Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Febre Amarela SUMÁRIO 1. Introdução ..........................................................................................................3 2. Epidemiologia .....................................................................................................3 3. Etiologia e fisiopatologia ....................................................................................4 O vetor ........................................................................................................................... 6 4. Manifestações clínicas e diagnóstico ..................................................................9 5. Tratamento e profilaxia .....................................................................................18 Referências .......................................................................................................................22 Febre Amarela 3 1. INTRODUÇÃO A febre amarela é uma doença infecciosa não contagiosa, provocada por um arbovírus da família Flaviviridae, mesma família do vírus da dengue. O vírus é con- traído pela picada dos mosquitos Haemagogus sp e Aedes aegypti, principalmente, além de outras espécies de Aedes, que se infectam ao ingerir sangue de humanos ou de macacos infectados, passando adiante o vírus. 2. EPIDEMIOLOGIA A febre amarela (FA), englobada no grupo de febres hemorrágicas virais, é uma doença endêmica da África Subsaariana e América do Sul até o Panamá. O vírus da FA é mantido em ciclos silvestres – não há ciclo urbano no Brasil, nos quais maca- cos atuam como hospedeiros amplificadores e os mosquitos são os transmissores, porém ainda ocorrem casos urbanos, que aparecem como eventos isolados ou em epidemias periódicas, quando humanos são mordidos por macacos e picados pelo vetor. Vale pontuar que os seres humanos são hospedeiros terminais do vírus da fe- bre amarela, que é mantido na natureza em reservatórios mamíferos. A maior parte dos doentes de febre amarela apresentam formas benignas que evoluem para a cura, porém, na parcela em que o quadro é mais grave, a mortalidade é em torno de 50%. Há vacina contra febre amarela, recomendada em todo o Brasil, para moradores de áreas onde o vírus está em circulação e para pessoas que irão viajar para áreas endêmicas. Podem ser imunizadas crianças a partir de 9 meses de idade até adultos de até 59 anos. Efeitos adversos graves raros foram reconhecidos em pessoas idosas, por isso não se vacinam indivíduos com mais de 59 anos. No Brasil, o Ministério da Saúde monitora a evolução epidemiológica nas áreas de risco de transmissão de febre amarela silvestre através da morte de macacos, ocorrência de epizootia, ou seja, quando há evidência de que a morte de macacos foi causada pela infecção com o vírus da febre amarela e de casos humanos da do- ença. É importante esclarecer que o primata é um sinalizador da circulação do vírus em determinada área, mas não deve ser atribuído a ele a causa da febre amarela. Há períodos com casos isolados de pessoas com febre amarela, restritos à região ama- zônica e períodos epidêmicos nos quais os casos se concentram na população não comumente vacinada, geralmente do Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Febre Amarela 4 Conceito: A febre amarela é uma doença infecciosa não conta- giosa, provocada por um arbovírus da família Flaviviridae, da mesma família do vírus da dengue, sendo um RNA vírus. MAPA MENTAL: FEBRE AMARELA ARBOVÍRUS FLAVIVIRIDAE FEBRE AMARELA HÁ VACINAÇÃO PREVENTIVA DOENÇA INFECCIOSA NÃO-CONTAGIOSA HUMANOS E MACACOS MOSQUITO AEDES AEGYPTI ÁREAS ENDÊMICAS (BRASIL) FEBRE HEMORRÁGICA VIRAL Fonte: Autoria própria. 3. