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© 2009 by Simaia Sampaio Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira Editor: Waldir Pedro Revisão Gramatical: Lucíola Medeiros Brasil Revisão de Conteúdo: Antônio Fábio Medrado de Araújo Capa e Projeto Gráfico: 2ébom Design Este livro foi revisado por duplo parecer, mas a editora tem a política de reservar a privacidade. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S186d Sampaio, Simaia Dificuldades de aprendizagem: a psicopedagogia na relação sujeito, família e escola / Simaia Sampaio. 5. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2019. 144p. : 21cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-7854-025-8 1. Psicologia da educação. 2. Distúrbios da aprendizagem. 3. Pais e filhos - Aspectos psicológicos. 4. Professores e alunos - Psicologia. 5. Pais e professores - Psicologia. I. Título. II. Título: A psicopedagogia na relação sujeito, família e escola. 08-5024. CDD 370.15 CDU 37.015.3 2019 Direitos desta edição reservados à Wak Editora Proibida a reprodução total e parcial. WAK EDITORA Av. N. Sra. de Copacabana, 945 – sala 107 – Copacabana Rio de Janeiro – CEP 22060-001 – RJ Tels.: (21) 3208-6095, 3208-6113 e 3208-3918 wakeditora@uol.com.br www.wakeditora.com.br mailto:wakeditora@uol.com.br http://www.wakeditora.com.br/ Maia e Eunice, meus pais, pelo carinho, amor e dedicação de sempre. Antônio Fábio, esposo e companheiro de todas as horas, pelo incentivo e apoio. Beatriz e Ana Júlia, minhas filhas, por me permitirem ser mãe e compartilhar das suas descobertas e aprendizagens. Eliane Andrade, Débora Castro, Jurema Tereza, pelo auxílio, trocas e descobertas. A todos os alunos e os amigos queridos que, de uma forma ou de outra, colaboraram na realização deste projeto. Prefácio Introdução Breve histórico Visão geral da aprendizagem em uma perspectiva psicopedagógica A escola: Refletindo sobre o comportamento de professores e alunos em sala de aula Importância do reconhecimento das etapas do desenvolvimento cognitivo em sala de aula Período sensório-motor: Período pré-operatório: Período operatório concreto: Período operatório formal/abstrato ou hipotético dedutivo Enganar a quem? Estimulando o raciocínio Modalidades de aprendizagem do sujeito Noção de tarefa Repensando a metodologia em sala de aula Comunicação em sala de aula Aprimorando o olhar em sala de aula A família: Primeiras aprendizagens no âmbito familiar Detectando problemas Sintoma Superproteção Negligência ou desinformação? Afetividade em equilíbrio Insegurança da família em relação à escola O sujeito: Diferenciando transtornos de aprendizagem e problemas de aprendizagem TDAH – Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade Dislexia ou má alfabetização? Discalculia1 ou aversão à Matemática? Disgrafia Disortografia Considerações finais Referências Nesta obra, você, leitor ou leitora, terá a oportunidade de ampliar sua percepção acerca da Psicopedagogia, mediante a reflexão dos múltiplos fatores que interferem no processo de aprendizagem e de transformação do sujeito em todas as suas dimensões humanas. Demonstrando bastante clareza, coerência e conhecimento teórico em suas argumentações, Simaia Sampaio consegue construir a ponte entre a teoria do desenvolvimento e a difícil prática educativa, elo este que pode favorecer uma melhor compreensão do tão complexo triângulo sujeito/família/escola e de suas relações estruturais. Para isso, a autora realiza uma concisa e oportuna retomada da caminhada histórica da Psicopedagogia, caracterizando seu objeto de estudo e o processo de aprendizagem, sob o enfoque da epistemologia convergente, da visão sintomática familiar, da instituição escolar e da dificuldade de aprendizagem, utilizando-se, com maestria, de pressupostos teóricos que integram os contextos socioafetivos, culturais e cognitivos. Revendo o próprio desenvolvimento do processo educacional, Sampaio trilha caminhos da história da Psicopedagogia, como sendo uma ciência auxiliadora na compreensão dos processos pedagógicos e psicológicos da educação. A Psicopedagogia, hoje, é uma área que estuda e lida com o processo