irreversíveis à
membrana, diminuindo a vida útil dos eritrócitos e aumentando as chances de acontecer
fenômenos vaso oclusivos. O bom prognóstico dos pacientes portadores da anemia
falciforme depende das interferências no bom funcionamento dos sistemas e determinaria
as possíveis características clínicas, curso e gravidade da doença que o paciente possa
desenvolver (Steinberg, 2008).
As manifestações clínicas são fundamentadas em episódios de vaso oclusão
produzido pelo acúmulo dos drepanócitos e agregados multicelulares (neutrófilos,
leucócitos, plaquetas) nos vasos sanguíneos de pequeno calibre.Além disso, envolvem a
anemia, crises de dor, infecções recorrentes, icterícia, crise no sequestro, úlceras nos
membros inferiores, priapismo e o mais grave que é o acidente vascular cerebral (AVC).
Elas estão amplamente envolvidas com a variabilidade da doença, fazendo com que os
15
pacientes adquiram uma doença mais branda ou mais grave. Os sinais e sintomas podem
ser mais leves ou mais intensos nesses casos, respectivamente (BRASIL, 2006).
O tratamento está protocolado em manuais disponibilizados por instituições como
Ministério da Saúde (MS) e Organização Mundial de Saúde (OMS) com todas as diretrizes
viáveis e como proceder nos casos que são previamente diagnosticados. Além disso, há
tratamento farmacológico paliativo para a doença, mas o mesmo ainda apresenta diversos
efeitos colaterais. Mediante a todos os problemas causados pela terapia medicamentosa, os
pesquisadores enxergaram a necessidade de se estudar mais a fundo o genoma dos
pacientes com a anemia falciforme e foi visto a influência que alguns genes têm sobre a
doença. Dentre eles seriam os membros da família KLF, o gene da BCL11A, e a região
intergênica HBS1L-MYB. Esses genes atuam de maneira variada sobre as células, na
replicação e reparo do DNA, na proliferação celular, sobrevivência e resposta ao estresse
celular extremo, além de transcrição, tradução, diferenciação celular, metabolização,
sinalização, apoptose e muitas outras atividades. Nos sistemas orgânicos, de maneira geral,
atuam mantendo a homeostase de cada um deles. Também são capazes de interagir direta
ou indiretamente, levando ao aumento da síntese de γ-globina e, portanto, elevar os níveis
de HbF, melhorando o quadro clínico e qualidade de vida dos pacientes (PULE et al., 2016).
Devido à gravidade das manifestações clínicas e considerando que os pacientes
com DF apresentam quadros clínicos bastante variados, torna-se essencial a identificação
cada vez mais precoce de marcadores genéticos que atuem como fatores moduladores das
complicações relatadas, representando um grande impacto na melhoria da sobrevida e na
qualidade de vida dos pacientes com anemia falciforme.
2. Objetivos
2.1. Geral
O objetivo geral deste trabalho é revisar bibliograficamente a influência dos genes
KLF, BCL11A e HBS1L-MYB na modulação do quadro clínico de pacientes com anemia
falciforme.
2.2. Específicos
● Descrever as anemias do ponto de vista laboratorial e fisiopatológico;
● Detalhar a fisiopatologia, manifestações clínicas, opções de tratamento e
metodologias emergentes para terapia gênica na anemia falciforme;
● Demonstrar a ação e a modulação genética dos genes KLF, BCL11A e HBS1L-MYB
nos níveis de hemoglobina fetal e o seu efeito sobre a anemia falciforme.
16
3. Metodologia
Esse trabalho, durante todo o momento de sua confecção, buscou trazer uma
revisão a respeito do tema em questão, através de contribuições científicas certificadas a
respeito da influência dos genes KLF sobre a anemia falciforme. Essa pesquisa foi
desenvolvida através do método de revisão bibliográfica e foi realizada a partir de: i.
pesquisas em livros e na Biblioteca Virtual de Saúde; ii. artigos científicos obtidos em bases
de dados como o Google Acadêmico, Scielo, Pubmed e Mayo Clinic Proceedings; iii.
manuais e relatórios técnicos estabelecidos pelo Ministério da Saúde e ANVISA. Durante as
buscas, foram utilizadas as seguintes palavras-chaves: anemia, anemia falciforme, KLF,
BCL11A, MYB and sickle cell, sickle cell anemia, sickle cell disease, fatores genéticos da
anemia falciforme.
Foram levados em consideração os trabalhos disponibilizados nas línguas inglesa e
portuguesa, contendo conteúdo completo dentro dos arquivos e priorizando os que estavam
compreendidos no período dos últimos 20 anos. Os que divergiam dessa data, foram
reconhecidos como necessários, devido a sua grande relevância para a pesquisa, pelo
tema ou autor. Foram desconsiderados artigos que não correspondiam ao enfoque geral do
trabalho e que divergiam dos campos de interesse.
Foram usufruídas 78 bibliografias, destas 04 (5,1%) são livros físicos ou
disponibilizados em meio eletrônico, 52 (66,7%) são artigos, 22 (28,2%) fazem parte da
literatura cinzenta, dentre elas 4 (5,1%) constituem teses, 3 (3,9%) são dissertações, 1
(1,2%) monografia, tem 8 (10,2%) de manuais da área da saúde, 3 (3,9%) portarias, 3
(3,9%) documentos buscados na Biblioteca Virtual de Saúde e um número de 25 (32,1%)
correspondentes a sites de pesquisas.
Dos 78 artigos analisados, um número de 33 (42%) foram descritos em língua
inglesa e 45 (58%) em língua portuguesa. Foram utilizados 6 (7,7%) trabalhos que não
estavam estabelecidos no período dos últimos 22 anos, mas tiveram sua devida importância
para o desenvolvimento do trabalho.
4. Revisão Bibliográfica
4.1. Classificação das anemias
De acordo com os critérios estabelecidos pela OMS, é possível definir as anemias
como sendo a concentração de hemoglobina (Hb) inferior a 12 g/dL para mulheres
pré-menopausa e inferior a 13,0 g/dL para homens e para mulheres na fase
pós-menopausa, ambos os valores devem ser considerados ao nível do mar (SAÚDE,
2010).
17
Dentre os diferentes critérios que são empregados para tal finalidade, a
classificação se subdivide em Classificação Laboratorial e a Classificação Fisiopatológica
(NAOUM, 2015).
4.1.1. Classificação laboratorial
Apesar das diversas classificações possíveis, a classificação mais utilizada na
prática clínica é aquela que faz uso do volume corpuscular médio das hemácias,
classificando em normocíticas ou com alguma anisocitose, podendo ser macro ou
microcíticas (SANTIS, 2019).
A classificação laboratorial se suporta nos índices hematimétricos [Volume
Corpuscular Médio (VCM), Hemoglobina Corpuscular Média (HCM), Concentração de
Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM)] e Coeficiente de Distribuição das Hemácias
(RDW), que nos permite separar em: anemia microcítica/hipocrômica, anemia
normocítica/normocrômica e anemia macrocítica/normocrômica (Quadro 1).
Quadro 1: Classificação das anemias de acordo com os índices hematimétricos
Classificação das anemias de acordo com os índices hematimétricos
Microcítica/Hipocrômica
(VCM: ↓ e HCM/CHCM:↓ )
Normocítica/Normocrômica
(VCM: N e HCM/CHCM: N)
Macrocítica/Normocrômica
(VCM ↑ e HCM/CHCM: N)
● Anemia Ferropriva
● Anemia de Doença Crônica
(alguns casos)
● Talassemias
● Anemia Sideroblástica
● Anemias Hemolíticas
● Anemia de Doença Crônica
● Insuficiência Renal
● Anemia Aplástica
● Anemia Megaloblástica
(deficiência de ácido
fólico e vitamina B12)
↓:diminuído; N:normal; ↑:aumentado
Fonte: Adaptado (NAOUM, 2015)
Podemos reagrupar essa classificação, colocando os dados do eritrograma na
classificação morfológica das anemias (Quadro 2).