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA As febres hemorrágicas são infecções sistêmicas causadas por um vírus RNA en- velopados de uma das quatro famílias diferentes: arenavírus, filovírus, bunyavírus e flavivírus, que apesar de diferentes entre si, compartilham a característica de neces- sitar de um hospedeiro, animal ou inseto, para sobrevivência e transmissão. Os vírus causadores de febres hemorrágicas podem causar uma doença aguda relativamente branda, como é o caso da febre amarela, caracterizada por febre, cefa- leia, mialgia, exantema, neutropenia e trombocitopenia, até uma doença que evoluem com choque e deterioração hemodinâmica. Embora alguns vírus causadores de febres hemorrágicas possam ser transmitidos de pessoa para pessoa, o vírus da febre amarela só pode ser contraído a partir da picada do vetor ou mordida de macaco contaminados. A patogenia dessas febres ainda não é bem elucidada, porém sabe-se que os eventos hemorrágicos se de- vem à trombocitopenia ou intensa disfunção plaquetária ou endotelial gerada pela Febre Amarela 5 presença do vírus, como o aumento da permeabilidade vascular, processo envolvido na resposta inflamatória direcionada ao invasor, além da liberação de mediadores que possuem atividade pró-coagulante. Além disso, pode ocorrer necrose e hemor- ragia em muitos órgãos, especialmente no fígado, tecido pelo qual o vírus amarílico (vírus da febre amarela) possui tropismo. Se liga! Quando o processo inflamatório é deflagrado pela presen- ça de um vírus, ou qualquer outro microrganismo invasor, as células de defesa que detectam o invasor liberam citocinas, que geram uma série de alterações. Uma dessas alterações é o aumento da permeabilidade vascular, especial- mente na microvasculatura, o que é importante para que as células de defesa cheguem até o tecido atacado e neutralizem o microrganismo. Esse aumento da permeabilidade vascular se dá com a alteração estrutural dos vasos san- guíneos, com a contração das células endoteliais, que aumentam os espaços interendoteliais, permitindo, em conjunto com ações de vários mediadores, o recrutamento e adesão de leucócitos ao endotélio. Os eventos hemodinâmicos que podem ocorrer na febre amarela, e em algumas outras infecções, são gera- dos pela ativação de alguns mediadores, como o PAF, que participa da agrega- ção plaquetária. A inflamação também aumenta a produção de outros fatores de coagulação, como o fator XII, que paradoxalmente também está envolvido com o sistema fibrinolítico. O vírus da FA tem um período de incubação, ou seja, período entre a infecção e início dos sintomas, de 3 a 6 dias, o que comparado a outras arboviroses, é um curto tempo de incubação. Sabe-se que após a inoculação do vírus, este se replica pri- meiramente nas células dendríticas e outros tecidos locais, migram para os nódulos linfáticos e se difundem pelos monócitos linfáticos e sanguíneos para vários tecidos e órgãos. Além disso, a viremia na febre amarela normalmente é removida antes da fase mais grave da doença, e com isso a resposta imune do hospedeiro que é a maior vilã do quadro provocado pela infecção. O fígado é o principal afetado na febre amarela, sofrendo com degeneração gor- durosa (esteatose), necrose coagulativa mediozonal dos hepatócitos e presença de corpos apoptóticos. O vírus amarílico causa necrose em grandes extensões do parênquima hepático, principalmente nas áreas médio-zonais, poupando as extremi- dades do lóbulos, e esse tipo de lesão é predominante na febre amarela. Porém, o achado mais comumente indicativo de febre amarela é o corpúsculo de Councilman- Rocha Lima, uma degeneração hialina, acidófila dos hepatócitos, mas vale pontuar que esse achado não é patognomônico da febre amarela, também sendo encontrado em infecções por Plasmodium falciparum (malária). Febre Amarela 6 O Vetor Os vetores da febre amarela são o Aedes aegypti, o Haemagogus sp e o Sabethes, pertencentes à família Culicidae. Apenas as fêmeas realizam o hematofagismo, pro- cesso pelo qual esses insetos transmitem o vírus da febre amarela, bem como vírus da dengue, no casos do A. aegypti. O Aedes aegypti possui hábito diurno, ou seja, alimenta-se durante o dia, sendo este período o momento em que transmite as doenças. Esses insetos são os gran- des agentes transmissores da febre amarela no ciclo urbano,ou seja, infectam-se ao picar humanos infectados e então repassam o vírus para outros humanos nas próxi- mas picadas. Porém, vale pontuar que não há ciclo urbano da febre amarela no Brasil desde de 1942, segundo o Ministério da Saúde. Esse mosquito deposita seus ovos em água parada e medidas de saneamento básico associadas com a conscientiza- ção da população facilitariam seu controle e poderia praticamente erradicar a febre amarela urbana nas Américas. Figura 1: Aedes aegypti. Fonte: Tacio Philip Sansonovski/Shutterstock.com Febre Amarela 7 Já os Haemagogus sp, outro mosquito