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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Departamento de Serviço Social – DESSO Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - PPGSS TATIANA DE LIMA SOUZA O TRABALHO DOCENTE DE ASSISTENTES SOCIAIS NO ENSINO SUPERIOR DO RN E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL Natal/RN 2021 TATIANA DE LIMA SOUZA O TRABALHO DOCENTE DE ASSISTENTES SOCIAIS NO ENSINO SUPERIOR DO RN E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de mestre em Serviço Social. Área de concentração: Sociabilidade, Serviço Social e Política Social Linha de pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão Social Orientador: Profº. Dr.º Roberto Marinho Alves da Silva Natal/RN 2021 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Souza, Tatiana de Lima. O trabalho docente de Assistentes Sociais no ensino superior do RN e o Projeto Ético-Político do Serviço Social / Tatiana de Lima Souza. - 2021. 174f.: il. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Natal, RN, 2021. Orientador: Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva. 1. Docência em Serviço Social - Dissertação. 2. Formação Profissional - Dissertação. 3. Condições de trabalho - Dissertação. 4. Estratégias de ensino - Dissertação. 5. Projeto Ético-Político - Dissertação. I. Silva, Roberto Marinho Alves da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 364:378 Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 TATIANA DE LIMA SOUZA O TRABALHO DOCENTE DE ASSISTENTES SOCIAIS NO ENSINO SUPERIOR DO RN E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de mestre em Serviço Social. Área de concentração: Sociabilidade, Serviço Social e Política Social Linha de pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão Social Orientador: Profº. Dr.º Roberto Marinho Alves da Silva Aprovado em BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Profº. Drº. Roberto Marinho Alves da Silva Orientador Universidade Federal do Rio Grande do Norte ____________________________________________________ Profª. Drª. Eliana Andrade da Silva Examinadora interna Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________________ Profª. Drª. Erlenia Sobral do Vale Examinadora externa Universidade Estadual do Ceará _____________________________________________________ Profª. Drª. Ilena Felipe Barros Suplente Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal/RN 2021 Aos Assistentes Sociais docentes de Instituições de Ensino Superior públicas e privadas do RN que lutam e defendem o Projeto Ético Político do Serviço Social. AGRADECIMENTOS A Deus por sempre acompanhar os meus passos, decisões e pela saúde e força concedidas para que pudesse vivenciar da melhor forma essa experiência do mestrado, principalmente, nesse contexto difícil posto pela pandemia da COVID-19, no qual diariamente acompanhávamos o aumento de casos e mortes de brasileiros, assim como o sofrimento de muitas famílias. Essas questões complexificaram o processo de reflexão e escrita, dadas as limitações desse período, a exemplo da necessidade do distanciamento social, o qual demonstrou, ainda mais, a relevância do apoio de professores, amigos e familiares. Entendo que cursar uma pós-graduação não é somente um processo individual, mas conta com um coletivo de indivíduos que direta ou indiretamente participam desse momento. Por isso, gostaria de deixar aqui alguns agradecimentos: À minha mãe e ao meu pai, Neuza e Miguel, pelo auxílio, incentivo e presença constante para reduzir as dificuldades decorrentes dessa difícil caminhada, os quais também se esforçaram para que pudesse me dedicar ao mestrado. Aos meus irmãos Taciana, Thiago e Tacio, pessoas importantes, que também colaboraram de diferentes maneiras nesse momento de minha vida. À minha querida amiga Necy, pelas conversas animadoras que confortavam e davam ânimo para escrever e ainda pela companhia em todos os momentos, mas principalmente, quando em um dia chuvoso aventurou-se comigo pelas ruas de Natal para entregarmos ofícios nas IES privadas. Um dia desafiante e inesquecível! Às/os queridas/os amigas/os de mestrado da turma 2019.1, vivenciamos muitos momentos de aprendizagem, participamos de atos políticos, de lanches e almoços coletivos, nos quais compartilhávamos os desafios inerentes à pós-graduação e auxiliávamos uns aos outros naquilo que era possível. Aos meus amigos Assistentes Sociais de Ceará-Mirim, Jailza Teixeira e Carlos Henrique, pelos alegres momentos que já vivenciamos juntos na universidade. À Profa. Eliana Andrade, que desde o primeiro período da graduação em Serviço Social na UFRN, admiro o seu trabalho e me identifico com ela por ser mulher e negra em um espaço que mesmo democrático, ainda rondam preconceitos. No período de 2015-2016 tive a feliz oportunidade de ser monitora nas disciplinas que Eliana lecionava, tendo sido esse um momento de muita aprendizagem e amadurecimento. À professora Márcia de Sá Rocha, pelo apoio que sempre encontrei tanto na graduação quanto na pós-graduação, ao procurá-la na sua acolhedora sala e que carinhosamente dizia ser minha também. Foram muitas conversas e desabafos durante esses momentos na UFRN. Ao falar sobre a importância de Márcia para a minha trajetória acadêmica, não posso deixar de agradecer também ao Prof. Fernando Teixeira e a Profa. Mônica Calixto, a qual me incentivou a acreditar que poderia cursar o mestrado em Serviço Social. Ao Prof. Roberto Marinho, querido orientador, que me acompanhou e orientou muito bem desde o início do mestrado, sempre atencioso e compreensivo com as minhas limitações e dificuldades. Aprendi muito com as suas orientações e com os seus questionamentos que me incentivaram a ampliar as reflexões sobre a profissão. A sua presença foi fundamental para a construção desse trabalho. Ao GEP/QSPSSS pelos momentos de encontros e reflexões coletivas que auxiliaram no amadurecimento da pesquisa e no acúmulo de conhecimentos referentes à profissão. Aos docentes de IES públicas e privadas do RN, que mesmo com tantas atividades para realizarem, aceitaram contribuir com a nossa pesquisa. A todas as queridas pessoas, familiares, amigos e professores que não estão nesses agradecimentos, muito obrigada por tudo. [...] Descobrir por si mesmo uma verdade, sem sugestões e ajudas exteriores, é criação, mesmo que a verdade seja velha, e demonstra a posse do método; indica que, de qualquer modo, entrou-se na fase da maturidade intelectual, na qual se podem descobrir verdades novas [...]. (Antonio Gramsci, 2002, p.40)RESUMO A presente dissertação analisou o trabalho docente de Assistentes Sociais em Cursos de Serviço Social de Instituições de Ensino Superior públicas e privadas no Rio Grande do Norte, considerando suas estratégias para garantir a formação profissional em consonância com a direção do Projeto Ético-Político da Profissão. A docência em Serviço Social tem sido uma área perpassada por desafios e limites, os quais se diferenciam ao considerarmos as suas respectivas configurações, o vínculo empregatício dos docentes e as demandas pedagógicas que emergem nesses espaços de atuação. Pois, nas instituições públicas prevalecem as Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), enquanto que, no contexto de algumas instituições privadas são priorizadas as Diretrizes formuladas pelo Ministério da Educação (MEC), as quais possuem um direcionamento que precariza a formação profissional e o trabalho docente. Dessa forma, o nosso objeto de pesquisa foi a relação entre as particularidades do trabalho docente na formação profissional para o Serviço Social, enquanto atribuição privativa de Assistentes Sociais, e as estratégias de ensino que são utilizadas para assegurar a direção do Projeto Ético-Político da Profissão. A abordagem teórico-metodológica de pesquisa qualitativa foi o materialismo histórico- dialético que possibilita analisar o movimento da realidade e suas contradições numa perspectiva de totalidade. Quanto às técnicas de pesquisa foram realizados levantamento bibliográfico no repositório da CAPES, entrevistas semiestruturadas e a aplicação de questionários com oito docentes de instituições de educação superior públicas e privadas do RN. Os resultados da pesquisa evidenciaram que em relação aos fundamentos da docência em Serviço Social e aos fundamentos pedagógicos, os docentes apontaram a necessidade de discussões durante a graduação e a pós-graduação e a existência de disciplinas e outras inciativas que contemplem esse debate. No tocante às condições de trabalho em IES públicas e privadas, elas são perpassadas pela sobrecarga de trabalho e a precarização das condições e relações trabalhistas, sendo esta última situação vivenciada, sobretudo, na esfera privada. Identificamos que um elemento comum aos dois espaços de atuação se refere à desvalorização da docência na educação superior. Em virtude disso, o atendimento das demandas pedagógicas, que se relacionam aos discentes, à instituição e a profissão sofrem as implicações dessas condições de trabalho, acarretando dificuldades para a formulação de respostas qualificadas e em consonância com o Projeto Profissional. Nesse sentido, as estratégias político-pedagógicas utilizadas pelos docentes de instituições públicas e privadas dialogam, porém os profissionais da esfera privada tendem a enfrentar maiores dificuldades para a