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EDUCAÇÃO INCLUSIVA Joseuda Borges Castro Lopes A educação inclusiva e o processo de avaliação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer a importância da reflexão e da discussão sobre os proces- sos avaliativos em relação aos alunos com necessidades educacionais especiais. � Identificar os alunos com necessidades educacionais especiais e que necessitam de atendimento educacional especializado (AEE). � Conhecer as principais mudanças que ocorrem na escola regular para receber os alunos com necessidades educacionais especiais. Introdução Historicamente, o processo avaliativo escolar busca padronizar e clas- sificar aquele que se desvia da norma e não aprende. Na escola inclusiva, esse modelo é repensado para capturar distintas nuances em relação aos processos de ensino e de aprendizagem. Nessas diferentes formas de avaliar, o professor é desafiado a ampliar suas formas de conduzir e a investigar sua turma para rever os procedi- mentos utilizados e replanejar seu trabalho. Nesse sentido, é necessário que o professor conheça a sua turma e saiba identificar os alunos que tenham necessidades educacionais especiais e que necessitem de um atendimento educacional especializado. Isso porque é a partir dessa análise inicial que o professor saberá quais alunos necessitam de uma avaliação diferenciada. Importância da avaliação escolar como processo de melhoria contínua Historicamente, o processo avaliativo escolar tem se calcado em modelos psicométricos, espelha as práticas normativas, padronizadas e classificatórias, bem como quantifica a informação retida pelo aluno buscando, inclusive, uma homogeneização do conhecimento. Aquele que se desvia dessa norma é visto como alguém que não aprende. Porém, será que isso realmente ocorre? Veja, a seguir, a história de Luisinho. O Luisinho da segunda fila Marcelo é um excelente professor de Geografia. Na aula sobre o Pantanal, até excedeu- -se. Falou com entusiasmo, relatou com detalhes, descreveu com precisão. Preencheu a lousa com critério, soube fazer com que os alunos descobrissem na interpretação do texto do livro a magia dessa região quase selvagem. Exibiu um vídeo, congelou cenas e enriqueceu-as com detalhes, com fatos experimentados, acontecimentos do dia a dia de cada um. Em sua prova, é evidente, não deu outra: uma redação sobre o tema e questões operatórias que envolviam o Pantanal. Seus rios, suas aves, sua vegetação... a planí- cie imensa. Os alunos acharam fácil. Apanharam suas folhas e começaram a trazer, palavra por palavra, suas imagens para o papel. As canetas corriam soltas e as linhas transformavam-se em parágrafos. Marcelo sabia o quanto teria de corrigir, mas vibrava... Sentia que os alunos aprendiam. Descobria o interesse que sua ciência despertava. Não pôde conter uma emoção diferente quando Heleninha, sua aluna predileta, foi até sua mesa e arfante solicitou: — Posso pegar mais uma folha em branco? O único ponto de discórdia, o único sentimento opaco que aborrecia Marcelo, era o Luisinho, aquele da segunda fila. — Puxa vida! — pensava. Luisinho assistira a todas as suas aulas, arregalara os olhos com as explicações e agora, na prova, silêncio absoluto, imobilidade total... nem sequer uma linha. Sentiu ímpetos de esganar Luisinho. Mas, tudo bem, não queria se irritar. Luisinho pagaria seu preço, iria certamente para a recuperação. Se duvidassem, poderia, até mesmo, levá-lo à retenção. Seria até possível arrancar um ano inteirinho de sua vida. Minutos depois, avisou que o tempo estava terminado. Que entregassem as folhas. Viu então que, rapidamente, Luisinho desenhou, na primeira página das folhas de prova, o Pantanal. Rico, minucioso, preciso. Marcelo emocionou-se ao ver aquele quadro de irretocável perfeição nas mãos de Luisinho, que coloria as últimas sobras. Entusiasmado, indagou: A educação inclusiva e o processo de avaliação2 — E aí, Luís, você já esteve no Pantanal? Não, Luisinho jamais saíra de sua cidade. Construiu sua imagem com base nas aulas assistidas. Marcelo sentiu-se um gigante e, de repente, descobriu-se o próprio Piaget. Havia, com suas palavras, construído uma imagem completa, correta e absoluta na mente de seu aluno. Mas