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Dificuldades de aprendizagem - Simaia Sampaio

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© 2009 by Simaia Sampaio
 
Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira Editor: Waldir Pedro Revisão Gramatical: Lucíola
Medeiros Brasil
Revisão de Conteúdo: Antônio Fábio Medrado de Araújo
Capa e Projeto Gráfico: 2ébom Design
 
Este livro foi revisado por duplo parecer, mas a editora tem a política de reservar a
privacidade.
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
 
S186d Sampaio, Simaia Dificuldades de aprendizagem: a psicopedagogia na relação sujeito, família e
escola / Simaia Sampaio. 5. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2019.
144p. : 21cm
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7854-025-8
 
1. Psicologia da educação. 2. Distúrbios da aprendizagem. 3. Pais e filhos - Aspectos psicológicos. 4. Professores e alunos -
Psicologia. 5. Pais e professores - Psicologia. I. Título. II. Título: A psicopedagogia na relação sujeito, família e escola.
 
08-5024. CDD 370.15 CDU 37.015.3
 
2019
Direitos desta edição reservados à Wak Editora Proibida a reprodução total
e parcial.
WAK EDITORA
Av. N. Sra. de Copacabana, 945 – sala 107 – Copacabana Rio de Janeiro – CEP
22060-001 – RJ
Tels.: (21) 3208-6095, 3208-6113 e 3208-3918
wakeditora@uol.com.br www.wakeditora.com.br
mailto:wakeditora@uol.com.br
http://www.wakeditora.com.br/
 
Maia e Eunice, meus pais, pelo carinho, amor e dedicação de sempre.
 
Antônio Fábio, esposo e companheiro de todas as horas, pelo
incentivo e apoio.
 
Beatriz e Ana Júlia, minhas filhas, por me permitirem ser mãe e
compartilhar das suas descobertas e aprendizagens.
 
Eliane Andrade, Débora Castro, Jurema Tereza, pelo auxílio, trocas e
descobertas.
 
A todos os alunos e os amigos queridos que, de uma forma ou de
outra, colaboraram na realização deste projeto.
Prefácio
Introdução
Breve histórico
Visão geral da aprendizagem em uma perspectiva psicopedagógica
A escola:
Refletindo sobre o comportamento de professores e alunos em sala de aula
Importância do reconhecimento das etapas do desenvolvimento
cognitivo em sala de aula
Período sensório-motor:
Período pré-operatório:
Período operatório concreto:
Período operatório formal/abstrato ou hipotético dedutivo
Enganar a quem?
Estimulando o raciocínio
Modalidades de aprendizagem do sujeito
Noção de tarefa
Repensando a metodologia em sala de aula
Comunicação em sala de aula
Aprimorando o olhar em sala de aula
A família:
Primeiras aprendizagens no âmbito familiar
Detectando problemas
Sintoma
Superproteção
Negligência ou desinformação?
Afetividade em equilíbrio
Insegurança da família em relação à escola
O sujeito:
Diferenciando transtornos de aprendizagem e problemas de aprendizagem
TDAH – Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade
Dislexia ou má alfabetização?
Discalculia1 ou aversão à Matemática?
Disgrafia
Disortografia
Considerações finais
Referências
Nesta obra, você, leitor ou leitora, terá a oportunidade de ampliar sua
percepção acerca da Psicopedagogia, mediante a reflexão dos múltiplos
fatores que interferem no processo de aprendizagem e de transformação do
sujeito em todas as suas dimensões humanas.
Demonstrando bastante clareza, coerência e conhecimento teórico em
suas argumentações, Simaia Sampaio consegue construir a ponte entre a
teoria do desenvolvimento e a difícil prática educativa, elo este que pode
favorecer uma melhor compreensão do tão complexo triângulo
sujeito/família/escola e de suas relações estruturais.
Para isso, a autora realiza uma concisa e oportuna retomada da
caminhada histórica da Psicopedagogia, caracterizando seu objeto de estudo
e o processo de aprendizagem, sob o enfoque da epistemologia convergente,
da visão sintomática familiar, da instituição escolar e da dificuldade de
aprendizagem, utilizando-se, com maestria, de pressupostos teóricos que
integram os contextos socioafetivos, culturais e cognitivos.
Revendo o próprio desenvolvimento do processo educacional, Sampaio
trilha caminhos da história da Psicopedagogia, como sendo uma ciência
auxiliadora na compreensão dos processos pedagógicos e psicológicos da
educação.
A Psicopedagogia, hoje, é uma área que estuda e lida com o processo
de aprendizagem e suas dificuldades, e que, em sua ação profissional, deve
englobar vários campos de conhecimento, integrando-os e sistematizando-
os.
Os modelos teórico e prático resultantes desta visão são fortemente
influenciados pelos modelos europeu, argentino e norte-americano. O
movimento europeu acabou por originar a Psicopedagogia, ao passo que o
movimento americano proliferou a crença de que os problemas de
aprendizagem possuíam causas orgâ-nicas e precisavam de atendimento
especializado, influenciando parte do movimento da Psicologia Escolar que,
segundo Bossa (1994), determinou a forma de tratamento dada ao fracasso
escolar.
O passado e o presente da Psicopedagogia, apontados brilhantemente
por Sampaio neste livro, são válidos para ressaltar a trajetória da educação ao
longo dos séculos. É necessário que fiquemos atentos a alguns aspectos que
surgem na tentativa de entendermos os processos educacionais, desde a
Idade Média até a modernidade.
Neste contexto histórico, surge a educação sistematizada. Os jovens são
afastados de suas famílias, para aprenderem com outros adultos, seguindo
metodologias e currículos comuns. Este novo método de ensino trouxe
consigo uma nova situação. Ao estarem os alunos juntos, com os mesmos
professores e aprendendo as mesmas coisas, percebe-se que nem todos
aprendem com a mesma rapidez.
As dificuldades de aprendizagem passaram a ser foco de atenção, e a
Medicina começou a estudar a causa desses problemas e suas possíveis
correções. No final do século XIX, educadores, psiquiatras e
neuropsiquiatras começaram a se preocupar com os aspectos que interferiam
na aprendizagem e a organizar métodos para a educação.
Segundo a autora, a Psicopedagogia, na atualidade, é marcada pela
multiplicidade de pesquisas, muitas delas de cunho interdisciplinar, sobre o
fracasso escolar. Estes estudos não negam a importância dos fatores não só
orgânicos, mas abrem um leque de responsabilidades intraescolares,
compartilhadas entre o sujeito aprendiz, a família e o meio social em que
estão inseridos.
Simaia Sampaio nos convida a estabelecermos a distinção entre fracasso
escolar e dificuldade de aprendizagem. Esta é de ordem mais subjetiva e
individual – geralmente há algum tipo de deficiência ou necessidade
educacional específica, que compromete o desempenho na escola e pode
causar fracasso escolar; já aquele é a conjunção de fatores que, em um
determinado momento, interagem, mobilizando o desempenho do sujeito e
do sistema familiar/escolar/social ao qual está integrado.
Como falar de Psicopedagogia é falar de aprendizagem, do que ela é e
como se processa na visão psicopedagógica, a autora se refere a algumas
questões, considerando teorias importantes.
Para Jorge Visca, a aprendizagem representa uma construção
intrapsíquica, considerando os componentes genéticos e as diferenças
advindas da evolução da espécie, resultantes das precondições biológicas, das
condições energético-estruturais (condições afetivas) e das circunstâncias do
meio, ou seja, todos os aspectos do ser humano, convergindo para um único
ponto, que é a aprendizagem.
Piaget deixa claro que sua teoria encontra-se na introspecção da criança
(a natureza do seu pensamento e os seus estágios de desenvolvimento).
Segundo as teorias piagetianas, importa saber como a criança pensa e que
mudanças ocorrem no seu pensamento em diferentes estágios. Contudo, o
interesse principal de Piaget não estava na criança em si, mas na
epistemologia, ou seja, sua busca girava em torno da descoberta do que é o
conhecimento e das formas por meio das quais se pode chegar a ele.
Para Piaget, o objeto de conhecimento não está no sujeito nem no meio
físico social, mas sim no espaço de troca. A interação é igual à troca e não à
inter-relação, como é para Vygotsky.
Para este, viver em sociedade é essencial à transformação do homem de
um ser biológico para um ser humano, e é por meio da aprendizagem com as
relaçõesexperimentadas que se constroem os conhecimentos que vão
permitir o seu desenvolvimento mental (interação ser humano – ambiente
físico social).
A Psicanálise também aborda questões investigativas do
desenvolvimento humano. Apesar de Freud estar interessado em livrar as
pessoas das neuroses, ele gostava de pensar nos determinados fatores que
levam alguém a ser um “desejante do saber”.
Articulando as contribuições das teorias de Pichon Riviére (Psicologia
social), dentre outros, esses teóricos concordam que o desenvolvimento e a
aprendizagem não são resultados apenas do meio externo nem somente das
capacidades inatas do ser humano, mas fruto das intera-ções homem –
mundo.
Esses autores contribuíram de forma fundamental para uma educação
na qual a realidade seja tomada como história, portanto mutável na história.
A partir de uma contextualização a respeito da interação
sujeito/família/escola e das contribuições da Psicopedagogia, a autora
defende que o profissional desta área deve estar envolvido diretamente com
a relação entre família e escola, de modo que compreenda a existência do
sujeito vinculada às relações que este estabelece com as instituições a que
pertence.
Pensar a família e a escola requer do psicopedagogo uma inserção em
diversos e diferentes sistemas. A Psicopedagogia, ao considerar o processo
de aprendizagem como resultante da construção que envolve as relações do
sujeito aprendente nos vários contextos em que está inserido, não pode
deixar de se preocupar com o processo relacional que se estabelece entre a
escola e a família.
A “patologia do aprender” não pode ser compreendida como uma
“falta” individual, mas como uma confluência de fatores que envolvem o
tripé sujeito/ família/escola, estabelecendo uma rede ampla de relações
sociais.