efetivação dessas estratégias, as quais são expressão de criatividade, compromisso e resistência diante da perspectiva de educação capitalista. Portanto, reafirmamos a relevância do debate sobre a docência em Serviço Social, tendo em vista o cenário atual de mercantilização e precarização da educação superior e a necessidade de defender o Projeto Ético-Político da profissão no âmbito da formação e do trabalho profissional. Concluímos, então que as estratégias político-pedagógicas constituem-se como uma das formas de assegurar a direção social da profissão e de lutar pela continuidade da educação superior com qualidade e alinhada às Diretrizes Curriculares da ABEPSS. Palavras-chave: Docência em Serviço Social. Formação profissional. Condições de trabalho. Estratégias de ensino. Projeto Ético-Político. ABSTRACT The present master’s thesis analyzed the Social Workers’ teaching work at Social Work graduation courses at public and private Higher Education Institutions in Rio Grande do Norte, considering its strategies to mantain the professional formation in line with the direction of the Profession’s Ethical-Political-Project. The Social Work teaching has been an area permeated by challenges and limits, which differenciate themselves when we consider their respective configurations, the professors’ employment relationship and the pedagogical demands that emerge at these acting places. At the Public Institutions prevails the Curricular Guidelines of Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), while in the context of some private institutions the Guidelines formulated by the Education Ministry, which have a direction that undermine the professional formation and the teaching work. Hence, our research object was the relation between the particularities of the teaching work in the professional formation for the Social Work, while private attributions of Social Workers, and the education strategies that are used to ensure the direction of the Profession’s Ethical- Political Project. The theorical-methodological approach of qualitative research was the dialectical-historical materialism which makes possible to analyze the moviments of reality and its contradictions in a perspective of totality. As to the research techniques it was performed bibliographical survey at the CAPES’s repository, semi-structured interviews and questionnaire application with eight professors from public and private higher education institutions of RN. The research results highlighted that in relation to the fundaments of the Social Work teaching and to the pedagogical fundaments, the professors pointed out the need of discussion during the graduation and the pos- graduation and the existence of courses and other initiatives tha contemplate that debate. Regarding the work conditions at the public and private HEI, they are permeated by the work overload and the precariousness of conditions and working relationship, being the latter situation experienced, especially, at the private sphere. We identified that an element common to the two acting spaces reffers to the devaluation of teaching work at higher education. Because of that, the attendance of pedagogical demands, which relate to the students, to the institution and the profession suffers from the implications of those work conditions, resulting in difficulties to the formulation of qualified answers andin accordance with the Professional Project. In that regard, the pedagogical-political strategies used by the professors of public and private higher educations institutions dialogue, however the private sphere tend to endure more difficulties to the effectuation of those strategies, which are the expression of criativity, commitment and resistance against the capitalist education’s perspective. Therefore, we reaffirm the relevance of the debate about the teaching in Social Work, in view of the current scenario of mercantilization and precariousness of higher education and the need to defend the Profession’s Ethical-Political Project in scope of the formation and the professional work. We conclude that the pedagogical-political strategies constitute as one of the ways to ensure the prfession’s social direction and the fighting for the continuity of higher education with quality and lined up to ABEPSS’s Curricular Guidelines. Keywords: Teaching in Social Work. Professional formation. Work conditions. Education strategies. Ethical-Political Project. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABESS – Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais CAPES – Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais CELATS – Centro Latino-Americano de Trabalho Social CFESS – ConselhoFederal de Serviço Social CRESS – Conselho Regional de Serviço Social DESSO – Departamento de Serviço Social EC – Emenda Constitucional ENESSO – Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social ENPESS – Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social EAD – Ensino a Distância ERE – Ensino Remoto Emergencial ESS – Escola de Serviço Social FASSO – Faculdade de Serviço Social GEP/QSPSSS – Grupo de Estudos e Pesquisa em Questão Social, Política Social e Serviço Social IES – Instituição de Ensino Superior IFES – Instituição Federal de Ensino Superior LDB – Lei de Diretrizes e Bases MEC – Ministério da Educação MEB – Movimento de Educação de Base PEP – Projeto Ético-Político PPP – Projeto Político Pedagógico PUC – Pontifícia Universidade Católica PPGSS – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social REUNI – Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais SID – Seminário de Iniciação à Docência UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13 2 O ESTADO E A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM TEMPOS DE CRISE: REFLEXOS NA DOCÊNCIA E NO SERVIÇO SOCIAL ................................................................. 29 2.1 O Estado no contexto da crise estrutural do capital .............................................. 29 2.2 A educação superior no Brasil: a perspectiva do direito e o avanço da mercantilização ........................................................................................................... 36 2.3 A docência no ensino superior na formação profissional do Serviço Social como atribuição privativa de Assistentes Sociais e o debate do corporativismo.................. 45 3 OS FUNDAMENTOS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL E DA DOCÊNCIA NO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL .................................................................................. 54 3.1 Gênese e trajetórias históricas da docência no Serviço Social ............................. 55 3.2 Bases das Diretrizes Curriculares da ABEPSS: enfrentamento do conservadorismo e a luta por ruptura .......................................................................... 66 3.3 Configurações contemporâneas da formação de docentes de Serviço Social....... 75 3.4 Os fundamentos para a atuação na docência em Serviço Social .......................... 87 4 O TRABALHO DE ASSISTENTES SOCIAIS DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR: ESTRATÉGIAS POLÍTICO-PEDAGÓGICAS ....................................... 96 4.1 Condições de trabalho de Assistentes Sociais docentes em IES públicas e privadas .................................................................................................................................... 96 4.2 As demandas pedagógicas: desafios ao trabalho de Assistentes Sociais docentes .................................................................................................................................. 117 4.3 O Projeto Ético-Político do Serviço Social e a docência .................................... 127 4.4 Estratégias político-pedagógicas na formação profissional do Serviço Social ... 138 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 155 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 161 APÊNDICE .................................................................................................................. 168 ANEXO A .................................................................................................................... 171 ANEXO B .................................................................................................................... 