transmissor da febre amarela, possuem hábitos silvestres, picando no solo e na copa das árvores, depositando seus ovos nas paredes de ocos de árvores e de bambus cortados. No ciclo silvestre, eles são os maiores agentes, picando os macacos contaminados. O homem entra nesse ciclo quando acampa, por exemplo, e não está vacinado, ou seja, a infecção humana pelo vírus amarílico é acidental. O mosquito Sabethes também participa do ciclo silvestre e compartilha os hábitos do mosquito Haemagogus. Figura 2: Ciclo silvestre e ciclo urbano da febre amarela. Fonte: Autoria própria. Como os macacos são importantes no ciclo da doença, eles servem também como sinal de alerta para o aumento de casos naquela zona. Assim, eles podem de- terminar que a zona está endêmica para febre amarela. Esse sinal de alerta referente aos macacos recebe o nome de epizzotia. Febre Amarela 8 MAPA MENTAL: FISIOPATOLOGIA CICLO SILVESTRE NECROSE COAGULATIVA MEDIOZONAL CORPÚSCULO DE COUNCILMAN-ROCHA LIMA DEGENERAÇÃO GORDUROSA FÍGADO INSTALAÇÃO EM DIVERSOS TECIDOS MIGRAÇÃO PARA NÓDULOS LINFÁTICOS REPLICAÇÃO NAS CÉLULAS DENDRÍTICAS PICADA DO MOSQUITO HAEMAGOGUS SABETHES A. AEGYPTI CICLO URBANO Fonte: Autoria própria. Febre Amarela 9 4. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO A febre amarela é uma doença de notificação compulsória, assim, quando há suspeita desse diagnóstico, o médico deve comunicar à autoridade sanitária de sua região, e isso é importante para a vigilância epidemiológica, que deve auxiliar na to- mada de medidas preventivas que evitem uma epidemia. O início dos sintomas da febre amarela costuma ser abrupto, com febre alta e vô- mitos, caracterizando um quadro infeccioso agudo com participação digestiva alta. Normalmente, há declínio do quadro infeccioso entre o segundo e terceiro dia, e daí a doença evolui para cura ou ocorrer recrudescência após um ou dois dias de relati- va melhora clínica, acompanhada de manifestações tóxicas e icterícia. Nessa fase da doença, pode ocorrer comprometimento de mecanismos homeostáticos da coa- gulação sanguínea, do fornecimento e utilização de energia, do controle dos níveis sanguíneos de substâncias orgânicas ativas, resultando em uma situação de insta- bilidade hemodinâmica que pode resultar em hipofluxo circulatório. Isso tem como consequência a lesões em múltiplos órgãos e falência multifuncional, principalmente a insuficiência renal. Os eventos hemorrágicos após a agressão hepática pelo vírus amarílico podem tornar a doença grave de acordo com o grau das alterações hemodinâmicas e hipo- fluxo circulatório com comprometimento de múltiplos órgãos, especialmente fígado e rins, mas também pode ocorrer envolvimento do cérebro e coração. A febre amarela pode, assim, se apresentar nas formas leve/moderada, grave e maligna da doença. Há ainda uma grande parcela de indivíduos que cursam com a infecção assintomática, contabilizando mais de 50% dos casos. Essas classifica- ções de febre amarela também são conhecidas como formas frusta, íctero-digestiva, íctero-hemorrágica e íctero-hemorrágica-renal. Na forma leve/moderada (frusta/íctero-digestiva) da doença, que é a maioria dos casos depois da forma assintomática, o paciente pode cursar com febre, cefaleia, mialgias, icterícia leve (ausente em alguns casos) e manifestações do aparelho di- gestivo, que também ocorrem nas fases iniciais das formas mais graves, podendo o paciente referir dor no andar superior do abdome, náuseas e vômitos, que podem ser tão severos a ponto de provocar desidratação precoce. Nesses quadros, os exames laboratoriais apresentam plaquetopenia, elevação moderada das transaminases e bilirrubinas normais ou discretamente elevadas (predomínio de bilirrubina direta). Nos casos de pacientes desidratados, devido à significativa espoliação hidro-eletro- lítica, mesmo os pacientes com perda sanguínea importante, podem apresentar-se hemoconcentrados, porém o hematócrito apresenta rápida queda após a reposição hidroeletrolítica. Febre Amarela 10 Saiba mais! As enzimas hepáticas, AST (TGO) e ALT (TGP) são aminotransferases presentes nos hepatócitos, que são liberadas no sangue quando ocorre agressão ao fígado. Porém, nem sempre a elevação das con- centrações dessas enzimas no sangue significa doença hepática, pois não são específicas do