deu zero na redação. É claro. Naquela escola não era permitido que se rabiscassem as folhas de prova. A história de Luizinho repete-se em muitas escolas. Sua inteligência pictórica é imensa, colossal, lúcida, clara e contrasta visivelmente com as limitações de sua competência verbal. Expressou o que sabia, da maneira como conseguia. Mas não são todos os professores que se encontram treinados para ouvir linguagens diferentes das que a escola institui como única e universal. Fonte: Antunes (2000, p. 72–73). O texto de Celso Antunes traz a necessidade de se rever e atualizar os conceitos e as práticas avaliativas tradicionais, o que se torna mais premente no caso dos sujeitos com necessidades educacionais especiais, pois as ava- liações devem estar a serviço do apoio pedagógico ao progresso e sucesso da aprendizagem. De acordo com as Diretrizes Nacionais para a educação especial na educação básica: No decorrer do processo educativo, deverá ser realizada uma avaliação pedagógica dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, objetivando identificar barreiras que estejam impedindo ou dificultando o processo educativo em suas múltiplas dimensões. Essa avaliação deverá levar em consideração todas as variáveis: as que incidem na aprendizagem com cunho individual; as que incidem no ensino, como as condições da escola e da prática docente; as que inspiram diretrizes gerais da educação, bem como as relações que se estabelecem entre todas elas. Sob esse enfoque, ao contrário do modelo clínico tradicional e clas- sificatório, a ênfase recai no desenvolvimento e na aprendizagem do aluno, bem como na melhoria da instituição escolar (BRASIL, 2001, p. 34). 3A educação inclusiva e o processo de avaliação De acordo com Pacheco (2007), a avaliação serve para comparar a situação antes e após a realização de um projeto, bem como nortear as decisões sobre ele e seu desenvolvimento. Assim, a metodologia avaliativa deve, acima de tudo, permitir que o aluno se desenvolva e que os professores ajustem a prática pedagógica. Diferentes metodologias avaliativas Os instrumentos de avaliação devem ser capazes de informar sobre o de- senvolvimento atual do aluno, como ele aprende administrando recursos em dadas situações e o processo propriamente dito. Deve-se ainda saber o que ele é capaz de fazer mesmo com a mediação de outros, assim, pode-se elaborar estratégias de ensino próprias e adequadas voltadas a cada estudante e às suas respectivas necessidades educacionais especiais. Assista ao clipe da música, da década de 1990, “Estudo Errado” de Gabriel, o Pensador no link a seguir e reflita: ainda é esta relação com o processo avaliativo que escola e família sustentam? https://goo.gl/R4xyJg De modo geral, a avaliação do aproveitamento escolar do aluno com algum tipo de necessidade educacional especial trata-se de um processo complexo. Uma vez que sua proposta é atender às necessidades específicas de cada um, ela deveria assumir características diferentes devido às especificidades dele e ao seu desenvolvimento. As características específicas de alguns quadros dificultam a avaliação e o estabelecimento das adequações ou adaptações necessárias ao currículo para se garantir o ensino para esse estudante. No entanto, existem várias formas de se acompanhar o desenvolvimento escolar dos alunos e se o projeto educacional proposto está ou não surtindo efeito. A discussão vai além do desempenho acadêmico e requer uma constru- ção do sujeito no aqui e agora (eixo horizontal) e de sua história (eixo vertical). A educação inclusiva e o processo de avaliação4 É importante valorizar as potencialidades de cada um e as diversas formas de expressão da aprendizagem,respeitando os limites individuais. O processo avaliativo pode permitir ou não a participação de partes exter- nas, as quais ajudam a ampliar a visão do trabalho realizado, principalmente, ao se considerar os especialistas envolvidos nas necessidades especiais do aluno em questão. Segundo Pacheco (2007), o uso de vários métodos avaliativos aumenta seu valor e sua confiabilidade. O autor lista, ainda, nove diferentes formas de avaliação para acompanhamento do progresso escolar. � Listas de verificação: avaliam as competências e o