Fazem parte do desenvolvimento das relações familiares as expectativas
que vão surgindo a partir da construção das redes sociais que se estabelecem
no seu ciclo vital. No momento em que a família tenta dar conta deste ciclo,
pode ocorrer o que chamamos de sintomas. A autora aborda os sintomas
diante das necessidades de adaptação e manutenção do sistema, o que pode
levar ao aparecimento de obstáculos que impedem a família de obter avanços
no desenvolvimento de suas relações. O sintoma, portanto, pode surgir a
partir das resistências da família em enfrentar momentos de transição e serve
de alerta para que esta elabore uma mudança de forma mais gradual.
Quando o sintoma vem descrito a partir das dificuldades de
aprendizagem, a família encontra uma maneira de evitar a mudança e manter
o equilíbrio da forma rígida, colocando o problema no sujeito portador do
sintoma, ou seja, o filho não aprende porque é desatento etc. A dificuldade de
aprendizagem pode caracterizar-se como sintoma que emerge em uma
situação na família ou na escola.
Partindo desses pressupostos, Sampaio convida a refletirmos um pouco
sobre essa relação tão conflituosa entre esses dois importantes âmbitos
sociais.
Não é de hoje que a escola vem adquirindo um status de sociabilizadora
e responsável por grande parte do desenvolvimento e aquisição de condutas
e atitudes necessárias à sobrevivência social do sujeito.
Por outro lado, o desenvolvimento de um comportamento social
adequado não é mais objetivo somente da família, apesar de percebermos
que a família tem requisitado da escola uma responsabilidade que vai além do
objetivo escolar.
Desta forma, muitas vezes, a relação entre escola e família vem sendo
prejudicada, pois estas duas instituições não convergem para um contexto
que prepare o sujeito para a vida. Família e escola, quanto mais se
diferenciam, mais necessitam uma da outra.
Sendo assim, o psicopedagogo tem a difícil tarefa de avaliar a
adequação das estruturas sociais e o funcionamento dessa complexa rede de
relações, a fim de melhor intervir nos processos de aprendizagem. Saber
entender as relações entre sujeito/família/escola é, pois, um pré-requisito
importante para uma visão preventiva e terapêutica das dificuldades que se
interpõem nos processos do aprender.
Jurema Tereza Costa
Pedagoga, Psicopedagoga, Psicomotricista e Coordenadora de Ensino Infantil
O fracasso escolar não é um tema recente nem mais uma preocupação
consequente dos tempos modernos. Há muito tempo, educadores vêm
realizando pesquisas e investigando as causas que possam justificar o mau
rendimento escolar, ou os problemas de aprendizagem. Sabemos que o
conhecimento do sujeito é construído na interação com o seu meio, seja o
familiar, o escolar ou mesmo o bairro, e, deste meio, depende para se
desenvolver como pessoa. Entretanto, quando o meio é qualificado como
inadequado para um desenvolvimento sadio, tanto físico quanto psicológico,
o sujeito poderá encontrar obstáculos, mas poderão ser superados à medida
que encontramos na família, na escola e no próprio sujeito uma porta, que
nos permita entrar e (re)construir, junto a estes, uma nova aprendizagem.
Cada um destes ambientes exerce uma gama de influência, que irá
interferir no desenvolvimento global do sujeito, seja de forma positiva ou
negativa. Entretanto, diante dos problemas de aprendizagem, é comum
ocorrer uma isenção de culpa, apontando o outro como responsável pelo
problema, ou apontando o sujeito como o único responsável por seu
fracasso, rotulando-o (não presta atenção, é desatento, é inquieto etc.).
Quando o fracasso escolar se revela, inúmeras hipóteses são
formuladas, a fim de auxiliar o entendimento do problema, e diversas
questões são levantadas. Os pais se perguntam quem seria responsável pelo
deficit: se a criança, eles mesmos ou a escola. A escola também se questiona,
porém com menos culpa, tentando encontrar uma causa, na maioria das
vezes, externa ao âmbito escolar, que vai desde fatores orgânicos a
problemas familiares.
Observando o comportamento do sujeito, são levantadas suposições
que se encaixam no perfil de distúrbios, como Transtorno do Deficit de
Atenção e Hiperatividade, dislexia, autismo, dentre outros. Suspeitas como
estas levam a escola a encaminhar a criança para psicólogos, psicopedagogos,
neurologistas; ou, quando o quadro é de agressividade ou fobia, a família é
chamada a falar sobre um suposto problema, que poderia estar ocorrendo no
âmbito familiar, mas quase nunca na escola.
Embora seja difícil falar separadamente do sujeito, da família e da
escola, pois todos se fundem em uma relação triangular, tentaremos abordá-
los em suas peculiaridades, focalizando as causas das dificuldades de
aprendizagem próprias a cada uma destas instâncias.
Antes disso, não podemos falar do sujeito sem traçar um perfil
histórico de como este foi visto e tratado ao longo dos tempos por médicos,
psicólogos e educadores. Faremos um resumo histórico, para situar o sujeito
que apresenta dificuldades de aprendizagem, ontem e hoje.
Desde o século XVIII, médicos, psiquiatras e filósofos do Iluminismo
já se reuniam a fim de tentar compreender a origem dos problemas de
aprendizagem, atribuindo-lhes uma visão organicista, ideia que permeou a
prática psicopedagógica até pouco tempo atrás. (BOSSA, 2005, p. 9)
A natureza humana era estudada pela Filosofia até a segunda metade do
século XIX. Na Inglaterra, os seguidores de John Locke atribuíam a origem
das ideias às sensa-ções originadas pela estimulação ambiental. Para os
seguidores de Immanuel Kant, na Europa, as ideias de espaço e tempo, bem
como os conceitos de quantidade, qualidade e relação se originavam na
mente humana, e não poderiam ser decompostas em elementos mais
simples. Estas concepções filosóficas se originavam a partir de trabalhos de
René Descartes, tendo como pressuposto a tese de que o estudo científico
do homem deveria restringir-se ao seu corpo físico, e o estudo da alma
estaria destinado à Filosofia. (COLE apud VYGOTSKY, 2003, p. 2)
Segundo Bossa (2000, p. 36), a partir do século XIX, surge a teoria
Evolucionista de Charles Darwin, com a publicação do livro “A Origem das
Espécies”, que coloca o homem dentro de um esquema de evolução
biológica, unindo asciências naturais, humanas e sociais.
De acordo com Cole (apud VYGOTSKY, 2003, p. 3), o livro de Darwin
e mais dois livros intitulados Die Psychophysik, de Gustav Fechner, e Reflexos do
Cérebro, escrito por um médico de Moscou chamado I. M. Sechenov, são
vistos como constituintes do pensamento psicológico do final do século
XIX, apesar de eles não serem considerados psicólogos nem por seus
contemporâneos nem por eles mesmos. Porém, tais autores forneceram
questões que despertaram uma ciência jovem, a Psicologia, para temas, tais
como: Quais as relações entre o comportamento humano e animal, ou entre
processos fisiológicos e psicológicos?
O século XIX foi apontado por Janine Mery como aquele em que
vários educadores se interessaram em compreender e atender portadores de
deficiência mental, sensoriais e outros problemas que comprometiam a
aprendizagem. Dentre estes educadores, encontramos Pestalozzi, Itard,
Pereire e Seguin, todos eles pioneiros nos tratamentos dos problemas de
aprendizagem, preocupando-se, entretanto, mais com a debilidade mental e
as deficiências sensoriais do que com a desadaptação. (cf. BOSSA, 2000, p.
37)
Nos fins do século XIX, o educador Seguin e o médico-psiquiátrico
Esquirol formaram uma equipe médico-pedagógica, abrindo espaço para a
neuropsiquiatria infantil, que passou a se ocupar dos problemas de
aprendizagem. (Id. Ibid., p. 38)
Psiquiatra italiana, Maria Montessori criou um método de
aprendizagem, a princípio, para crianças com retardo mental e que, mais
tarde, foi estendido para crianças ditas normais. O método, que ainda hoje é
aplicado em escolas montessorianas, visa estimular os órgãos dos sentidos e,
por isso, é classificado como sensorial, caracterizando-se em uma educação
pelos sentidos e pelos movimentos. Esta estimulação é feita por meio da
manipulação de objetos com diferentes tamanhos, formas, pesos, texturas,
cores, cheiros, barulhos. É, basicamente, o concreto que prevalece nesta
etapa, para que, por meio dela, a criança atinja o abstrato.
Montessori via as crianças da escola tradicional como um conjunto de
borboletas presas em seus lugares. Para ela, a escola deveria deixar as
crianças livres, as quais poderiam estar sozinhas, espalhadas ou em grupo,
com professores ajudando ou observando. O método influenciou as pré-
escolas em geral e, até mesmo, aquelas que não são especificamente
montessorianas passaram a utilizar estes materiais em sala de aula, como
recursos do desenvolvimento cognitivo e motor.
Scoz (2004, p. 19) explica que, durante muitos anos, o enfoque orgânico
orientou médicos, educadores e terapeutas. Desde os séculos XVIII e XIX,
estudos da Neurologia, Neurofisiologia e Neuropsiquiatria eram
desenvolvidos em laboratórios anexos a hospícios, classificando os pacientes
como anormais. Este conceito passou dos centros psiquiátricos para as
escolas, e as crianças que não conseguiam aprender eram tidas como
anormais, pois havia a concepção de que a causa do fracasso se devia a uma
anormalidade orgânica.
Os primeiros centros psicopedagógicos foram fundados na Europa, em
1946, por J. Boutonier e George Mauco, com direção médica e pedagógica.
Estes Centros uniam conhecimentos da área de Psicologia, Psicanálise e
Pedagogia, onde tentavam readaptar crianças com comportamentos
socialmente inadequados na escola ou no lar, e atender crianças com
dificuldades de aprendizagem, apesar de serem inteligentes. (MERY apud
BOSSA, 2000, p. 39)
Já nesta época, podemos observar a formação de equipes
multidisciplinares por meio da união Psicologia – Psicanálise – Pedagogia,
com o objetivo de conhecer a criança e o seu meio, na tentativa de
compreender o caso para determinar uma ação reeducadora por meio de um
plano de intervenção.