fígado. A AST também é encontrada no músculo cardíaco e es- quelético, rins, cérebro, pâncreas, pulmões e hemácias, podendo estar elevada isoladamente em quadros de IAM por exemplo. A ALT é mais específica para o fígado pois é onde está em altas concentrações, porém também está presente, em baixas concentrações, e outros órgãos. A ALT indica lesão hepática com maior precisão principalmente quando seu aumento é conjunto com AST. As causas mais comuns de elevação das aminotransferases são as hepatites. Na febre amarela, as aminotransferases elevam-se muito, provavelmente por conta do efeito citopático do vírus no miocárdio e músculos esqueléticos. Na forma grave da febre amarela (íctero-hemorrágica), todos os sintomas des- critos anteriormente podem estar presentes, somado à icterícia intensa, manifesta- ções hemorrágicas, como hemorragia do trato digestivo e algumas vezes sistêmica, oligúria e diminuição de consciência. Nos exames, aparece plaquetopenia intensa, aumento da creatinina (pode estar próximo da normalidade) e elevação importante de transaminases. Pode ocorrer ainda leucocitose em alguns casos. A forma grave é clinicamente diagnosticada pela presença de pelo menos um dos sintomas clássi- cos, como hematêmese, icterícia ou oligúria/anúria. É comum que as taxas de AST e ALT aumentem antes do surgimento da icterícia, ocorrendo aumento moderado em formas leves e aumento intenso em formas mais graves. As formas mais graves da doença também podem cursar com insuficiên- cia hepática e renal. As alterações urinárias nas fases iniciais da doença, decorrem da insuficiência pré-renal, gerada pelo aumento do catabolismo e pela hipovolemia. Entretanto, nas fases mais tardias da doença, a questão urinária está associada a alterações glomerulares e tubulares provocadas pela hipovolemia prolongada com participação, possivelmente, de coagulação intravascular disseminada (CID) instala- da a partir de uma certa fase da doença, com fibrinólise secundária que, em alguns casos, pode levar a quadro hemorrágico sistêmico. O comprometimento renal pode provocar albuminúria. Por fim, na forma maligna (íctero-hemorrágica-renal), que é a menos comum, todos os sintomas aqui descritos podem estar presentes, porém intensificados. E além das alterações laboratoriais já descritas, na forma maligna da febre amarela pode ocorrer coagulação intravascular disseminada. Nesses quadros, os pacientes sempre apresentam os sintomas clássicos de falência hepato-renal, como anúria, icterícia. Em alguns casos, o dano hepático é maior que o dano renal, com icterícia Febre Amarela 11 intensa e aminotransferases muito elevadas, mas com aumento não muito pronun- ciado de uréia e creatinina, expondo o comprometimento renal associado. Se liga! A insuficiência renal na febre amarela ocorre com uma le- são renal aguda, provocada pela presença do vírus, gerando oligúria/anúria e albuminúria em alguns casos. A incapacidade súbita dos rins de filtrarem o san- gue faz com que os resíduos que precisam ser eliminados se elevam até níveis perigosos,sendo os níveis de ureia e creatinina marcadores da gravidade da doença. Essa condição pode ser fatal e por isso seu tratamento deve ser inten- so, normalmente feito com uso de diuréticos. O quadro infeccioso da febre amarela evolui em duas fases com um período de remissão entre elas, mas nem sempre é possível se distinguir. São fases progres- sivas distintas: infecção, intoxicação e recuperação. O quadro clínico da forma ma- ligna da doença é caracterizado pelo início abrupto, inicialmente com febre elevada, que não acompanha aumento da pulsação (sinal de Faget) e pode atingir até 40ºC. Pouco tempo depois do início da febre, surge cefaleia holocraniana muito intensa, acompanhada de dores generalizadas, náuseas e vômitos, quadro que dura cerca de 3 dias (fase infecciosa). Muitos pacientes, após esse período, passam por um perí- odo de remissão, no qual há sensação de melhora, com diminuição das dores e da febre, e esse período dura de horas até 2 dias. Porém, pacientes com a forma grave da doença, depois desse período, repentinamente apresentam piora do quadro, ini- ciando-se a fase de intoxicação. Conceito: Um sinal clássico da febre amarela é o sinal de Faget, que consiste na dissociação entre pulso e temperatura. Normalmente, o