Quadro 2: Classificação Laboratorial das anemias conforme os resultados do
eritrograma
Valores
Classificação Laboratorial das Anemias
Normocítica/Normocrômica Microcítica/Hipocrômica Macrocítica
Eritrócitos ↓ ↓ ou N ou ↑ ↓
18
Hemoglobina ↓ ↓ ↓
Hematócrito ↓ ↓ ↓
VCM N ↓ ↑
HCM N ↓ N
CHCM N N ou ↓ N
RDW ↑ ↑ ↑
Legenda: ↓:diminuído; N:normal; ↑:aumentado
Fonte: Adaptado (LORENZI, T. F., 2006)
4.1.2. Classificação fisiopatológica
Por outro lado, as anemias são classificadas por meio das alterações
fisiopatológicas do paciente e as causas de cada um dos processos que originam essas
falhas fisiológicas variam significativamente (NAOUM, 2015). As mais relevantes são
listadas a seguir (Quadro 3). A anemia falciforme seria classificada na classificação
hemolítica hereditária.
Quadro 3 – Classificação Fisiopatológica das Anemias
Classificação Fisiopatológica das Anemias
Hemorrágica Hemolítica Hipoproliferativa Aplástica
Aguda Hereditária Déficit nutricional
Insuficiência Medular
Crônica Adquirida Déficit absorção
Fonte: Adaptado (NAOUM, 2015)
E existe a classificação feita a partir da contagem de reticulócitos, sendo muito útil
para diferenciar as anemias hipoproliferativas (carenciais, distúrbios medulares)de anemias
hiperproliferativas (hemolítica ou sangramento agudo). Para a classificação fisiopatológica,
os valores de reticulócitos podem ser expressos em número absoluto ou relativo
(porcentagem) dispostas no Quadro 4 (Campos, 2018). A anemia falciforme estaria
enquadrada na resposta hiperproliferativa da medula. Dentre as anemias hemolíticas
destaca-se a doença falciforme, que tem como principal representante a anemia falciforme.
19
Quadro 4 – Classificação Funcional das Anemias segundo a contagem de
reticulócitos
Classificação Funcional das Anemias
(Contagem de Reticulócitos)
Classificação Etiologia associada
Hipoproliferativa
(reticulócitos diminuídos)
Anemias nutricionais
Mielodisplasias
Anemia aplásica
Hiperproliferativa
(reticulócitos aumentados)
Anemias hemolíticas
Sangramento agudo
Fonte: (Campos, 2018)
4.2. Doenças falciformes
A anemia falciforme (AF) está contida dentro das doenças falciformes (DF), assim
como uma gama de outras doenças. A expressão doença falciforme define as
hemoglobinopatias nas quais pelo menos uma das hemoglobinas mutantes é a Hb S. As DF
mais frequentes são a anemia falciforme (ou Hb SS), a S beta talassemia ou
microdrepanocitose e as duplas heterozigoses Hb SC e Hb SD (Brasil, 2012).
Um artigo publicado pela revista da Associação Brasileira de Hematologia e
Hemoterapia (ABHH) em 2010, mostrou que no Brasil, a cada ano, nascem cerca de 3.500
crianças com alguma DF e 200.000 com o traço falciforme (quando um indivíduo herda de
um dos pais os genes falciformes mutados) e há uma predominância maior entre indivíduos
negros e pardos (FELIX et al., 2010). Sendo assim, é evidente que há uma grande
importância nos estudos para melhor elucidar fatores que possam influenciar na doença,
dando foco em como conter os problemas gerados pela mesma.
Podemos separar as doenças falciformes quanto ao tipo de hemoglobina presente, a
porcentagem da hemoglobina A2 (α2δ2) e o grau de hemólise (Quadro 5), sendo importante
para o diagnóstico diferencial (ANVISA, 2002)7.
Quadro 5 – Classificação das doenças falciformes quanto ao tipo de hemoglobina
presente, %HbA2 e grau de hemólise
Doenças
falciformes
Hemoglobina
presente
%HbA2 Hemólise e crises
de falcização
Hb SS S, F, A2 Normal Presente
HbSß0tal S, F, A2 Aumentada Presente
20
HbSß+tal S, F, A2, A (10-30%) Aumentada Presente
HbS/δß S, F, A2 Normal ou
Diminuída
Presente
Hb SC S, F, C, A2 Normal Presente
Hb SD S, F, D, A2 Normal Presente
Hb S/PHHF S, F, A2 Normal Ausente
Legenda: Persistência Hereditária de Hemoglobina Fetal (PHHF)
Fonte: Adaptado (ANVISA, 2002)
4.3. Anemia Falciforme
4.3.1. Definição
A anemia falciforme é uma doença que deriva de uma mutação pontual,
levando à substituição de um ácido glutâmico por uma valina na posição 6 do cadeia beta
da hemoglobina (β6 GAG → GTG; glu6 → val6), alterando a estrutura e funcionalidade das
hemoglobina e consequentemente dos eritrócitos (ANVISA, 2002).
4.3.2. Classificação da anemia falciforme
Podemos classificar a AF dentro da classificação laboratorial como sendo um
anemia normocítica e normocrômica, caracterizada por algumas alterações laboratoriais
específicas (Quadro 6).
Quadro 6 – Alterações laboratoriais características na Anemia Falciforme
Alterações laboratoriais características na Anemia Falciforme
Exames laboratoriais Valores esperados
Concentração da Hb S (*) 90 – 98%
Dosagem de Hb Fetal 2 – 10%
Tipo de anemia Normocítica e normocrômica
Dosagem de Hb 7 – 9 g/dL
Contagem de reticulócito 5 – 30%
Leucócitos (**) Acima de 10 mil
Plaquetas Plaquetose, com anisocitose
Fragilidade osmótica Diminuída
21
Bilirrubina indireta Acima de 5mg/dL
Urobilinogênio urinário Elevado
Urobilinogênio fecal Elevado
Hematúria Frequente
Ácido úrico sérico Frequentemente elevado
Ferro sérico Normal ou aumentado
Ferritina Frequentemente elevada
Fosfatase alcalina sérica Elevada nas crises
(*) Avaliada por eletroforese ou cromatografia HPLC
(**) Durante as crises dolorosas. Pode ter desvio à esquerda.
Fonte: Adaptado (NAOUM, 2015)
4.3.3. Epidemiologia
O primeiro pesquisador que discorreu sobre o aspecto dos eritrócitos falcêmicos
encontrados foi James Bryan Herrick, nas Índias Ocidentais em 1910, após um exame
hematológico de um indivíduo anêmico de origem africana, tendo descrito os glóbulos
vermelhos vistos como “peculiarmente alongados e em forma de foice” (SAVITT, 2010).
Original da África e trazida para as Américas, Europa e regiões da Ásia pelo tráfico
negreiro, a anemia falciforme caracteriza-se por ser a doença hereditária monogênica mais
comum do Brasil (ANVISA, 2002). O Ministério da Saúde traz dados no Programa Nacional
de Triagem Neonatal (PNTN), nascem 200.000 indivíduos com traço falcêmico e cerca de
3.500 crianças por ano com doença falciforme (SAÚDE, 2001). Além disso, em torno de 7%
da população mundial é portadora de hemoglobinopatias, incluindo as doenças falciformes
(SAÚDE, 2015). No Brasil, essa doença é predominante entre indivíduos pardos e negros,
mas também ocorre entre os brancos (BRASIL, 2001).
Essa anemia, em especial, é considerada a patologia genética de maior prevalência
mundial, possuindo uma frequência equivalente a 25 a 40% nos países africanos. Daí sua
importância de estudo aprofundado sobre o tema (SOARES et al., 2017).
4.3.4. Fisiopatologia
A anemia falciforme é uma doença genética caracterizada por uma alteração
genética no DNA, na posição 6 do gene da beta-globina (HBB). Ocorre uma troca na base
nitrogenada, uma substituição da adenina por uma timina, codificando o aminoácido da
22
valina no lugar do ácido glutâmico. Então, em vez de fabricar a hemoglobina normal, o
indivíduo passa a fabricar uma cadeia de polipeptídeos defeituosa capaz de modificar a
organização dos eritrócitos e gerando uma poiquilocitose bem conhecida que são os
drepanócitos ou hemácias em forma de foice. Então, como essa molécula gerada foi
modificada por essa alteração estrutural, a hemoglobina passa a perder a sua
funcionalidade. Pode parecer insignificante, mas essa modificação pode ser a causadora de
transformações em propriedades físico químicas da molécula de hemoglobina, gerando a
mudança na conformação (ANVISA, 2002). Podemos assim dizer que essa doença tem um
controle genético envolvido em sua origem e que existe um forte domínio dos genes sobre
essas moléculas.
