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Youtubeaparelhoprivado-Andrade-2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
 
 
 
O YOUTUBE COMO APARELHO PRIVADO DE HEGEMONIA: A EXPERIÊNCIA DA 
ONDA CONSERVADORA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO 
 
Felipe Bezerra de Andrade 
 
 
 
 
Natal/RN 
2021 
2 
 
Felipe Bezerra de Andrade 
 
 
 
 
 
 
O YOUTUBE COMO APARELHO PRIVADO DE HEGEMONIA: A EXPERIÊNCIA DA 
OFENSIVA CONSERVADORA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO 
 
Dissertação elaborada sob orientação da Prof. Dr. Isabel M. 
F. Fernandes de Oliveira e apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título 
de Mestre em Psicologia. 
 
 
 
Natal/RN 
2021 
3 
 
 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências 
Humanas, Letras e Artes – CCHLA 
 
 
 
 Andrade, Felipe Bezerra de. 
 O Youtube como aparelho privado de hegemonia: a experiência da 
onda conservadora no Brasil contemporâneo / Felipe Bezerra de 
Andrade. - Natal, 2021. 
 187f. 
 
 Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte, 2021. 
 Orientadora: Profa. Dra. Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira. 
 
 
 1. Neoconservadorismo - Dissertação. 2. Youtube - Dissertação. 3. 
Crise de Hegemonia - Dissertação. I. Oliveira, Isabel Maria Farias 
Fernandes de. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9:32(81) 
 
 
 
 
 
 Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
SUMÁRIO 
 
RESUMO....................................................................................................................... 04 
ABSTRACT......................................................................... ......................................... 05 
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO E MÉTODO ............................................................. 06 
1.1 – Introdução...............................................................................................................06 
1.2 – Alinhamento Metodológico....................................................................................14 
1.3 – Método....................................................................................................................19 
CAPÍTULO II – ESTADO, LUTA DE CLASSES E CRISE.........................................23 
2.1 - Estado Ampliado e Aparelhos Privados de Hegemonia..........................................23 
2.2 - As demandas da classe dominante e as transformações do Estado Capitalista no século 
XX: Até onde vai a democracia burguesa?.....................................................................38 
2.3 - Neoliberalismo e Imperialismo: A Periferia no Capitalismo..................................63 
2.4 - A crise de Hegemonia no Brasil: O que aconteceu depois de junho.......................82 
CAPÍTULO III – APRASENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS................................114 
3.1 – Apresentação de Dados.........................................................................................114 
3.2 – Análise de Dados..................................................................................................165 
REFERÊNCIAS............................................................................................................ .181 
5 
 
Resumo: A dinâmica do Estado Ampliado opera instituições que gerem a luta de 
classes continuamente através de um consenso estabelecido por uma Hegemonia. Tal 
dinâmica pode também ser alterada a partir das disputas que ocorrem no âmbito da Sociedade 
Civil e das demandas da reprodução do capital. Quando a reprodução é dificultada, ocorrendo 
uma crise econômica, ou a condição da luta de classes se altera, é possível que o consenso se 
desgaste, ocorrendo uma Crise de Hegemonia, momento no qual um novo consenso é 
estabelecido, mas não sem a resolução de disputas operadas pelos Aparelhos Privados de 
Hegemonia. O Brasil atravessa uma Crise deste tipo que eclodiu em junho de 2013, 
derrubando um consenso estabelecido desde o final da ditadura que se baseava em democracia 
e Direitos Humanos. Neste momento se popularizaram também as ferramentas virtuais, que 
foram rapidamente politizadas e transformadas em formas de organização e divulgação por 
diversos setores da direita, que às ocuparam de forma exitosa, com especial atenção para o 
Youtube. A partir disto, buscamos discutir sobre a função social do Youtube na crise de 
hegemonia que se estabeleceu no Brasil na derrocada do projeto socialdemocrata petista. Para 
isto analisamos 55 vídeos de 11 canais, separados em quatro grupos: “Homens de Fé”, 
“Liberais”, “Jornalistas” e “Patriarcas”, buscando analisar como estes canais representam 
projetos de sociedade e de que forma se deu a amalgama de tais projetos na onda 
conservadora qual no Brasil. Vimos que tal união perdeu força depois da vitória de Bolsonaro, 
mas que os diferentes setores ainda estão fortes separadamente, operando seus aparelhos 
privados de hegemonia e se reorganizando de acordo com as demandas do capital, que ditam 
todas as políticas estatais e, diante de sua crise estrutural, exige cada vez mais. 
Palavras –Chave: Neoconservadorismo; Youtube; Crise de Hegemonia; Bolsonaro. 
 
6 
 
Abstract: The dynamics of the Extended State operates institutions that continuously 
manage the class struggle through a consensus established by a Hegemony. Such dynamics 
can also be changed based on the disputes that occur within the scope of Civil Society and the 
demands for the reproduction of capital. When reproduction is hindered, starting an economic 
crisis, or the condition of the class struggle changes, it is possible that the consensus wears 
out, leading to a Hegemony Crisis, at which time a new consensus is established, but not 
without the resolution of disputes operated by the Private Devices of Hegemony. Brazil is 
going through a crisis of this kind that broke out in June 2013, overturning a consensus 
established since the end of the dictatorship that was based on democracy and human rights. 
At this time, virtual tools also became popular, which were quickly politicized and 
transformed into forms of organization and dissemination by various sectors of the right, 
which occupied them successfully, with special attention to Youtube. Based on this, we seek 
to discuss the social role of Youtube in the crisis of hegemony that was established in Brazil 
in the collapse of the PT socialist democratic project. For this, we analyzed 55 videos from 11 
channels, separated into four groups: “Men of Faith”, “Liberals”, “Journalists” and 
“Patriarchs”, seeking to analyze how these channels represent projects of society and how the 
amalgamation of such projects in the conservative wave as in Brazil. We saw that such a 
union lost strength after Bolsonaro's victory, but that the different sectors are still strong 
separately, operating their private devices of hegemony and reorganizing themselves 
according to the demands of capital, which dictate all state policies and, in the face of their 
structural crisis, demands more and more. 
Key words: Neoconservatism; Youtube; Hegemony Crisis; Bolsonaro. 
 
 
7 
 
1 – Introdução e Método 
1.1 - Introdução 
O Brasil está atravessando um intenso processo de avanço do conservadorismo nos 
últimos anos, tanto no âmbito político quanto no cotidiano. Durante mais de uma década um 
projeto de conciliação de classes direcionou as políticas públicas e prioridades do governo 
brasileiro. Este projeto tenta minimizar os contrastes entre as classes fundamentais do 
capitalismo, sendo elas a burguesia, classe que detémos meios de produção, e o proletário, 
classe que tem apenas a sua força de trabalho para vender. A forma de gestão do estado 
derivada deste projeto é chamada de Social-Democracia. 
Durante a gestão do Partido dos Trabalhadores, este projeto foi aceito por setores 
majoritários da população, visto que ele busca ações que privilegiem tanto a grande burguesia 
quanto a classe trabalhadora. O governo do Partido dos Trabalhadores soube utilizar bem o 
crescimento causado pelo processo neodesenvolvimentista atravessado pelo Brasil, assim 
como a conjuntura favorável em terreno internacional, para expandir o padrão de vida da 
população pobre sem mudar negativamente a margem de lucro e crescimento da parte mais 
rica da população (Sampaio Jr, 2012). 
O neodesenvolvimentismo é um conjunto de reformas institucionais e políticas 
econômicas que visam aumentar a renda per capita de países subdesenvolvidos. Este conjunto 
de ações é baseado em valores da sociedade burguesa e não leva em conta a relação de 
exploração entre os países subdesenvolvidos e os países centrais. A leitura utilizada aqui é 
que, em determinado momento, quando tais reformas já foram aplicadas, a velocidade de 
crescimento diminua, surgindo a demanda de que agora políticas de cunho neoliberalista 
sejam aplicadas (Sampaio Jr, 2012). 
8 
 
E foi quando o ciclo neodesenvolvimentista alcançou os seus limites estruturais que o 
período de bonança econômica foi desacelerando, o que evidencia as contradições entre 
capital e trabalho e faz com que diversos setores que antes eram favoráveis à gestão Petista do 
estado agora questionassem suas práticas e chegassem até mesmo a exigir a sua retirada. 
Daremos especial atenção à pequeno-burguesia, classe que se encontra no meio do caminho 
entre burguesia e proletário, posição que a faz ter elementos e interesses de ambas as classes. 
Ela abraça as promessas da ideologia e valores burgueses de forma totalmente idealista, 
porém ainda carrega demandas da classe trabalhadora tais como salário mínimo e previdência 
(Konder, 2009). 
Então, durante um certo período a pequena burguesia teve muito a ganhar com a 
gestão Petista, o que levou seus setores mais progressistas a apoiarem o governo. Neste 
primeiro momento, até mesmo setores da grande burguesia fazem alianças estratégias com o 
Partido dos Trabalhadores e contribuem para garantir a sua governamentabilidade. Porém, o 
fim do crescimento econômico fez com que os setores mais reacionários da pequena 
burguesia ganhem força e se afastem do projeto socialdemocrata. Esta guinada à direita é 
decorrência do crescimento econômico e do ganho de direitos da classe trabalhadora, o que 
retirou da pequena burguesia parte do seu poder de consumo de serviços. Esse desconforto se 
intensifica quando as consequências da crise de 2008 chegam no Brasil, havendo uma queda 
no padrão de vida em geral da população. (Haddad, 2017) 
Este cenário é aproveitado pela grande burguesia nacional, cujos diversos setores se 
reúnem em torno da aplicação de políticas neoliberais. Com o objetivo de iniciar um processo 
de corte de direitos da classe trabalhadora ela investe nos incômodos da pequena burguesia, 
com quem forma uma aliança estratégica. Tal aliança, com apoio também da mídia e de 
diversos setores da burguesia internacional, culminaria no golpe parlamentar de 2016. Agora 
9 
 