175 13 1 INTRODUÇÃO A atual crise do capital, estrutural conforme Mészáros (2009), configura-se como um movimento necessário à dinâmica de reprodução das relações sociais na sociedade capitalista. Entre outros elementos resultantes desse processo de crise, verifica-se a precarização1 das condições de trabalho e a intensificação da mercantilização da educação superior, considerando que tais elementos configuram-se como meios fundamentais para assegurar a reprodução da sociabilidade do capital. Dessa forma, as determinações econômicas e culturais dessa crise incidem diretamente no mundo do trabalho (ANTUNES, 2015), ocorrendo uma ofensiva econômica, política e ideológica do capital frente aos direitos e conquistas dos trabalhadores. Nesse contexto, são postos também desafios ao Assistente Social enquanto um trabalhador assalariado inserido na divisão sociotécnica do trabalho e que atua em diferentes espaços ocupacionais (IAMAMOTO, 2015a), seja na saúde, na assistência social ou na educação. Essa última área constitui-se como uma das que mais vivencia os impactos da expansão do capital, por meio da ampliação da rede privada, inclusive com os lucrativos cursos na modalidade de ensino a distância, transformando o conhecimento e a certificação do mesmo em uma mercadoria, não sendo a educação materializada fundamentalmente como um direito social conquistado pela classe trabalhadora (PINTO, 2013). Identificamos, então, o distanciamento da perspectiva de educação defendida pela categoria de Assistentes Sociais, enquanto meio de formação de cidadãos e de construção de conhecimentos que possibilitam o desenvolvimento das capacidades humanas (CFESS, 2010). Para analisar esta realidade e suas contradições, adotamos a perspectiva gramsciana de educação, como direito, orientada para uma formação integral ou unitária da classe trabalhadora, a partir das reflexões sobre a forma como se constituía a organização das escolas e das universidades na sociedade, com destaque para a realidade italiana, Gramsci defendia uma concepção de educação que articulasse aspectos técnicos do trabalho profissional (fazer), com o desenvolvimento e 1 “[...] a precarização não é algo estático, mas um modo de ser intrínseco ao capitalismo, um processo que pode tanto se ampliar como se reduzir, dependendo diretamente da capacidade de resistência, organização e confrontação da classe trabalhadora. Trata-se de uma tendência que nasce, conforme Marx demonstrou em O Capital, com a própria criação do trabalho assalariado no capitalismo [...]” (ANTUNES, 2020, p.61-62, grifos do autor). 14 aprimoramento da intelectualidade dos estudantes (pensar sobre o fazer), ou seja, o “[...] tipo de escola que poderíamos chamar de ‘humanista’ [...], destinado a desenvolver em cada indivíduo humano a cultura geral indiferenciada, o poder fundamental de pensar e de saber orientar-se na vida [...]” (GRAMSCI, 2001, p.32). Norteados por essa concepção crítica de educação e considerando a realidade brasileira, temos que na sociedade contemporânea a educação pública em suas diversas modalidades, ensino infantil, fundamental I e II, médio e superior, entre outras, possui especificidades e relevância social para a vida daqueles indivíduos que têm a possibilidade de acessarem esse direito social. Contanto, a história do Brasil demonstra que, mesmo constituindo-se como uma área de expressiva importância, ainda há a necessidade de mais investimentos e valorização da educação pública, bem como de seus respectivos profissionais, para que assim seja possível viabilizar melhorias qualitativas do ensino ofertado aos brasileiros. Neste trabalho optamos por refletir sobre a docência na educação superior, mais especificamente, o trabalho docente por Assistentes Sociais em Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas no estado do Rio Grande do Norte – RN. A escolha dessa temáticade estudo decorre da aproximação vivenciada pela mestranda com o fazer profissional do Assistente Social docente no curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o qual ocorreu por intermédio da participação em projeto de monitoria desenvolvido no período de 2015.1 a 2016.2, intitulado “O apoio da monitoria no desenvolvimento das competências necessárias à formação do Assistente Social”2. Essa experiência proporcionou uma aproximação com a realidade da docência no ensino superior e do modo como ela se configura na profissão de Serviço Social. A vivência com o cotidiano do trabalho docente e com a participação e protagonismo nas aulas de Oficina de Iniciação à Vida Acadêmica e Fundamentos Históricos Teórico- Metodológicos do Serviço Social III, entre outras atividades relacionadas com a docência, foram alguns dos fatores que contribuíram para o interesse nessa temática. O projeto de monitoria também possibilitou a participação no Seminário de Iniciação à Docência (SID) e em outros eventos que fomentaram a necessidade de entender melhor o que é a docência no Serviço Social, quais são os desafios que 2 Projeto de monitoria coordenado pela Profª. Drª. Eliana Andrade da Silva, vinculada ao Departamento de Serviço Social (DESSO) da UFRN. Os projetos de monitoria destinam-se ao apoio pedagógico e visam contribuir na formação de futuros docentes em Serviço Social, subsidiando na formação profissional do estudante-monitor e dos alunos que tem a oportunidade de conhecê-la. 15 perpassam esse campo de atuação, os limites postos ao cotidiano de trabalho do Assistente Social docente e as possibilidades vislumbradas para fazer enfrentamento às condições adversas vivenciadas nas IES, sejam elas públicas ou privadas para a efetivação de um trabalho norteado pelo Projeto Ético-Político do Serviço Social (PEP). Ou seja, pelo Código de Ética de 1993, pela Lei de Regulamentação da Profissão (8.662/1993) e pelas Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) de 1996. No desenvolvimento do projeto de monitoria outras inquietações foram emergindo, tais como: Quais modificações ocorreram na prática docente realizada por Assistentes Sociais desde o surgimento da profissão de Serviço Social até os dias atuais? Quantos Assistentes Sociais docentes existem em Natal? Que fatores motivam os profissionais do Serviço Social para o trabalho docente em um contexto tão complexo que perpassa as IES? A inserção no mestrado acadêmico da UFRN, a partir do período de 2019.1, também possibilitou o amadurecimento de algumas análises tecidas na graduação a respeito da docência em Serviço Social e consequentemente o aprofundamento da proposta inicial do projeto de pesquisa. Acrescentamos ainda que a vivência do Estágio Docência no mestrado viabilizou, mais uma vez, o contato direto com o trabalho docente e com as demandas dos discentes no processo de ensino-aprendizagem. Da mesma forma, a participação em discussões realizadas no Grupo de Estudos e Pesquisa em Questão Social, Política Social e Serviço Social (GEP-QSPSSS) vinculado ao DESSO da UFRN, constituiu-se em outro fator importante para motivar a aproximação com a docência nas atividades de pesquisa e de disseminação de conhecimentos. Verificamos, no entanto, que essa temática do trabalho de Assistentes Sociais docentes tem sido pouco estudada na área do Serviço Social. Importa apontar que em um levantamento no portal do Programa de Pós- Graduação em Serviço Social (PPGSS)3 da UFRN em busca de trabalhos sobre a docência em Serviço Social identificamos apenas uma dissertação de mestrado (SOUSA, 2015) e um projeto de pesquisa de doutorado que estava em andamento. Realizamos também pesquisas no site de algumas das principais revistas da área do Serviço Social, a saber: Serviço Social e Sociedade, Katálysis e Temporalis. A partir 3 Esse levantamento foi realizado no ano de 2019. 16 disso encontramos o total de 8 artigos relacionados com a docência, compreendidos entre o ano de 2010 a 2019. Quais elementos justificariam esse fato? Ao longo da graduação são ínfimas as discussões sobre o trabalho de Assistentes Sociais docentes, prevalecendo as questões relativas ao trabalho profissional nas políticas sociais, sobretudo da assistência social e da saúde. Porém, por ser o Serviço Social uma profissão de caráter generalista, a docência necessitaria ser abordada de forma mais fecunda no decorrer da formação4. Mesmo que o discente não seguisse na carreira docente, seria dada a oportunidade de conhecer melhor esse espaço de trabalho que ultrapassa os momentos de sala de aula. Desse modo, observa-se que a realidade e as dificuldades do trabalho docente, geralmente, são aspectos conhecidos apenas pelos estudantes que passam por projetos de monitoria e que durante o curso desenvolvem o interesse pela docência, ou ainda por aqueles que conseguem aprovação no mestrado acadêmico e que têm a oportunidade de conhecê-la melhor através do Estágio Docência. Constatamos que há prevalência de determinadas temáticas que são objetos de estudo dos Assistentes Sociais. Notoriamente que essas discussões são importantes, entretanto o amadurecimento da profissão de Serviço Social vem suscitando estudos mais aprofundados sobre outros espaços de trabalho, que são estratégicos para a formação profissional e também caracterizados por suas particularidades, a exemplo da docência nas IES públicas e privadas. Com base nos elementos apresentados, torna-se essencial analisar a docência na formação profissional do Serviço Social como uma das atribuições privativas do Assistente Social e a necessidade de refletir sobre essa atuação na atual conjuntura de crise do capital. Justifica-se assim, a pertinência de pesquisar e socializar essa temática, para que contribua na formulação de novas análises sobre a importância estratégica e os limites do trabalho docente do Assistente Social no meio acadêmico/profissional. Salienta-se que o contexto pontuado acima referente à docência em Serviço Social possui particularidades para cada âmbito de ensino. Nas IES públicas, apesar dos retrocessos vivenciados, a exemplo dos cortes de recursos firmados na Emenda Constitucional (EC) 95, de 2016, e do Programa Universidade e Institutos Empreendedores e Inovadores (Future-se) tramitando na Câmara Federal (PL n. 3076), os docentes efetivos vislumbram de autonomia relativa para desenvolver suas atividades 4 Seria importante a existência de componentes curriculares optativos na estrutura curricular do curso de Serviço Social que discutissem, mesmo que de forma introdutória, sobre a educação superior e a docência enquanto uma área na qual pode atuar o Assistente Social. 