Neste período, inicia-se um novo olhar sobre a criança com
dificuldades de aprendizagem; e um plano de intervenção, antes focado
apenas no orgânico, passa a ser ampliado, de onde o sujeito é observado em
sua totalidade, mediante atividades espontâneas e do brincar.
Percebemos, portanto, que, até a década de 70, os fatores orgânicos
eram vistos como a principal causa dos problemas de aprendizagem, que, de
acordo com Bossa (2000, p. 48), eram atribuídos a uma disfunção do sistema
nervoso central, tendo como causa, pois, uma disfunção neurológica (não
detectável) chamada de Disfunção Cerebral Mínima (DCM).
A problemática do sistema de ensino não era vista como o fator
primordial, para as causas destas dificuldades (assunto que trataremos no
item “escola”). Tais dificuldades eram imediatamente atribuí-das ao próprio
sujeito, sendo rotulado de portador de DCM, de dislexia ou de disritmia e
encaminhados ao médico, prática ainda vista nos dias de hoje, como relata
Bossa:
Na prática do psicopedagogo, ainda hoje é comum receber no consultório crianças
que já foram examinadas por um médico, por indicação da escola ou mesmo por
iniciativa da família, devido aos problemas que estão apresentando na escola. (2000, p.
50)
Scoz (2004, p. 23), Johnson e Myklebust, ambos pesquisadores do
“Institute for Language Disorders”, atribuíam à Disfunção Cerebral Mínima
e aos distúrbios de aprendizagem (dislexias, afasias, disgrafias, discalculias) as
causas do fracasso escolar.
Estas ideias, originadas em consultórios particulares, chegaram às
escolas, que passaram a atribuir, sem nenhum critério, diagnósticos de
hiperatividade, dislexia, dentre outros, para justificar a causa de tais
dificuldades. Estes alunos eram encaminhados a médicos, que confirmavam
o diagnóstico, iniciando um tratamento medicamentoso. (Id. Ibid., p. 24)
O diagnóstico de DCM foi mais aceito por pais e professores, pois dava
a ideia de que o aluno não era o culpado por seu fracasso escolar, mas sim de
uma disfunção que não dependia dele. Por outro lado, esses mesmos pais e
professores se sentiram aliviados por não serem os causadores do fracasso
escolar, já que a questão era neurológica.
Até então, permanecia entre os psicopedagogos a concepção de que o
fracasso escolar tinha como causa fatores orgânicos, atribuindo as
dificuldades na escola às disfunções psiconeurológicas, mentais e/ou
psicológicas.
Foi na Argentina que se iniciou, efetivamente, a prática da
Psicopedagogia qual a conhecemos hoje. Profissionais de outras áreas como
a Filosofia, dentre eles, podemos citar Sara Paín, sentiram a necessidade de
preencher um espaço que não poderia ser ocupado nem por pedagogos nem
por psicólogos. Iniciaram um processo de reeducação, objetivando resolver o
fracasso escolar e trabalhar memória, percepção, atenção, motricidade e
pensamento. Este profissional deveria orientar o processo educativo nas suas
mais diversas falhas, como métodos inadequados, evasão escolar e crise na
escola. (cf. BOSSA, 2000, p. 40)
A partir da década de 70, os psicopedagogos passam a buscar
contribuições de outras áreas do conhecimento, dentre as quais a Psicologia,
a Sociologia, a Linguística, a Antropologia e a Psicolinguística.
Bossa (Id. Ibid., 41) lembra que, neste período, criou-se em Buenos
Aires os Centros de Saúde Mental, onde equipes de psicopedagogos faziam
diagnósticos e tratamentos. O que estes profissionais observaram é que, após
um ano de tratamento, quando estes pacientes retornavam para controle,
haviam resolvido seus problemas de aprendizagem; entretanto, estes
problemas eram substituídos por distúrbios graves de personalidade, como
fobias e traços psicóticos, ocorrendo um deslocamento do sintoma. Deu-se
início a um trabalho de olhar e escutar clínicos da Psicanálise, a fim de
resolver os problemas que originavam tais dificuldades.
Não podemos falar em Psicopedagogia sem falar em Jorge Visca,
criador da Epistemologia Convergente, uma conceitualização acerca da
aprendizagem que, a partir de contribuições das escolas psicanalística
(Freud), piagetiana (Jean Piaget) e da Psicologia social (Pichon Rivière),
facilitou a compreensão dos aspectos afetivos, cognoscitivos e do meio, que
podem interferir na aprendizagem.
Para a Epistemologia Convergente um bom equilíbrio e
desenvolvimentodas estruturas cognitiva, afetiva e social seriam ideais para
que o processo de aprendizagem seguisse seu curso normal. Porém,
verificamos que, se existem dificuldades de aprendizagem, elas estão ligadas,
inevitavelmente, a algum problema nestas estruturas, que podem estar
impedindo o bom desempenho da inteligência.
De acordo com Jean Piaget, a inteligência não é inata, como
acreditavam os inatistas-maturacionsitas. Para os seguidores desta corrente
do pensamento educacional, a criança, desde o nascimento, já é dotada de
forma de conhecimentos inatos e, à medida que ocorre a maturação
orgânica, essas formas se manifestam, independentemente dos intercâmbios
sociais e educativos (SEBER, 1995, p. 103). A hipótese desta corrente é que
“o professor deve deixar a criança livre de qualquer direcionamento para que
ela aprenda por si só”. (Id. Ibid., p. 42)
Na concepção de Piaget, a criança encontra-se em um estado de
adualismo, ou seja, indiscriminação em relação a si mesma e o mundo que a
rodeia, a partir do qual vai construindo níveis sucessivos. Para o autor, a
aprendizagem só é possível quando há assimilação ativa e é, por isso que se
deve colocar toda ênfase na atividade da própria criança; do contrário, não
há didá-tica ou pedagogia possível que transforme significativamente a
criança. (Id. Ibid., p. 131)
Segundo Visca, a inteligência vai se construindo a partir da interação
entre o sujeito e as circunstâncias do meio social (1991, p. 47). Um dos
fatores essenciais à construção do conhecimento é a vida em sociedade e,
para aprender a pensar socialmente, são imprescindíveis a orientação do
professor e o contato com outras crianças.
A Escola de Genebra, liderada por Jean Piaget, dividiu os níveis de
inteligência em quatro estádios principais, que serão explicados no capítulo
seguinte. Para verificar em que estádio ou nível cognitivo o sujeito se
encontra, são aplicadas, no diagnóstico psicopedagógico, as provas
operatórias desenvolvidas pela Epistemologia Genética (Piaget), pois,
segundo Visca, “... ninguém pode aprender acima do nível da estrutura
cognitiva que possui”. (Id. Ibid., p. 52)
Entretanto, não é apenas o bom desenvolvimento cognitivo que implica
uma boa aprendizagem. Fatores de ordem afetiva e social também influem
de forma positiva ou negativa nesta aprendizagem. Daí a Epistemologia
Convergente ter integrado os aportes da Escola de Genebra com os aportes
da Psicanalítica e da Psicologia Social.
Os estudos da Psicanálise revelaram a existência de vínculos positivos e
negativos do sujeito com o objeto de aprendizagem, que surgem em
diferentes intensidades. Estes vínculos podem ser estudados com as
perspectivas histórica e a-histórica. A primeira diz respeito aos contatos
iniciais com a mãe e às situações posteriores ao longo da vida, cada qual
incidindo sobre as aprendizagens anteriores, modificando-as positiva ou
negativamente; a segunda refere-se às situações vividas pelo sujeito no
momento presente. (Id. Ibid., p. 50)
Há crianças que possuem o mesmo nível cognitivo, porém apresentam
tematizações completamente distintas e, como bem lembra Jorge Visca,
“cada contexto oferece diferentes crenças, conhecimentos, atitudes e
habilidades”.
Em relação ao social, Visca sustenta:
É comum observar como sujeitos que têm alcançado um mesmo nível intelectual e
fazem uso semelhante de sua afetividade, por pertencerem a diferentes culturas, meios
sociais ou grupos familiares, apresentam tematizações significativamente distintas.
Isto deriva simplesmente do fato de que cada contexto oferece diferentes crenças,
conhecimentos, atitudes e habilidades. (Id. Ibid., p. 51)
• Fatores orgânicos – saúde física deficiente, falta de integridade
neurológica (sistema nervoso doentio), alimentação inadequada etc.
• Fatores psicológicos – inibição, fantasia, ansiedade, angústia,
inadequação à realidade, sentimento generalizado de rejeição etc.
• Fatores ambientais – o tipo de educação familiar, o grau de
estimulação que a criança recebeu desde os primeiros dias de vida, a
influência dos meios de comunicação etc.
Ainda segundo essas autoras, sintomas e comportamentos infantis se
apresentam com tal intensidade, que fica difícil para um professor distinguir
distúrbios de problemas de aprendizado. É uma tarefa complicada
diferenciar os limites que os separam um do outro, cabendo ao professor
apenas detectar as dificuldades que se apresentam em sala de aula e investigar
as causas de forma ampla, incluindo aspectos orgânicos, neurológicos,
psicológicos e possíveis problemas oriundos do meio em que vive. Agindo
assim, o educador estaria facilitando o encaminhamento ao especialista mais
adequado, que ajudará a criança, tratando seus problemas.
Visca (1991, p. 52-54) nos fala sobre os obstáculos da aprendizagem,
dividindo-os em três tipos:
• Obstáculo epistêmico – ninguém pode aprender acima do nível
da estrutura cognitiva que possui. Refere-se a uma estrutura cognitiva
defasada em relação à idade cronológica.
• Obstáculo epistemofílico – falta de amor pelo conhecimento.
Adotam diferentes formas que podem ser agrupadas em três grandes
categorias: a) medo à confusão (o sentimento consiste em um temor à
insdiscriminação entre o sujeito e o objeto do conhecimento); b) medo
ao ataque (o sentimento consiste em ser agredido pelo objeto); c) medo
à perda (o sentimento consiste em perder o que já foi adquirido).
Aparecem diante da nova aprendizagem.