vive-se sobre um governo formado sobre os desejos da burguesia e que já produziu 
retrocessos significativos em diversos setores como nos direitos trabalhistas, no setor 
educacional e na previdência. O ataque à classe trabalhadora por parte do estado é quase 
diário, sendo camuflado por uma ótima relação com a grande mídia, que também tem o papel 
de direcionar os desconfortos da pequena burguesia, cuja participação na política aumentou 
consideravelmente e que adquiriu o caráter de base social do golpe, contra qualquer ameaça 
real ao sistema vigente, criando um clima de anticomunismo e antiesquerdismo em geral. 
Porém, o projeto político de conciliação de classes ainda não foi abandonado por 
grande parte da população, que insiste em pautá-lo como resposta para as contradições desta 
sociedade. Assim, ocorre uma gestão pautada pelo liberalismo enquanto ainda persistem 
várias práticas políticas e instituições com uma lógica que contribui para deslegitimar este 
mesmo plano. Há também o fato de que os diversos setores da burguesia estão disputando 
ente si a hegemonia deste novo bloco histórico. As instituições políticas, fragmentadas por 
esta contenda, acabam por perder a sua autoridade com a população e, durante o período 
aonde há a transição de um bloco histórico para outro, se instaura uma situação de “crise 
orgânica”, uma crise do Estado em seu conjunto. (Gramsci, 2011; Castelo, 2013) 
Estes momentos de crise, quando as contradições sociais se tornam mais evidentes, 
costumam ser um terreno fértil para práticas políticas cada vez mais radicais, tanto à esquerda 
quanto à direita. Na nossa conjuntura, a crise encontra uma pequeno-burguesia já incomodada 
pelos avanços do proletário além de uma burguesia fortalecida por investimentos e proteção 
estatais, situações decorrentes do projeto socialdemocrata e suas tentativas de “revoluções 
passivas”, aonde se busca romper com certas partes do sistema político sem alterar as 
estruturas de produção. Desta forma, presenciamos uma aceitação das ideias de direita no 
Brasil atual (Gramsci, 2011; Castelo, 2013; Konder, 2009; Silva, 2015). 
10 
 
Observa-se o aumento no número de pessoas que estão se organizando politicamente 
para defender as ideias conservadoras e vemos como consequência disso a luta contra o 
debate de igualdade de gênero nas escolas, linchamentos coletivos, aumento no número de 
agressões à população LGBT e cancelamento de exposições de arte “esquerdista”, entre outras 
coisas, todas as pautas restauradoras parecem aproveitar o momento para se posicionar 
ofensivamente. É digno de nota que as classes abastadas no Brasil sempre foram relacionadas 
a um brutal conservadorismo, não vendo problema nenhum em se unir às facetas mais 
extremas da direita quando as condições histórias forem favoráveis (Silva, 2015). 
Este cenário de avanço da direita não é inédito, se assemelhando a diversos outros 
momentos chaves do século XX e chegando até a mimetiza-los em alguns momentos devido à 
utilização de armas já clássicas da direita, como o chauvinismo e o anticomunismo, por 
exemplo. Além disto, tais momentos sempre surgem durante processos que revelam 
dinâmicas semelhanças da relação capitalismo-democracia. Porém, as devidas 
particularidades de cada momento histórico fazem com esta dinâmica se desenvolva de 
formas diferentes. Enquanto a Europa pós-primeira guerra percebeu um avanço do fascismo, a 
Inglaterra da era Tatcher promoveu uma onda de corte de direitos trabalhistas e ataque 
neoliberal. Apesar da situação inglesa nos ser mais semelhante, ainda temos elementos que 
provocam a existência de consequências próprias à nossa realidade como o atual estado do 
imperialismo e o nosso processo de formação e desenvolvimento nacional. (Gramsci, 2011; 
Konder, 2009). 
Acreditamos então que não devemos mergulhar em conclusões apressadas acerca das 
possibilidades de evolução da atual conjuntura nacional, mas sim tentar entender quais 
elementos da dinâmica entre estrutura e superestrutura estão produzindo este fenômeno e 
como eles interferem no processo de formação da consciência dos seus atores políticos. 
11 
 
As redes sociais, por exemplo, são uma tecnologia recente e que adquiriu papel 
relevante em movimentações sociais ao longo do mundo na última década, sendo utilizada 
para facilitar a organização e articulação de levantes populares como os da Tunísia, Egito e 
Espanha. No Brasil, internet revela pela primeira vez a sua possibilidade de dialogar com atos 
de rua durante as jornadas de junho de 2013, quando o MovimentoPasse Livre utilizou o 
Facebook tanto para convocar os atos de rua quanto para divulgar a repressão violenta da 
polícia Paulista. A reação da população foi grande, havendo um aumento rápido no número de 
confirmações para os atos na mesma rede social, havendo um aumento de mais de dez vezes 
entre uma semana e outra. Isto marca um momento em que as redes sociais passaram a ser 
também utilizadas para disputar a leitura da realidade, não mais havendo uma exclusividade 
da velha imprensa neste papel (Silva, 2015). 
Claro, ainda há grande influência das empresas de comunicação na formação de 
opinião até mesmo na internet, as postagens mais compartilhadas ainda eram de páginas como 
O Estado de São Paulo e O Globo. Porém, neste momento adquirem relevância páginas de 
esquerda que conseguem capitalizar em certos vácuos formados por este novo espaço, como o 
Mídia Ninja e demais coletivos de mídia independente, além, claro, da página do próprio 
Movimento Passe Livre (Silva, 2015). 
O mês de junho de 2013 vai se desenrolando nesta disputa pela narrativa hegemônica 
em torno das movimentações de rua daquele momento. Algo que começa como uma 
resistência ao aumento do preço da passagem de ônibus na Cidade de São Paulo baseada de 
argumentos que levavam em conta a dinâmica da sociedade capitalista acabou por se 
transformar em um ato pautado por valores burgueses e moralistas, como a justiça em geral, 
uma ideia de melhoria de vida ligada ao consumo e o combate massivo à corrupção. Isto 
ocorre por conta de um processo de disputa de consciência que ocorreu tanto em veículos 
12 
 
tradicionais da mídia como televisão e jornais impressos quanto nas redes sociais. Com o 
crescimento de páginas de direita que também capitalizaram muito bem o clima das 
manifestações, percebemos como as páginas tradicionais de notícias diminuem sua influência 
ao longo do mês enquanto páginas de memes ganham cada vez mais atenção e 
compartilhamentos. Às pautas já citadas soma-se também um ataque constante às prioridades 
de investimento do governo de conciliação de classes, não mais condizentes com os anseios 
da classe média naquele momento. O senso comum da época, mais condizente com o 
pensamento de direita, abre espaço para que haja a divulgação massiva dos pensamentos de 
toda uma gama de facetas reacionárias, indo desde as notícias da revista Veja até as ideias de 
Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho, todas atravessadas por um ódio ferrenho às ideias de 
esquerda. Claro, é importante apontar que não é só a pequena burguesia que dá avanço a este 
processo, ele só pode ocorrer por conta de uma dinâmica que envolve setores de várias 
classes. O papel especial desta classe se deve a forma como a burguesia a transformou na base 
social deste projeto. (Silva, 2015) 
As eleições de 2014 encontram este cenário mais amadurecido. Há uma atuação ainda 
maior de profissionais de comunicação em páginas humorísticas patrocinadas pelos partidos, 
mostrando que estes grupos não ignoram a relevância do ambiente virtual na formação de 
opinião dos brasileiros. Além disto, o Facebook criou formas de divulgação das postagens 
baseadas em dinheiro, reestabelecendo dinâmicas verticais e controle através do poder 
econômico típicos da mídia tradicional. Porém é importante entender que as redes sociais 
ainda se organizam de forma muito horizontal e dinâmica do que a mídia tradicional, o que 
permite que ideias antigas pareçam revolucionárias e renovadas por se apresentarem com uma 
nova roupagem. Isto causou muitas dificuldades para o Partido dos Trabalhadores que, 
13 
 
mesmo tendo vencido por pouco no Executivo acabou sofrendo uma grande derrota nos 
resultados da ocupação do poder legislativo (Silva, 2015). 
Mesmo assim o processo de ataque aos projetos de esquerda continua em 2015. Agora 
ainda mais focados no combate à corrupção e já preparando o terreno para o golpe 
parlamentar do ano seguinte. A atual crise orgânica, assim como a própria dinâmica de 
horizontalidade das redes sociais, permite que setores mais reacionários da direita consigam 
alcançar mais pessoas, chegando, assim, ao cenário atual, quando presenciamos crescimento e 
grande adesão das páginas de direita, utilizadas para organizar a população em torno de pautas 
restauradoras que vão desde a perseguição às minorias até o retorno da ditadura. Mesmo que 
algumas estas pautas não sejam majoritariamente aceitas pela população, é digna de nota a sua 
rápida popularização nos últimos anos. (Silva, 2015) 
A internet, por se estabelecer como um novo espaço social de comunicação, possibilita 
várias ferramentas de divulgação ideológica para além do Facebook. Chamaremos atenção 
também para a importância do Youtube, uma das maiores plataformas de divulgação de 
vídeos do mundo, contando com mais de um bilhão de usuários. Assim como o Facebook, o 
Youtube tem visto um grande crescimento nas páginas de direita nas suas várias dimensões 
tanto no Brasil quanto no exterior. O caráter que estas páginas assumem no youtube, 
entretanto, é distinto, visto que apresenta elementos muito mais personalistas do que na 
maioria das páginas do outro site. Aqui vemos os youtubers em suas próprias casas, formando 
suas narrativas de forma muito mais pessoal e alguns deles chegam até mesmo a desenvolver 
uma relação com os seus seguidores. (Souza, 2016) 
Mesmo não havendo uma concordância total entre todos os youtubers de direita, ainda 
podemos perceber que tais sujeitos são em grande parte membros da pequena burguesia, que, 
ao entrar em contato com esta mudança nas formas de produção e divulgação da comunicação 
14 
 