17 de ensino, pesquisa e extensão com os discentes, de se organizar politicamente no movimento da categoria na luta pela defesa da educação superior pública e ainda pela preservação dos seus direitos. No que se refere às instituições privadas, estudos (PEREIRA, 2010; ALBUQUERQUE, 2015) identificam algumas contradições que se relacionam com o que é estabelecido pelas IES para o processo de formação dos estudantes de Serviço Social e realização do trabalho docente, por exemplo, mudanças nos currículos que não estão relacionadas com o projeto de formação profissional construído pela categoria e ainda a desvalorização do trabalho docente. Essas situações muitas vezes entram em choque com a perspectiva de educação e formação defendidas pela ABEPSS. Nisso reside um impasse para os docentes, pois ao mesmo tempo em que precisam cumprir essas exigências para continuar com o vínculo trabalhista, também devem buscar estratégiaspara garantir a direção do Projeto Ético-Político do Serviço Social. No momento atual, no qual estamos vivenciando a pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19)5, essas diferenças entre as IES públicas e privadas bem como o trabalho docente tem se expressado nitidamente a partir do debate sobre o Ensino a Distância (EAD) e o estágio supervisionado obrigatório em Serviço Social, pois para as IES públicas essa última atividade estava suspensa até o final de 2020. Já as IES privadas apontavam a importância de continuidade do estágio em formato remoto, mesmo que sem a vivência no espaço sócio ocupacional, o contato com a realidade e o acompanhamento do supervisor de campo. Essa defesa estava embasada na perspectiva de que os discentes precisavam continuar o curso e assim cumprir com o pagamento de mensalidades e a manutenção de contratos, encontrando respaldo ainda na Portaria do Ministério da Educação (MEC) de n. 544/2020 que autorizou tal formato de atividades. Os docentes das IES privadas nesse contexto enfrentam o desafio de defender a qualidade da formação e do trabalho profissional dos Assistentes Sociais, considerando a Política Nacional de Estágio da ABEPSS e as demandas acadêmicas dos discentes, os 5 No Brasil foi a partir do mês de março de 2020 que o cenário de pandemia da COVID-19 colocou como necessário o distanciamento social, entre outras medidas de controle do vírus. Tal quadro acarretou impactos no campo social, econômico, político e cultural. Assim, embasados pela perspectiva marxiana, Andrade, Andrade e Prates (2021, p.36-37, grifos dos autores) realizam “[...] alguns apontamentos quanto à política socioeconômica adotada no Brasil durante essa pandemia, caracterizada por: a) negacionismo da pandemia em nome da economia e da garantia da saúde financeira; b) massificação nos principais veículos de comunicação da necessidade de um ‘esforço de todos’ para salvação nacional; c) construção da narrativa de que ‘estamos no mesmo barco’ e ‘sairemos mais fortes’; d) socorro financeiro emergencial como saída – uma espécie de Band-aid – para classe trabalhadora que é defraudada até o sangue pelo arrocho do sistema capitalista; na verdade, uma medida de injeção de capital no sistema financeiro para ‘combater a crise do coronavírus’”. 18 quais fazem parte da classe trabalhadora e se veem pressionados a seguir as recomendações das IES privadas para assim não acarretar problemas na manutenção de suas bolsas e até mesmo na conclusão de sua graduação6. O quadro sinteticamente exposto englobando a educação superior, a formação profissional e o trabalho de Assistentes Sociais docentes explicita questões que dificultam o trabalho desses profissionais. Isso porque, a configuração das IES tanto pode colaborar quanto acarretar limitações para que a formação seja coerente com as Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996. Observamos, então, limites postos pela conjuntura e a necessidade dos Assistentes Sociais docentes vislumbrarem as possibilidades para a efetivação do Projeto Ético-Político durante a formação profissional dos discentes de Serviço Social. Considerando esses aspectos, o nosso objeto de pesquisa foi a relação entre as particularidades do trabalho docente na formação profissional para o Serviço Social, enquanto atribuição privativa de Assistentes Sociais, e as estratégias de ensino que são utilizadas para assegurar a direção do Projeto Ético-Político da Profissão. Buscamos compreender, especificamente, quais estratégias de ensino têm sido adotadas para garantia da direção do Projeto Ético-Político do Serviço Social no cotidiano do trabalho docente de Assistentes Sociais em cursos de Graduação em Serviço Social desenvolvidos em instituições públicas e privadas de ensino superior do RN? No tocante às questões norteadoras da pesquisa podem ser assim elencadas: Quais os fundamentos da formação profissional de Assistentes Sociais para o trabalho docente em Serviço Social? Quais as condições de trabalho e as demandas pedagógicas postas a docentes Assistentes Sociais que ensinam em cursos de graduação em Serviço Social em Instituições de Ensino Superior pública e privada do RN? Qual a concepção dos docentes acerca das estratégias de ensino utilizadas na docência em Serviço Social considerando a direção do Projeto Ético-Político? O objetivo geral que orientou a pesquisa foi o seguinte: analisar o trabalho docente de Assistentes Sociais em Cursos de Serviço Social de Instituições de Ensino Superior públicas e privadas no Rio Grande do Norte, considerando suas estratégias 6 Para mais informações a respeito do posicionamento da categoria de Assistentes Sociais sobre a realização do Estágio em caráter remoto conferir a nota da ABEPSS referente ao estágio supervisionado no período de isolamento social para o combate ao novo Coronavírus (COVID-19) e a Orientação Normativa n.03/2020 do CRESS/RN, que dispõe sobre o estágio supervisionado curricular obrigatório e não obrigatório no contexto do novo Coronavírus (COVID-19). 19 para garantir a formação profissional em consonância com a direção do Projeto Ético- Político da Profissão. Com base nas questões norteadoras foram traçados os seguintes objetivos específicos: analisar os fundamentos da formação profissional de Assistentes Sociais para o trabalho docente em Serviço Social; identificar as condições de trabalho e as demandas pedagógicas postas a docentes Assistentes Sociais que ensinam em cursos de graduação em Serviço Social em Instituições de Ensino Superior pública e privada do RN; apreender qual a concepção desses docentes acerca das estratégias de ensino utilizadas no Serviço Social considerando a direção do Projeto Ético-Político Profissional. Para alcançar esses objetivos, optamos por delinear uma metodologia de pesquisa coerente com a abordagem teórica. Assim, consideramos ser fundamental salientar que o interesse em pesquisar determinada temática guarda relação íntima com as vivências acadêmicas e profissionais da pessoa pesquisadora. A pesquisa, portanto, oportuniza novas descobertas que impulsionam novos estudos e a possibilidade de desencadear modificações na realidade analisada. As inquietações que emergem a partir do amadurecimento teórico do tema de pesquisa condicionam o pesquisador a ir além do que se apresenta de imediato na realidade. Logo, conhecer um aspecto dessa realidade é um processo que demanda sucessivas aproximações, criticidade e opções orientadas por valores, sejam eles de caráter emancipatórios ou conservadores. Queremos afirmar com isso que não há neutralidade no processo de construção do conhecimento nas Ciências Sociais. Conforme a linha de raciocínio de Marx e do método desenvolvido por ele, afirmamos que: [...] o processo de conhecimento, além de buscar desocultar as contradições inclusivas que conformam os fenômenos, sujeitos, organizações e sociedades, valoriza o processo porque pretende transformar o instituído, a partir da constituição de novos valores e condições objetivas e, nesse sentido, é também teleológico (PRATES, 2016, p.85). Sabemos que existem diferentes formas de analisar o real. Coerente com o direcionamento ético-político do Projeto da Profissão, optamos pelo método histórico crítico-dialético, o qual embasou as reflexões e análises desse estudo sobre a docência no âmbito do Serviço Social. Acreditamos que só por meio deste referido método é possível analisar, decifrar e apreender a dinâmica, o movimento da realidade e suas contradições em uma perspectiva de totalidade, pois viabiliza a apreensão da essência, 20 indo além da aparência. “[...] a dialética nos fornece os fundamentos para fazermos um estudo em profundidade, visto que, o método dialético requer o estudo da realidadeem seu movimento, analisando as partes em constante relação com a totalidade [...]” (OLIVEIRA, 2012, p.53, grifos da autora). As categorias do método7 que sustentaram as análises foram: contradição, totalidade, mediação e historicidade. Em relação à primeira, pesquisamos dois contextos de trabalho nos quais atuam o Assistente Social e que são perpassados por interesses, os quais tendem a ser conflitantes. A totalidade, ao considerar que a área da docência é formada de múltiplas determinações que se inserem em uma totalidade mais