• Obstáculo funcional – conjunto de obstáculos que, em alguns
momentos, correspondem a causas emocionais e, em outros, a causas
estruturais. Tratam-se de dificuldade para antecipar, mesmo quando o
nível intelectual geral seja ótimo; dificuldade para organização
voluntária do movimento, ou para a discriminação visual, mesmo
quando não há problemas na visão, por exemplo.
Diante destes obstáculos, surgem os sintomas, causando as dificuldades
de aprendizagem que tanto vemos acontecer nas escolas. É aí que reside a
importância de um diagnóstico psicopedagógico, cuja intenção é descobrir a
causa do seu aparecimento.
Encontramos nos dicionários a palavra sintoma como sinônimo de
indício. Refiro-me, portanto, a um indício de que algo não vai bem. A
percepção de que há algo errado pode partir do próprio aluno, que já está se
sentindo incomodado com as críticas dos colegas, dos professores, ou
poderá partir de pessoas de sua convivência, como familiares.
Para Bleger (1984, p. 144), “o sintoma é a conduta melhor que o
organismo pode manifestar, para resolver da melhor forma possível as
tensões que enfrenta nesse momento”.
Visca nos diz que “o sintoma de aprendizagem é uma conduta desviada
que se expressa somente quando o meio o exige” (1987, p. 53). Quando o
meio pressiona, o sintoma pode manifestar-se por meio de notas baixas, de
indisciplina ou agressividade com colegas, professores ou com a própria
família.
Este meio pode ser um ou vários conjugados: escolar (jardim, escola primária, escola
secundária – comum, para adultos, intensivo – universidade etc.); lugar de produção
(fábrica, escritório, comércio etc.); comunidade em que vive (cidade, povoado, bairro
ou meio rural). (Id. Ibid., p. 52)
Em uma visão piagetiana, o desenvolvimento cognitivo é um processo
de construção que se dá na interação entre o organismo e o meio. Se este
organismo sofrer algum tipo de problema desde o nascimento, o ritmo do
processo de construção sofrerá alterações. (WEISS, 2003, p. 23)
Costumo dizer que não adianta combater a febre, que é o sintoma, sem identificar e
combater a infecção, a causadora do sintoma. É assim com o problema de
aprendizagem escolar. É preciso identificar a causa, combatê-la e tratar o sintoma.
(BOSSA, 2000, p. 11-12)
Assim como a febre, este sintoma é um alerta para que alguma
providência seja tomada. Ele, inevitavelmente, dará origem à queixa; diante
disto, é necessário recorrer a algum profissional, para uma análise, um
diagnóstico, a fim de descobrir o que não está indo bem. Este profissional
poderá ser um psicólogo, um fonoaudiólogo ou um psicopedagogo,
conformeorientação da escola, ou conveniência dos pais.
Optando pela escolha do psicopedagogo, este, antes do atendimento ou
tratamento, irá fazer um diagnóstico para confirmar se o sujeito precisará de
acompanhamento psicopedagógico ou de outra intervenção profissional.
O sujeito, no caso, é “toda a pessoa que apresenta dificuldades de
aprendizagem: criança, adolescente ou adulto” (VISCA, 1987, p. 51), ou seja,
está dirigida a toda pessoa que aprende, independentemente de sua idade, e
não apenas para crianças.
Weiss (2003, p. 23-24) cita os aspectos orgânicos, cognitivos,
emocionais, sociais e pedagógicos como aqueles que ajudam a construir uma
visão global do sujeito. Os aspectos orgânicos estariam ligados à construção
biofisiológica do sujeito, cujas alterações sensoriais impedirão ou dificultarão
o conhecimento. Problemas como afasias e disfasias poderão ou não causar
problemas de leitura. Os aspectos cognoscitivos estariam relacionados ao
desenvolvimento das estruturas que incluem também memória, atenção,
antecipação etc. Os aspectos emocionais estariam vinculados ao
desenvolvimento afetivo e a sua relação com a construção do conhecimento.
Os aspectos sociais estariam ligados às perspectivas em que estão inseridas a
família e a escola. E os aspectos pedagógicos seriam fatores que podem
interferir na aprendizagem, como tipo de avaliação, metodologia de ensino,
estrutura de turmas, organização geral etc.
É sobre este último tema que abordaremos no capítulo a seguir.
Refletindo sobre o comportamento de professores
e alunos em sala de aula
Os problemas de aprendizagem se manifestam de diferentes formas
dentro da escola, e sintomas divergentes se apresentam para revelar que algo
não vai bem. Cada criança é única na sua forma de ser, de aprender, bem
como de não aprender. Perguntamo-nos, enquanto docentes, por que alguns
conseguem aprender e outros não, se a forma de ensinar é a mesma.
Entretanto, certamente, não são os mesmos os vínculos entre professor
e todos os alunos, porque cada criança tem um temperamento,
comportamento, família, culturas diferentes. Alunos que conversam muito,
se desconcentram e não participam são chamados à atenção, que, quase
sempre, são carregadas de broncas e ameaças, destruindo a autoestima da
criança, e um vínculo que é fundamental para a aprendizagem.
Mas não é somente o aluno que sai prejudicado nesta relação
conturbada; o professor também apresenta sintomas que interferem no seu
equilíbrio.
De acordo com pesquisas do instituto Academia de Inteligência, no Brasil, 92% dos
professores estão com três ou mais sintomas de estresse e 41% com dez ou mais. É
um número altíssimo, indicando que quase a metade dos professores não deveria estar
em sala de aula, mas internada em uma clínica antiestresse. (CURY, 2003, p. 62)
O professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da
Bahia, Eduardo Reis, que coordena uma pesquisa sobre a voz de
profissionais de educação, em entrevista ao Jornal Folha Dirigida, afirma
que, depois das doenças psíquicas, as doenças mais frequentes entre
professores são: Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
(Dort) e, principalmente, a bursite causados por longos períodos em
posições incômodas e pelo exercício de escrever no quadro; varizes, que
atacam quando se fica muito tempo em pé ou sentado; infecção urinária,
pois, geralmente, o professor fica muito tempo sem ir ao banheiro, para não
deixar a turma.
Refletir sobre sintomas apresentados pelo professor e pelo aluno é uma
grande oportunidade para repensar a prática pedagógica. Situações de
desgaste experimentadas pelo professor, chamando a atenção do aluno a
todo o momento, podem evidenciar um conjunto de fatores inadequados,
que poderão ser consequência de erros na prática pedagógica, tais como: má
organização do espaço em sala de aula, má distribuição do tempo, para
realização das atividades e das avaliações incoerentes. Não deixando de
considerar, é claro, que muitas vezes, o estresse docente advém de longas
jornadas de trabalho, desgaste com a coordenação e com os alunos,
condições de trabalho inapropriadas (falta de material, utilização ainda do
giz, agravando problemas na voz).
Não é só o comportamento agitado da criança que influencia nesta
escalada negativa. O aluno quieto, calado, pode estar entre aqueles que não
aprendem bem. Por serem tímidos, quase nunca se manifestam,
permanecendo com suas dúvidas acumuladas, tendo como consequência um
baixo rendimento. Quando estes alunos são notados, geralmente por suas
notas baixas, alguns chegam a serem encaminhados para um atendimento
psicopedagógico clínico, e, no diagnóstico, o que a maioria apresenta é um
outro comportamento: gostam de ler, interagem, participam, bem diferente
da queixa apresentada, no entanto não rendem na escola. Em muitos casos,
não há nada errado com seu cognitivo, mas sim com um sistema de ensino
fechado.
Observamos que, muitas vezes, a escola não abre espaço para estes
alunos se manifestarem, e a timidez os impede de se posicionarem. Ao invés
de serem estimulados, com recursos diversificados, a mostrarem o que fazem
de melhor, são-lhes oferecidos o papel de coadjuvantes enquanto o papel
principal fica para os alunos mais extrovertidos e desinibidos. Todos os
alunos são capazes, é claro que de forma diferente, e um olhar diferenciado
poderá descobrir o que cada um tem de especial, ajudando-os no
desenvolvimento de novas competências.
Fernández alega que “o não-aprendiz não requer tratamento
psicopedagógico, na maioria dos casos. A intervenção do psicopedagogo
dirigir-se-á fundamentalmente a sanear a instituição educativa
(metodologiaideologia-linguagem-vínculo)”. (1991, p. 82)
O sonho de consumo de vários professores, muitos deles
despreparados ou cansados, seria ter em sua classe alunos que participassem
ativamente, fizessem as tarefas com autonomia, ficassem atentos à aula,
diminuindo assim o desgaste de ficar chamando-lhes a atenção, o que, em
contrapartida, daria a entender que estão dando uma boa aula. Mas, quando
isto não acontece, a quem culpam? Frequentemente, não a si mesmos.
Esperar ter em sua classe alunos que se enquadram neste perfil “ideal”
é iniciar um processo de exclusão daquelas crianças que têm dificuldades
reais de aprendizagem. Muitas deixam de aprender porque não podem.
Aprendem menos ainda quando não encontram na figura do professor um
verdadeiro mediador.
Tal reflexão se faz necessária sempre, embora haja professores que
façam esta reflexão, sabem o que precisam mudar, mas não conseguem ou
não podem. São professores que trabalham em dois ou três turnos e não
dispõem de tempo para preparar uma boa aula, ganham pouco e não
encontram estímulo para criar, ou trabalham em escolas sem estrutura e que
não dão apoio pedagógico ao professor. Quem sofre com tudo isto é o
aluno, que fica impossibilitado de assistir a uma boa aula, programada.
Mesmo algumas escolas que possuem certa estrutura, como laboratórios,
informática, aulas de música, teatro e artes, não trabalham com a
interdisciplinaridade, para que o aluno possa desenvolver-se de forma global
e ter uma ampla possibilidade de interação de conhecimentos. Sua
aprendizagem, desta forma, fica comprometida e limitada, dependendo do
esforço do próprio aluno, como sustenta Weiss:
Professores em escolas desestruturadas, sem apoio material e pedagógico,
desqualificados pela sociedade, pelas famílias, pelos alunos não podem ocupar bem o
lugar de quem ensina tornando o conhecimento desejável pelo aluno. É preciso que o
professor competente e valorizado encontre o prazer de ensinar para que possibilite o
nascimento do prazer de aprender. A má qualidade do ensino provoca um
desestímulo na busca do conhecimento. (2003, p. 18)
Muitos professores do ensino fundamental, que ocupam este lugar de
impotência, sendo em sua maioria de escola pública, manifestam o desejo de
uma prática renovada, mas ainda acreditam na aprendizagem pela repetição,
pela transmissão de informações técnicas e, consequentemente, creem no
modelo tradicional.Talvez ainda não tenham estado em contato real com
uma teoria construtivista, que os fizessem perceber o sujeito como
construtor do seu próprio conhecimento, e não alguém à espera de
informações prontas.