audiovisual, a utiliza para compartilhar sua leitura da realidade e se apropriar desta ferramenta 
na batalha das ideias. Ao mesmo tempo em que os vídeos da plataforma têm esta função, 
gostaríamos de não secundarizar as suas possibilidades enquanto narrativas que permitem 
melhor analisar como se deu este processo de guinada à direita da consciência de parte da 
população evitando que tudo seja entendido apenas como um processo mecânico e automático 
de relação entre classes aonde os apoiadores de retrocessos políticos são reduzidos às imagens 
caricatas de “coxinhas”. (Souza, 2016) 
Retomando categorias Gramscianas, o Youtube vem se estabelecendo enquanto um 
aparelho privado de hegemonia, construindo significações possíveis para a crise de 
hegemonia atravessada pelo Brasil. Os elementos específicos do youtuber, assim como do 
próprio meio de comunicação em rede, entretanto, nos fazem pensar sobre como pode se dar a 
atualização de tais categorias para a atualidade. Entendendo o potencial político de tais 
ferramentas, que têm se revelado fundamentais para a disputa de ideias no século XXI, cabe 
nos questionarmos sobre a relação da popularização - pensada como parte de um processo 
muito maior e que não se resume ao Youtube - de determinadas ideias no período posterior ao 
Golpe. (Gramsci, 2011) 
Compreendemos a significação dos eventos na mídia como um terreno chave na 
disputa pelo consenso. Terreno aparentemente fragmentado nas redes sociais pelo fato de lidar 
com diversos operadores, que muitas vezes chegam até a discordar entre si, mas cujas alianças 
se tornam mais evidentes quando pensamos nas suas relações de classe. Tais sujeitos não têm 
como objetivo enganar a classe trabalhadora, pois eles mesmos acreditam em tais leituras 
guiados por suas experiências de classe ou pela identificação com os valores da classe 
dominante. Entender as possibilidades do Youtube enquanto aparelho privado de ideologia 
nos parece um ponto de partida que coloque no centro da questão os meios obscuros através 
15 
 
dos quais a classe operária é traga por tais processos, sendo que ela não compartilha das 
experiências que constroem a leitura ideológica da classe dominante. Utilizamos desta 
perspectiva para buscar compreender como o Youtube pode ser utilizado para legitimaras 
operações do poder estatal e participar dos processos de construção do consenso em relação 
com outras formas de imprensa. 
Escolhemos youtubers de direita por estes terem uma carga ideológica diretamente 
relacionada com a classe dominante, o que parece revelador o potencial que tal ferramenta 
tem para passar alguma idéia mesmo quando ela se apresenta como tão distinta das 
experiências da maioria da população. É importante lembramos que o consenso não se resume 
à mesma forma de interpretação da realidade, mas também envolve projetos societários e 
propostas que muitas vezes vão totalmente de frente aos interesses da classe trabalhadora. 
Desta forma, procuramos acumular a discussão acerca da atual conjuntura de avanço 
do conservadorismo a nível global e nacional, pensando em ferramentas e práticas que 
possam permitir que os setores mais liberais da sociedade consigam disputar mais ativamente 
a consciência da classe proletária. 
1.2 – Alinhamento Metodológico 
Este trabalho é de orientação marxista, o que demanda uma análise dos dados rigorosamente 
baseada em um materialismo que opere dialeticamente, compreendendo as limitações tanto do 
positivismo quanto do idealismo, fortes correntes das ciências sociais. Tal perspectiva parece 
tão central no pensamento marxista que Lukács chega cogitar que o núcleo do que ele define 
como Marxismo Ortodoxo, antes mesmo de serem as conclusões marxianas sobre a sociedade 
burguesa, é o seu método, são as ferramentas de construção do conhecimento que Marx nos 
legou. (Lukacs, 2003) 
16 
 
A construção do conhecimento em Marx é alinhada com uma concepção teórico-
metodológica na qual, como não poderia deixar de ser para uma ciência dialética, o próprio 
objeto da pesquisa direciona a forma como a sua crítica se dará, tudo isto a partir de um 
movimento em espiral de duplo desenvolvimento, pois à medida que novos conhecimentos 
sobre o objeto vão sendo apreendidos amadurece também a compreensão sobre a forma como 
nos aproximamos dele. O novo elemento em Marx vem da percepção que a construção dos 
conceitos para leitura da realidade não é derivada de um puro vaivém dialético entre ideias, 
mas sim um movimento que não pode deixar de passar pela materialidade que cerca o sujeito. 
(Netto, 2011) 
Diante de tal unidade teórico-metodológica, são raros os momentos da obra de Marx em que 
ele trata especificamente sobre questões de método, estando a maioria das suas aproximações 
com o tema inserida dentro de uma reflexão que tomava em conta o próprio conhecimento 
enquanto objeto. Nestas discussões, Marx se aproxima do conhecimento teórico enquanto um 
tipo específico de conhecimento distinto da arte e do conhecimento do cotidiano, por 
exemplo, pois ele busca capturar o real com máxima fidelidade para o plano ideal, dos 
pensamentos. Devemos admitir, até aqui nada de radicalmente novo para as discussões sobre 
o que é o saber. (Netto, 2011) 
Marx, a partir de sua influência hegeliana, sublinha a necessidade de um papel ativo do 
pesquisador neste processo de passagem do plano material pra o plano das ideias, visto que, 
por compreender o corpo social enquanto uma totalidade na qual o sujeito que pensa está 
inserido, este deve se aproximar de forma crítica dos objetos que estuda. Não devemos, então, 
pensar no papel do pesquisador como alguém inerte, participando de um processo de tradução 
automática entre o real e o ideal, mas como um sujeito ativo, que devera se utilizar de diversas 
ferramentas para poder revelar a verdadeira essência do objeto de estudo, que se encontra em 
17 
 
sua estrutura e dinâmica, nunca evidentemente aparentes. Afinal, caso essência e aparência 
fossem indistinguíveis não haveria nem mesmo a necessidade de se construir pesquisas. 
(Marx, 2008; Netto, 2011) 
O papel ativo do pesquisador também é advindo da crença marxista em uma impossibilidade 
de se colocar de forma neutra diante da produção do conhecimento, diferente do 
posicionamento das ciências positivistas. O pesquisador é construído na mesma sociabilidade 
que seu objeto, devendo se aproximar criticamente também de suas próprias implicações para 
que possa se posicionar diante das contradições com que lidará. Na sociedade atual, como 
exemplo e embasamento de discussões posteriores, podemos falar na luta de classes, o que 
anula qualquer sonho de uma ciência social que possa se colocar enquanto “neutra”. (Marx, 
2008; Netto, 2011) 
Tais apontamentos evidenciam a direção da crítica de Marx à construção do conhecimento, 
que buscava evidenciar seus fundamentos e limites como ponto de partida. Não como crítica 
de valor, mas como forma de entender sua estrutura, sua dinâmica, procurando pensar em 
formas de capturar a realidade de forma o mais fiel e comprometida o possível, 
principalmente por entender a responsabilidade de quem, não mais seguindo a tradição 
filosófica de apenas interpretar o mundo, buscava transformá-lo. (Marx, 2008; Netto, 2011) 
A partir deste esboço de crítica, surge a questão: Quais então os fundamentos marxianos para 
a apreensão da realidade? Como podemos nos aproximar do objeto, com quais ferramentas e 
pressupostos? 
Partimos aqui da interpretação que entende o método em Marx como uma tentativa exitosa de 
reler a dialética hegeliana a partir de elementos materialistas e históricos. Importante dizer, o 
objetivo de estudo de Marx é a sociedade burguesa, na qual ele estava inserido. Ele se propõe 
18 
 
a entender sua estrutura e dinâmica dentro de uma totalidade complexa, construída 
historicamente pelas ações individuais dos sujeitos que em conjunto constroem a história da 
humanidade, do gênero humano. (Marx, 2008; Netto, 2011) 
 