ampla a qual está atrelada à educação superior e esta ao conjunto de relações sociais hegemônicas na sociedade capitalista. A mediação permitiu a reflexão crítica, ao considerarmos que a realidade sofre constantes transformações influenciadas por fatores econômicos, políticos e sociais. E, por último, a historicidade, pois em hipótese alguma se pode desprezar o contexto histórico da trajetória do Serviço Social na educação superior e, principalmente, na área da docência. Com base nas leituras realizadas e reflexões desenvolvidas aprofundamos categorias analíticas importantes que ajudaram no entendimento do objeto de estudo e das questões norteadoras da pesquisa, sendo relativas ao Estado, educação superior, docência e trabalho. Considerando a necessidade de conhecer o estado da arte das pesquisas e produções acadêmicas relativas à temática do presente estudo, foi realizado um levantamento no Repositório da Capes, em busca de teses e dissertações que tivessem como eixo de discussão o trabalho docente dos Assistentes Sociais em Instituições de Ensino Superior. Para filtrarmos as produções delimitamos inicialmente o período de 2010 a 20198, utilizando as seguintes palavras-chave: docência em Serviço Social e trabalho docente do Assistente Social. A partir disso, encontramos 15 dissertações de mestrado9 e 16 teses de doutorado, totalizando 31 trabalhos10. Observamos que as dissertações tinham como 7 Assim como Coelho (2010), entendemos ser pertinente articular as categorias do método marxiano com as determinações que estão imbricadas ao objeto de pesquisa. 8 Esse recorte, referente ao ano, se justificou em virtude da ampliação do acesso ao ensino superior e a expansão de cursos stricto sensu resultando consequentemente no acúmulo de trabalhos de pesquisa. 9 Dentre as 15 dissertações, destacamos duas: a primeira que era do mestrado em economia doméstica e a segunda que discutia a docência, porém os sujeitos de pesquisa foram docentes mulheres do ensino fundamental. Outro esclarecimento é que, se somarmos as 31 teses e dissertações do período compreendido entre 2010 e 2019, mais as 8 teses e dissertações anteriores a esses anos citados e que estavam disponíveis no repositório da CAPES, contabilizaremos, ao todo, 39 trabalhos. 21 principal eixo de análise a formação profissional e o trabalho docente, a precarização das condições de trabalho e da própria forma que tem se estruturado a educação superior brasileira nos últimos anos, processos de adoecimento dos docentes e a análise da docência em IES públicas e privadas. Em relação às teses, as abordagens relacionavam- se com a precarização e intensificação do trabalho docente no ensino superior e os reflexos das exigências da sociedade do capital para o trabalho docente tanto em âmbito público quanto privado, reflexões sobre a formação profissional em Serviço Social e a contribuição dos docentes nesse percurso. Verificamos, então, que tanto as dissertações quanto as teses apontaram a preocupação da categoria em refletir sobre as principais questões que estão presentes no cotidiano de Assistentes Sociais docentes. No segundo momento, retiramos o filtro referente ao ano, permanecendo apenas as palavras-chave, tendo em vista a possibilidade da existência de trabalhos relacionados à docência em Serviço Social anteriores ao ano de 2010. Feito isso, foi possível identificar 8 trabalhos sobre a docência em IES públicas e privadas e o debate relacionado ao ensino em Serviço Social, dividido entre 6 teses e 2 dissertações. Esse resultado demonstra a importância dessa discussão para o processo de formação profissional dos discentes e, especialmente, para os Assistentes Sociais docentes. Considerando essas questões e visando contemplar os objetivos da nossa pesquisa11 utilizando as categorias educação superior e docência, escolhemos ao todo 6 trabalhos12, divididos entre 3 teses que nos auxiliassem no aprofundamento e entendimento do processo de formação profissional e a contribuição da docência (PORTES, 2016), a configuração do trabalho docente em IES públicas (DUARTE, 2017) e a outra sobre o trabalho docente em IES privadas (ALBUQUERQUE, 2015). No que se refere às dissertações optamos pelo mesmo quantitativo de trabalhos, sendo que com outros enfoques, a saber: a relação entre o ensino e as práticas pedagógicas na docência em Serviço Social (DANTAS, 2012), a relação entre o Projeto Ético-Político, a formação profissional e a docência em Serviço Social (COELHO, 2010) e por último as condições do trabalho docente em IES públicas (SOUSA, 2015). Todavia, observamos que outras questões, como o produtivismo, prevaleciam nas discussões e dialogavam com o nosso objeto de estudo. Assim, fomos tecendo as 10 Deixamos aqui o reconhecimento e contribuições referentes ao trabalho de Carvalho (2019), no qual a autora realizou levantamento sobre as publicações que discutiam a docência na área do Serviço Social. 11 O objetivo ao realizar esse levantamento era aprofundar as reflexões sobre a docência e as estratégias de ensino utilizadas pelos docentes Assistentes Sociais para assegurar a direção social do PEP. 12 Um dado interessante é que após a seleção dos trabalhos a partir da leitura de seus resumos, observamos que todos eram de autoria de mulheres. 22 mediações necessárias para explorarmos as riquezas existentes nas produções escolhidas. Adiantamos que os trabalhos selecionados para a análise evidenciaram o quanto a profissão de Serviço Social avançou, possuindo um conjunto de obras de viés crítico, que são construídas geralmente pelos docentes e que possibilitam aos profissionais que estão em outros espaços de trabalho refletir mais sobre a sua prática cotidiana e também se sentirem impulsionados a socializar suas análises. Essas leituras foram fundamentais para situar o presente estudo no contexto atual das preocupações e abordagens sobre o trabalho docente de Assistentes Sociais na formação profissional do Serviço Social. As dimensões das análises acima destacadas nas teses e dissertações estudadas também estão em sintonia com as nossas questões de pesquisa e, em grande parte, com as opções teórico-metodológicas aqui apresentadas. No que diz respeito à abordagem, por exemplo, aqui também optamos pela qualitativa, tendo em vista os objetivos delineados para nortear a pesquisa, os quais não indicaram como sendo necessário numerar ou medir dados, como geralmente ocorre na abordagem quantitativa. Para Triviños (1987, p.132), “na pesquisa qualitativa existe pouco empenho por definir operacionalmente as variáveis. Elas são apenas descritas e seu número pode ser grande, ao contrário do que apresenta o enfoque quantitativo [...]”. Tendo em vista o objetivo proposto de analisar o trabalho docente de Assistentes Sociais em Cursos de Serviço Social de Instituições de Ensino Superior públicas e privadas no Rio Grande do Norte, considerando suas estratégias para garantir a formação profissional em consonância com a direção do Projeto Ético-Político da Profissão, o universo da pesquisa abrangeu Assistentes Sociais docentes de IESpúblicas e privadas do RN. Assim, delimitou-se uma amostra qualitativa de docentes que estavam inseridos nos cursos de Serviço Social presenciais em instituições públicas e privadas do estado, a partir de informações referentes ao período de ingresso na IES e do vínculo empregatício de professores vinculados aos Departamentos de Serviço Social da UFRN e da UERN, sendo feito também um levantamento nos Programas de Pós-Graduação das respectivas universidades, possibilitando identificar discentes que já tinham atuado como docentes em IES privadas do estado13. Em relação ao lócus de pesquisa, no caso, a UFRN e a UERN, a escolha se explica devido à facilidade de acesso, haja vista a aproximação com alguns docentes em 13 Nesse processo, buscamos informações nos sites da UFRN e UERN sobre o corpo docente e também dialogamos com os docentes dos Departamentos para auxiliar no contato com outros profissionais que poderiam participar da nossa pesquisa. 23 decorrência da participação no projeto de monitoria e em eventos da categoria de Assistentes Sociais. Sendo esse fato algo que contribui para a aproximação do pesquisador com os participantes da pesquisa. A respeito do trabalho de campo Minayo (2013, p.61) nos diz que, O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os ‘atores’ que conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social [...]