pacien- te febril apresenta taquicardia, mas no sinal de Faget isso não ocorre, quadro em que pode inclusive ocorrer febre com bradicardia relativa. Febre Amarela 12 Na fase de intoxicação, o vírus não circula mais no sangue do hospedeiro, sendo encontrado basicamente no fígado, as náuseas e vômitos se intensificam, podendo se tornar hemorrágicos. Outros eventos hemorrágicos podem acontecer, como he- morragias do tegumento, das gengivas, do ouvido, e melena. Ao que tudo indica não é sempre que existe uma associação da gravidade da hemorragia com o número de plaquetas. Existia uma associação com os problemas de ativação do complemento e o consumo dos fatores de coagulação. Assim, constata-se que a febre amarela possui CID (coagulação intravascular disseminada).5 Saiba mais! A coagulação intravascular disseminada, também chamada de coagulopatia de consumo, é um processo no qual o sangue come- ça a coagular espontaneamente dentro dos vasos. Isso reduz o número de pla- quetas e fatores de coagulação no corpo, visto que esses componentes estão sendo consumidos para formar os trombos, e com isso, paradoxalmente há um risco acentuado de hemorragias espontâneas. Essa complicação é resultante da exposição do fator tecidual do sangue, iniciando a cascata de coagulação, estímulo que ocorre nos processos inflamatórios, devido às alterações de fluxo sanguíneo microvascular e estimulação pelas citocinas. A icterícia é uma coloração amarela da pele, conjuntivas e mucosas causada pelo aumento da concentração de bilirrubina na corrente sanguínea. A bilirrubina é um metabólito plasmático da degradação do grupamento heme da hemoglobina, que pode ser dividida em não conjugada, ou indireta, ou conjugada, direta. Doenças que afetam o fígado como um todo podem gerar aumento da bilirrubina, direta ou indire- ta, visto que o fígado é responsável por sua degradação, mas a bilirrubina conjugada normalmente é a maior causadora da icterícia. A hiperbilirrubinemia só é visível na forma de icterícia quando está acima de 2 a 3 mg/dl acima do nível normal. Febre Amarela 13 Figura 3: Icterícia. Fonte: Zay Nyi Nyi/Shutterstock.com. Nas formas graves da doença, por volta do 5º ao 7º dia do início dos sintomas, po- de ser observada insuficiência renal, que se manifesta inicialmente pela diminuição do volume urinário. Se esta fase não for devidamente tratada, a oligúria rapidamente evolui para anúria por conta de necrose tubular aguda generalizada que se instala, e muitas vezes é nesse estágio que o paciente vem a óbito. O diagnóstico laboratorial específico para confirmação da febre amarela é feito a partir do isolamento do vírus, no sangue ou no tecido hepático ou cultivos celulares (primeiros dias da doença) post-mortem; por imuno-histoquímica nos tecidos post- -mortem; sorologia, após 5-7 dias do início dos sintomas, não sendo confiáveis resul- tados de testes cujas amostras forem colhidas antes desse intervalo de tempo, pois não é suficiente para produção de anticorpos, e assim não pode ser identificado no exame; e PCR, que deve ser feito durante o período de viremia. Assim, em resumo, o diagnóstico de febre amarela pode ser confirmado a partir do PCR ou sorologia após 5-7 dias de sintomas. Vale lembrar que a vacina contra febre amarela também induz a formação de IgM, por isso é importante perguntar sobre os antecedentes vacinais do paciente. O exame de PCR, que pesquisa o genoma viral, é uma opção mais escla- recedora quando os resultados da sorologias são inconclusivos. Durante a evolução da doença, devem ser realizado diversos exames. O hemogra- ma nos primeiros dias apresenta leucopenia com neutropenia e linfocitose, com va- lores de 3000 a 4000 células por cm³, e em alguns casos de 1000 a 2000 leucócitos/ cm³. Com a progressão do quadro, a leucopenia se agrava, exceto nos casos em que há infecção bacteriana (15.000 a 20.000 leucócitos/cm³). As alterações do hemató- crito e da hemoglobina ocorre mais comumente nos casos com sangramento grave. As plaquetas normalmente aparecem com valores em torno de 50.000 cm³ ou me- nores. O sumário de urina pode apresentar bilirrubina, hemácias e proteinúria, bem como alteração de densidade, refletindo a lesão renal. Febre Amarela 14 Se liga! A presença de IgM na sorologia é resultado de infecção recente (2-3 