Esta história se concretiza em relações materiais entre os sujeitos, relações que continuam a 
existir de forma independente de cada sujeito individual, existindo em relação com a sua 
dinâmica coletiva. Há então, um critério da verdade para o pensamento marxiano, não estando 
esta dependente da perspectiva do sujeito que a pensa. Este critério é a prática social 
embasada em uma materialidade histórica do gênero humano. (Marx, 2008) 
A história não se constrói em uma tautologia, mas em um movimento de contradições que 
engendram e são engendradas pela materialidade de uma complexa totalidade – que é 
diferente de um todo formado por partes diversas – formada por outros complexos que 
interagem incessantemente entre si afirmando e lidando com contradições que os 
impulsionam à mudança. (Marx, 2008; Netto, 2011) 
Tais complexos por diversas vezes são pensados de forma abstrata, separados da totalidade 
social que atravessa todos os seus momentos. Marx de fato acredita que, em determinado 
momento, se faz necessária a abstração do objeto de pesquisa de forma a pensado 
isoladamente e perceber quais suas categorias principais, mas faz questão de sublinhar o fato 
de que tais categorias sempre são historicamente determinadas e transitórias, não havendo leis 
eternas na sociedade, mas construções mutáveis e correlatas com sociabilidades específicas. É 
necessário, então, sempre um caminho de volta, no qual as implicações e tendências históricas 
são levadas em conta para entendermos como a estrutura e a dinâmica do objeto de estudo se 
desenvolvem e materializam no momento da pesquisa. Isto é real tanto para a dinâmica do 
trabalho quanto para complexos mais intangíveis, como a cultura e seus aparelhos. Para Marx, 
19 
 
concreto não é algo sólido, mas sim algo pleno determinações, distinto das abstrações 
necessárias nos primeiros momentos da pesquisa. (Marx, 2008) 
Cabe então, nas ciências sociais, sempre pensarmos em qual momento histórico o objeto de 
pesquisa se concretiza, quais tendências lhe atravessam e como ele se encaixa dentro da 
totalidade de uma sociedade em constante luta de classes em torno dos espólios da produção 
Isto, em si, já é parte da pesquisa, pois evidencia determinadas implicações queajudarão a 
pensar o objeto de forma concreta. 
É importante sublinhar, para encerrar esta breve discussão acerca do método em Marx, que as 
contradições que, em conjunto com as ações humanas, operam a história na concepção 
marxista, não se apresentam em relações diretas, mas através de mediações que articulam os 
distintos complexos de totalidades que constroem a totalidade mais elaborada que é a 
sociedade burguesa. São tais mediações que permitem que a sociedade burguesa seja uma 
totalidade tão diversa e variada, protegida de suas próprias contradições. (Netto, 2011) 
Evidentemente, Marx não pensou em uma metodologia tal qual exigida pelas associações 
científicas de nossos tempos, este não poderia nem mesmo ser um objetivo seu, mas em seus 
escritos percebe-se uma rigorosa atenção pra com a relação e o trato de seu objeto a partir de 
categorias que amadurecem durante os mais de 50 anos de escrita que ele nos legou. O que 
cabe ao pesquisador contemporâneo que busca se apropriar de sua leitura da realidade é estar 
ciente das mudanças que a sociedade atravessou desde o fim do século XIX e refletir sobre 
como as tendências históricas influenciam as categorias pensadas não só pelo próprio Marx, 
mas também pelos seus leitores e comentadores, número de pessoas que não é pequeno, 
devido às inquietações provocadas pelas suas ideias. Devemos, então, nos tornamos cientes 
dos desafios de nossos tempos e utilizar a teoria marxista como uma ferramenta de lida com 
tais desafios, sempre cientes da prática necessária para mudar o mundo, que não pode ser 
20 
 
pensada em nenhum outro momento além daquele no qual as próprias contradições da 
sociedade emergem. 
MÉTODO 
A partir disto, nosso objetivo geral é discutir sobre a função social do Youtube na crise de 
hegemonia que se estabeleceu no Brasil na derrocada do projeto socialdemocrata petista. 
Para concretizar tal objetivo, a pesquisa tem os objetivos específicos de discutir sobre as 
determinações que levaram a tal crise e ao golpe de 2016; pensar o Youtube na da dinâmica 
de disputa de hegemonia engendrada pelas relações sociais dentro da lógica neoliberal; 
analisar a relação entre os discursos dos grupos de canais do Youtube que participam 
ativamente desta disputa com os argumentos defendidos tradicionalmente pelas diversas faces 
da direita. 
A presente pesquisa tem inspiração no método desenvolvido por Marx, o Materialismo 
Histórico, e trata-se de uma pesquisa documental, analisando documentos audiovisuais a 
partir de categorias que nos permitiram entender o contexto em que as falas foram produzidas 
e sua função social para que posteriormente pudéssemos analisar os documentos audiovisuais 
dentro deste contexto, deste conjunto de relações sociais. Acreditamos que tal tipo de estudo 
pode estabelecer uma percepção mais profunda e interpretativa com o tema estudado. 
Categorias como Classes, Estado, Sociedade Civil, Liberalismo e Conservadorismo foram 
retiradas da literatura marxista e têm como fundamento a compreensão da realidade a partir de 
uma dinâmica dialética e materialista, elas não foram as únicas utilizadas, havendo uma 
expansão nas categorias que fundamentaram o trabalho à medida que fomos entendendo esta 
necessidade. 
21 
 
Utilizaremos como fonte de informação, vídeos disponíveis no Youtube em 31 de outubro de 
2019, data da coleta de dados para a pesquisa. Com o objetivo de analisar vídeos alinhados 
com o espectro político da direita, buscamos uma variedade nos discursos, analisando a defesa 
de diferentes frações do conservadorismo. Partimos de conceitos estabelecidos pela literatura 
para entender as diferentes faces deste grupo, que não se apresenta como homogêneo, 
principalmente em um período de disputa de hegemonia, aonde todas as frações disputam 
entre si. 
Baseados também no número de seguidores e no número de compartilhamento de vídeos, de 
início selecionando os seguintes canais como possíveis objetos para a pesquisa: Nando 
Moura, com 2.260.038 seguidores; Mamãe Falei, com 1.334.775; Eguinorante, canal com 
646.671 seguidores; Ideia Radicais, que conta com 415.706; MBL, com 339.938 seguidores; 
Padre Paulo Ricardo, que apresenta 380.153 seguidores; Bernardo P Küster: canal que tem 
237.280 seguidores; Gosto de Armas, com 204.296 seguidores; e Bob Nunes, um canal com 
118.489 seguidores. 
Com o tempo esta lista foi se modificando, retiramos o canal Eguinorante, pois ele é um canal 
de reações, que não produz conteúdo próprio e tem o alcance dos outros, retiramos o canal do 
Padre Paulo Ricardo, pois Bernardo P Küster já trazia falas baseadas no catolicismo e tinha 
relação mais íntima com Jair Bolsonaro, e, por fim, retiramos também o canal Gosto de 
Armas, por ser um canal que trata mais de reviews de armas de fogo, e o canal Bob Nunes 
pelo reduzido número de seguidores. 
A lista final de canais, com o número de seguidores que apresentava em 31 de outubro de 
2019, foi: Nando Moura, com 3,33 milhões de seguidores; Mamãe Falei, com 2,62 milhões de 
seguidores; Jair Bolsonaro, com 2,6 milhões de inscritos; MBL, com 1,27 milhões; Joice 
Hasselmann TV, com 1,08 milhões; Giro de Notícias, com 1 milhão de seguidores; Olavo de 
22 
 
Carvalho, com797 mil inscritos; Bernardo P Küster, com 796 mil seguidores; O Antagonista, 
com 597 mil seguidores; Ideias Radicais, com 581 mil inscritos; e Dois Dedos de Teologia, 
com 475 mil inscritos. 
Os vídeos canais foram sendo adicionados a partir de sua popularidade, das relações que 
estabelecem uns com os outros e do tipo de discurso que levantam, pois procuramos evitar o 
uso de muitos canais que representassem o mesmo setor da direita. O próprio número de 
seguidores já nos revelou um dado importante, pois enquanto o menor dos canais tem 475 mil 
seguidores, os canais de esquerda alcançam um número bem menor. Discutindo páginas de 
partidos, o PT alcança 154 mil inscritos, enquanto o PSOL tem 9 mil. Sobre editoras: a 
editora Boitempo tem 266 mil seguidores e a Expressão Popular tem 3,27 mil. Nem mesmo os 
maiores Youtubers de esquerda como Jones Manoel, com 139 mil seguidores, e Sabrina 
Fernandes, com 354 mil, alcançam o último canal da lista, o que nos mostra o quando a direita 
conseguiu sucesso na ocupação deste espaço e no engajamento de seguidores. 
A partir de tais canais, buscamos entender como se organiza a rede de representantes 
ideológicos do projeto societário vigente no Brasil atual, os separando em grupos e 
procurando, sempre em diálogo com a literatura, entender quais os argumentos que os 
sustentam e como estes se relacionam com a materialidade em disputa. Estes grupos 
originalmente se apresentavam como “saudosos da ditadura”, “ultraliberais”, “cristianismo 
conservador”, “empreendedorismo autoajuda”, mas durante a pesquisa eles se rearticularam 
em “Jornalistas”, “Liberais”, “Homens de Fé” e “Patriarcas” a partir da função social que 
ocuparam na disputa de Hegemonia. Cabe dizer que mesmo distintos eles ainda compartilham 
alguns argumentos centrais na defesa do projeto de restauração do poder da classe dominante, 
como um exacerbado ódio a tudo que lembre direitos trabalhistas, apoio ao projeto 
23 
 
imperialista estadunidense e defesa do protagonismo do capital em todas as esferas da vida 
social. 
O próprio processo de escolha dos vídeos já se apresenta enquanto momento de acúmulo de 
dados, visto que exigiu uma análise extensa de tais documentos audiovisuais e não deixou de 
desencadear reflexões por parte do pesquisador, aonde as categorias acumuladas na etapa 
teórica serão reelaboradas a partir do objeto de estudo. Por conta da alta produtividade de 
cada canal, escolhemos apenas cinco vídeos de cada um para serem analisados, cada um deles 
escolhido entre os 10 mais populares do canal à época que a colheita de dados foi feita, 
buscando variedade de temas e maior intervalo temporal entre cada um deles. 
A análise da relação entreas categorias apresentadas por cada vídeo e suas relações com os 
deslocamentos de grandes massas para posições mais conservadoras do que se deu em 
períodos anteriores, tal como a recente popularização do anticomunismo, não se dará com o 
ímpeto de acreditar ser possível encontrar em tais vídeos as raízes únicas de tal mudança, mas 
de discutir como estes canais se encaixam e existem dentro de uma totalidade dinâmica que 
levanta diversas demandas para seus atores e serve de cenário para uma disputa constante 
entre as suas classes fundamentais. 
Utilizamos também a página socialblade.com, para entender com o número de seguidores e 
visualizações destes canais se alterou durante o tempo, articulando estas flutuações com os 
acontecimentos históricos que permearam cada momento. 
Este é o caminho pelo qual pretendemos seguir sobre as questões aqui levantadas, acreditando 
ser possível que a partir dele consigamos apontar para possíveis respostas em consonância 
com as demandas do tempo as quais vivemos e pensamos. Dito isto, partamos ao corpo texto 
sem mais delongas. 
24 
 