de aprendizagem e suas dificuldades, e que, em sua ação profissional, deve englobar vários campos de conhecimento, integrando-os e sistematizando- os. Os modelos teórico e prático resultantes desta visão são fortemente influenciados pelos modelos europeu, argentino e norte-americano. O movimento europeu acabou por originar a Psicopedagogia, ao passo que o movimento americano proliferou a crença de que os problemas de aprendizagem possuíam causas orgâ-nicas e precisavam de atendimento especializado, influenciando parte do movimento da Psicologia Escolar que, segundo Bossa (1994), determinou a forma de tratamento dada ao fracasso escolar. O passado e o presente da Psicopedagogia, apontados brilhantemente por Sampaio neste livro, são válidos para ressaltar a trajetória da educação ao longo dos séculos. É necessário que fiquemos atentos a alguns aspectos que surgem na tentativa de entendermos os processos educacionais, desde a Idade Média até a modernidade. Neste contexto histórico, surge a educação sistematizada. Os jovens são afastados de suas famílias, para aprenderem com outros adultos, seguindo metodologias e currículos comuns. Este novo método de ensino trouxe consigo uma nova situação. Ao estarem os alunos juntos, com os mesmos professores e aprendendo as mesmas coisas, percebe-se que nem todos aprendem com a mesma rapidez. As dificuldades de aprendizagem passaram a ser foco de atenção, e a Medicina começou a estudar a causa desses problemas e suas possíveis correções. No final do século XIX, educadores, psiquiatras e neuropsiquiatras começaram a se preocupar com os aspectos que interferiam na aprendizagem e a organizar métodos para a educação. Segundo a autora, a Psicopedagogia, na atualidade, é marcada pela multiplicidade de pesquisas, muitas delas de cunho interdisciplinar, sobre o fracasso escolar. Estes estudos não negam a importância dos fatores não só orgânicos, mas abrem um leque de responsabilidades intraescolares, compartilhadas entre o sujeito aprendiz, a família e o meio social em que estão inseridos. Simaia Sampaio nos convida a estabelecermos a distinção entre fracasso escolar e dificuldade de aprendizagem. Esta é de ordem mais subjetiva e individual – geralmente há algum tipo de deficiência ou necessidade educacional específica, que compromete o desempenho na escola e pode causar fracasso escolar; já aquele é a conjunção de fatores que, em um determinado momento, interagem, mobilizando o desempenho do sujeito e do sistema familiar/escolar/social ao qual está integrado. Como falar de Psicopedagogia é falar de aprendizagem, do que ela é e como se processa na visão psicopedagógica, a autora se refere a algumas questões, considerando teorias importantes. Para Jorge Visca, a aprendizagem representa uma construção intrapsíquica, considerando os componentes genéticos e as diferenças advindas da evolução da espécie, resultantes das precondições biológicas, das condições energético-estruturais (condições afetivas) e das circunstâncias do meio, ou seja, todos os aspectos do ser humano, convergindo para um único ponto, que é a aprendizagem. Piaget deixa claro que sua teoria encontra-se na introspecção da criança (a natureza do seu pensamento e os seus estágios de desenvolvimento). Segundo as teorias piagetianas, importa saber como a criança pensa e que mudanças ocorrem no seu pensamento em diferentes estágios. Contudo, o interesse principal de Piaget não estava na criança em si, mas na epistemologia, ou seja, sua busca girava em torno da descoberta do que é o conhecimento e das formas por meio das quais se pode chegar a ele. Para Piaget, o objeto de conhecimento não está no sujeito nem no meio físico social, mas sim no espaço de troca. A interação é igual à troca e não à inter-relação, como é para Vygotsky. Para este, viver em sociedade é essencial à transformação do homem de um ser biológico para um ser humano, e é por meio da aprendizagem com as relaçõesexperimentadas que se constroem os conhecimentos que vão permitir o seu desenvolvimento mental (interação ser humano – ambiente físico social). A Psicanálise também aborda questões investigativas do desenvolvimento