meses) ou atual, daí a importância de saber a história clínica do paciente. Quando o paciente sobrevive, são comparados os resultados sorológi- cos das amostras agudas e do momento de recuperação. Títulos de anticorpos quatro vezes maiores na amostra da fase de recuperação do que na fase aguda sugere infecção recente pelo vírus da febre amarela. A apresentação não específica no início do quadro de febre amarela torna o diag- nóstico clínico extremamente difícil, principalmente quando fora de um contexto epidêmico. O paciente deve ser questionado quanto a viagens, moradia em áreas endêmicas, possíveis riscos ocupacionais e a progressão de seu quadro clínico. Devido ao risco de disseminação secundária e à falta de familiaridade da maioria dos médicos com as febres hemorrágicas, sempre que houver suspeita desse tipo de caso deve-se procurar a avaliação de um especialista. Justamente pela apresentação clínica inespecífica e provocada por vários tipos de doenças, os diagnósticos diferenciais da febre amarela são muitos. Abaixo, uma tabela adaptada com alguns testes laboratoriais indicados e achados característicos em pacientes com febre hemorrágica viral, que pode auxiliar na confirmação ou eli- minação do diagnóstico de febre amarela: Teste x Achado caracteristico TESTE ACHADOS CARACTERÍSTICOS CONTAGEM LEUCOCITÁRIA Precoce: leucopenia moderada (exceto na infecção por hantavírus, na qual a leucocitose precoce com imunoblastos está classicamente presente) Tardio: leucocitose com desvio esquerdo, granuloci- tose mais sugestiva de infecção bacteriana HEMOGLOBINA E HEMATÓCRITO Hemoconcentração (sobretudo observada na febre hemorrágica com síndrome renal e síndrome pulmo- nar de hantavírus) CONTAGEM PLAQUETÁRIA Trombocitopenia leve a moderada ELETRÓLITOS Alterações de sódio, potássio, acidobásicas, depen- dendo do balanço de fluidos e da fase da doença UREIA/CREATININA Insuficiência renal pode ocorrer tardiamente em algu- mas doenças Febre Amarela 15 TESTE ACHADOS CARACTERÍSTICOS QUÍMICA SÉRICA Geralmente aumentados, sobretudo em doenças graves; AST>ALT Nível de lactato > 4 mmol/L (36 g/dL) pode indicar hipoperfusão persistente e sepse Lactato desidrogenase está normalmente aumentada de modo acentuado na síndrome por hantavírus VELOCIDADE DE SEDIMENTAÇÃO Normal ou aumentada GASOMETRIA Acidose metabólica pode ser indicativa de choque ou hipoperfusãoESTUDOS DE COAGULAÇÃO (TP, TTP, fibrinogê- nio, produtos de degradação da fibrina, plaquetas, d-dímeros CID comum nos vírus de Ebola, Marburg, Lugo, FH da Crimeia-Congo e infecções com arenavírus do Novo Mundo ANÁLISE DE URINA Proteinúria comum, hematúria pode ocasionalmente estar presente. Sedimento pode mostrar cilindros hialinos-granulares e células redondas com inclusões citoplasmáticas HEMOCULTURA Útil precocemente para excluir FHV e tardiamente para avaliar infecção bacteriana secundária. Deve ser colhida antes da antibioticoterapia COPROCULTURA Útil para excluir FHV (sugere disenteria bacilar hemorrágica) ESFREGAÇO DO SANGUE Diagnóstico de parasitas hematológicos (malária e tripanossomas), sepse bacteriana e erliquiose TESTES RÁPIDOS E PCR Negativo na FHV a menos que haja infecção por malária Fonte: GOLDMAN, Lee, SCHAFER, Andrew L, et al. Goldman-Cecil. Medicina. 25ª ed. Rio de Janeiro. Elsevier, 2018 Febre Amarela 16 Outros importante diagnósticos diferenciais para febre amarela são as hepatites virais, leptospirose, que também causam icterícia febril, septicemias, dengue hemor- rágica, febre tifoide e malária. Saiba mais! Leptospirose é uma infecção aguda causada pela bactéria do gênero Leptospira, que pode ser transmitida por diferentes espécies de animais, como suínos, caninos, bovinos e, principalmente, roedores. Essa bactéria se aloja nos rins desses animais sem lhe causar doença. Durante pe- ríodos de enchentes, a contaminação por essa doença aumenta pois a popula- ção tem maior contato com a água da chuva, que pode carregar urina de ratos. Os sintomas de leptospirose incluem febre alta, mal-estar, mialgias, especial- mente na panturrilha, além de dor de cabeça e no tórax, hiperemia conjuntival, tosse, astenia, desidratação, exantemas. A forma grave da doença pode cursar com icterícia, hemorragias, coma e levar a óbito. O tratamento é feito com anti- bioticoterapia e sintomáticos. Só