Encontramos em sala de aula professores que acreditam estar
trabalhando com o construtivismo; contudo, sua atuação está ligada a uma
visão empirista-associacionista. Conforme Seber (1995, p. 27-28), nesta
corrente de pensamento, o importante é que a criança possa reproduzir o
que lhe foi transmitido, e, a cada resposta correta (na visão do adulto), vão
sendo introduzidas novas informações, cujas respostas (das crianças) vão
sendo substituídas por outras mais elaboradas. O papel da criança é de
receptor e, na visão destes professores, é necessária a utilização de cartazes,
recursos audiovisuais, materiais em grande quantidade e variedade, além de
algumas técnicas como condicionamento e reforço, tendo como resultado a
modelagem de um comportamento que se julga desejável. As informações
são oferecidas de pouquinho em pouquinho, para que cada pouquinho possa
ser treinado, como, por exemplo, o ensino (ou treino melhor dizendo) das
cores, das formas geométricas, das expressões, como maior, menor, em cima,
em baixo, médio etc. O condicionamento funciona, quando a criança, ao
ouvir o “está certo”, procura repetir a mesma resposta em outra situação e,
se ouvir o “está errado”, ela irá procurar não repetir. Para estes professores,
o aluno deve ficar quieto, atento, em silêncio, e o professor deverá repetir
quantas vezes forem necessárias. A consequência disto é a passividade
intelectual e uma uniformidade conceptual, ou seja, a criança se torna
passiva, não necessitando refletir sobre nada, porque o professor já fez isto
por ela, e há uma padronização ou uniformidade de pensamento. Como
todos acabam tendo uma única forma de pensamento, as reflexões em
conjunto são reduzidas, o que acaba estimulando o individualismo.
Para que a criança possa se desenvolver e aprender, ela precisa ter
construído condições internas de raciocínio, a fim de que possa interpretar o
conteúdo; do contrário, sem essas condições internas, ela irá apenas
memorizar, esquecendo logo depois, fato este que presenciamos diariamente
em muitas escolas.
No empirismo-associacionismo, aprendizagem e desenvolvimento não
se confundem, são processos distintos.
Seber (Id. Ibid., p. 230) cita algumas atitudes pedagógicas que se
fundamentam na hipótese de que o conhecimento parte de fora para dentro,
e que continuam sendo empregadas em sala de aula: fornecimento de
modelos a serem copiados; utilização de reforçamento, tanto no que se
refere à confecção de cartazes como ao emprego de recompensas e
punições; manutenção do que é transmitido, a fim de ampliar a possibilidade
de “respostas instantâneas”. Os professores se baseiam em suas próprias
opiniões particulares, como critério para a eleição do tema a ser discutido na
pré-escola.
As condições internas de raciocínio serão conquistadas à medida que as
crianças possam ter oportunidade de agir sobre objetos, manipulá-los,
deformá-los, dividi-los em partes, reunir as partes em um todo, deslocá-los.
Diante disso, poderão perceber que os objetos possuem diferentes critérios,
como formas, tamanhos e cores (crianças com defasagem cognitiva não
conseguem perceber todos os critérios na prova dicotomia ou mudança de
critério – provas operatórias de Piaget). Adquiridas estas condições, serão
capazes de seriar, classificar, incluir etc.
Como diz Piaget (apud SARAIVA, p. 70), não se pode aprender a nadar
simplesmente olhando os banhistas, sentado comodamente no banco do
cais.
Por desconhecerem o modo de pensar da criança, já que não se
dispõem a questioná-las, não se preocupam se o tema está vinculado a coisas
que despertam sua curiosidade. Os temas, em geral, são escolhas baseadas na
visão do adulto, não despertando o interesse da criança. São exemplos disso
cartazes bem confeccionados, distribuídos nas paredes para serem vistos e
revistos. Acreditam que a criança vai assimilando de pouquinho em
pouquinho, o que é uma inverdade. Por outro lado, escolas que mandam a
criança fazer cartazes em casa já deveriam saber que, na maioria das vezes,
quem acaba produzindo estes cartazes são os pais ou os responsáveis, com
uma coisinha ou outra dos filhos como recorte, colagem. Nada contra
cartazes, mas, então, por que não confeccioná-los em sala de aula? Será
porque acabaria atrasando outros conteúdos a serem dados? Será a
quantidade de conteúdo mais importante do que a produção da criança e o
seu raciocínio para executá-lo, ainda que demande um tempo maior?
Os conteúdos escolares são necessários, mas para que possam promover a
aprendizagem, o professor precisa saber distinguir por quais meios esse conteúdos
são acessíveis às crianças. Tudo depende da etapa de desenvolvimento. Sem conhecer
as características que definem tais etapas, tornase mais difícil ensinar a criança de
modo que ela aprenda. (SEBER, 1995, p. 231)
Importância do reconhecimento das etapas do
desenvolvimento cognitivo em sala de aula
De acordo com Piaget, as etapas do desenvolvimento cognitivo estão
classificadas da seguinte forma: período sensório-motor (do nascimento até
os 2 anos aproximadamente), período da inteligência simbólica ou pré-
operatória (de 2 aos 7-8 anos), período da inteligência operatória concreta
(de 7-8 a 11-12 anos), período da inteligência operatória formal (a partir de
12 anos, com equilíbrio entre 14-15 anos). (DOLLE, 2002, p. 104)
Período sensório-motor:
O período sensório-motor, que corresponde ao primeiro estádio do
desenvolvimento lógico, vai desde o nascimento até o aparecimento da
linguagem por volta dos 18 meses a 2 anos. É assim chamado porque existe
uma coordenação sensório-motora da ação, com base na evolução da
percepção e da motricidade.
Conforme Goulart (2007, p. 31), até por volta dos oito meses, a criança
apresenta o que Piaget chamou de adualismo inicial, sendo incapaz de se
diferenciar do mundo. Não há consciência da diferenciação do eu e do outro.
A afetividade está centrada no próprio corpo e na sua ação. A criança alterna
momentos de tensão e relaxação em busca de momentos agradáveis e
fugindo dos desagradáveis.
Como explica Goulart (2007, p. 31), o período sensório-motor é
subdividido em seis subestádios.
1 – Exercício reflexo – corresponde aos reflexos próprios do
primeiro mês de vida. A atividade é puramente reflexa e restringe-se às
coordenações sensoriais e motoras. São reflexos como os de sucção, de
preensão (palmar), de Babinsky e de nutrição.
2 – Reações circulares primárias – são reações equivalentes aos
primeiros hábitos da criança, que aparecem entre um e quatro meses.
Quando a criança emite um comportamento, ela tende a repeti-lo
posteriormente. Já existe uma intencionalidade, mas não se pode
afirmar que já se trata de um ato inteligente porque não se percebe uma
finalidade previamente procurada. Quando a criança agita a mão, ela
passa a repetir este gesto várias vezes.
3 – Coordenação de visão e preensão e começo das reações
circulares secundárias – inicia-se por volta dos quatro meses e vai até os
oito meses. Inicia-se a coordenação entre a visão e a preensão,
agarrando e pegando tudo que está próximo. As reações circulares
dizem respeito aos comportamentos repetitivos. Percebe-se que,
realizando um determinado ato, produzse um efeito, e a tendência será
repeti-lo. Já existe aí uma antecipação embora limitada.
4 – Coordenação dos esquemas secundários, com utilização, em
certos casos, de meios conhecidos com vista à obtenção de um objetivo
novo – neste subestádio, que se inicia por volta dos oito meses e vai até
os 11 meses, já se observa atos mais complexos de inteligência prática.
Quando a criança tem sucesso na realização de um ato, tenta repeti-lo
em outra situação, utilizando o esquema de assimilação.
5 – Diferenciação dos esquemas de ação por rea-ção circular
terciária (variação das condições de exploração e tateamento dirigido) e
descoberta de meios novos – vai dos11 meses até os 18 meses. Ao
perceber que o esquema de seu repertório não funcionou, recorre-se a
novos esquemas para alcançar suas metas.
6 – Início da interiorização dos esquemas e solu-ção de alguns
problemas após interrupção da ação e ocorrência de compreensão
súbita – inicia-se por volta dos 18 meses e vai até aproximadamente os
dois anos. Diante de um problema, a criança não usa mais tateios, mas
já para, observa, pensa e, em seguida, apresenta uma resposta para
atingir seu objetivo.
Período pré-operatório:
Visca (1991, p. 48) explica que, no nível da inteligência pré-operatória,
já existe uma representação ou simbolização. A mera ação motriz própria da
etapa anterior interioriza-se e se transforma em pensamento. Há neste
estágio uma distinção entre significante (imitação, desenho, imagem mental,
jogo, palavra) e significado (situação evocada, objeto representado). Este
pensamento ainda carece da organização dos objetos em categorias lógicas
gerais. Por exemplo: o termo flor representa o elemento da classe que é
familiar à criança (flor do jardim da escola), e não a classe a que pertence a
flor; não há reversibilidade.
Até os dois anos, o desenvolvimento é centrado na própria criança,
mas, a partir dos dois anos, a criança se volta para a realidade exterior,
tentando descobri-la e, por isso, é chamado de estádio objetivo. É também
chamado de período simbólico, pois instala-se a representação mental,
conforme afirma Goulart (2007, p. 54).
Esta representação mental, a partir dos 18 meses, permite à criança
reconstituir ações passadas por meio de narrativas, de representar cenas
assistidas por meio do jogo simbólico ou mímica.
Neste período, a criança ainda não se coloca segundo o ponto de vista
do outro, existindo o egocentrismo infantil. Para a criança, só existe seu
ponto de vista, não considerando que outras pessoas também possuem seus
próprios pontos de vista.