A hemoglobina normal, por definição, é uma proteína globular presente no interior
dos nossos eritrócitos, composta por quatro subunidades formadas por dois pares de
cadeias globínicas, polipeptídicas, sendo um par denominado de cadeias do tipo alfa (alfa-ɑ
e zeta-ζ) e o outro de cadeias do tipo não-alfa (beta-β, delta-δ, gama-γ e epsilon-ε), e são
quimicamente ligadas por um átomo de ferro, a ferroprotoporfirina, pertencente ao
grupamento heme, detentora da propriedade de receber, se ligar ou liberar o oxigênio
(Fairbanks, 1987), sendo capaz de realizar as trocas gasosas através do transporte de
oxigênio para os tecidos. Logo, ela participa ativamente na regulação da respiração celular
para todo o organismo. Podemos organizar os diferentes tipos de hemoglobina de acordo
com sua produção variando pelo fator idade de cada paciente (Quadro 7).
Quadro 7 – Representação dos diferentes tipos de hemoglobina de acordo com seu
principal período de produção
Composição das cadeias globínicas
Tipo de hemoglobina Período preponderante de
síntese
Cadeias globínica
Gower-1 Embrião/até 3º mês de
gestação
ζ2ε2
Portland Embrião/até 3º mês de
gestação
ζ2γ2
Gower-2 Embrião/até 3º mês de
gestação
α2ε2
HbF Feto/até 6º mês de vida α2γ2
HbA2 Feto/vida adulta α2δ2
23
HbA Vida adulta α2β2
Fonte: Adaptado (NETO, 2003)
O sangue de indivíduos adultos saudáveis contém uma porcentagem de
aproximadamente de 2,5 de HbA2 (junção de cadeias alfa e delta) ou menor e uma
porcentagem inferior a 2% de HbF, sendo considerada muito baixa e que apresenta em
suas estruturas uma junção de cadeias gama no lugar das cadeias. A HbFé predominante
durante o período gestacional e diminui consideravelmente e gradualmente nos primeiros
meses de vida, após o nascimento. A concentração dessa molécula pode aumentar em
certas doenças e/ou transtornos de síntese da hemoglobina e na anemia aplástica e
neoplasias mieloproliferativas. Seu aumento é considerado preocupante, já que só é
fabricada caso a produção da hemoglobina normal (HbA) esteja impossibilitada ou
defeituosa por algum motivo em específico, fazendo-se necessário realizar exames para
descobrir o real motivo (BRAUNSTEIN, 2020).
Existem alguns fatores como a diminuição do pH sanguíneo, o aumento da
temperatura, o grau de desidratação celular, a baixa concentração de oxigênio e da HbF
que levam a certas alterações na hemoglobina S podendo desencadear uma polimerização
em sua estrutura e modificá-la, tornando-a mais filamentosas e acumulando-se no interior
das hemácias alterando sua forma e fazendo-as ficar falciformes. (Rees et al., 2010). A
falcização dos eritrócitos ocorre pela polimerização reversível da HbS dentro da célula, sob
condições de desoxigenação (ANVISA, 2002).
A HbS na sua forma desoxigenada acaba perdendo a estrutura normal da
hemoglobina, ou seja, a estrutura quaternária, e adquire uma nova estrutura decorrente da
alteração primária da proteína. Isso é o que chamamos de polimerização hemoglobínica.
Quando isso acontece, a molécula se torna insolúvel e ocorre a eritrofalciformação (SAÚDE,
2010).
Esse processo de falcização inicia quando a HbS oxigenada libera a molécula de
oxigênio e se transforma em desoxigenada. A HbS desoxigenada realiza ligações anormais
entre aminoácidos e como a molécula de HbS tem a mutação de ácido glutâmico por valina,
essas ligações acabam por modificar a estrutura espacial da HbS e facilita a interação
intermolecular com outros aminoácidos. Após a formação dos polímeros, ocorrem
fenômenos como degradação oxidativa da HbS e geração de radicais livres que podem
agredir a própria estrutura da hemácia, agindo de forma negativa sobre a mesma,
prejudicando o bom funcionamento fisiológico e funcional e até levando a formação de
lesões intra-eritrocitárias, diminuição da vida útil das hemácias e episódios vaso-oclusivos
24
https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/hematologia-e-oncologia/anemias-causadas-por-eritropoese-deficiente/anemia-apl%C3%A1sica
https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/hematologia-e-oncologia/dist%C3%BArbios-mieloproliferativos/vis%C3%A3o-geral-dos-dist%C3%BArbios-mieloproliferativos
que é o principal fenótipo da anemia falciforme (Mousinho-Ribeiro et al., 2008) (Figura 1). E
tem um esquema que representa bem os efeitos fisiopatológicos derivados da
polimerização hemoglobínica (Figura 2).
Figura 1 – Fisiopatologia da anemia falciforme
Fonte: Steinberg, 2008
Figura 1: Fisiopatologia da anemia falciforme. A mutação no 6ª códon do gene da β
globina, leva a formação de uma hemoglobina anômala, a HbS, que pode sofrer
polimerização reversível quando desoxigenada. O polímero falciforme danifica a hemácia e
produz danos irreversíveis à membrana, diminuindo sua vida útil (hemólise) e aumentando o
consumo de óxido nítrico, além de promoverem uma vasoclusão (Steinberg, 2008).
Figura 2 – Representação dos eventos fisiopatológicos derivados da
polimerização da desoxi-HbS
25
Fonte: (PEDROSA, 2020)
Figura 2: Esquema dos eventos fisiopatológicos da anemia falciforme derivados da
polimerização da desoxi-HbS.
4.3.5. Manifestações clínicas
As manifestações clínicas da AF estão diretamente relacionadas com a variabilidade
clínica de cada paciente. Então, acaba sendo muito relativo já que cada paciente está
sujeito a inúmeras complicações ao longo da vida, a depender da gravidade da doença. Há
a necessidade de diagnóstico precoce devido ao aparecimento dos sintomas ainda no
primeiro ano de vida dos pacientes. A maioria das manifestações clínicas das doenças
falciformes são baseadas nos eventos de vaso-oclusão ocasionados pelas hemácias
falcizadas e que vão impedir o fluxo sanguíneo principalmente em vasos de pequeno
calibre. Os principais estão citados no quadro a seguir (Quadro 8).
Quadro 8 – Representação dos sintomas e sinais mais comuns da doença falciforme
Doença Falciforme
Anemia Crises álgicas
Infecções recorrentes Icterícia
26
Crise de sequestro esplênico Úlceras nos membros inferiores
Priapismo AVC ou AVE
STA Osteonecrose
Colelitíase Alterações renais
Fonte: Adaptado (BRASIL, 2006)
A anemia é caracterizada pela diminuição do número de hemácias circulantes, pela
poiquilocitose evidente na doença (drepanócitos), alteração na função fisiológica delas,
além de alterações nos resultados clínicos e laboratoriais comuns nas anemias. Os
pacientes podem apresentar palidez, cansaço, indisposição, falta de apetite, fraqueza,
dores de cabeça, náuseas, tonturas e vertigens, vômitos, falta de ar, entre outros sintomas
Além disso, na medula óssea, há uma resposta decorrente da diminuição dos eritrócitos,
com resposta de maior na liberação de células da linhagem eritrocitária mais jovens na
corrente sanguínea. Associada a uma maior produção renal de eritropoetina como feedback
(SAÚDE, 2015).
As crises álgicas podem ser os sintomas mais comuns entre os pacientes com
doença falciforme, causadas pelos fenômenos de vaso-oclusão, pelos eritrócitos falcizados.
Além disso, podem ser desencadeadas por diversos fatores como, por exemplo, hipóxia,
frio prolongado com a perda da temperatura corporal, infecções, febre, desidratação,
atividades físicas intensas, estresse emocional e em mulheres podem estar associados com
o período pré-menstrual e até mesmo a gravidez. A dor pode ser em qualquer parte do
corpo, mas acontece em maior incidência nos ossos e articulações (BRASIL, 2006).