há vacina contra leptospirose para animais. Febre Amarela 17 MAPA MENTAL: DIAGNÓSTICO E CLÍNICA SINAIS E SINTOMAS EXAMES LABORATORIAIS GRAVE SINTOMAS DA FORMA LEVE EVENTOS HEMORRÁGICOS (HEMATÊMESE) ICTERÍCIA OLIGÚRIA SINAL DE FAGET PLAQUETOPENIA INTENSA ELEVAÇÃO DA CREATININA E DAS TRANSAMINASES LEUCOCITOSE (ALGUNS CASOS) DIAGNÓSTICO E CLÍNICA LEVE/MODERADA FEBRE CEFALEIA MIALGIAS NÁUSEAS ICTERÍCIA LEVE PLAQUETOPENIA ELEVAÇÃO MODERADA DAS TRANSAMINASES BILIRRUBINAS NORMAIS OU POUCO ELEVADAS DIAGNÓSTICO ESPECÍFICO SOROLOGIA E PCR MALIGNA TODOS OS SINTOMAS JÁ MENCIONADOS INTENSIFICADOS SINTOMAS DE FALÊNCIA HEPATO-RENAL AMINOTRANSFERASES MUITO ELEVADAS ICTERÍCIA INTENSA AUMENTO NA UREIA E CREATININA INFECÇÃO INTOXICAÇÃO RECUPERAÇÃO Fonte: Autoria própria. Febre Amarela 18 5. TRATAMENTO E PROFILAXIA Não há medicamento específico para o tratamento da febre amarela. Como o diagnóstico demora cerca de uma semana, o tratamento é iniciado a partir das sus- peitas clínicas com o objetivo de aliviar os sintomas, sendo comum o uso de anal- gésicos, anti-eméticos e antitérmicos. Os pacientes graves devem ser internados. Deve-se evitar medicamentos com ácido acetil-salicílico e derivados, como a aspi- rina, pois podem agravar os eventos hemorrágicos. Também devem ser prescritos medicamentos que protegem a mucosa gástrica, como omeprazol, pois se mostram úteis na prevenção de sangramentos gástricos que podem ocorrer na febre amarela. No primeiro sinal de insuficiência renal, que é a oligúria, é importante prescrever diuréticos, como furosemida ou manitol. Nos pacientes com IR refratária aos diuréti- cos comuns, recomenda-se a diálise peritoneal ou hemodiálise. É preciso avaliação contínua do paciente verificando sinais vitais, diurese e acompanhamento diário dos exames de hemograma, plaquetas, fatores de coagulação, sumário de urina e função hepática e renal. Ainda não há profilaxia pós-exposição contra febre amarela. A vacina contra febre amarela é feita a partir do vírus atenuado, produzidos em ovos embrionados de galinhas. O Brasil ampliou a indicação da vacina para todas as regiões do país, recomendando-se a vacinação de crianças a partir de 9 me- ses de idade, antes disso há uma contraindicação relativa, e uma dose de reforço aos 4 (quatro) anos de idade. A dose de reforço irá seguir o Calendário Nacional de Vacinação vigente e respeitar o intervalo mínimo de 30 dias para a outra dose.7 Seguindo o que é trazido na Instrução Normativa Referente ao Calendário Nacional de Vacinação 2020, pessoas de 5 (cinco) a 59 anos de idade, que nunca foram vacinadas ou sem comprovante de vacinação deve-se administrar 1 (uma) do- se da vacina. É recomendado vacinação para indivíduos não imunizados que irão viajar para áreas endêmicas, porém não é necessária dose de reforço se já for vacinado. Para efeito de emissão do Certificado Internacional de Vacinação ou Profilaxia (CIVP), se- guir o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) que recomenda uma única dose na vida. O viajante deverá se vacinar pelo menos, 10 dias antes da viagem.7 Febre Amarela 19 Se liga! Quando há evidência de epizootia de primatas em determi- nada região, é necessária a notificação e investigação, pois, tratando-se de febre amarela, deve ser ampliada a imunização, além de fazer busca ativa de casos de epizootias, investigação vetorial e controle do vetor urbano (Aedes aegypti). Além disso, deve-se conscientizar e educar a população quanto à importância da vaci- na como medida preventiva e a não necessidade de matar os macacos, como já ocorreu em algumas epidemias de febre amarela em algumas regiões do Brasil. Em relação as contraindicações da vacina, a Instrução normativa referente ao ca- lendário nacional de vacinação de 2020 traz que: • Crianças menores de 6 (seis) meses de idade. • Pacientes em tratamento com imunobiológicos (Infliximabe, Etarnecepte, Golimumabe, Certolizumabe, Abatacept, Belimumabe, Ustequinumabe, Canaquinumabe, Tocilizumabe, Rituximabe, inibidores de CCR5 como Maraviroc), em pacientes que interromperam o uso dessa medicação é necessária avaliação médica para se definir o intervalo para vacinação, conforme manual dos CRIE. • Pacientes submetidos a transplante de órgãos sólidos. • Pacientes com imunodeficiências primárias graves. • Pacientes