desempenho ou servem para registro de certo comportamento e interação social. � Questionários: são usados para saber a opinião das pessoas. � Registro diário do professor: é mantido por ele com anotações descritivas e analíticas que mostrem continuidade e desenvolvimento dos trabalhos. � Vídeos: possibilitam avaliar aspectos comportamentais, de comunicação e outras formas de interação social. � Documentos disponíveis na escola: podem incluir currículos educacionais e de ensino, resultados acadêmicos, boletins escolares e outros registros. � Entrevistas: são usadas para analisar melhor uma situação bem definida que deve ser observada em profundidade ou que seja atravessada por aspectos subjetivos. � Pesquisa de campo: é realizada para obter-se informações sobre o estudo, o ensino, a interação e as relações sociais na turma. � Reflexão: tem como objetivo aumentar a compreensão sobre uma ques- tão ou situação e a avaliação de uma necessidade, coordenar pontos de vista, fazer e implementar planos. � Caderno diário: é a análise e avaliação dos registros da comunicação entre professores e pais quanto à observação de atividades cooperativas e à interação fora da escola. A avaliação deve ser entendida como um processo bidirecional que avalia não somente os alunos, como também os elementos inerentes ao processo de ensino e de aprendizagem (didática do professor, metodologia de aula, organi- zação dos conteúdos, síntese e planejamento) com o intuito de acompanhá-lo. Ao mesmo tempo em que se deve conhecer mais particularmente as neces- sidades dos alunos, não se pode esquecer o referencial pedagógico que se refere à proposta curricular da série na qual eles estão inseridos, pois os estudantes com necessidades educacionais especiais também precisam ser avaliados. 5A educação inclusiva e o processo de avaliação O novo olhar para a avaliação não deve ser um procedimento decisório quanto à aprovação ou reprovação do aluno, mas sim um procedimento pedagógico pelo qual se verifica continuamente o progresso da aprendizagem e se decide, se necessário, sobre os meios de recuperação ou reforço. (...) A avaliação tem, portanto, seu sentido ampliado, de alavanca do progresso do aluno e não mais como um mero instrumento de seletividade. Ela adquire um sentido compa- rativo do antes e do depois da ação do professor, da valorização dos avanços, por pequenos que sejam, em diversas dimensões, do desenvolvimento do aluno, perdendo, assim, seu sentido de faca de corte. A avaliação se amplia pela postura de valorização de indícios que revelem o desenvolvimento dos alunos, sob qualquer ângulo, nos conhecimentos, nas formas de se expressar, nas formas de pensar, de se relacionar, de realizar atividades diversas, nas iniciativas (SÃO PAULO, 2001, p. 15 apud ALMEIDA-VERDU, 2008, p. 22). Ao avaliar, o professor deve assumir o papel de um pesquisador, investigar quais são os problemas dos alunos, conversar com eles e estudar suas produções. Assim, ele pode rever os procedimentos utilizados e replanejar seu trabalho. Pesquisa-ação como metodologia A pesquisa-ação visa desenvolver o conhecimento e a compreensão ao se executar a própria atividade, uma vez que o pesquisador é a pessoa inserida na própria prática. Assim, busca-se uma intervenção no decorrer do processo de pesquisa, e não na etapa final quando se costuma gerar uma recomendação para a finalização do projeto. Um de seus pioneiros foi Kurt Levin e, hoje, ela é aplicada não apenas em ciências sociais e psicologia, como também na área do ensino, sendo o pesquisador o próprio professor que tem na sala de aula seu objeto de pesquisa. De acordo com Engel (2000, p. 182), ela: [..] desenvolveu-se como resposta às necessidades de implementação da teoria educacional na prática da sala de aula. Antes disso, a teoria e a prática não eram percebidas como partes integrantes da vida profissional de um professor, e a pesquisa-ação começou a ser implementada com a intenção de ajudar aos professores na solução de seus problemas em sala de aula, envolvendo-os na pesquisa. A revisão bibliográfica de Engel (2000) traz as características da pesquisa- -ação, como você pode conferir a seguir: A educação inclusiva e o processo de avaliação6 � O processo