As infecções recorrentes são mais comuns entre os pacientes que apresentam
doença falciforme. Pacientes com idade inferior a 5 anos, apresentam com frequência
quadros febris e o controle com uso de medicamentos antitérmicos a fim de solucionar o
problema é bastante comum. Esses quadros febris, normalmente são decorrentes de
processos infecciosos, que se não tratados, podem se agravar em menos de 24 horas,
levando até a bacteremia e posteriormente a sepse. As manifestações clínicas da doença
influenciam diretamente na qualidade de vida do paciente e nos índices de mortalidade.
Antibioticoterapia e vacinas específicas são medidas profiláticas, nos primeiros anos de vida
(BRASIL, 2006). Há relatos de pneumonias, infecções renais e osteomielites bastante
frequentes tanto em crianças como em adultos que apresentam doença falciforme (SAÚDE,
2015).
A icterícia é uma consequência da destruição excessiva dos eritrócitos e um dos
sinais mais evidentes das doenças falciformes. Hemácias normais, ao fim de 120 dias, vão
27
passar por um processo de hemólise extravascular mediada principalmente por células
fagocíticas do baço, em menor extensão pelo fígado e do sistema reticuloendotelial. A
hemácia capturada pelas células fagocíticas é metabolizada, liberando suas partículas
menores como a hemoglobina que será quebrada, o ferro que será redirecionado e
reutilizado pelo organismo e o grupamento heme que será degradado em bilirrubina livre no
sistema retículo endotelial, e posteriormente em bilirrubina glicuronidada nos hepatócitos e
excretado pela bile. A icterícia é evidente quando essa conversão de hemoglobina em
bilirrubina glicuronidada ultrapassa a capacidade dos hepatócitos em conjugar e excretar
essa molécula (ANVISA, 2002).
A crise de sequestro esplênico se caracteriza pela a redução da concentração de
hemoglobina maior que 2g/dL comparada ao valor basal do paciente, há o aumento da
eritropoiese e o baço aumenta de tamanho (BRUNIERA, 2007). O aumento se manifesta
clinicamente com choque hipovolêmico e pode estar associado a infecções virais ou
bacterianas. Essa manifestação clínica é grave e responsável por grandes índices de
mortalidade dos pacientes. Os pais devem serinstruídos a conhecer a anatomia esplênica
dos seus filhos, saber medir o baço da maneira correta e se for o caso, levar a criança para
uma unidade de emergência (BRASIL, 2006).
As úlceras, são feridas decorrentes da vaso-oclusão crônica ou da hipóxia tecidual
que surgem em toda extensão dos membros inferiores. Na maioria dos casos, podem
aparecer próximo ao tornozelo e do dorso do pé ou na parte lateral e inferior, próximo à tíbia
(SAÚDE, 2007). Na adolescência, os jovens sofrem bastante tanto fisicamente, por essas
feridas serem dolorosas, como socialmente, pois vai influenciar na roupa que os pacientes
irão escolher ou limitar o curso de atividades sociais. Isso pode gerar pontos negativos na
qualidade de vida dos pacientes, interferindo em questões emocionais de cada paciente
(BRASIL, 2006).
O priapismo é uma ereção involuntária do pênis, persistente e bastante dolorosa que
acomete principalmente jovens adultos que apresentam doença falciforme. Sua causa
deriva do quadro de vaso-oclusão e redução do número de células sanguíneas que nutrem
o órgão. Os episódios podem ser curtos ou duradouros e se não tratado podem prejudicar o
desempenho sexual do paciente (BRASIL, 2006).
O acidente vascular cerebral (AVC) ou o acidente vascular encefálico (AVE), é uma
das manifestações mais graves entre todas. O AVC é uma emergência neurológica aguda
originada por uma interrupção do fluxo sanguíneo e isquemia tecidual na qual a área que foi
privada do oxigênio, trazido pelas células, é extremamente afetada e, em sua maior parte,
são sequelas definitivas. As manifestações neurológicas podem incluir: hemiparesia,
hemianestesia, deficiência ou perda do campo visual, afasia e paralisia de nervos cranianos
(BRASIL, 2006).
28
Outra manifestação bem evidente nos pacientes com AF é a síndrome torácica
aguda (STA), uma complicação evidenciada por uma massa na radiografia do tórax do
paciente. Essa massa é um infiltrado pulmonar geralmente associado a sintomas
respiratórios e febre alta nos pacientes. Se não tratado, pode evoluir para uma doença
pulmonar crônica. Além disso, é a segunda causa mais frequente de hospitalização e
morbidade dos pacientes, sendo, então, importante atenção, monitorização e cuidados
rigorosos (CASTRO O, 1994). Quase metade dos pacientes irão apresentar pelo menos um
quadro de STA durante sua vida e uma parcela deles terá diversas repetições (JOHNSON,
2005).
A osteonecrose da cabeça femoral é uma das manifestações que acomete de 10 a
30% da população falcêmica. Dentre todas as lesões músculo-esqueléticas relacionadas
com as doenças falciformes, a osteonecrose do quadril é uma das mais preocupantes. Se
não tratada, a diminuição do fluxo sanguíneo na cabeça femoral provoca degeneração na
arquitetura trabecular, colapso do osso subcondral e artrose secundária, na grande maioria
dos casos. A osteonecrose pode se associar ao indesejável retardo estato-ponderal em
crianças e indivíduos jovens, além de causar a invalidez no adulto. A displasia residual ao
final do crescimento dos pacientes jovens é muito frequente. Como essa manifestação
ocorre mais em indivíduos jovens, opta-se por um tratamento que preserve em vez de
substituir a cabeça do fêmur (DALTRO et al., 2008; SILVEIRA et al., 2010). Existe uma
forma de representar os estágios da osteonecrose da cabeça femoral (Quadro 9).
Quadro 9 – Representação dos estágios da osteonecrose da cabeça do fêmur
Estadiamento da osteonecrose de cabeça de fêmur
(segundo os critérios de Ficat e Arlet)
Fases Estágios
Fase I Lesões histológicas e sem sinais radiográficos
Fase II Evidência de alterações radiográficas na estrutura e arquitetura interna
da cabeça e colo femoral, com perfeita conservação de seus contornos
Fase III Presença de sequestro triangular ou ovóide ântero-superior, quebra de
contorno da cabeça femoral com espaço articular normal
Fase IV Achatamento e colapso da cabeça femoral, diminuição do espaço
articular
Fonte: Adaptado (Ficat, Arlet, 1985)
29
A colelitíase é a complicação digestiva mais comum no paciente falciforme devido a
hemólise crônica característica da doença, sendo a principal causa de formação de cálculos
biliares em crianças e adolescentes e sua incidência aumenta de acordo com a faixa etária.
Os cálculos biliares se formam devido a destruição prematura das hemácias falcizadas, pelo
acúmulo de seus precursores e precipitação dos sais biliares (GUMIERO et al., 2007).
Existe uma prevalência de 50% de pacientes jovens falcêmicos apresentando complicações
digestivas associadas à bile espessa e colelitíase (SOUZA, 2016).
As alterações renais foram descritas desde o primeiro relato por Herrick, em 1910,
como alterações do volume e da densidade da urina (SAVITT, 2010). Dentre as alterações,
estão a hipostenúria (inabilidade de concentrar a urina), um déficit em acidificar a urina,
hiperfiltração glomerular, anormalidades estruturais e funcionais dos túbulos proximal e
distal, anormalidades na hemodinâmica, hematúria, aumento dos hormônios renais
(principalmente eritropoetina) mas o aumento não é proporcional ao grau de anemia. A
insuficiência renal aguda também é descrita, mas é rara. Está associada com a
hipovolemia, hipotensão e sepse. As infecções do trato urinário são frequentes em
pacientes com doenças falciformes, principalmente por E.coli e Klebsiela/Enterobacter sp ().
4.3.6. Tratamento da anemia falciforme
Muitas estratégias foram pensadas para o tratamento da Anemia Falciforme ao
longo dos anos. As novas terapias moleculares envolvem terapias como a edição gênica,
silenciamento gênico e o dobramento da cromatina, além da indução da síntese de HbF.
Cada vez que se estuda mais a respeito da produção de HbF, novos alvos moleculares são
estudados mais a fundo para novas rotas terapêuticas serem desenvolvidas, a fim de se
obter um melhor tratamento dos pacientes (FERREIRA, 2018).