com história pregressa de doenças do timo (miastenia gravis, timo- ma, casos de ausência de timo ou remoção cirúrgica). • Pacientes portadores de doença falciforme em uso de hidroxiureia e contagem de neutrófilos menor de 1500 cels/mm³. • Pacientes recebendo corticosteroides em doses imunossupressoras (predniso- na 2 mg/kg por dia nas crianças até 10 kg por mais de 14 dias ou 20 mg por dia por mais de 14 dias em adultos). Pessoas com 60 anos ou mais, que nunca receberam a vacina ou não tenham o comprovante de vacinação, se faz necessário avaliar o risco da doença e o risco dos eventos adversos nessa faixa etária para aprovar a pertinência da vacina.5 Para gestantes a vacinação é contraindicada. Contudo, existem situações que é necessário avaliar a pertinência da vacinação, como na presença de surtos ou ende- mias sendo considerado uma emergência epidemiológica.5 Os efeitos adversos da vacina contra febre amarela incluem discreta alteração de TGO/TGP, reações locais e febre nos casos leves. As reações graves, que são bas- tante raras, podem incluir doença neurológica, como Guillan-Barré e mononeurite, doença viscerotrópica gerada pelo vírus vacinal (vírus da febre amarela atenuado). Reações adversas graves devem ser notificadas. Febre Amarela 20 MAPA MENTAL: TRATAMENTO TRATAMENTO PROFILAXIA SINTOMÁTICOS INSUFICIÊNCIA RENAL OMEPRAZOL ANALGÉSICOS (EVITAR ASPIRINA) ANTITÉRMICOS ANTIEMÉTICOS DIÁLISE DIURÉTICOS CONTROLE DO VETOR VACINAÇÃO 9 MESES – 59 ANOS TODO TERRITÓRIO NACIONAL ATENTAR PARA CONTRAINDICAÇÕES Fonte: Autoria própria. Febre Amarela 21 MAPA RESUMO Epidemiológico Clínico Laboratorial Após 9 mesesde idade Pessoas entre 5 a 59 anos não vacinadas ContraindicaçõesPessoa que visitou áreas endêmicas Sinais e sintomas Sorologia e PCR Diagnóstico Tratamento Apenas sintomáticos Hospitalização e repouso Formas graves: UTI VacinaçãoMedidas de controle do mosquito Profilaxia Reforço com 4 anos Dose única Imunodeprimidos Gestantes Mais de 60 anosMenores de 6 meses Ciclo urbano Ciclo silvestre Incubação Macacos não transmitem Leve/Moderada Grave Maligna Doença de notificação compulsória Transmissão Aedes aegypti Haemagogus e Sabethe 3-6 dias após picada do mosquito fêmea Formas clínicas Febre Cefaleia Mialgias Náuseas Icterícia leve Sintomas da forma leve Hematêmese Icterícia Oligúria Sinal de faget Sintomas da forma grave intensificados Manifestações hemorrágicas Falência hepato-renal FEBRE AMARELA Fonte: Autoria própria. Febre Amarela 22 REFERÊNCIAS KUMAR V. et al. Robbins & Cotran: Bases patológicas das doenças. Rio de Janeiro: El sevier, 2010. Goldman L, Schafer AL et al. Goldman-Cecil Medicina. 25. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018. Neves DP. Parasitologia Humana. 11. ed. São Paulo: Atheneu, 2005. Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Febre Amarela. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. Vasconcelos PF da C. Febre Amarela. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 36(2):275-293, 2003. Almeida Netto JC. Aspectos clínicos e fisiopatológicos da febre amarela. Rev. Pat. Trop., 20(1):43-50, jan./jun. 1991. [Internet]. [acesso em 11 jun. 2021]. Disponível em: https://revistas.ufg.br/iptsp/article/download/20131/11711. Ministério da Saúde (BR). Instrução Normativa Referente ao Calendário Nacional de Vacinação 2020. [Internet]. [acesso em 11 jun. 2021]. Disponível em: https:// antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/04/Instru----o-Normativa-Calend--rio- Vacinal-2020.pdf. Imagem utilizada sob licença da Shutterstock.com, disponível em: < https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/zica-virus-aedes-aegypti-mosquito- -on-369189926>. Acesso em: 21 de janeiro de 2023. Inserir referência da figura 2: Imagem utilizada sob licença da Shutterstock. com, disponível em: < https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/yellowish- discoloration-skin-sclera-deep-jaundice-1465404281 >. Acesso em: 21 de janeiro de 2023. sanarflix.com.br Copyright © SanarFlix. Todos os direitos reservados. Sanar Rua Alceu Amoroso Lima, 172, 3º andar, Salvador-BA, 41820-770 1. INTRODUÇÃO 2. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA O Vetor 3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO 4. TRATAMENTO E PROFILAXIA REFERÊNCIAS
Compartilhar