2 – Estado, Luta de Classes e Crise 
2.1 – Estado Ampliado e Aparelhos Privados de Hegemonia 
Marx e Engels são implacáveis ao tratarem do Estado em seu Manifesto do Partido 
Comunista, afirmando que “O Executivo no Estado Moderno não é senão um comitê para 
gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. A despeito desta obra ter à sua 
disposição um tamanho muito aquém do necessário para tratar deste tema com profundidade, 
fato decorrente de seu objetivo primariamente panfletário, acreditamos ser possível encontrar 
nele diversos conceitos centrais do pensamento marxiano, mesmo que ainda em caráter 
embrionário por conta do momento em que se encontrava a maturação do pensamento de seus 
autores. Tais conceitos e suas implicações foram desenvolvidos de forma mais aprofundada 
nas suas obras posteriores, mas já vemos revelada nesta afirmação uma percepção reveladora 
da função e dinâmica do Estado dentro da sociedade de classes. (Hobsbawn, 2013; Marx & 
Engels, 2005) 
Esta afirmação marxiana denota uma divergência radical em relação aos apologistas 
do Estado Burguês. Através de um conjunto de argumentos que buscam naturalizar a 
sociedade de classes e sua organização no modo de produção capitalista, estes autores tentam 
legitimar a democracia burguesa, acreditando na possibilidade de um Estado que, em sua 
atuação, não penderia a favor de nenhum grupo social, como classes ou raças. Muitos chegam 
até a defender que o Estado que não deve levar em conta a existência de classes e suas 
especificidades, argumentando que esta separação teria um caráter ideológico e 
antiproducente, criando interferências artificiais no Mercado e impedindo que o capitalismo 
se desenvolvesse totalmente. O Estado Moderno, então, existiria para além da luta de classes, 
unificando todos os seus membros - seus cidadãos - de forma idêntica, universal, como no 
25 
 
exemplo da Constituição brasileira, na qual todos são, afinal, iguais perante a lei de forma que 
nenhuma distinção deverá ser levada em conta. (Brasil, 1988; Mascaro, 2013; Mascaro, 2015) 
Ainda de acordo com a tradição de pensamento liberal, as diferenças entre as pessoas 
se dariam por consequência de decisões individuais, sejam suas ou de quem lhes cercam. A 
função do Estado se resumiria garantir os direitos mínimos para que todos os seus membros 
encontrassem à sua disposição a possibilidade de sucesso financeiro, forma principal como a 
qualidade de vida é acessada dentro de uma sociedade capitalista. Tal discurso centrado no 
indivíduo em tal nível de independência do social encontra abrigo no pensamento de diversos 
grupos políticos, estando presente até mesmo no pensamento de grupos que se identificam 
com teóricas sociais críticas, como em setores mais liberais da “esquerda”. Nestes casos, a 
disputa com os conservadores se dá em torno da definição e limites destes “direitos mínimos”, 
não havendo real interesse na reformulação radical do Estado e da sociabilidade que o 
retroalimenta. (Engels & Kautsky, 2012; Gruppi, 1996; Souza, 2016) 
Isto deriva de um entendimento liberal da realidade, concepção esta em que o sujeito é 
visto como potencialmente livre na sociedade capitalista, havendo apenas a interferência 
externa, principalmente do Estado, nesta liberdade. Pra legitimar tal visão de mundo, na qual 
os espaços externos à instituição estatal, ou a sociedade civil, seriam a arena da liberdade, é 
preciso que o Estado seja entendido como uma esfera que existe aparte, ou até mesmo em 
oposição, da sociedade civil. O Estado, para os liberais, não apenas não serve aos interesses 
da burguesia como muitas vezes age diretamente contra estes interesses. Esta visão continua 
sendo apoiada por diversos atores políticos na atualidade, sustentando, por exemplo, 
comentários cada vez mais comuns de que qualquer intervenção estatal seria prova deste ser 
um Estado socialista. (Jr, 2017; Mascaro, 2013; Oliveira, 2018) 
26 
 
Aqui é importante sublinharmos que esta divergência entre liberais e marxistas, assim 
como a disputa de projeto societário que ela ilustra, não se dá puramente no campo das ideias, 
mas principalmente em um conjunto de práticas sociais concretas que legitimam as mesmas. 
No caso do pensamento liberal, a divulgação e aceitação de suas ideias se intensificaram com 
a ascensão do neoliberalismo notada nas últimas quatro décadas do século XX, nas quais o 
mote carregado desde a revolução francesa por “Liberdade, Fraternidade e Igualdade” não 
teve mais necessidade de carregar vestígios de um momento em que a burguesia precisou se 
aliar com as classes subalternas e se tornou apenas o grito por “liberdade”, com o adendo de 
que liberdade no discurso neoliberal apenas faz sentido quando associada ao direito por 
propriedade tal qual é concebido dentro da lógica capitalista. (Boschetti, Behring, Santos & 
Mioto, 2010; Marx & Engels, 2007; Mészáros, 2011) 
A intensificação dos elementos de produção de valor da sociabilidade capitalista 
desencadeada pelo neoliberalismo foi também a intensificação de sua reprodução social, 
sendo esta cada vez mais afirmada pelos ideólogos da burguesia como a forma “natural” de se 
organizar as relações humanas, o que teve intensas consequências no âmbito do senso comum 
e no caldo cultural da atualidade. Nesta interpretação, é estritamente na sociedade civil que o 
ser humano poderia seguir seus instintos naturais, sua liberdade, longe das restrições impostas 
pelo Estado em nome de uma coletividade não natural. Dentro desta lógica, a determinação 
por parte do Estado de questões como salário mínimo ou teto do tempo de trabalho semanal é 
entendida um ataque à liberdade dos cidadãos. Entendimento que coincide perfeitamente com 
as intenções da burguesia de intensificação da expropriação do valor produzido pelos 
trabalhadores e do fortalecimento do poder da classe dominante. (Boschetti et al., 2010; 
Gruppi, 1996; Marx & Engels, 2007) 
27 
 
Importante dizer: a concepção liberal do Estado pode se concretizar de diversas 
maneiras distintas, que podem até mesmo ser impulsionadas projetos societários que disputam 
entre si, desde social-democratas, que entendem que o Estado pode ser transformado sem uma 
mudança radical no modo de produção, até extremos como grupos anarcocapitalistas, que 
defendem a redução total do Estado, deixando até mesmo que a garantia das necessidades 
básicas de sobrevivência obedeça às “leis naturais do mercado”, que seriam reguladas 
naturalmente pela “mão invisível”. Entre estes dois posicionamentos existe todo um diverso 
leque de grupos políticos que fazem as mais distintas leituras da sociedade e da função do 
Estado, mas sempre compartilhando da compreensão de que o Estado e da sociedade civil são 
esferas, em menor ou maior grau, independentes uma da outra. (Boschettiel al., 2010; Gruppi, 
1996) 
Emcontraste a isso, no referencial marxista buscamos superar a naturalização de 
elementos historicamente produzidos de nossa sociedade, entendendo o Estado e a Sociedade 
Civil modernos como distintos momentos de um mesmo processo histórico de produção e 
reprodução da sociabilidade decorrentedo modo de produção capitalista. Assim, mesmo que 
cada um tenha uma função específica neste processo e se utilize de diferentes instituições e 
ferramentas para concretizá-la, eles não poderiam existir de forma independente ou 
inerentemente antagônica, sendo necessário o entendimento da função social de ambos dentro 
de um processo global para que possamos compreender de que forma se dá, concretamente, a 
dinâmica desta relação. (Gramsci, 2011; Marx, 2005; Mascaro, 2013) 
É a partir deste debate sobre a dinâmica entre Estado - ou, na definição Gramsciana, 
Sociedade Política - e Sociedade Civil na reprodução do capitalismo que pretendemos iniciar 
nossadiscussão. Buscamos um acúmulo teórico que nos permita refletir sobre tal relação 
enquanto discutimos como a lógica capitalista atravessa a estruturação e atuação de ambos, 
28 
 
assim como as possibilidades e limites de sua autonomia e influência mútua. É a partir de tais 
elementos que poderemos nortear os debates levantados nos tópicos seguintes. 
O Estado Moderno se apresenta falsamente como um “ente terceiro” na luta de classes, 
não representando - pelo menos formalmente - nenhuma das classes fundamentais desta 
sociedade. Isto é algo único na história dos governos e gestões da vida social das sociedades 
divididas por classes, pois a classe dominante sempre exercia controle direto sobre a 
sociedade. Tal especificidade leva alguns autores, como Alysson Mascaro, a considerarem 
que as formas de controle e gestão sociais anteriores não eram Estados em si, entendendo 
apenas o Estado Moderno a forma verdadeira de Estado, sendo que seu reaproveitamento de 
antigas instituições, como prisões, parlamentos, conceito de nação, etc... não garantiriam por 
si uma continuidade das antigas concepções de governo. (Mascaro, 2013) 
Não há espaço neste trabalho para discutir os prós e contras da afirmação de Mascaro, 
mas o fundamental aqui, ainda de acordo com a tradição marxista, é que o Estado tem uma 
função muito clara e que não se resume a produzir práticas sociais que legitimem a visão de 
mundo da classe dominante através de práticas coercitivas, e sim que ele existe como uma 
resposta à contradição entre as classes fundamentais do modo de produção de forma que suas 
instituições são criadas para “harmonizar” a sociedade, reduzindo os atritos causados pela 
exploração consequente de cada modo de produção. Grosso modo, enquanto a sociedade for 
cindida em classes é necessária a existência de um Estado que institucionalize e faça a gestão 
da dinâmica desta exploração, permitindo a sua existência prática. (Engels, 2012; Gruppi, 
1996; Marx, 2005; Mascaro, 2015) 
Desta forma, o Estado, ao ser uma esfera que exerce seu controle diretamente sobre a 
população, é lido por autores das tradições mais diversas como a raiz do problema sobre o 
poder. As revoluções burguesas compartilham desta visão ao centralizarem a origem de seus 
29 
 