A Portaria nº 822, do Ministério da Saúde, de 06 de junho de 2001, lançou o
Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) que estabelece responsabilidades aos
hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e
particulares, de realizar exames nos recém-nascidos para que seja feita uma triagem
ampliada. Através da criação do PNTN, tem sido possível diagnosticar anormalidades no
metabolismo do neonatal, estabelecendo as medidas terapêuticas cabíveis e que os
profissionais de saúde possam prestar as orientações correspondentes aos pais. A anemia
falciforme entrou para essa lista de doenças que são rastreadas ainda na infância, assim
como todas as doenças falciformes e hemoglobinopatias já conhecidas e outras como a
fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito e fibrose cística (SAÚDE, 2001).
Além disso, existem manuais com todos os protocolos descritos e Diretrizes Gerais
para se cuidar dos pacientes, desde o Manual do Acompanhamento da Gestante com
Doença Falciforme, Manual da Linha de Cuidado em Doença Falciforme, Manual de
30
Eventos Agudos em Doença Falciforme, Manual do Autocuidado na Doença Falciforme, até
o Manual de Condutas Básicas para Tratamento Diagnóstico Laboratorial da Doença
Falciforme. Todos esses são documentos disponibilizados em plataformas e no site da OMS
e são escritos pelo Ministério da Saúde.
4.3.6.1. Hidroxiuréia
O primeiro agente farmacológico a ser testado foi a 5-azacitidina para promover
aumento da HbF, em macacos. Viu-se que esse agente age provocando desmetilação do
DNA. Em humanos, ela aumenta a concentração de HbF em uma porcentagem de 22%,
mas por ser uma substância altamente tóxica e ter um elevado potencial cancerígeno foi
descontinuada para esse fim, visto que seus efeitos colaterais superam seus benefícios
(SANTOS et al., 2012).
Então outros medicamentos passaram a ser testados. O principal medicamento
aprovado pela FDA, EMA e pela OMS para o tratamento de pacientes com
hemoglobinopatias do tipo β, em particular DF, e da anemia falciforme, em específico, é a
Hidroxiuréia (HU). Todas as pessoasque apresentarem a doença devem ser
acompanhadas pelo serviço de referência hematológica de sua região ou mais próxima de
sua localidade, com certa periodicidade. A HU funciona modificando uma enzima chamada
ribonucleotídeo redutase, suprimindo os precursores eritróides e atraso da fase S do ciclo
celular. Ao fazer isso, apresenta um efeito citotóxico sobre os pacientes que fazem uso
desse medicamento. Mas, em compensação, produz benefícios que a utilizam por
mecanismos ainda não totalmente elucidados. Dentre eles, podemos citar o aumento da
produção de HbF, o aumento da hidratação do glóbulo vermelho, o aumento da taxa
hemoglobínica, uma maior produção de óxido nítrico (NO) e diminuição da expressão de
moléculas de adesão, a diminuição do grau de obstrução microvascular de oxigênio,
melhora das crises vaso-oclusivas e nas crises dolorosas (BRASIL, 2010).
Até os dias atuais, a HU é considerada a terapia farmacológica de maior sucesso em
resposta às DF. Os resultados clínicos individuais a esse tratamento são muito variáveis.
Recentemente, pesquisadores apontaram uma opção curativa para a AF seria o transplante
de células tronco hematopoéticas, mas não é todo paciente que é compatível com os
doadores e os efeitos de preparação para receber o transplante são muito agressivos ao
paciente, cabendo ao médico avaliar a necessidade do procedimento (Ferreira et al., 2018).
Um estudo de acompanhamento observacional foi realizado ao longo dos anos com
pacientes portadores de AF, para análise do uso da HU para redução dos eventos
vaso-oclusivos do pacientes avaliando a mortalidade dos pacientes e viu-se que o grupo
que faziam o uso do medicamento apresentou uma mortalidade 40% menor daqueles que
31
não tomavam. A sobrevida dos pacientes estava relacionada aos níveis de HbF e à
frequência de eventos vaso-oclusivos (Steinberg et al., 2003).
O tratamento deve ser de pelo menos 2 anos e mantido por tempo indeterminado de
acordo com a resposta clínica e laboratorial periódica. É importante lembrar que cerca de
25% das pessoas não apresentam resposta satisfatória à HU e, portanto, nestes casos esse
tratamento deve ser suspenso (BRASIL, 2010).
Estudos em in vitro e in vivo trouxeram resultados significativos em relação à
utilização da HU e a HbF em células progenitoras eritróides tratadas com o medicamento. A
indução de HbF foi comparável ao aumento in vivo de HbF no sangue periférico e
observada in vivo em pacientes com AF após HU terapia, aliviando os episódios de dor dos
pacientes e apresentando um efeito positivo sobre estes (Yang et al.,1997).
Além desses, estudos mais recentes mostram uma perspectiva mais profunda do
tema. Em 2009, pesquisadores descreveram com mais precisão os efeitos adversos que os
pacientes podem apresentar durante o uso da HU, incluindo efeitos neurológicos como
letargia, dores de cabeça, tonturas, vertigens e alucinações; gastrointestinais, estomatites,
anorexia, vômitos, diarreia e constipação; dermatológicos, eritema, pele seca, erupção da
pele, alopecia, hiperpigmentação da pele; problemas renais, elevação dos níveis séricos
de uréia e creatinina; problemas hepáticos, elevação das enzimas aminotransferases (ALT,
AST), reprodutivo, oligospermia, azoospermia; mielotoxicidade; efeito teratogênico (em
animais); hiperesplenismo (em crianças); e outros como edemas, febre, calafrios, mal-estar
e astenia (Cançado et al., 2009).
Apesar dos muitos efeitos adversos, o tratamento deve ser considerado para
redução da taxa de mortalidade, das internações e das crises dolorosas que os pacientes
acometidos pela AF tanto se queixam. Outro estudo publicado em 2014, avaliou as lesões
no DNA dos pacientes com AF que fizeram uso da HU, utilizando o sangue periférico e
comparando os resultados com indivíduos saudáveis. Neste trabalho é possível perceber
que a toxicidade da HU pode estar relacionada com a heterogeneidade fenotípica da
doença (Rocha e Lemes, 2014).
Podemos demonstrar um algoritmo que simplifica o protocolo estabelecido pelo
Protocolo Clínico Nacional e Diretrizes Terapêuticas de como tratar o paciente portador da
doença utilizando a Hidroxiuréia como alternativa terapêutica, estabelecido pelo Ministério
da Saúde em 2010 (Figura 3) (SAÚDE, 2010).
Figura 3 – Algoritmo de Tratamento com a Hidroxiuréia na Doença Falciforme
32
Legenda: Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT)
Fonte: SAÚDE, 2010
Figura 3: Fluxograma de tratamento. Avalia-se a necessidade de uso do
medicamento por cada paciente mediante a gravidade da doença. A partir de prévio
diagnóstico clínico e laboratorial, o paciente é direcionado ao terapêutica se aprovado nos
rígidos critérios de inclusão e fazendo o acompanhamento médico durante todo o período
de uso.
33
4.3.6.2. Terapia gênica
A terapia gênica é entendida como a capacidade de melhoramento genético por
meio da correção de genes alterados (mutados) ou modificações sítio-específicas que
visam o tratamento terapêutico e nos últimos anos tem sido implantada com mais
frequência nos pacientes em estados mais graves (Gonçalves et al., 2017). A terapia gênica
tem sido proposta como uma cura potencial para a AF (Hoban et al., 2016).
Estudos clínicos mostraram que o gene β globina poderia ser utilizado apresentando
uma mutação que preserva as propriedades de ligação ao O2 e pode inibir a polimerização
da HbS, contendo, consequentemente, o curso da AF. Mas para que possa ser usado, essa
técnica submete o paciente a quimioterapia (Ferreira et al., 2018).
4.3.6.3. Transplante de Medula Óssea
O transplante de medula óssea em pacientes portadores de anemia falciforme é um
procedimento indicado para aqueles em estado mais grave. O objetivo dessa terapia seria
transplantar de células-tronco hematopoéticas para restabelecer uma hematopoese normal
eliminando as obstruções causadas pelas hemácias falcizadas, diminuindo as
manifestações clínicas e crises vaso oclusivas. A cura da doença seria um dos benefícios
trazidos por essa terapia, mas ela apresenta riscos aos pacientes (PIERONI et al., 2007).