Neste período, o pensamento egocêntrico da criança é caracterizado
pelo animismo (quando a criança atribui vida (animal) a todos os seres,
inclusive os inanimados – por exemplo: bater a cabeça na parede, a parede é
má), artificialismo (quando atribui uma origem artesanal humana a todas as
coisas – por exemplo: pensar que uma montanha foi feita por um homem
que juntou um monte de terra) e o finalismo (a criança pensa que todos os
seres e os objetos têm a finalidade de servi-la – por exemplo: quando
perguntamos para que serve o bolo, ela responde: É para “mim” comer, e
para que serve a cadeira, ela diz: É para “mim” sentar).
A criança pré-operatória é incapaz de descentrar o pensamento, ou seja,
centra a atenção em apenas um traço. Não é capaz de acompanhar as
transformações, sendo seu pensamento dito estático.
Na prova operatória de conservação de matéria, quando inicialmente a
criança faz duas bolas e verifica que possui a mesma quantidade de massa e,
quando uma delas é transformada em salsicha, ela não é capaz de responder
que a salsicha tem a mesma quantidade que a outra bola porque não percebe
que apenas mudou a forma (argumento de compensação) ou que não tirou
nem colocou nada (argumento de identidade) ou que tem a mesma
quantidade porque antes era bola (argumento de reversibilidade), ou seja, a
criança fixa no produto final (forma da salsicha) como se não tivesse
acompanhado o processo de transformação. Em seu pensamento, não existe
ainda a reversibilidade, não consegue ainda entender como esta salsicha
poderá ser transformada novamente em bola e não existe a conservação, não
entende que independentemente da forma a quantidade não se altera.
Entre cinco anos e meio e sete anos, a criança já começa a dar respostas
intermediárias, algumas conservativas outras não. Se tudo correr bem, aos
sete anos, ela já estará no período operatório concreto.
Se a criança possui uma defasagem cognitiva encontrando-se neste
período quando já deveria estar em uma etapa posterior, será difícil resolver
problemas matemáticos, interpretação de texto, entender o conteúdo próprio
da idade.
Período operatório concreto:
No terceiro nível, da inteligência operatória concreta, o pensamento se
torna reversível e conservador. A criança é capaz de realizar a reversibilidade
de pensamento diante da transformação do objeto de um formato a outro,
concluindo que não houve modificação em relação à quantidade, apenas no
formato. Quando aplicamos a prova de conservação de líquido, por exemplo,
a criança é capaz de afirmar que, independentemente do formato do copo, a
quantidade de líquido continua a mesma, não se altera. Esta criança terá,
portanto, conservado a quantidade de líquido.
Uma criança que ainda não está neste estádio, mas, em um anterior, o
pré-operatório, poderá dizer que, no copo comprido e fino, tem mais
quantidade que o copo experimental porque é mais alto.
Conforme Goulart, neste período, o egocentrismo regride, e as ações
são interiorizadas.
Período operatório formal/abstrato ou hipotético
dedutivo
No último e quarto estádio, o da inteligência hipotético-dedutiva ou
formal, o pensamento se torna independente do concreto, partindo de
premissas cuja verdade é admitida a título hipotético, podendo operar de
acordo com uma lógica que implica todas as combina-ções possíveis.
Conforme Dolle (1987, p. 168), enquanto o pensamento concreto
permanece preso ao real, o pensamento formal, ao contrário, é hipotético-
dedutivo, isto é, ele opera uma inversão entre o real e o possível, onde o real
chega a se subordinar ao possível. A dedução lógica, agora, não se efetua
mais sobre o real percebido, mas sobre hipóteses. Desde o início, ele efetua a
síntese entre o possível e o necessário.
Existe uma ordem de sucessão nestes estádios, ou seja, uma
característica não aparecerá antes de outra em um conjunto de sujeitos e
depois em outro conjunto. Os referidos estádios possuem, também, caráter
integrativo, o que quer dizer que as estruturas construídas em um estádio são
integradas nas estruturas no estádio seguinte, vale dizer que as estruturas
sensório-motoras são parte integrante das estruturas operatórias concretas e
estas das formais. (DOLLE, 1987, p. 52)
Devemos ressaltar que é imprescindível o conhecimento das etapas de
desenvolvimento da criança pelo professor. Se a criança ainda não estiver
com uma estrutura cognitiva condizente com o que está sendo ensinado, e
este fato não for observado pelo professor, poderão acarretar desestímulo,
falta de interesse e rejeição por parte do aluno.
Algumas crianças chegam com a queixa de deficit de atenção e, quando
aplicamos as provas operatórias, observamos defasagem cognitiva, mas não
observamos o deficit de atenção como transtorno. Isto significa que, se o
conteúdo estiver acima da sua idade cognitiva, a criança poderá desviar seu
olhar para outros interesses que não os da sala de aula. Por isso é importante
que a queixa de falta de atenção esteja presente em todas as situações da vida
da criança e não apenas em relação aos estudos.
Outro fator que poderá ocasionar rupturas no processo de
desenvolvimento é não respeitar as etapas de desenvolvimento, antecipando
conteúdos que ainda não são próprios da idade cognitiva. Greig afirma:
Uma experiência interessante nos é proporcionada pelos professores que solicitam
cedo demais uma representação que ultrapassa a maturidade das crianças: a incitação
muito precoce à representação de um boneco com cabeça e corpo pode levar
justamente à ruptura dessa representação (2004, p. 61).
Araújo (2003) adverte:
Identificar estes períodos é de grande relevância para o trabalho pedagógico, pois é
baseado neles que o professor saberá quais atividades mais adequadas para cada idade.
É este um dos grandes problemas enfrentados pelos alunos e que aparentemente
ainda não foram solucionados. Professores aplicam problemas matemáticos
correspondentes ao nível de inteligência operatória formal (a partir dos 12 anos) para
que estas crianças, que ainda atuam no operatório concreto, tentem solucionar.
Levantar hipóteses, fazer suposições ainda não correspondem a esta faixaetária, isto
só irá acontecer mais tarde.
As hipóteses da criança serão formuladas e reformuladas à medida que
possam atuar concretamente sobre diferentes objetos. Observando estas
ações é que o professor irá estimular a curiosidade, por meio de
questionamentos desafiadores que agucem seu raciocínio. Deverá também,
em alguns momentos, devolver seus questionamentos de forma que induza a
criança a pensar sobre suas próprias ideias.
Fernandez aduz que, “se a criança não realiza ações com os objetos, se
não tem possibilidade de ver, tocar, mover-se, provar seu domínio sobre as
coisas, vai encontrar sérias dificuldades no processo de organização de sua
inteligência” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 72). A autora ainda argumenta:
O alcance de uma etapa superior na organização inteligente, não se consegue senão
com um progressivo intercâmbio do sujeito com o meio onde ele vai provando suas
possibilidades de domínio, em um jogo permanente de ações. Intercâmbio que,
inicialmente, dá-se através de ações materiais que vão progressivamente sendo
interiorizadas e transformadas em operações. (Id. Ibid., p. 73)
Seber (p. 195, 1995) cita os manuais que são utilizados por alguns
professores na pré-escola, que têm como objetivo trabalhar a noção espacial
da criança, como fazer cruz embaixo do objeto que é alto ou baixo, gordo ou
magro, leve ou pesado. Mas a criança pré-escolar ainda não raciocina
relativamente, pensando que um objeto é, ao mesmo tempo, alto e baixo em
relação a outro objeto, que um animal é, ao mesmo tempo, gordo e magro
em relação a outro. “Por desconhecerem essa etapa do raciocínio infantil, as
atividades sugeridas em vários manuais pré-escolares são orientadas no
sentido de treino de noções que expressam relatividade”.
Os conceitos são ensinados de forma absoluta: ou algo é grande, ou
pequeno; ou maior ou menor, e a criança não é estimulada a pensar
concretamente, para atingir a relatividade.
Para que a criança entenda esta relatividade, ela precisa agir sobre os
objetos e se colocar em relação ao outro. Quando colocamos uma criança
entre duas outras, ela pode perceber que é mais alta que fulana e mais baixa
que beltrana, e que, portanto, pode ser ao mesmo tempo alta e baixa.
Algumas crianças ainda não conseguem entender que são filhos, irmãos,
netos e primos ao mesmo tempo. A criança irá alcançar a relatividade
gradativamente, ordenando objetos, como barras de madeira, recortes
coloridos etc. Atividades como estas possibilitarão o sucesso da seriação.
Enganar a quem?
Uma estudante de Pedagogia, que fazia estágio em uma escola pública,
verificou que a didática e os recursos utilizados pela professora eram ainda
bastante tradicionais. A escola já se dizia construtivista, mas a professora não
seguia as orientações por ainda acreditar na aprendizagem pela repetição.
Deste fato, nem a coordenação da escola nem a direção tinham
conhecimento.
E assim, os alunos continuam reproduzindo informações, decoradas,
“que não se constituem em uma produção do saber, em uma construção real
do conhecimento como diz Piaget, de uma atividade que deveria despender
do sujeito para organizar seu cognitivo”. (FERNÁNDEZ, 1991)
Posso pensar que uns 50% das consultas podem ser atribuídas a uma causa que não é
sintomática de uma família e de um sujeito, mas de uma instituição socioeducativa,
que expulsa o aprendente e promove o repetente em suas vertentes (exitoso e
fracassante). 
Há um repetente exitoso (que não se preocupa nem se chamam de repetente): é o que
se acomoda ao sistema, imita, não repete o ano, mas repete textos de outros, repete
consignas, submete-se, não pensa, mas triunfa porque repete o que os outros querem.
A este repetente ninguém encaminha à Psicopedagogia, ainda que devesse estar em
nossos principais objetivos de trabalho preventivo. 