de pesquisa deve ser de aprendizagem para todos os participantes. � Não há separação entre sujeito e objeto de pesquisa. � O critério de validade é pragmático, assim, suas estratégias e seus pro- dutos são úteis para os envolvidos se eles forem capazes de apreender sua situação e modificá-la. � O pesquisador se trata, na verdade, de um praticante social que intervém em uma situação para verificar se um novo procedimento é eficaz ou não. � A pesquisa-ação é situacional e procura diagnosticar um problema específico em uma dada situação, com o objetivo de atingir a relevância prática dos resultados. � A pesquisa-ação não está interessada na obtenção de enunciados cien- tíficos generalizáveis (relevância global). � A pesquisa-ação é autoavaliativa, portanto, as modificações introduzidas na prática são constantemente avaliadas no decorrer do processo de intervenção. � A pesquisa-ação é cíclica, suas fases finais são usadas para aprimorar os resultados das anteriores. Engel (2000) observa, ainda, oito fases na pesquisa-ação. 1. Definição do problema: é algo que intriga o professor ou que pode melhorar em sala de aula. Assim, as questões que estão fora da alçada do professor não devem ser consideradas. 2. Pesquisa preliminar: subdivide-se em revisão bibliográfica, observação em sala de aula e levantamento das necessidades. A revisão é feita para verificar o que pode ser aprendido em pesquisas semelhantes; já a observação, para entender o que realmente está ocorrendo; e as necessidades, por sua vez, podem ser levantadas por meio de entrevistas com alguns alunos. 3. Hipótese: é feita para ser testada, com base nos dados obtidos na pes- quisa preliminar. 4. Desenvolvimento de um plano de ação: é realizado para reverter o problema e, com base na hipótese levantada, o professor modifica seu modo de atuação em sala de aula. 5. Implementação do plano de ação: coloca-se em prática a decisão anterior. 6. Coleta de dados: observa-se os impactos da ação tomada. 7A educação inclusiva e o processo de avaliação 7. Avaliação do plano de intervenção: analisa-se os dados, realiza-se sua interpretação e tira-se conclusões para verificar se o plano surtiu efeito e em que medida. 8. Comunicação dos resultados: transforma-se o plano de intervenção em um artigo caso ele tenha levado a resultados positivos. A pesquisa-ação é um instrumento que pode ser usado na melhoria do processo de ensino-aprendizagem. Já as diferentes metodologias avaliativas são utilizadas na pesquisa preliminar e coleta de dados, fases 2 e 6, respectivamente. Seu benefício está na apresentação do processo autoavaliativo do professor em sala de aula a partir das avaliações multidimensionais de seus alunos. ALMEIDA-VERDU, A. C. M. Repensando a avaliação. Bauru: MEC/FC/SEE, 2008. 49 p. (Práticas em Educação Especial e Inclusiva, 8). Disponível em: <http://www2.fc.unesp. br/educacaoespecial/material/Livro8.pdf>. Acesso em: 25 dez. 2018. ANTUNES, C. Marinheiros e professores: crônicas simples sobre escola, ensino, disciplina, inteligências múltiplas, professores, alunos... 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. 112 p. BRASIL. Ministério da Educação. Secretariade Educação Especial. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília: MEC; SEESP, 2001. 79 p. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf>. Acesso em: 25 dez. 2018. ENGEL, G. I. Pesquisa-ação. Educar em Revista, Curitiba, n. 16, p. 181–191, 2000. Dis- ponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0104- -40602000000200013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 25 dez. 2018. PACHECO, J. A. Estudos curriculares: políticas, teorias e práticas. In: PACHECO, J. A.; MORGADO, J. C.; MOREIRA, A. F. (Orgs.). Globalização e (des)igualdades: desafios con- temporâneos. Porto: Porto Editora, 2007. p. 29–40. Leitura recomendada OLIVEIRA, A. A. S.; CAMPOS, T. E. Avaliação em Educação Especial: o ponto de vista do professor de alunos com deficiência. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 16, n. 31, p. 51–78, jan.–jun. 2005. Disponível em: <http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/ index.php/eae/article/view/2142>. Acesso em: 25 dez. 2018. A educação inclusiva e o processo de avaliação8