Esse tratamento é um procedimento indicado para uma pequena parcela dos
pacientes, apenas para os casos mais graves que correspondem em torno de 20% dos
casos e não é ofertado pelo SUS. Além disso é uma terapia com altas taxas de mortalidade
principalmente no primeiro ano após o procedimento (CFF, 2014).
4.3.7. Variabilidade da doença
Como já dito anteriormente, a variabilidade está associada com os sinais e sintomas
de cada paciente, já que alguns pacientes têm quadros mais brandos e outros têm quadros
mais graves submetidos a inúmeras complicações.
Uma vez que a AF apresenta uma forte influência genética e não genética associada
e devido cada indivíduo apresentar diferenças genéticas, o curso clínico dos pacientes é
altamente variável, mesmo se tratando de uma doença monogênica ela se comporta com
uma característica multifatorial (Steinberg, 2009).
A doença tem seu desenvolvimento clínico variável caracterizando diversos os graus
de intensidade de anemia hemolítica. A variabilidade pode ser subdividida em variabilidade
ambiental e genética (ANVISA, 2002).
34
4.3.7.1. Variabilidade ambiental
A variabilidade ambiental está relacionada com os fatores ambientais e em como
eles podem influenciar na expressão do fenótipo da doença de cada paciente. Desde
pequenos, os pacientes que sofrem pela AF acabam se tornando mais sensíveis aos fatores
ambientais do mundo que os rodeia. Como é de conhecimento universal, o estresse,
mesmo não sendo uma doença, é um dos mais responsáveis pelo agravamento de
incontáveis doenças e a anemia falciforme não é uma exceção.
Nos dias de hoje, os mais novos cada vez mais tem sofrido por acontecimentos que
envolvem estresse e ansiedade, tendendo a piorar ao longo dos anos com a vida
profissional, dívidas, vida adulta, estresses emocionais que venham a acontecer, além de
gravidez e muitos outros fatores que podem agravar a doença. Esses são só algunsexemplos que podem agravar a falcização das hemácias e acentuar ainda mais os sintomas
da anemia. Ademais, os transtornos são consequência da redução de oxigênio e alteração
da perfusão celular em cada indivíduo (ANVISA, 2002). Outros exemplos de interferentes
ambientais envolvem fatores sociais, econômicos, culturais, a qualidade de vida do paciente
e questões envolvendo a alimentação e acesso ao sistema de saúde. O contexto no qual o
paciente se encontra tem uma influência direta com toda a doença (NAOUM, 2020).
A AF tem sua origem na África e é notório que a maioria dos acometidos por essa
doença têm suas raízes dos negros africanos. Historicamente falando, essa população foi
difundida pelo mundo a vários países, como o Brasil, e foram inseridos a trabalhos manuais
e escravizados desde o século 16. Devido a isso, ocuparam os cargos inferiorizados da
sociedade e com menos condições de vida, tendo um desenvolvimento social e econômico
precário sendo obrigados a morar em lugares com ausência dos direitos básicos, como
saneamento básico, tratamento da água, viver em locais perigosos e violentos diversas
vezes, poluição ambiental, ausência de transporte público e muitos fatores (NAOUM, 2020).
Além do mais, a situação nutricional dos negros em nosso país não é adequada
tendo que passar fome na maioria das vezes, deficiências nutricionais e subnutrição não
sendo favorável aos pacientes falcêmicos em tratamento. A água fornecida a essas
pessoas geralmente está cheia de nitrito, metais pesados, cloro, microorganismos, toxinas e
outros contaminantes que poluem a água. Tudo isso pode acentuar ainda mais a
mortalidade da AF (NAOUM, 2020).
Quanto ao acesso ao sistema de saúde, a dificuldade que os pacientes se deparam
é encontrar profissionais especializados no manejo e tratamento da doença que saibam
tanto lidar com os protocolos clínicos como de ajudar e aconselhar verdadeiramente essas
pessoas, uma terapia integrativa. Esse tipo de recurso está limitado a escassos centros de
atendimento. Tudo isso compromete a longevidade dos pacientes de forma geral, valendo
35
salientar que em média vivem 40 anos, e contribuem para os mais variados tratamentos
clínicos dos falcêmicos (NAOUM, 2020).
4.3.7.2. Variabilidade genética
A variabilidade genética diz a respeito da expressão de genes não relacionados
diretamente à alteração genética da AF, além da influência dessas modificações sobre a
doença. Evidências sugerem que níveis diferentes de HbF, simultaneidade com a alfa
talassemia e aos haplótipos associados ao gene da HbS podem atuar como moduladores
genéticos da doença, modulando a gravidade da mesma (ANVISA, 2002).
Alguns genes estão envolvidos com a formação das cadeias globínicas, sendo
regulados por regiões dentro de clusters dos genes. Sua ativação e desativação é o que
controla a geração das cadeias ɑ e β da hemoglobina, localizadas no cromossomo 16 e 11,
respectivamente. Mutações nessas regiões dos clusters poderiam levar a variações na
geração dessas proteínas, gerando diferentes estruturas e funções, causando as patologias
e interferindo na gravidade delas. A essas alterações nas cadeias ɑ e β da hemoglobina,
damos o nome de hemoglobinopatias. Ultimamente vem sendo possível observar o quanto
a tecnologia molecular permitiu discriminar as diferenças entre cromossomos contendo a
mesma mutação HbS. Já existem estudos que associam os haplótipos presentes nos genes
β da hemoglobina com as manifestações clínicas dos pacientes, mostrando a seriedade dos
sintomas, mas ainda não é totalmente conclusivo (Mousinho-Ribeiro et al., 2008).
A influência dos genes também é visível nas células F (células com alta
concentração de HbF). Mesmo sabendo que estão sobre o controle genético, não se sabe
ao certo se o controle sobre elas seja do tipo monogênico ou poligênico (NAOUM, 2000). A
produção de células F é regulada por outros loci, chamados de QTL (em inglês, quantitative
trait loci), com genes que estão associados a eles, mas ainda é muito pouco estudado. Dois
mecanismos são descritos como proposta para o que realmente acontece: I. acontece a
regulação dos níveis de HbF por célula pela ativação ou inativação dos genes HGB; II.
ocorre uma alteração cinética de maturação e diferenciação das células eritróides, fazendo
com que haja uma mimetização da eritropoiese e a liberação de mais células jovens
(progenitores da linhagem eritróide) e posteriormente a produção de mais HbF, aumentando
os níveis de HbF (GUALANDRO, 2009).
Depois do descobrimento das enzimas de restrição e técnicas aprofundadas de
biologia molecular, foram identificados cinco haplótipos diferentes da doença: Asiático (ou
Indiano-Asiático), Senegal, Benin, Bantu, e Camarões. Esses haplótipos interagem na
modulação do nível de HbF e na magnitude da anemia, sendo responsáveis pela
heterogeneidade fenotípica e clínica. Existem 3 que são estudados a fundo por serem os
mais encontrados na região das Américas: Senegal, Benin e Bantu (Steinberg, 2009). Um
36
estudo recente foi publicado em 2011 relacionando o haplótipo do Camarões como principal
no estado do Rio Grande do Norte, mostrando que cada estado tem sua peculiaridade
(CABRAL et al., 2011). Eles variam do mais leve ao mais intenso, respectivamente, portanto
o estado de saúde dos pacientes que apresentam o haplótipo Senegal é bom acompanhado
de sintomas leves e altas concentrações de HbF, o do Benin é intermediário, exibindo
sintomas moderados, e o do Bantu é ruim, com complicações graves e baixos níveis de
HbF (Steinberg, 2009).
Um SNP (polimorfismo de nucleotídeo único) foi associado à concentração de HbF
(rs7482144) e cria um local de restrição Xmn1 158 bp na montante do gene HBG2, estando
presente nos haplótipos de cluster semelhantes ao gene da β-globina do Senegal e
Árabe-indiano da anemia falciforme. Podemos adaptar em um quadro para entender melhor
os haplótipos e os efeitos sob a gravidade da doença (Quadro 10) (LEAL, 2019).
Como podemos observar no quadro 10, há uma maior prevalência do haplótipo
Bantu, que é de pior prognóstico para os pacientes, exigindo um maior cuidado terapêutico.