problemas sociais na relação do Estado absolutista com a Sociedade Civil evidenciando a 
construção histórica do Estado, mas naturalizando a divisão da sociedade por classes, 
acreditando que o fim da história se dá no momento em que se estabelece um Estado que atue 
de forma coerente com os interesses da burguesia. Porém, na atualidade a questão do poder 
ainda persiste na Sociedade Civil, na qual as distinções neste sentido são vistas como 
consequências das diferenças individuais entre os sujeitos, legitimando, a partir da “opinião 
pública”, inclusive os exercícios de poder por parte do Estado. A emancipação na sociedade 
capitalista, dentro desta lógica, não pode ser total, pois se resume apenas à emancipação 
política, enquanto acreditamos que a verdadeira emancipação humana só poderia ser 
alcançada por uma sociedade sem classes sociais que não mais necessitasse de nenhuma 
instituição que lhe sustentasse com mecanismos coercitivos. (Boschetti et al., 2010; Gramsci, 
2011; Marx, 2010) 
A partir disto, acreditamos que o Estado Moderno ainda ocupa a função social do 
Estado tradicional, que possibilita a exploração de classes subalternas pela dominante a partir 
de aparelhos de estruturação e gestão das contradições inerentes à esta exploração, porém, 
apresentando especificidades na forma como ele se concretiza e na forma como ele será 
ocupado. Tais especificidades encontram-se na já citada e inédita não-ocupação direta do 
Estado pela classe dominante, que faz com que ele se apresente como um campo neutro, 
contando com a sua aparente disputa, em igualdade de condições, por grupos de “cidadãos 
livres”, mônadas individuais que se unem em torno de projetos societários, e que será 
eventualmente ocupado através do rito democrático pelo grupo que conseguir representar às 
demandas da maioria da população. Desta forma, o Estado pretende unir todas as classes sob a 
identidade de cidadão, sob a bandeira da nação, que busca o melhor para todos e, ato 
contínuo, ignora a exploração e as contradições inerentes às sociedades divididas por classes. 
30 
 
O Estado dos Senhores que existia até o absolutismo toma agora a forma de um Estado Sobre 
Todos. (Gramsci, 2011; Mascaro, 2013; Mascaro, 2015) 
A superação da visão liberal do Estado, desvelando a função social desta esfera, nos 
parece um bom começo para a resposta à questão de “Como pode o Estado Moderno ser um 
comitê para gerir os negócios de toda a classe burguesa se sua gestão pode também ser 
ocupada pelo proletariado?”, porém, tal resposta não se esgota apenas neste contra-
argumento, havendo muito ainda a ser discutido no que diz respeito à dinâmica do Estado 
capitalista na atualidade e nas suas diferentes possibilidades de estruturação, seja Fascismo, 
Laissez Faire ou Estado de Bem-Estar Social, por exemplo. 
O surgimento das estratégias com as quais o Estado Moderno cria e desenvolve o seu 
conceito de emancipação só faz sentido quando pensado dentro do leque de soluções possíveis 
para um burguês construindo sua crítica à sociedade medieval a partir de suas práticas sociais 
de classe e das concepções que lhes sustentam. No momento em que a sociedade europeia 
começa a se modificar em direção a um conjunto de relações sociais hegemonicamente 
burguesas, a forma estatal absolutista - que floresceu na Idade Média sob o domínio da 
nobreza feudal - e sua estrutura de leis revelaram sua incapacidade de permitir o 
desenvolvimento de uma forma de produção tão dinâmica como o capitalismo - assim como o 
estabelecimento de uma classe dominante que não a nobreza -, se tornando um verdadeiro 
empecilho para a burguesia enquanto esta ocupava o papel de classe revolucionária. Assim, o 
controle estatal pautado em uma hierarquia social tão estagnada estava limitando os negócios 
burgueses, sendo visto pelos principais porta-vozes da ideologia burguesa como um inimigo 
da liberdade. Desta forma, é a partir das questões levantadas pela burguesia enquanto classe 
revolucionária sobre o Estado Medieval que é concebido o Estado Moderno. (Boschetti et al., 
2010; Gruppi, 1996; Mascaro, 2013) 
31 
 
Então, assim como mesmo os atos humanos que parecem mais insensatos são sempre 
motivados por concepções da realidade e conceitos que lhe justificam, o que faz Gramsci 
retomar a ideia Croceana de que “todo homem é um filósofo”, a sociabilidade capitalista é 
embasada em uma cosmovisão que germinou as suas instituições. Cosmovisão esta que 
condiz com a concepção de mundo produzida de forma a legitimar as práticas burguesas, a 
partir de então universalizadas como uma verdade para todos os círculos da sociedade, mesmo 
os não burgueses. O Estado moderno compartilha das mesmas raízes ideológicasque a visão 
de mundo burguesa, elegendo a partir daí aquilo que será transformado em lei, naturalizando e 
cristalizando as relações sociais na forma como elas se dão para esta classe. (Gramsci, 1999; 
Gramsci, 2011; Mascaro, 2013) 
A burguesia, ocupando o papel social de classe revolucionária, não encontra outra 
alternativa no combate à sociedade feudal do que criar um mundo a sua imagem e 
semelhança. O mercador tradicional, diante da tarefa de construir um estado a partir de suas 
demandas, lê toda a sociedade através da forma social da mercadoria, onde tudo pode ser 
vendido, inclusivea força de trabalho, e nada poderá escapar de ter um valor, de se tornar útil 
à reprodução do capital. Não à toa,é na mercadoria que Marx encontra a forma irredutível no 
capitalismo, questão que revela sua verdadeira dimensão quando pensamos na relação desta 
centralidade na mercadoria em sociedades capitalistas com a necessidade de reprodução social 
contínua encontrada em qualquermodo de produção. (Boschetti et al. 2011; Marx, 2013; 
Mascaro, 2013) 
Neste primeiro momento deteremos especial interesse na maneira como a forma 
mercadoria atravessa o direito e as leis, sendo este um conjunto de instituições notadamente 
relevante no debate a que nos propomos. O conjunto de leis burguês seria, assim como o 
Estado que o legitima, centrado na forma mercadoria, tendo como pedra fundamental o fato 
32 
 
do cidadão livre poder vender e comprar bens, inclusive a força de trabalho, a quem lhe 
interessar. Junto a isto se somam diversos outros pressupostos para o desenrolar adequado das 
relações capitalistas que sustentam o direito de venda e troca e formam o núcleo jurídico do 
Estado burguês, como o direito à propriedade individual dos meios de produção e a 
representação individual dos sujeitos em “pessoas jurídicas”. É dentro dos limites deste 
núcleo central de direitos que todos os outros se desenrolam, sempre secundários. A 
supremacia do direito de que tudo pode ser transformado em mercadoria acima do direito à 
direitos básicos como alimentação, educação e moradia pode ser vista em diversos momentos 
do mundo capitalista, sempre defendida pelos apologistas do sistema. (Marx, 2010; Mascaro, 
2013) 
O sistema jurídico capitalista é, então, centrado nos direitos do cidadão enquanto 
indivíduo que venderá ou comprará força de trabalho. Não poderia haver um sistema 
capitalista sem que houvesse também um conjunto de leis que permitissem que a mais-valia 
fosse extraída desta forma. A exploração do homem pelo homem através do modo de 
produção capitalista encontra seu imprescindível arcabouço jurídico no Estado Moderno, 
cujas próprias raízes de concepções de mundo e sujeito já se encontram impregnadas pelo 
fundamento ideológico do capitalismo. (Engels, 2012; Marx, 2010; Mascaro, 2013; Mascaro, 
2015) 
O Estado materializa tal fundamento ideológico através de um conjunto de instituições 
que moldam a vida social humana e direcionam as interpretações de suas relações. É através 
de suas experiências e ações individuais que o sujeito vai experimentar sua relação com a 
sociedade, é através também da troca de mercadorias que ele vai ocupar diversos espaços que 
atravessam a formaçãode sua subjetividade. São estas leis que vão mediar a sua existência 
com a realidade, estabelecendo suas ações dentro de um conjunto de possibilidades e limites. 
33 
 