. Desse modo, foram definidos a priori alguns critérios para a escolha dos docentes a serem entrevistados, dentre os quais: a) profissionais que possuíssem no mínimo dois anos de experiência na carreira docente14, uma vez que teriam uma melhor apreensão das configurações desse espaço e do contexto de mudanças norteado principalmente por retrocessos que têm perpassado o ensino superior, a exemplo das demissões ocorridas no ano de 2019 na particularidade de algumas IES privadas do RN; b) três docentes da UFRN e três docentes da UERN15 efetivos, pois teríamos a possibilidade de analisar o trabalho docente em duas instituições públicas sendo uma federal e a outra estadual. Escolhemos um profissional com experiência na docência, considerando o seu ano de entrada na IES, outro mais jovem na carreira e por fim um que tivesse desenvolvido alguma atividade relacionada à educação em IES privada do RN, com a finalidade de construir um resgate histórico da docência a partir de gerações distintas de profissionais e de suas respectivas vivências acadêmicas; c) por fim, quatro docentes que já tivessem atuado como professores substitutos na UFRN, UERN ou ainda que fossem discentes dos PPGSS dessas instituições atuando até o ano de 2019 em IES privadas no RN. Com isso, visávamos apreender a partir das vivências desses sujeitos, as particularidades existentes em cada âmbito e que influenciavam na docência. Esse quantitativo foi delimitado em razão de ser um número possível de serem feitas análises aprofundadas do material resultante das entrevistas e também por abarcar na nossa pesquisa os diferentes vínculos empregatícios existentes na área da docência. De modo geral, a intenção de entrevistar dez profissionais se justificou pela necessidade de identificar as particularidades do trabalho docente em instituições de 14 Cabe destacar que, mesmo não estando nos nossos critérios, entrevistamos docentes que estavam em cargos de gestão nos respectivos departamentos das IES públicas e também inseridos nos PPGSS. 15 Conseguimos entrevistar 2 docentes efetivas da UERN. 24 ensino superior e analisar as estratégias de ensino que embasavam o trabalho destes profissionais em cada âmbito e que contribuíam para a manutenção da direção do Projeto Ético-Político do Serviço Social. No entanto, diante das dificuldades decorrentes da pandemia e das limitações do Ensino Remoto Emergencial (ERE), conseguimos realizar 8 entrevistas16. Reconhecendo a relevância de traçarmos o perfil dos docentes entrevistados obtivemos, a partir dos questionários enviados para os profissionais, respostas que expressaram a diversidade de trajetória dos mesmos17. Todos os docentes que responderam o questionário estavam atuando em diferentes IES, sendo 2 inseridos em IES privadas e 6 em instituições públicas, sendo que destas instituições, duas profissionais já tinham vivenciado o trabalho docente em IES privadas. Sobre o sexo dos docentes, foram entrevistadas 6 profissionais do sexo feminino e dois do sexo masculino18. Esses dados apontam a prevalência de mulheres ocupando cargos de docentes nas IES. Na gênese da profissão, conforme destacado por Iamamoto e Carvalho (2013), Castro (2011) e Aguiar (2011) os cargos de docência eram ocupados, principalmente, por homens católicos, especificamente padres, e o trabalho social nas instituições ficava a cargo das Assistentes Sociais que iam sendo formadas pelos professores citados. Quando os docentes foram questionados se possuíam filhos, 3 responderam que tinham filhos e 4 que não. Quadro: Informações gerais dos docentes Sexo Natureza da IES que atua Possui filhos Docente 1 Feminino Pública Não Docente 2 Feminino Privada Sim Docente 3 Feminino Pública ____ Docente 4 Feminino Pública Sim Docente 5 Masculino Privada Não Docente 6 Feminino Pública Sim Docente 7 Feminino Pública Não Docente 8 Masculino Pública Não 16 Ao longo do trabalho, os docentes participantes da pesquisa foram identificados a partir da ordem na qual ocorreram as entrevistas. 17 Apenas uma docente não respondeu o questionário que enviamos por e-mail. 18 Esses dados dialogam com os achados da pesquisa de Sousa (2015) que foi realizada com docentes do DESSO e que foi constatado a prevalência de mulheres na docência. 25 Todos os docentes apontaram que cursaram a graduação em IES públicas (2 da UECE, 4 da UFRN, 1 da UERN e uma não respondeu), as quais seguem as Diretrizes Curriculares da ABEPSS e buscam assegurar o ensino, a pesquisa e a extensão. Tal questão é relevante porque esses docentes durante a trajetória acadêmica, como discentes, vivenciaram esse tripé, aspecto crucial para uma formação crítica. Porém, essa não é uma garantia de que ao ingressarem na docência permanecerão nas IES públicas, porque desde a Reforma Universitária de 1968 a tendência tem sido o crescimento de instituições privadas ofertando o curso de Serviço Social, a partir de diversas modalidades (LIMA, 2008; PEREIRA, 2008; 2018). Em relação ao ano de conclusão do curso de graduação dos docentes entrevistados, verificamos que 60% ocorreu no século XXI, 30% na década de 1990 e uma profissional da década de 1970. Ou seja, a quase totalidade vivenciou suas respectivas formações em períodos nos quais a profissão estava se afastando do conservadorismo e dialogando mais com uma perspectiva crítica de análise da realidade. No tocante à formação acadêmica de pós-graduação, temos um quadro de Assistentes Sociais que possuem qualificada formação para a realização do trabalho docente. Isso porque, os docentes efetivos responderam que eram doutores ou pós- doutores; já os docentes que atuavam em IES privadas ou que eram substitutos nas IES públicas estavam em processo de doutoramento ou possuíam mestrado e especialização. Se considerarmos o ano de conclusão da graduação, temos que os docentes substitutos e horistas são relativamente jovens na docência, o que explica o fato desses profissionais estarem realizando cursos no momento que a entrevista foi realizada. Assim, dos docentes que se formaram no século XXI, dois estavam cursando o doutorado. Os docentes efetivos nãoestavam realizando cursos, já aqueles que eram horistas ou substitutos estavam cursando o doutorado, exceto uma docente. Um dado que indica que mesmo possuindo vínculos empregatícios precarizados, no qual a sobrecarga de trabalho é intensa, os profissionais substitutos e horistas ainda conseguem se dedicar a sua própria formação profissional. No que concerne ao tempo de atuação dos Assistentes Sociais na docência, ele também é diverso, pois observamos que uma docente já possuía condições de solicitar aposentadoria, mas que permanecia atuando; as outras docentes efetivas também possuíam um tempo considerável na docência; e os substitutos e horistas, como era de se esperar, eram os mais jovens na carreira. Logo, o tempo de atuação na docência indica que são docentes que possuem significativa trajetória nas IES, pois 4 docentes 26 estavam na docência há mais de 10 anos, 2 se inseriram há mais de 3 anos e uma que estava atuando pouco mais de 40 anos na docência. Quadro: Trajetória de formação acadêmica dos docentes entrevistados IES que cursou a graduação Ano de conclusão do curso de graduação Formação acadêmica de pós- graduação Tempo de atuação na docência Docente 1 Pública 1990 Doutorado 15 anos Docente 2 Pública 2010 Mestrado e Especialização 10 anos Docente 3 _____ _____ _____ _____ Docente 4 Pública 1974 Pós-doutorado 41 anos Docente 5 Pública 2012 Mestrado 6 anos Docente 6 Pública 2002 Doutorado 17 anos Docente 7 Pública 1992 Pós-doutorado 27 anos Docente 8 Pública 2013 Mestrado 4 anos Além da aplicação de questionários com perguntas abertas e fechadas visando conhecer melhor o perfil de docentes das IES públicas e privadas, conforme anunciado, foram realizadas entrevistas semiestruturadas19 considerando que é um instrumento fundamental de apreensão de informações e percepções sobre a realidade que “[...] se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações” (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p.40). Dessa forma, foi possível analisar o que os docentes pensavam sobre a docência em Serviço Social, além da identificação de suas estratégias pedagógicas. O material obtido a partir das entrevistas foi transcrito mantendo a fidedignidade do seu conteúdo e posteriormente categorizado e analisado. Para analisar o material coletado o nosso estudo utilizou técnicas de análise temática de conteúdo que consiste em “[...] uma técnica de pesquisa e, como tal, tem determinadas características metodológicas: objetividade, sistematização e inferência” (RICHARDSON, 2012, p.223). Dessa forma, essa técnica de análise possibilita “[...] descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado [...]” (MINAYO, 2014, p.316, grifos da autora). 19 Considerando que estávamos vivenciando a pandemia do Coronavírus (COVID-19), sem uma previsão de retorno de atividades presenciais nas universidades, foi utilizado o google meet e, para os docentes que solicitaram a chamada de vídeo, para a realização das entrevistas. Já os questionários foram enviados para os e-mails dos docentes que aceitaram participar da pesquisa. 