Outro exemplo de interferentes herdados na AF seriam as deficiências no maquinário
enzimático dos pacientes, fazendo com que eles apresentem dificuldades na ação oxidativa
dos compostos e alterações como a esferocitose. As enzimas antioxidantes mais estudadas
são a Glicose-6-Fosfato Desidrogenase (G6PD), a Superóxido Dismutase (SOD), a
Catalase (CAT) e a Glutationa Peroxidase (GPx). Estudos mostraram que problemas
nessas enzimas podem provocar destruição precoce de eritrócitos e se intensificar nos
casos em que os pacientes vivem em ambientes cheios de gases poluentes, que farão a
oxidação da HbS acontecer mais facilmente, piorando o quadro clínico e o curso da doença
(NAOUM, 2020).
Quadro 10 – Representação dos haplótipos da anemia falciforme e os efeitos na gravidade
clínica e hematológica nos EUA e no Brasil, associados ao nível de HbF
Haplótipos
Prevalência (%)
Gravidade Clínica Hb g/dL HbF
EUA Brasil
Benin 50 - 60 ~ 32 Grave 8,0 - 8,5 6 - 7
Bantu ~ 25 ~ 66 Mais grave 7,0 - 8,5 6 - 7
Senegal ~ 15 ~ 2 Moderada 8,5 - 9,0 8 - 9
Camarões ~ 5 0 Moderada/grave ~ 8,0 5 - 6
Asiático 0 0 Discreta ~ 10,0 15 - 20
37
Atípicos ~ 18 0 Variável ~ 8,0 5 - 6
Fonte: Adaptado (Steinberg et al., 1998)
A mutação pontual no gene da beta globina (HBB) é essencial para caracterizar o
indivíduo com a AF, mas não podemos dizer que a hemoglobina falciforme (HbS; α2βS2), de
forma isolada, seria capaz de explicar a extensa heterogeneidade da doença. Isso implica
que existe a participação de outros genes envolvidos, juntamente com influências
ambientais e externas, que provavelmente modularia o fenótipo da doença, como também a
concentração de hemoglobina fetal (HbF) e sua distribuição entre os eritrócitos. A HbF é a
principal moduladora genética da anemia falciforme (Steinberg, 2009) e os níveis dessa
molécula estão inversamente associadoscom a gravidade da doença (ANVISA, 2002). Em
virtude disso, o aumento dessa hemoglobina acaba por se tornar uma alternativa importante
no tratamento da AF e as alterações em genes envolvidos na produção, ativação ou
silenciamento da HbF podem influenciar no quadro clínico desses pacientes (GUALANDRO,
2009).
4.4. Modulação genética da HbF
4.4.1. KLF
A família dos KLF (Fatores semelhantes a Krüppel) são um conjunto de proteínas
que chamamos de Zinc finger protein (ZFP), que significa proteínas dedo de zinco em
tradução livre (Figura 4) (Vasconcelos et al., 2016).
Figura 4 – Representação da proteína KLF
Fonte: (GRECH; BORG, 2014)
Tais proteínas funcionam de maneiras variadas nas células, sobre a replicação e
reparo do DNA, proliferação celular, sobrevivência e resposta ao estresse celular extremo,
além de transcrição, tradução, diferenciação celular, metabolismo, sinalização, apoptose,
transcrição reversa e montagem de partículas virais. A função mais importante dessas
38
proteínas seria manter a homeostase dos sistemas orgânicos do indivíduo (KRISHNA et al.,
2003).
Por definição, são um vasto grupo de proteínas aptas de se ligar a regiões
específicas do ácido desoxirribonucleico (DNA), desempenhando um papel regulatório
celular, seja ativador, seja inibidor, em diversas vias metabólicas através da modulação dos
genes. Geralmente, o que ocorre é uma maior ligação dos membros da família em regiões
do DNA que apresentam uma maior quantidade de citosina e guaninas, como a região
CACCC ou a GT Box (POLLAK, 2018).
Além da correção gênica, a reativação da síntese da HbF tem sido explorada. Em
diversos estudos, é realizada a avaliação da influência de certos genes e identificação de
possíveis reguladores da HbF. Estes, são capazes de interagir direta ou indiretamente,
levando ao aumento da síntese de γ-globina e, portanto, elevar os níveis de HbF (BORG et
al., 2012). Os genes KLF são um dos exemplos dos genes, com tal propriedade e podemos
dividir essa família em grupos (Figura 5). Os genes mais estudados e voltados para a
anemia falciforme são o KLF1 e KLF10.
Figura 5 – Árvore filogenética dos fatores semelhantes a Krüppel
39
Fonte: Adaptado (McConnell; Yang, 2010)
De forma geral, os moduladores genéticos como a KLF1, que atuam sobre os
eritrócitos, são capazes de regular e controlar os níveis de HbF. Alterações do nucleotídeo
g.-158C>T presente no gene da HBG2 (subunidade gama 2 do gene da hemoglobina),
altera a atuação do KLF1, gerando uma doença chamada Persistência Hereditária de
Hemoglobina Fetal (PHHF) que é causada por deleções em regiões do cluster do gene da
beta-globina ou mutações pontuais nos genes HBG1 e HBG2 (BORG et al., 2012). Além
disso, a haploinsuficiência do KLF1 foi relatada em uma paciente com anemia falciforme e,
nesse caso, ela apresentou sintomas da doença mais brandos e um nível elevado de HbF
correspondente a 20,3% (BORG et al., 2012).
O gene KLF1 se mostrou competente em três processos principais nos quais
incluíam o comprometimento da linhagem eritróide, troca da ativação do gene γ para ß
globina e a ativação ou supressão de certos genes específicos da linhagem eritróide,
facilitando a formação de um complexo chamado de complexo de remodelação da
cromatina. Assim, podemos chamar o KLF1 como um remodelador, capaz de exercer
tarefas tão específicas (HARIHARAN, 2019).
O SNP rs2236599 do gene KLF4 está associado com a eficácia do tratamento HU
na drepanocitose ou na β-talassemia e os SNPs rs980112 e rs3191333 do gene KLF10
estão associados aos níveis de HbF persistente em doentes não dependentes de
transfusão (STRATOPOULOS, 2019). Foi visto também que o gene KLF10 parece estar
significativamente associado aos altos níveis de HbF, em vários cenários e comparações, e
ligado a resposta ao tratamento com hidroxiuréia em pacientes que apresentam
β-hemoglobinopatias ou anemia falciforme. O KLF10 atua sob os genes que influenciam
direta ou indiretamente a síntese da γ-globina. Como as hemoglobinopatias estão entre as
doenças mais comuns do mundo, é de extrema importância conhecer a influência desses
marcadores genômicos (Borg et al., 2012). Podemos resumir em um quadro os principais
membros e relacionar com os SNP e suas principais funções (Quadro 11).
Quadro 11 – Representação dos membros da família KLF relacionando com as funções dos
genes
Família dos genes KLF e suas principais funções
Membros SNP associado Principais funções
Comprometimento da
40
KLF1 -
linhagem eritróide, troca da
ativação do gene γ para ß
globina e a ativação ou
supressão de genes
KLF4 rs2236599 Eficácia no tratamento com
HU
KLF10
rs980112
rs3191333
Associados aos níveis de
HbF, ligado a resposta ao
tratamento com HU e
influencia direta ou
indiretamente na síntese da
γ-globina
Fonte: Autoria própria
4.4.2. Outros genes
4.4.2.1. BCL11A
O gene BCL11A é um gene que codifica uma proteína, a BCL11A, do tipo dedos de
zinco, capaz de reprimir a expressão do gene γ globina, sendo um importante regulador da
síntese de HbF. A BCL11A, assim como os genes KLF, pode estar envolvida na síntese de
HbF, pois um dos seus alvos seriam as sequências entre os genes HBG1 (subunidade da
hemoglobina gama 1), nas células eritróides. Essa proteína é um modulador da síntese de
HbF, quando inibido. Uma região intrônica, descoberta recentemente, poderia diminuir a
atividade da BCL11A, causando a diminuição da expressão do gene BCL11A em
precursores eritróides. Esse fenômeno resulta na indução da HbF e na melhora da
gravidade de doenças como a β-talassemia, bem como AF (FERREIRA, 2018). Novos
estudos mostram o papel regulador da BCL11A sobre a síntese das hemácias e que,
quando inibida, favorece a fabricação de novos eritrócitos. Além disso, é um gene que
apresenta polimorfismos, então é de grande importância clínica o estudo aprofundado de
cada um dos polimorfismos (CAVALCANTE, 2018).