Assim, as leis ao produzirem práticas sociais também reproduzem as crenças que a legitimam, 
construindo condições sociais de existência que nunca se contradizem com suas raízes 
ideológicas nem com as formas de propriedade que compartilham destas mesmas raízes, 
reforçando e naturalizando a lógica das relações capitalistas de tal forma que, como disse 
Marx (2015): “ergue-se toda uma superestrutura de sensações, ilusões, modos de pensar e 
visões da vida diversos e formados de um modo peculiar (...) o indivíduo isolado, a quem 
afluem por tradição e educação, pode imaginar que constituem os verdadeiros princípios 
determinantes e o ponto de partida do seu agir.”(Mascaro, 2013; Marx & Engels, 2007) 
Então, o arcabouço jurídico do Estado Moderno é uma das principais ferramentas para 
que este possa criar e gerir as relações sociais que favoreçam o capitalismo, uma das suas 
funções centrais. Desta forma, mesmo que com a aparência de um ente terceiro e neutro na 
luta de classes, o Estado Moderno acaba por funcionar como legitimador da visão de mundo 
da burguesia, lhe dando ferramentas que permitem que esta classe explore o trabalho do 
proletariado através de todo um conjunto de ritos legais que moldam a sociabilidade 
capitalista. A harmonia entre as classes que o estado democrático burguês propõe nada mais é 
do que a harmonia de cada uma com o papel que deve assumir para que persista a reprodução 
social do capital. (Gramsci, 2011; Mascaro, 2013) 
Neste ponto é necessário sublinharmos outra diferença entre o Estado Moderno e 
arranjos anteriores de dominação e gestão institucional da vida social, que éo fato de certos 
aparelhos ideológicos não se encontrarem mais sobre o controle exclusivo e imediato do 
Estado, apesar de ainda estabelecerem uma relação orgânica com o mesmo. Durante o 
estabelecimento do Estado Burguês, antigos aparelhos sob tutela do Estado, tais como igrejas 
e escolas, se tornam os modernos Aparelhos Privados de Hegemonia ao mesmo tempo em que 
surgem aparelhos totalmente originais e típicos desta nova forma de dominação, tais como os 
34 
 
partidos em sua forma contemporânea. Com este rearranjo a democracia burguesa se baseia 
na divisão metodológica e jurídica entre o Estado e a Sociedade Civil, apesar de tal divisão 
não chegar a ser orgânica, pois ambos apresentam a mesma função social, no caso, 
materializar as ferramentas necessárias para a reprodução da sociabilidade capitalista, o que 
nos leva a entender a dinâmica unificada de ambos como o “Estado Ampliado”. (Coutinho, 
2011; Gramsci, 2011; Mascaro, 2013) 
Na sociabilidade capitalista, o estado ampliado é bem mais dinâmico que nos antigos 
modos de produção, não podendo ser reduzido a um espaço institucional como o Estado, que 
representa uma tentativa de cristalizar os costumes de determinado momento histórico no 
formato de leis que se legitimam através da repressão. Se o Estado, não sendo mais algo 
natural ou da vontade de Deus, é agora construído historicamente por homens e mulheres de 
seu tempo, então é através dos “costumes” que ele encontrará legitimidade para exercer as 
suas ações, principalmente quando elas forem coercitivas. É no âmbito da Sociedade Civil que 
os costumes e senso comum se formam, ocorrendo processo de produção da cultura através de 
disputas pela hegemonia da sociedade. De tal forma, a classe dominante precisa também ser a 
classe dirigente na resolução das disputas pela hegemonia da Sociedade Civil, não podendo 
sustentar a sua dominação sem este controle. (Gramsci, 2011; Netto, 2006) 
A Sociedade Civil, por conta de sua função dentro da dinâmica do Estado ampliado, é 
o espaço fundamental da luta de classes. Nela ocorre a disputa pela hegemonia que subsidia as 
ações da Sociedade Política. Os indivíduos, mesmo quando atomizados pelo sistema jurídico 
burguês, encontram na Sociedade Civil a possibilidade de se identificar enquanto classes e 
grupos sociais específicos com interesses em comuns e desenvolver suas agendas políticas, 
dialogando, disputando ou se aliando com outros grupos que também tenham interesse em 
garantir (ou em contestar) a legitimidade desta formação social, assim como do seu Estado. A 
35 
 
Sociedade Civil funciona como uma esfera intermediária entre o Estado, pretenso 
representante de toda a população, e os indivíduos atomizados do mundo da produção. 
(Coutinho, 2011; Gramsci, 2011) 
O capitalismo, assim, inaugura esta separação ideológica manifesta entre Sociedade 
Civil e Sociedade Política, pois precisa dela para que osindivíduos atuem em um conjunto de 
relações independente do Estado, pelo menos ao nível do discurso, adquirindo a liberdade 
necessária para vender e comprar força de trabalho, materializando através de relações sociais 
um elemento fundamental da exploração sob os moldes capitalistas, a saber, a redução do 
sujeito à uma mercadoria definida pelo seu valor de troca. O empecilho deste arranjo é que os 
comportamentos humanos não podem mais ser controlados de forma direta e puramente 
coerciva pela classe dominante, mas ainda precisam ser produzidos de forma homogênea e 
baseada nos mesmos princípios para que esta sociabilidade continue a sua reprodução. Desta 
forma, privatizam-se as instâncias ideológicas, agora falsamente estabelecidas enquanto 
espaços de disputa independentes dos caminhos do Estado. Não à toa, é no momento em que a 
burguesia se fortalece enquanto classe que surge a ciência política clássica, atuando também 
nesta disputa de hegemonia e pretendendo pensar o funcionamento do Estado enquanto 
espaço separado da Sociedade Civil. A ciência política clássica surge como a tradução para o 
plano das ideias do projeto societário defendido pelas práticas da classe burguesa. (Coutinho, 
2011; Gruppi, 1996; Marx, 2013; Mascaro, 2013) 
Através da Sociedade Civil se estabelecem relações sociais de hegemonia, de direção 
político-ideológica, que complementam e legitimam a dominação estatal, garantindo o 
consenso dos dominados através de uma esfera relativamente autônoma em relação ao Estado. 
Isto ocorre em uma materialidade social própria, na qual podemos notar um conjunto de 
organismo e objetivações sociais que são distintas tanto daquelas do Estado como as da esfera 
36 
 
puramente econômica. Na Sociedade Civil lidamos com o campo da organização da cultura, 
não havendo um sem a outra, sendo a cultura de uma sociedade resultado desta trama 
complexa e pluralista da qual é formada a própria Sociedade Civil. Todo um sistema de 
instituições de disputa ideológica que funcionam nesta esfera serve para disputar e 
materializar o papel da cultura, do senso comum, na construção do consenso. Assim, a 
produção da cultura é também a sua própria reprodução. (Coutinho, 2011; Gramsci, 2011) 
A Sociedade Civil tem importância central na dimensão “ética” do Estado Moderno, 
capturando as outras classes para os valores e a concepção de mundo burguesa, não havendo 
mais a separação manifesta das classes em castas com diferentes relações com o Estado, mas 
reforçando uma dinâmica social aonde se entende a população, mesmo que separada em 
sujeitos individuais, enquanto um grupo homogêneo em que os sujeitos individuais estão 
sempre se movendo. A concepção burguesa da realidade, desta forma, propõe uma “vontade 
de conformismo” que seja condizente com a história ético-política criada por esta classe, 
aquela que naturaliza as relações pensadas sobre sua lógica de atuação. Na leitura liberal, a 
única casta seriam os membros do próprio Estado, que existiriam em antagonismo à 
população em geral, pensada, como já apontado, de forma homogênea e individualista, sem 
especificidades de classe, raça ou gênero. (Coutinho, 2011; Gramsci, 2011) 
Neste conjunto complexo de relações há destaque especial para os “Intelectuais”, cuja 
função social seria intervir na disputa de hegemonia enquanto dirigentes políticos. Com a 
introdução dos Aparelhos Privados de Hegemonia na dinâmica social, os intelectuais- que 
anteriormente se encontravam em uma situação ainda bastante dependente do Estado – podem 
agora atuar em instituições menos dependentes de sua dinâmica, testemunhamos o 
surgimentodos intelectuais de sindicatos, partidos e da imprensa, além de outros, podendo 
atuar até mesmo de forma contrária à logica do Estado, procurando despertar na população a 
37 
 
percepção sobre as limitações do Estado Burguês. Claro, o Estado e a classe dominante 
continuam elegendo e produzindo os seus intelectuais, que estão sempre dispostos a levantar 
argumentos apologéticos em relação à sociabilidade capitalista. Importante dizer que, mesmo 
que agora proliferem no espaço da sociedade civil - dito como privado - por conta da forma 
como a luta de classes se materializa nas relações dentro da mesma, não há intelectual ou 
ideia desorganizada dentro da totalidade social, surgindo daí o conceito de “intelectual 
orgânico”. Todo intelectual apresenta, logo, uma relação orgânica com a disputa pela 
hegemonia dentro da perspectiva de luta de classes. Basicamente, não há produção neutra de 
conhecimento. (Coutinho, 2011; Gramsci, 2011) 
Os intelectuais da burguesia, que estão interessados em defender a sociabilidade 
capitalista e a estrutura de exploração inerente à mesma, por mais que tenham argumentos 
muitas vezes subversivos, são profundamente reacionários, se colocando muitas vezes como 
conservadores exatamente pelo interesse de que tais relações sociais sejam conservadas, 
independente dos constantes fracassos e tragédias decorrentes da sociedade de classes. Muitas 
vezes eles conservam também outras esferas de dominação, se apegando a elas por razões 
variadas. Chamaremos os intelectuais alinhados com os interesses da classe dominante de 
“direita” neste trabalho e aqueles que buscam combater os valores que sustentam esta 
sociabilidade de “esquerda”. (Gramsci, 2011; Konder, 2009) 
Acreditamos que esta discussão sobre o funcionamento do Estado Ampliado possa nos 
ajudar a entender por quê Marx e Engels afirmarem que o Estado não passa de um comitê 
para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa. Ele se revela, a priori mesmo de sua 
atuação, como uma necessidade da sociabilidade capitalista, criando e gerindo diversos 
aparelhos que permitam que este sistema se desenvolva e continue o seu processo de 
reprodução social. Desde a concepção de direito centrada no indivíduo até a forma específica 
38 
 