27 Conforme discorre a autora, existem três etapas interligadas na análise temática, as quais englobam: a pré-análise, a etapa de exploração do material e por último o tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Assim, iniciamos fazendo as leituras flutuantes dos materiais levantados, seguido de uma análise mais criteriosa que possibilitou identificar as categorias presentes no material pesquisado, resultante da pesquisa teórica em base bibliográfica e empírica, os quais possibilitaram avançar no entendimento do objeto de estudo. Feito isso, adentramos no processo de sistematização, ou melhor, de categorização e análise dos dados, alcançando sínteses e possíveis respostas para as inquietações que nortearam a pesquisa. Por fim, esclarecemos que esse projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa da UFRN (CEP/HUOL), obtendo parecer favorável de n. 4.431.725 e CAAE de n. 39337620.9.0000.5292 para a execução do estudo, correspondendo, assim, com as orientações dadas pela resolução nº. 510 de 2016 (BRASIL, 2016) que versa sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, tendo em vista que foi um estudo que contou com a contribuição de seres humanos. Assim, foram tomados todos os cuidados éticos20 para resguardar os direitos dos participantes da pesquisa no processo de coleta de dados, bem como no momento de análise. Cabe destacar também que esse trabalho se inseriu na linha de pesquisa Serviço Social, Trabalho e Questão Social do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN, o qual tem como área de concentração Sociabilidade, Serviço Social e Política Social. Sua relevância consistiu em trazer análises em uma perspectiva de totalidade sobre as questões que envolvem a atuação do Assistente Social como docente no âmbito das universidades públicas e privadas do RN, contribuindo para adensar a produção teórica do Serviço Social sobre a docência e até mesmo provocar novas pesquisas referentes a esse espaço de atuação. Considerando os contornos acima delineados do objeto de estudo, a dissertação está estruturada em quatro seções. A primeira seção é esta introdução na qual apresentamos as motivações para a realização da pesquisa, algumas reflexões iniciais sobre o trabalho de Assistentes Sociais docentes na educação superior, e ainda a metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa. A segunda seção aborda o debate sobre o Estado e a educação numa perspectiva gramsciana, haja vista que é o Estado que a partir de disputas de concepções de mundo, 20 É importante ressaltar que foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de autorização para gravação de voz (Anexos A e B). 28 elabora legislações, como a Lei de Diretrizes e Bases da educação, e constrói perspectivas para direcionar a educação superior. Esta desde o seu surgimento no Brasil, sofre a interferência dos interesses da classe dominante, mesmo com os processos de luta dos trabalhadores para reafirmá-la enquanto um direito, visto que vivenciamos um contexto de crise estrutural do capital. Nesse contexto, verificamos a inserção do Serviço Social no ensino superior, destacando a docência e a discussão das atribuições privativas de Assistentes Sociais que atuam na formação de futuros profissionais. A partir disso, resgatamos a questão do corporativismo para apontar que os Assistentes Sociais docentes atuam numa direção crítica voltada para os interesses coletivos dos trabalhadores, sendo esta uma das razões para a defesa da direção do PEP. A terceira seção traz reflexões sobre os fundamentos da formação profissional, resgatando os elementos da gênese do Serviço Social e da atuação das pioneiras nos cargos de docência. Apresentamos a contribuição de Assistentes Sociais docentes e de outras áreas de atuação no processo de construção do Projeto de Formação Profissional do Serviço Social, que em 1996 ficou conhecido como as Diretrizes Curriculares da ABEPSS, as quais passaram por mudanças provocadas pelo MEC. Explicitamos em seguida que é esse Projeto que direciona a formação acadêmica dos docentes na contemporaneidade. Finalizamos a seção com a discussão dos fundamentos para a atuação de Assistentes Sociais docentes, os quais reafirmam a direção crítica da profissão. A quarta seção discute o trabalho de Assistentes Sociais docentes abordando alguns aspectos da particularidade dessa atuação em IES públicas e privadas do RN. Considerando que, são dois espaçosque apresentam demandas diversas para os docentes e que também trazem implicações para a formação profissional em Serviço Social. Ainda nessa seção, discutimos sobre o Projeto Ético-Político e alguns aspectos que estão relacionados com a sua construção, enfatizando a sua importância para a docência. Já as estratégias político-pedagógicas configuram-se como uma mediação utilizada pelos docentes, diante das possibilidades existentes nas IES, para fortalecer a direção social conquistada pela profissão e que conforma o Projeto Profissional. As considerações finais apresentam algumas sínteses referentes aos resultados da pesquisa, sugestões identificadas a partir do estudo bibliográfico e do diálogo com os docentes das IES públicas e privadas, bem como as principais aprendizagens possibilitadas a partir de todo o processo de realização da pesquisa. 29 2 O ESTADO E A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM TEMPOS DE CRISE: REFLEXOS NA DOCÊNCIA E NO SERVIÇO SOCIAL A análise da educação superior na contemporaneidade suscita que sejam elucidados alguns apontamentos sobre o que é o Estado e as suas principais estratégias articuladas ao grande capital para o processo de enfrentamento da crise estrutural que estamos vivenciando desde a década de 1970 (MÉSZÁROS, 2009). Nesse sentido, o pensamento gramsciano contribui para apreendermos criticamente as categorias analíticas do Estado e ainda da educação, seja sob a perspectiva de reprodução da hegemonia do modo de produção capitalista, seja como um importante componente da estratégia de resistência da classe trabalhadora. Para tanto, temos por pressuposto que a atuação de Assistentes Sociais docentes, enquanto intelectuais e que estão articulados aos interesses da classe trabalhadora exerce função crucial para a construção coletiva de uma nova concepção de mundo. Ao discutir sobre algumas das particularidades inerentes ao trabalho dos Assistentes Sociais, buscamos incorporar o debate sobre o corporativismo e as suas principais características, demonstrando as suas implicações para o processo de luta dos trabalhadores e defendendo que a resistência contra a ofensiva capitalista, presente nas ações desse Estado burguês, é sempre coletiva e acompanhada de valores emancipatórios, conforme expressa o Projeto Ético-Político do Serviço Social. Desse modo, para qualificar as reflexões sobre o trabalho docente em Serviço Social em IES públicas e privadas, é imperativa a discussão sobre o Estado e as estratégias que utiliza para direcionar a Política de Educação superior no Brasil. Sendo esse movimento em conformidade com os seus interesses e com aqueles da classe dominante, atendendo também algumas pautas da classe trabalhadora para garantir o consenso e a continuidade de sua hegemonia. 2.1 O Estado no contexto da crise estrutural do capital Inicialmente é importante refletir sobre como a atual configuração do Estado, que tem intensificado suas políticas de cortes nos recursos destinados à educação pública, em especial ao ensino superior, está atrelada à ideologia da classe dominante, a qual utiliza-se do Estado e dos seus recursos para concretizar o projeto de sociedade 30 almejado. Nesse processo, as classes subalternas e as suas necessidades sociais são cada vez menos atendidas, sendo mantida a hegemonia da classe dominante. Sobre essa relação do Estado com a Educação, Lima (2013, p.12, grifos da autora) reflete que: O papel histórico do Estado brasileiro na condução da política de expansão da educação superior é, portanto, fundamental. É o Estado que cria o arcabouço jurídico para operar esta política, autorizando e credenciando as IES privadas, bem como legalizando a privatização interna das IES públicas e estimulando o produtivismo e o padrão mercantil da pesquisa e da produção de conhecimentos. As concepções de educação superior – reduzida à educação terciária – e de universidade – como instituição de ensino e/ou instituição subsumida à lógica mercantil – são compartilhadas por reitores das universidades e por parte dos docentes dessas IES. Lima (2013) explica que o Estado influencia de diferentes formas nos caminhos que a educação pública e privada pode seguir, visto que, se temos recursos compatíveis com as demandas educacionais tem-se a possibilidade de se alcançar resultados positivos, já a ausência de investimentos ou cortes nos recursos, como tem sido feito pelo Governo Federal no mandato do presidente Jair Messias Bolsonaro, desde 2019, acarreta danos regressivos para a continuidade dessa política. Outra questão que podemos extrair dessa citação é que alguns sujeitos que estão em IES públicas defendem projetos que desmontam a própria concepção de educação pública. Desse modo, a forma como o Estado está configurado demanda que a classe trabalhadora se organize para lutar por seus interesses. Na luta docente, podemos citar, entre outras, a pauta por melhores condições de trabalho e salário, pela realização de concurso público – visto que a contratação de professores substitutos no âmbito das universidades públicas tende a precarizar o trabalho docente – e a defesa do mestrado e doutorado acadêmico, uma vez que foi aventada a possibilidade de redução do tempo dos respectivos cursos21. Isso demonstra o avanço do aligeiramento do ensino que já vem perpassando a graduação e visa se espraiar para a pós-graduação. Considerando essa dimensão macro política da presente análise, concebemos ser relevante tratarmos, de forma sucinta, sobre o Estado e o seu papel pedagógico, para influenciar o conjunto da sociedade, para assim alcançar seus interesses, enquanto um Estado classista, e impor para os sujeitos uma concepção do mundo que legitima os anseios de uma classe social em detrimento da outra. 21 Ao realizar uma busca de documentos sobre essa questão destacamos que é uma tendência a qual tem sido discutida, ainda que timidamente pelos programas de pós-graduação, pois inexiste uma regulação formal do Ministério da Educação e da Capes sobre essa redução do tempo de duração dos cursos de mestrado e doutorado. 