Há outro, a que se chama repetente por repetir de ano. O fracasso na escolarização da
maioria deles é um problema reativo a um sistema que não os aceitam, que não
reconhece seu saber e os obriga a acumular conhecimentos. (Id. Ibid, p. 88)
Carraher relata um diálogo entre duas professoras em que uma delas
diz: “Eu ensinei frações hoje. Os alunos não entenderam. É pena. Eu dei
uma aula muito boa”. E compara com um diálogo entre dois vendedores, no
qual um deles diz: “Eu vendi alguns carros hoje, mas não compraram
nenhum”. (2002, p. 16)
Estranho isto, não é mesmo? Como pode um vendedor vender carros
sem ninguém ter comprado? Da mesma forma, como pode alguém ter
ensinado alguma coisa sem ninguém ter aprendido? A professora não
ensinou, apenas falou sobre o assunto. Acha que sua obrigação é passar a
informação, cabendo aos alunos desenvolver uma maneira espetacular de
aprendizagem.
De nada adianta a professora criticar ou punir a criança, se esta não usa
a linguagem como função reguladora da ação (assunto que abordaremos
adiante). Elaborar as atividades com o sujeito, planejar com os alunos, sondar
o que já sabem para auxiliar o que virão a conhecer são ações que ajudarão
as crianças com dificuldades de aprendizagem.
É difícil ver o que acontece entre quatro paredes, principalmente se o
professor tem o hábito de dar aula com a porta fechada. Por isso, é
importante que a Direção da escola crie grupos de estudos entre professores,
coordenadores e orientadores, propondo seminários a serem apresentados
pelos próprios professores. Esta é uma forma da escola saber como os
professores pensam, de que forma procuram se atualizar e o quanto se
dedicam à prática pedagógica.
Estimulando o raciocínio
Crianças gostam de pensar e, quando lhes são fornecidos meios para
estimular seu raciocínio, surgem oportunidades para desenvolver seu
potencial.
Quando o professor traz os termos acadêmicos já prontos, sem antes
estimular seu raciocínio, está interferindo em uma elaboração do pensamento
da criança. Se, ao contrário, o professor inicia sua aula com um diálogo,
sondando o que sabem sobre determinado assunto, sobre o que tal coisa
quer dizer, ou sobre como algo funciona, o professor terá a oportunidade de
saber o que os alunos conhecem e, depois da aula, verificar o que
aprenderam e, se não aprenderam, poder identificar o modelo de
aprendizagem do aluno, bem como onde está a falha, se em sua metodologia
ou na forma da criança aprender.
O erro é uma preciosidade que nenhum professor deve desperdiçar,
visto que, por meio dele, temos a oportunidade de observar como a criança
está raciocinando e como constrói seu pensamento. Seria cruel demais
simplesmente apontar o erro, sendo mais justo repensá-lo junto à criança
para que ela possa fazer as correlações necessárias e descobrir o que deverá
ser modificado.
A contra-argumentação (devolver a pergunta ao aluno, em algumas
situações, perguntando o que ele pensa sobre o assunto e ajudando-o no seu
pensamento) é uma ferramenta imprescindível, que deveria ser sempre
utilizada em sala de aula. Desta forma, poderemos desenvolver sujeitos
pensantes e curiosos, ao invés de sujeitos passivos.
Quantas vezes o aluno erra na sua resposta sem que a professora note que ele estava
de fato pensando, muitas vezes, até pensando bem. Não devemos supor que a
resposta errada indica que a criança não estava pensando. Precisamos conhecer como
a criança estava pensando. O que a leva a chegar a conclusões diferentes das nossas?
Como ela está representando as ideias na cabeça dela? (CARRAHER, 2002, p. 18)
Em uma determinada sessão, eu e T. (10 anos) jogávamos pega-varetas.
No final, contamos os pontos, e a minha pontuação foi 215 e a dela 190.
Então, perguntei: Quantos palitos eu tenho “a mais” que você? Ela efetuou
uma adição, porque entendia que este “a mais” era para somar. Pude, com
essa brincadeira, perceber que ela ainda não entende que o conceito “a mais”
propõe a diferença entre dois objetos e que, portanto, deve-se efetuar uma
subtração. Uma professora em sala de aula poderá não perceber que a
dificuldade dela está em entender este “a mais”, e que, por isso, errou o
problema. Um olhar mais atencioso sobre estas questões ajudará o professor
a identificarrapidamente o equívoco da criança e a minimizar suas
dificuldades.
Um professor disposto a contribuir com este raciocínio da criança
insiste que ela fale abertamente sobre o seu pensar, proporcionando um
diálogo, por meio do qual a criança possa fazer uso de argumentações,
permitindo-se arriscar, errar, construir, (re)construir, desequilibrar-se e
equilibrar-se, pois como afirma Dolle, “não há equilíbrio sem desequilíbrio”
(2002, p. 22). Para Piaget, é por meio dos constantes desequilíbrios e
equilíbrios que ocorre o desenvolvimento cognitivo. O desequilíbrio é a
maior fonte de motivação no processo de desenvolvimento intelectual.
Modalidades de aprendizagem do sujeito
O sujeito está em constante interação com o meio e, diante disso,
acontecem constantes desequilíbrios e equilíbrios, o que contribui para a
adaptação do sujeito a este meio. Portanto, não é o meio que produz ou
molda o sujeito, mas o sujeito que se constrói, adaptando-se ao meio.
Para haver este equilíbrio (que está sempre acontecendo), é necessário
ocorrer duas invariantes funcionais que Piaget denomina de assimilação e
acomodação.
A assimilação acontece em qualquer nível de desenvolvimento e
consiste na integração de um dado novo a um esquema já existente. Esta
interação possibilita o indivíduo adaptar-se ao meio, organizar-se e ampliar
seus esquemas.
Na acomodação, ocorre a modificação e a transformação desses
esquemas para que seja possível adaptar-se ao meio.
Quando há um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, dizemos
que houve uma adaptação. (DOLLE, 1987, p. 50)
A assimilação e a acomodação acontecem em todo sujeito, entretanto
naqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem, ocorre a
predominância de um sobre o outro. De acordo com Paín (1992, p. 47), os
problemas de aprendizagem estão muito ligados a perturbações precoces que
determinaram a inibição de processos, ou o predomínio de um dos
momentos sobre o outro, impedindo a integração que possibilita a
aprendizagem. Um exemplo desta inibição precoce de atividades
assimilativo-acomodativas é o controle precoce dos esfíncteres.
Abaixo citaremos alguns exemplos de modalidades de aprendizagem,
que surgem quando ocorre o predomínio de um processo sobre o outro em
decorrência da inibição precoce de atividades assimilativo-acomodativas:
• hipoassimilativo – de acordo com Paín, acontece quando os
esquemas de objetos permanecem empobrecidos, resultando em um
deficit lúdico e criativo. Andrade (1998, p. 93) nos diz que este sujeito
tem tanto medo de errar quanto de acertar, porque o erro mostra o
quanto é incapaz e o acerto o coloca em lugar de evidência e destaque,
o que leva o sujeito a uma situação conflituosa e pouco confortável;
• hiperassimilação – ocorre uma internalização prematura dos
esquemas com um predomínio lúdico que o impede de permitir a
antecipação de transformações possíveis, o que acaba por desrealizar o
pensamento da criança (PAÍN, 1992, 47). Conforme Andrade (1998, p.
93), este sujeito é até elogiado por sua atitude questionadora,
investigativa e que se prende aos mínimos detalhes; entretanto, nem
sempre presta atenção à resposta que lhe dão, porque já está
formulando outra pergunta. Como se prende aos detalhes, possui
dificuldade em selecionar, classificar e ordenar os fatos mais
importantes. A aprendizagem se torna difícil, porque não consegue
selecionar o que lhe seria útil, apropriando-se do conhecimento e
modificando seus esquemas. Estes sujeitos possuem dificuldades em
lidar com limites, em lidar com regras e estabelecer vínculos;
• hipoacomodação – aparece quando o ritmo da criança não foi
respeitado, nem sua necessidade de repetir a mesma experiência muitas
vezes (PAÍN, 1992, p. 47). Para Andrade (1998, p. 93), este sujeito tem
dificuldade de estabelecer vínculos tanto em nível emocional quanto
em nível cognitivo. Muitas vezes, é taxado de preguiçoso, e o
aprender/conhecer representa perigo. Diante do novo, assusta-se –
como se fosse machucá-lo. A pobreza de contato com a realidade, que
pode estar ligada a situações familiares do início da sua vida, ou a
conflitos atuais, impede-o de realizar uma aprendizagem saudável;
• hiperacomodação – surge quando houve superestimulação da
imitação (PAÍN, p. 47). A criança, neste caso, não teve oportunidade de
tomar decisões, de trabalhar sua autonomia, tornando-se um sujeito
sem iniciativa, pouco criativo, muito obediente às normas, submisso.
Conforme Fernandez (1991, p. 110), muitos “bons-alunos”
encontramse nesta posição.
Identificar a modalidade de aprendizagem do sujeito é importante, para
que o professor possa rever sua metodologia, tentando adequá-la às
dificuldades do aluno, com o propósito de (re)significar sua aprendizagem.
Noção de tarefa
Para entender a resistência de alguns alunos à realização de
determinadas atividades, falaremos da no-ção de tarefa, abordada por
Pichon-Rivière (2000, p. 31), que consiste em três momentos: a pré-tarefa, a
tarefa e o projeto, que se apresentam em uma sucessão evolutiva e podem
aparecer diante de cada situação que envolva modificação no sujeito.
Abordaremos estas noções, a seguir, e como o professor poderá observá-las
em sala de aula.
Na pré-tarefa, o sujeito apresenta as técnicas defensivas, que estruturam
a resistência a mudanças, mobilizadas pelo incremento das ansiedades de
perda e ataque. De acordo com Pichon (Ibid., p. 32), o sujeito os utiliza com
a finalidade de postergar a elaboração dos medos básicos, que, ao se
intensificarem, operam como obstáculo epistemológico na leitura da
realidade. Observa-se aqui um jogo de dissociações do pensar, atuar e sentir.
O sujeito, portanto, entrega-se a uma série de tarefas que o permitem “passar
o tempo” (mecanismos de postergação, no qual o sujeito não consegue
suportar a frustração de início e término de tarefa). Observam-se, então,
maneiras de não entrar na tarefa, já que o medo à frustração prevalece de
forma constante.