deste momento histórico da relação entre Sociedade Política e Sociedade Civil, todos os seus 
elementos são pensados dentro da lógica da burguesia. Os debates sobre o maior ou menor 
tamanho do Estado não passam de debates sobre como a gestão da sociabilidade capitalista se 
dará, não se estabelecendo jamais, pelo menos enquanto se limitar aos elementos do Estado, 
enquanto um risco imediato para a mesma. Claro, ainda há um grande espaço de manobra 
dentro desta lógica, podendo inclusive se utilizar os aparelhos ideológicos do próprio Estado 
para disputar a hegemonia com a classe dominante, entretanto, a verdadeira ruptura com a 
sociabilidade capitalista só poderá se concretizar quando as instituições do Estado, e 
eventualmente o próprio Estado, forem repensadas a partir da ótica de uma classe que tenha as 
condições materiais e subjetivas de elaborar uma crítica radical às relações capitalistas: o 
proletariado. (Coutinho, 2011; Engels &Kautsky, 2012; Lukács, 2003; Gramsci, 2011; Marx 
& Engels, 2005; Mascaro, 2013; Mascaro, 2015) 
Entretanto, tal debate não deve ser feito de forma tão abstrata, correndo o risco de se 
tornar dogmático e distante da realidade social que o pensa. Cabe então pensarmos como se 
dá tal disputa na contemporaneidade, no momento de avanço ferrenho do neoliberalismo por 
todo o mundo. O avanço do nacionalismo, neoconservadorismo e neofascismo por todo 
mundo se apresenta como elemento que, mesmo retomando enquanto farsa símbolos de 
tragédias passadas, se materializa de forma una com a conjuntura política e econômica sobre 
as quais as bases de tais processos históricos estão enraizadas. O cenário vivido agora veio de 
uma longa transformação que modificou, com maior ou menor radicalidade, diversos dos 
mecanismos e aparelhos de disputa hegemônica utilizados pela classe dominante, não 
podendo mais ser possível que as ideias de Gramsci e Marx sejam aplicadas sem uma leitura 
histórica mais específica. 
39 
 
Cabe então, neste ponto, buscamos um apanhado da atual dinâmica global docapitalismo, os caminhos de sua transformação, como a disputa pela hegemonia foi feita ao 
longo do século XX, quais as semelhanças e distinções que seus momentos centrais 
encontram entre si e, mais enfaticamente, como as transformações políticas, econômicas, 
culturais e tecnológicas – tecnologia cujo caminho de maturação nunca é independente de 
alguma forma de ideologia – influenciaram o formato atual dos Aparelhos Privados de 
Hegemonia e de sua inserção na luta de classes. 
2.2 - As demandas da classe dominante e as transformações do Estado Capitalista 
no século XX: Até onde vai a democracia burguesa? 
Continuando a discussão do tópico anterior, se o Estado não é aqui entendido como 
um espaço neutro e separado da sociedade cuja única função é produzir de forma neutra as 
leis e da justiça, mas sim como parte de um complexo que tem como função social a 
reprodução das condições sociais necessárias para a reprodução do modo de produção 
capitalista, cabe a nós entender de que forma ele se relaciona com a Sociedade Civil, qual sua 
relação com as demandas da base e como ele atua na construção da totalidade social. 
Como os modos de produção que organizam a sociabilidade são condições históricas, 
não natas, eles necessitam que determinadas concepções da realidade, costumes, valores, 
papeis sociais, determinada ética, se materializem em relações sociais que possam justificar a 
sociabilidade necessária para que cada modo de produção possa se reproduzir. É em tais 
esferas que a ideologia se manifesta e, sendo as esferas da produção, do capital e do trabalho a 
Estrutura de determinada sociabilidade, as esferas que surgem a partir das necessidades destas 
são chamadasde Superestruturas. (Gramsci, 2011; Hall et al., 1978) 
40 
 
As formas iniciais que as superestruturas tomam são construídas a partir das 
necessidades da esfera da produção, tendendo a alcançar diferentes níveis de complexidade 
em coerência com tais demandas, inclusive podendo - como presenciado em situações 
revolucionárias - interferir na própria estrutura que a produziu, em uma relação que é muito 
mais de transformação mútua do todo social do que de construção unilateral. É a partir desta 
perspectiva do Estado enquanto Superestrutura que entendemos que o Estado Burguês é uma 
forma política própria do capitalismo, pois surgiu em consonância com as necessidades 
específicas desta forma de produção. (Hall et al., 1978; Mascaro, 2015) 
A dominação estatal na atualidade, pela sua função social de dar suporte e ferramentas 
para que a classe dominante possa continuar explorando a classe trabalhadora, se revela como 
uma forma da dominação burguesa. Esta é uma dominação em constante transformação, visto 
que a natureza dinâmica e mutável do capitalismo e da luta de classes neste sistema faz com 
que as formas de exercer o poder de classe precisem sempre estar se atualizando, abrindo mão 
de antigas instituições, produzindo novas, reciclando antigas, lhes dando uma nova roupagem 
e fazendo todo tipo de malabarismos conceituais e práticos a fim de amenizar as contradições 
do modo de produção e anular as possibilidades da luta de classes na direção da libertação 
total dos trabalhadores. (Engels, 2012; Hall et al., 1978; Marx, 2005; Marx & Engels, 2007; 
Mascaro, 2013) 
As instituições das quais o Estado irá dispor, assim como a forma como a luta de 
classes irá se manifestar em cada momento histórico, são construídas em decorrência de um 
complexo processo histórico de disputa ideológica, uma disputa de hegemonia, na qual 
diversas superestruturas, entre elas o próprio Estado, irão tentar direcionar a população para 
um consenso possível em torno de termos unificadores como Nação, Raça, Civilização, ou 
qualquer outra palavra de ordem que os operadores dos aparelhos ideológicos hegemônicos 
41 
 
conseguirem gerenciar para unir a porção majoritária da classe dominante e que forem 
devidamente aceitos pelas massas, legitimando as ações do Estado. (Gramsci, 2011; Hall et 
al., 1978; Mascaro, 2015) 
É fundamental frisar que tais disputas nunca são puramente ideológicas, funcionando 
enquanto mediação entre as demandas da esfera da produção e a produção da legitimidade 
necessária para que o Estado possa aplicar as reformas necessárias para que estas demandas 
sejam respondidas e a lógica capitalista continue se reproduzindo. (Gramsci, 2011; Hall et al., 
1978) 
Este processo de tradução das crises da esfera da produção para as esferas da 
superestrutura através de mediadores ideológicos não é racional ou consciente, mas se 
desenrola de forma orgânica através dos deslocamentos do Bloco Histórico, o movimento 
conjunto de Estrutura e Superestruturas, sempre lidando com as contradições internas 
decorrentes da dinâmica própria de cada uma de suas esferas e buscando encontrar equilíbrio 
social mínimo para a continuidade da reprodução do capital diante de tais contradições. 
(Gramsci, 2011; Hall et al., 1978) 
Importante assinalar ainda a importância da ação humana na construção destas 
mudanças, pois o desenvolvimento da história não está limitado ao comportamento 
automático da dinâmica de atuação das diferentes esferas sociais, mas é engendrado a partir 
dos movimentos da luta de classes, que, mesmo naqueles momentos históricos em que toma 
uma forma cuja aparência seja de passividade, jamais deixa de ser o motor da história e de 
produzir e demonstrar as contradições das sociedades divididas em classes. (Gramsci, 2011; 
Mascaro, 2015) 
42 
 
Diante de tal explanação, reafirmamos que, na dinâmica social do capitalismo, o 
interesse do estado burguês e das demais superestruturas é garantir as condições sociais 
necessárias para a reprodução social do capital. Especificamente sobre o Estado, este objetivo 
se baseia fundamentalmente em dois elementos: A divisão das classes e demais grupos sociais 
em mônadas individuais no formato de sujeitos de direito livres para vender e comprar 
mercadorias, entre elas a sua força de trabalho, e aparência da estrutura jurídica enquanto ente 
terceiro na luta de classes, legitimando as suas intervenções, muitas vezes coercitivas, 
enquanto ações neutras e justas que visem o bem maior da população. (Mascaro, 2015) 
Por mais que a democracia burguesa seja necessária em certo nível de 
desenvolvimento das superestruturas a fim de legitimar suas intervenções, especialmente 
aquelas de natureza coercitiva, ela não nos parece fundamental para que a estrutura capitalista 
continue a se reproduzir, pelo menos não na forma tal como foi concebida pelos pensadores 
burgueses que lhe idealizaram a partir das demandas decorrentes da limitação do Estado que 
tinham à sua disposição naquele momento histórico. (Boschetti et al., 2010; Mascaro, 2015) 
As formas da democracia foram bastante alteradas ao longo do desenvolvimento deste 
sistema, sendo até mesmo completamente limitadas em momentos nos quais foi impossível se 
conseguir o consenso - a hegemonia do bloco histórico - por maneiras tradicionais. A 
democracia, por sua dependência para com as instituições do Estado, é influenciada pela 
lógica das superestruturas, se transformando a partir da atuação da luta de classes dentro das 
necessidades levantadas pela esfera da produção. (Mascaro, 2015) 
Faz-se mister, então, a discussão sobre como se deu o desenvolvimento na prática 
desta dinâmica, assim como a maturação das ferramentas de controle e disputa hegemônica 
que a burguesia e a classe trabalhadora encontraram à sua disposição para a mediação da luta 
de classes. Buscaremos apontar dois momentos de virada e crise no capitalismo no século 
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XXI que forçaram o Estado a se reinventar, compreendendo que os elementos de disputas, 
mesmo que locais, acabaram por desenvolver aparelhos e dinâmicas por parte do Estado que 
tiveram influência na gestão global da vida social. 
O primeiro processo histórico que nos interessa debater aqui será o Fascismo

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