31 Diversos e importantes autores dedicaram-se a pesquisar sobre o Estado enquanto uma construção social. Temos assim, entre várias outras, as contribuições de Hegel, Karl Marx, Engels, Lenin, Rosa Luxemburgo, entre outros. Contanto, a concepção de Estado que guiará a presente análise será a abordagem desenvolvida pelo marxista Antonio Gramsci. A escolha desse autor se justifica em virtude das preciosas contribuições dele para compreensão ampliada do Estado capitalista na contemporaneidade, bem como para refletirmos e lutarmos por uma educação – que se contrapõe aos valores mercadológicos – capaz de contribuir para a formação de sujeitos críticos e consequentemente para a construção de uma nova concepção do mundo. Portanto, a leitura que se constrói do Estado tem estreita relação com a concepção do mundo que, conforme Gramsci (1995, p.12): [...] Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencentes simultaneamente a uma multiplicidade de homens- massas, nossa própria personalidade é composta de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista; preconceitos de todas as fases históricas passadas, grosseiramente localistas, e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá- la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais desenvolvido [...]. No campo dos pensadores marxistas, Gramsci consegue em suas reflexões ir além da abordagem de Estado realizada por Marx no século anterior, e isso se explica exatamente em virtude do momento histórico que ele vivenciounas primeiras décadas do século XX, pelo menos até onde vislumbrou de condições e liberdade política para tal. Dessa forma, Gramsci apreendeu elementos novos do movimento da realidade que não foi possível no período em que Marx viveu (SIMIONATTO, 2011). De acordo com o entendimento de sua obra, essa perspectiva ampliada do Estado será importante para a organização da classe trabalhadora, para a formação e ampliação dos conselhos de fábricas, dos sindicatos e para maior participação de outros sujeitos na esfera pública. Ademais, quando discutimos o Estado pensamos na dimensão da esfera pública, da participação da sociedade civil a partir da reivindicação de direitos como a educação. Dessa forma, a intervenção do Estado pode servir para efetivação dos instrumentos normativos que regulamentem a educação enquanto um direito ou para permitir a sua mercantilização. Feitas essas considerações traremos as reflexões de Gramsci em relação à concepção de Estado. Gramsci apud Buci-Glucksmann (1980, p.129) apontará que: “o Estado é todo o conjunto de atividades teóricas e práticas com as quais a classe dirigente justifica e 32 mantém não somente a sua dominação, mas também consegue obter o consenso ativo dos governados”. Ou seja, mesmo que a classe dominante detenha um poder capaz de influenciar os rumos tomados pelo Estado, essa classe e suas decisões precisam de um mínimo de legitimidade perante a classe dominada. Entretanto esse não é um processo simples, mas perpassado por lutas e disputas no âmbito da sociedade civil. Por isso, para Simionatto (2011, p.69), “as discussões gramscianas sobre o Estado apresentam-se a partir da existência de duas esferas distintas no interior das superestruturas, quais sejam: a) sociedade civil; e b) sociedade política”. Sendo a sociedade civil, entendida criticamente, perpassada de disputas de projetos, pois é nesse âmbito que as massas conseguem pautar seus interesses e expressar possíveis inconformidades com a direção do Estado. Isto é, “[...] o lugar onde se tornam conscientes os conflitos e contradições [...] é um momento da superestrutura ideológico-política [...]” (idem, p.70). Essa relação entre sociedade política e sociedade civil é pertinente para apreendermos o movimento do Estado na contemporaneidade. Tal síntese é expressa na citação seguinte: É verdade que, no curso de seu trabalho, Gramsci distinguirá progressivamente dois conceitos de Estado, ou mais precisamente dois momentos da articulação do campo estatal: o Estado em sentido estreito (unilateral), e o Estado em sentido amplo, dito integral. Em um sentido estreito, o Estado se identifica com o governo, com o aparelho de ditadura de classe, na medida em que ele possui funções coercitivas e econômicas. A dominação de classe se exerce através do aparelho de Estado no sentido clássico (exército, polícia, administração, burocracia). Mas essa função coercitiva é inseparável de um certo papel adaptativo-educativo do Estado, que procura realizar uma adequação entre aparelho produtivo e moralidade das massas populares [...] (BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p.128, grifos da autora). Com base nas reflexões das autoras anteriormente citadas, apreendemos a necessidade que o Estado tem de manter um nível adequado de conformismo e apassivamento22 da população ou “massas” como falava Gramsci para que assim não ocorra nenhuma perturbação ao satisfatório andamento dos interesses da classe dominante. Dessa forma, o Estado mobiliza os meios de direção intelectual e moral da sociedade: O Estado integral pressupõe a tomada em consideração do conjunto dos meios de direção intelectual e moral de uma classe sobre a sociedade, a maneira como ela poderá realizar sua “hegemonia”, ainda que ao preço de 22 Para refletir sobre o conformismo e o apassivamento dialogando com a discussão da educação superior, podemos apontar o debate que será tecido sobre a democratização da educação e o crescimento do setor privado na oferta dos cursos de graduação ocorridos no governo de Luís Inácio Lula da Silva. 33 “equilíbrios de compromisso”, para salvaguardar seu próprio poder político, particularmente ameaçado em períodos de crise [...] (BUCI- GLUCKSMANN, 1980, p.128-129). Essa concepção integral do Estado de Gramsci, segundo Buci-Glucksmann (1980), expressa uma crítica ao mecanicismo e ao economicismo presentes naquela época nas abordagens marxistas ressaltando que: “[...] o Estado integral pede um desenvolvimento rico, articulado, das superestruturas, que exclui a possibilidade da sua redução somente ao governo-força, mesmo ele sendo completado ideologicamente” (BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p.129). Dessa forma, Gramsci buscou apresentar análises mais atualizadas e interligadas com a conjuntura do seu tempo, o que não quer dizer que tenha negado estudos anteriores sobre o Estado (SIMIONATTO, 2011). Hoje, visualizamos que a sua contribuição continua sendo atual e necessária para entender as configurações e contradições que perpassam o Estado nesse momento histórico. Esses apontamentos históricos auxiliam na reflexão sobre a função do Estado na atualidade, o qual apresenta algumas características que retomam aspectos do fascismo, intensificando a disputa de hegemonia e a luta pela defesa da democracia. Desse modo, de uma lado estão os defensores do capital e de perspectivas antidemocráticas; no outro, os sujeitos que lutam por direitos, dadas as decisões do Estado em prejuízo dos interesses da classe trabalhadora. Considerando esses fatores, a conquista da hegemonia passa por um processo de construção e nisso reside a dificuldade da classe dominada, porque unificar todas as questões dos trabalhadores em um contexto de notáveis dificuldades para a efetivação dos direitos em todos os âmbitos constitui um grande desafio. De acordo com Dias (2014, p.111-112), “a passagem de uma classe subalterna à posição hegemônica significa antes de mais nada a tomada de posse de si mesma, a sua afirmação enquanto coletividade individualiza face às demais classes [...]”. Com isso, ressalta-se a urgência dos trabalhadores conquistarem hegemonia, para só assim caminhar para a construção de uma nova sociabilidade. Nesse sentido, a hegemonia tem também uma função educativa, e o Estado não só luta para conquistar o consenso, mas também educa esse consenso, ou seja, a hegemonia deve ser não só a forma na qual se afirma a direção, o poder de uma classe, de um bloco social, mas deve ser também o terreno e o instrumento para realizar a superação da subalternidade, para atingir uma nova, mais alta unificação entre governantes e governados, entre dirigentes e dirigidos (SIMIONATTO, 2011, p.55). 34 A forma que a classe trabalhadora encontrará para se tornar a classe dirigente passa, portanto, pela educação, pois demanda reflexões coletivas fundamentais para sua constituição como classe dirigente, intelectual e moral. É aqui que podemos compreender a importância da contribuição de docentes e discentes das IES públicas e privadas, junto com os trabalhadores e movimentos sociais, para que, assim, colaborarem no processo de organização desses sujeitos. Portanto, não tem como desconsiderar o Estado e as suas repercussões no cotidiano de todos os trabalhadores e daqueles que se identificam com a luta por outra sociedade, inclusive na educação. Percebemos também porque o modelo atual do Estado tem reduzido ou impedido a ampliação de recursos para expandir a educação superior, para a viabilização da assistência estudantil e a realização de projetos de pesquisa, extensão, monitoria e tutoria, enquanto ações que repercutem em melhorias diretas para a comunidade acadêmica e, se pensarmos nas ações de extensão, para a comunidade externa também. Rossi et al. (2019, p.11) ilustra essa situação a partir de alguns dados:
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