M. é uma jovem de 14 anos, cursando o 1º ano, que chega ao
consultório, por intermédio da mãe, com a queixa de falta de concentração e
mau rendimento escolar. Seu nível cognitivo está compatível com sua idade
cronológica, conforme resultado das provas operatórias de Piaget. Ao
observar seu caderno escolar, encontramos um exagero de enfeites com
coraçõezinhos, contornos com canetas de glitter coloridas, adesivos
autocolantes. Os pais também relatam que, quando está estudando em casa,
ela levanta, várias vezes, com a desculpa de beber água, ir ao banheiro,
comer. Estas são maneiras que M. encontra de não entrar na tarefa, ou seja,
utiliza-se destes mecanismos de postergação, como denomina Pichon (Ibid.
p. 32), para fugir do conteúdo escolar e não enfrentar seus medos, neste
caso, o medo de errar e ser criticada.
Observamos no consultório, no início do tratamento, algumas crianças
com rejeição a determinados jogos, como o de damas. Este é o momento da
pré-tarefa, no qual o sujeito reluta em jogar, pois existe o medo da perda,
não suportando a frustração.
Podemos observar situação parecida em sala de aula, quando a
professora dá um assunto e a criança fica dispersa, não se concentra, pois
não quer entrar na tarefa. Tem medo de não conseguir, medo de errar, medo
da crítica dos colegas, embora, muitas vezes, não tenha consciência deste
medo. O professor, entendendo este medo, poderá ter uma postura de
compreensão, paciência, respeito à sua dificuldade e incentivo, para
superação dos medos.
Já a tarefa é o momento da abordagem e da elaboração da ansiedade e
da posição depressiva, “que vinha funcionando como fator de estancamento
da aprendizagem da realidade e de deterioração da rede de comunicação”
(PICHON, 2000, p. 33). O processo de elaboração permitirá ao sujeito
tornar consciente o inconsciente.
Na clínica, a tarefa é o momento em que o psicopedagogo, por meio
das intervenções, possibilita ao sujeito a tomada de consciência, cujo
resultado é a mudança na sua estrutura cognitiva e até mesmo no seu
emocional, desenvolvendo autoconfiança, autoestima, autonomia e
independência.Desta forma, o sujeito passa a sentir-se mais confiante e
capaz de arriscar-se, sem o medo de errar ou de perder.
Em sala de aula, após a compreensão, paciência e ajuda do professor, o
sujeito poderá sentir-se, também, confiante e capaz de executar a tarefa,
sabendo que pode errar e acertar e que estes erros possibilitam sua
aprendizagem.
Seria esquemático resumir, sob a noção de tarefa, tudo o que implica modificação em
dupla direção (a partir do sujeito e para o sujeito), envolvendo assim a constituição de
um vínculo. (Id. Ibid, 2000, p. 34)
O tornar consciente o inconsciente possibilita o sujeito elaborar
estratégias e táticas, para que possa intervir nas situações, provocando
transformações. Conforme Pichon, estas transformações modificarão a
situação, que se tornará nova para o sujeito, e assim o processo é novamente
iniciado (modelo de espiral).
Tornase, então, possível a elaboração da tarefa, culminando na
realização do projeto, o que suscitará a aprendizagem.
Repensando a metodologia em sala de aula
Além da compreensão, do respeito ao ritmo da criança e da paciência, a
metodologia aplicada em sala de aula deve ser criativa, porque crianças com
problemas em casa são realmente propensas a se desconcentrarem mais, bem
como crianças com deficit de atenção; porém, uma aula dinâmica já é um
grande passo para conseguir segurar a atenção destas crianças.
Alguns professores costumam atribuir problemas de aprendizagem a
conflitos familiares, quando o aluno possui uma mãe alcoólatra ou
depressiva, ou pai agressivo, por exemplo. São problemas que, de fato,
contribuem muito para desencadear a dispersão, a falta de concentração, a
baixa autoestima e o desinteresse pela aprendizagem; mas o fato é que,
quando isto ocorre, tal situação é vista como o único motivo do fracasso
escolar, e aí fica mais fácil para a escola, que se isenta de qualquer
responsabilidade. Pais e mães são chamados, orientados, mas nada se
modifica. O que sobra então? Encaminhar para um psicólogo ou
psicopedagogo. E o que estes professores estão fazendo para ajudar estas
crianças? Acaso modificaram sua forma de ensino, para que elas consigam
prestar mais atenção à aula do que aos problemas enfrentados em casa?
Nestes casos, a escola deve ter uma postura ainda mais acolhedora, para
que a criança comece a se sentir segura, amparada, olhada.
Quando surgem as dificuldades de aprendizagem, raramente, em um
primeiro momento, a escola assume algum tipo de responsabilidade. Em
geral, não considera a possibilidade de uma inadequação no currículo, no
sistema de avaliação, na metodologia, falha no vínculo entre professor e
aluno, ou uma falha na comunicação entre os membros da escola.
É imprescindível que o educador seja alguém capaz de não apenas
transmitir conhecimento mas também de construir com a criança este conhecimento,
transmitindo valores e emoções, para que a criança não permaneça enrijecida
com os sentimentos provocados pelas dificuldades por que passa e seja
capaz de descobrir que existem outras formas de lidar com seus sentimentos,
seja por meio da música, do contar e ouvir estórias, do teatro ou das artes
plásticas.
O caminho se faz ao caminhar. Desse modo, cabe ao educador facilitar situações para
uma aprendizagem autodirigida, com ênfase na criatividade, em lugar da
padronização, da planificação e dos currículos rígidos presentes na educação
tradicional. Mais do que programas que visam a resultados precisos imediatos, é
preciso contar com princípios metodológicos que favoreçam o relacionamento entre
o conhecimento (em suas diversas áreas), a sociedade, o indivíduo, estimulando, e não
tolhendo o ser criativo que habita em cada um de nós. (BRITO, 2001, p. 31)
Transmitir informação por meio das artes desperta no aluno outras vias
de conhecimento, que, neste momento, não está sendo possível chegar
apenas pela audição, que se encontra bloqueada e saturada por críticas.
Outros sentidos devem ser desenvolvidos, para que a criança perceba o
mundo de todas as maneiras possíveis e descubra outras formas de
aprendizagem. As aulas de artes deveriam ser levadas mais a sério pelas
escolas, não apenas como mais uma disciplina obrigatória no currículo, mas
transformando-se em uma espécie de Arteterapia, onde as crianças possam
ter a oportunidade de (re)significar o seu emocional.
É o professor-mediador que dará as coordenadas para que esta
descoberta aconteça. Está em suas mãos a maneira como orientar os alunos,
de modo que possam fazer deste conhecimento algo prazeroso e
significativo para suas vidas.
Para que a construção do conhecimento aconteça no sujeito aprendiz, é
necessário que quem ensina tenha formado com ele um vínculo positivo e
vice-versa. Assim, o aluno pode transformar este conhecimento, mas isto só irá
acontecer se houver confiança nesta relação de ensino e aprendizagem, pois,
para aprender, é necessário que o sujeito se autorize a aprender; do contrário,
poderá existir um bloqueio de qualquer ordem, funcionando como uma
sombra negativa sobre o sujeito, e a aprendizagem ficará impossibilitada.
Uma palavra, uma frase ou mesmo um gesto de crítica negativos diante
de alguma produção do sujeito bastará para que este inicie um processo de
introversão e medo de errar, de se mostrar, de ser alvo, de ser ridicularizado.
Às vezes, o professor não compreende que, embora a produção do sujeito
não tenha saído como ele queria, foi o que o sujeito pôde dar neste
momento, não mais que isto, e a crítica em nada ajudará. Se o professor atuar
na sua zona de desenvolvimento proximal (falaremos deste assunto mais
adiante), mediando e orientando, o sujeito que ontem não conseguia sozinho,
e hoje consegue com ajuda, amanhã conseguirá sem nenhuma intervenção.
Mas, insisto, para que isto ocorra, é preciso dedicação, paciência e um olhar
atencioso do mediador.
Comunicação em sala de aula
Para Pichon Rivière (2000), o mecanismo fundamental em todo grupo é
a interação que se dá por meio de diferentes vias de comunicação. Fazendo
uma analogia de suas palavras com a relação de comunicação entre professor
e aluno, podemos afirmar que este canal de comunicação deve existir em
todo grupo, inclusive no grupo escolar, onde encontramos o receptor e o
emissor. Tradicionalmente teríamos o professor como emissor e o aluno
como receptor, mas este conceito não cabe mais, já que o professor poderá
ser o emissor (quando passa seu conhecimento) e receptor (quando ouve as
experiências dos alunos, o que sabem, o que conhecem) e o aluno também
poderá ser emissor em alguns momentos e receptor em outros, existindo
uma troca mútua de informação e conhecimento. Esta comunicação, em
geral, encontra-se problematizada, e os sujeitos envolvidos parecem falar
línguas diferentes, dificultando o entendimento. O problema está justamente
quando o professor quer ser apenas o emissor e deixar o papel de receptor
apenas para o aluno, não havendo troca de informações. O aluno, desta
forma, não se sente valorizado como sujeito aprendente e, também,
possuidor de experiências que poderão ser compartilhadas em sala de aula
em cima do conteúdo visto.
De acordo com Pichon (2000), para o emissor emitir uma mensagem,
ele tem de codificá-la. A mensagem circula por um canal de comunicação,
chegando até o receptor, que irá decodificá-la e emitirá, posteriormente, uma
resposta, demonstrando uma compreensão positiva da mensagem. Porém,
necessariamente, deverá existir um código comum, do contrário, não haverá
entendimento.
Na comunicação, não devemos levar em conta somente o conteúdo da
mensagem mas também como e quem passou a mensagem. Quando ambos
os elementos entram em contradição, configura-se um mal-entendido dentro
do grupo, surgindo as perturbações na comunicação.
Muitas crianças adquirem conhecimentos desarticulados nas escolas, ou
seja, informações decoradas, sem conexão com sua vida, difundidas por
professores que não fazem uma ponte do assunto com o cotidiano dos
alunos para que possam fazer uma associação. Nas escolas públicas, isto é
ainda mais grave, onde crianças

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