Alguns SNPs no QTL do cromossomo 2p16.1 e mapeados para BCL11A foram
encontrados pela primeira vez associados às células F em adultos saudáveis. Em 2008, foi
realizado um estudo de coorte feito com pacientes que apresentavam anemia falciforme e
demonstrava uma associação entre um SNP da BCL11A e os níveis de HbF. O SNP
rs11886868, localizado no íntron 2 do gene da BCL11A, e juntamente com outros SNPs
estariam relacionados no agrupamento do gene da β-globina, que inclui os genes que
codificam a HbF. Outros estudos de coorte foram feitos, inclusive no Brasil, associando os
41
pacientes com AF a alguns SNPs e relatando como eles interferem nos níveis de HbF e nas
crises de dor dos pacientes. (UDA et al., 2008).
Além deles, outros estudos funcionais, feitos em 2010, demonstraram a relação do
gene KLF1 como um crítico ativador da BCL11A, suprimindo a expressão da HbF. Isso pode
ser uma justificativa para os efeitos da haploinsuficiência do KLF1 aos níveis de HbF
(BORG et al., 2010). O esquema ilustrado na figura 6 demonstra um funcionamento dos
genes e uma possível resposta terapêutica envolvendo também a inibição de alguns
miRNAs. Assim, a resposta seria de diminuição aparente nos níveis de HbF em
 comparação a todos os controles utilizados. Isso acontece porque provavelmente um dos
miRNAs, o miR-26b, acaba inibindo e interrompendo a tradução do gene MYB, causando
redução da ativação do KLF1 e, portanto, diminuiria a expressão da proteína BCL11A,
aumentando assim a produção de HbF (Figura 6) (PULE et al., 2016).
Figura 6 – Os mecanismos de hidroxiureia para a indução de HbF: reguladores e
ações mediadas por miRNAs
42
Fonte: (PULE et al., 2016)
Figura 6: Proposta do modo de regulação indireta da HbF, mediado por miRNAs e
induzido pela HU, fazendo uso de reguladores críticos (MYB, KLF1 e BCL11A). Os dados
demonstram o papel crítico desempenhado por reguladores negativos potentes da HbF,
bem como é capaz de expressar que os miRNAs fornecem uma fonte viável
terapeuticamente na produção de HbF para tratamento da AF.
43
Uma dissertação elaboradapor SALES, em 2017, mostrou um estudo feito com
pacientes do estado de Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte avaliando a modulação
dos níveis de hemoglobina fetal em crianças com anemia falciforme e apontando a
influência do gene BCL11A como o principal repressor dos genes γ-globina, interferindo
assim no curso da doença. Nesse estudo, realizado, o gene BCL11A entre outros genes
quando inibidos estariam fortemente associados com concentrações elevadas de HbF, além
de demonstrarem uma redução de episódios clínicos importantes da doença (SALES,
2017). Um outro estudo aponta uma possível ação do BCL11A por um mecanismo
silencioso, simultaneamente com fatores de transcrição, no qual o BCL11A age inibindo a
expressão dos genes Gγ- e Aγ-globina no locus β globina no cromossomo 11, enquanto que
na ausência do BCL11A, é favorecida a expressão dos genes (SANKARAN et al, 2008).
Figura 7 – Representação do modelo silencioso da atuação da BCL11A no gene
γ-globina através dos fatores de transcrição
Fonte: Adaptada de Sankaran, Weiss, 2015 (LEAL, 2019)
44
Figura 7: A BCL11A atua no cluster da β-globina associado a um complexo proteico
regulador da transcrição. O gene KLF1 ativa a transcrição de BCL11A, ligando-se a região
promotora do gene. A expressão de BCL11A reprime a expressão dos genes γ-globina,
aumentando concomitantemente a expressão do gene β-globina. Possivelmente, o gene
KLF1 é regulado pelo MYB. Os genes GATA1 e TAL1 se ligam à região acentuadora de
BCL11A, aumentando sua expressão.
4.4.2.2. HBS1L-MYB
A região intergênica entre o fator de alongamento de ligação GTP HBS1L e o
oncogene MYB de mieloblastose se apresentou uma região interessante por estar
associada aos níveis de HbF e alterações clínicas nos pacientes com DF (Figura 8)
(STADHOUDERS et al., 2014). O gene MYB já foi bem estudado e descobriu-se os diversos
papéis desempenhados por ele no processo de hematopoiese, ao passo que o gene HBS1L
é um gene pouco estudado e insuficientemente caracterizado quanto às funções biológicas
por ele exercidas (LETTRE et al., 2008).
Figura 8 – Representação da região intergênica 126kb HBS1L-MYB
Fonte: Adaptado (STADHOUDERS et al., 2014)
A família do gene MYB se subdivide em três membros principais: o a-MYB, b-MYB e
o c-MYB, e, quando expresso esse gene, codifica esses fatores de transcrição. Viu-se que o
fator c-MYB desempenha importantes funções no crescimento, na sobrevivência, apoptose
e diferenciação das células hematopoiéticas (MUKAI et al., 2020). A perda desse gene não
impede a hematopoiese definitiva, mas tem um papel crucial para atingir a capacidade total
do sistema. Ou seja, não é que a hematopoiese não aconteça, mas a ausência dele pode
interferir na regulação de pontos-chaves de diferenciação celular. Além disso, os níveis de
c-MYB quando estão diminuídos, demonstraram que é possível o desenvolvimento e a
expansão do progenitor da linhagem hematopoiética, porém acabam por afetar a
celularidade, a diferenciação e o comprometimento das células, levando à letalidade
embrionária dos animais (EMAMBOKUS et al., 2003).
A região intergênica dos genes HBS1L-MYB está presente no cromossomo 6,
especificamente na região 6q22-23. Um SNP nomeado rs9494145 foi encontrado e foi
45
fortemente associado com HbF nos estudos. A expressão desses genes associada ao
polimorfismo rs9494145 foi regulada negativamente, ao mesmo tempo, em indivíduos com
HbF alta, enquanto a superexpressão do gene MYB inibiu a expressão da γ-globina
(SOLOVIEFF et al., 2010). Outro SNP, identificado por rs4895441 localizado próximo ao
mapeamento de genes HBS1L e MYB, no cromossomo 6q23, foi implicado na persistência
de HbF em pacientes com AF (UDA et al., 2008).
Três loci gênicos são responsáveis por até 50% da variação nos níveis de HbF em
 pacientes com anemia falciforme ou talassemia β: I. a região intergênica HBS1L-MYB no
cromossomo 6q23, II. o gene BCL11A no cromossomo 2p16 e o III. agrupamento de β
globina no cromossomo 11. Só a região intergênica HBS1L-MYB contribuiu com
aproximadamente 20% da variância geral. Ainda falta identificar os outros genes
responsáveis pelos outros 50% de variância. (WAHLBERG et al,. 2009).
46
5. Conclusão
Ao fim do nosso trabalho, podemos concluir que:
● É importante se estudar as anemias, como são classificadas, apresentando as
manifestações clínicas da AF e explorar as opções de tratamento da doença. A
anemia falciforme é uma doença crônica hereditária que possui um caráter genético.
A maior dificuldade encontrada nos dias de hoje é em relação ao tratamento da
doença, seja fazendo uso da terapia gênica, seja pela utilização de terapia
medicamentosa aprovada pela ANVISA e de fácil acesso aos pacientes;
● Fatores genéticos têm sido explorados para que seja possível fazer uso da terapia
gênica na regulação da expressão de HbF e assim melhorar a qualidade de vida dos
pacientes com anemia falciforme. Os reguladores KLF, BCL11A e MYB
demonstraram um mecanismo de produção de HbF através da inibição dos genes. O
papel da regulação pós-transcricional mediada pelos mRNAs desses genes fornece
alvos potenciais para novas terapias da AF;
● Demonstrar a ação e a modulação genética dos genes KLF, BCL11A e HBS1L-MYB
e o seu efeito sobre a doença. Nesta revisão literária, analisamos diversos trabalhos
que apresentaram a influência dos genes na modulação da hemoglobina fetal e do
quadro clínico de pacientes com anemia falciforme. Trabalhos futuros poderão
investigar a influência de outros genes envolvidos nessa regulação, assim como a
ação deles sobre outras doenças falciformes.
47
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