humano. Apesar de Freud estar interessado em livrar as pessoas das neuroses, ele gostava de pensar nos determinados fatores que levam alguém a ser um “desejante do saber”. Articulando as contribuições das teorias de Pichon Riviére (Psicologia social), dentre outros, esses teóricos concordam que o desenvolvimento e a aprendizagem não são resultados apenas do meio externo nem somente das capacidades inatas do ser humano, mas fruto das intera-ções homem – mundo. Esses autores contribuíram de forma fundamental para uma educação na qual a realidade seja tomada como história, portanto mutável na história. A partir de uma contextualização a respeito da interação sujeito/família/escola e das contribuições da Psicopedagogia, a autora defende que o profissional desta área deve estar envolvido diretamente com a relação entre família e escola, de modo que compreenda a existência do sujeito vinculada às relações que este estabelece com as instituições a que pertence. Pensar a família e a escola requer do psicopedagogo uma inserção em diversos e diferentes sistemas. A Psicopedagogia, ao considerar o processo de aprendizagem como resultante da construção que envolve as relações do sujeito aprendente nos vários contextos em que está inserido, não pode deixar de se preocupar com o processo relacional que se estabelece entre a escola e a família. A “patologia do aprender” não pode ser compreendida como uma “falta” individual, mas como uma confluência de fatores que envolvem o tripé sujeito/ família/escola, estabelecendo uma rede ampla de relações sociais. Fazem parte do desenvolvimento das relações familiares as expectativas que vão surgindo a partir da construção das redes sociais que se estabelecem no seu ciclo vital. No momento em que a família tenta dar conta deste ciclo, pode ocorrer o que chamamos de sintomas. A autora aborda os sintomas diante das necessidades de adaptação e manutenção do sistema, o que pode levar ao aparecimento de obstáculos que impedem a família de obter avanços no desenvolvimento de suas relações. O sintoma, portanto, pode surgir a partir das resistências da família em enfrentar momentos de transição e serve de alerta para que esta elabore uma mudança de forma mais gradual. Quando o sintoma vem descrito a partir das dificuldades de aprendizagem, a família encontra uma maneira de evitar a mudança e manter o equilíbrio da forma rígida, colocando o problema no sujeito portador do sintoma, ou seja, o filho não aprende porque é desatento etc. A dificuldade de aprendizagem pode caracterizar-se como sintoma que emerge em uma situação na família ou na escola. Partindo desses pressupostos, Sampaio convida a refletirmos um pouco sobre essa relação tão conflituosa entre esses dois importantes âmbitos sociais. Não é de hoje que a escola vem adquirindo um status de sociabilizadora e responsável por grande parte do desenvolvimento e aquisição de condutas e atitudes necessárias à sobrevivência social do sujeito. Por outro lado, o desenvolvimento de um comportamento social adequado não é mais objetivo somente da família, apesar de percebermos que a família tem requisitado da escola uma responsabilidade que vai além do objetivo escolar. Desta forma, muitas vezes, a relação entre escola e família vem sendo prejudicada, pois estas duas instituições não convergem para um contexto que prepare o sujeito para a vida. Família e escola, quanto mais se diferenciam, mais necessitam uma da outra. Sendo assim, o psicopedagogo tem a difícil tarefa de avaliar a adequação das estruturas sociais e o funcionamento dessa complexa rede de relações, a fim de melhor intervir nos processos de aprendizagem. Saber entender as relações entre sujeito/família/escola é, pois, um pré-requisito importante para uma visão preventiva e terapêutica das dificuldades que se interpõem nos processos do aprender. Jurema Tereza Costa Pedagoga, Psicopedagoga, Psicomotricista e Coordenadora de Ensino Infantil O fracasso escolar não é um tema recente nem mais uma preocupação consequente dos tempos modernos. Há muito tempo, educadores vêm realizando pesquisas e investigando as causas que possam justificar o mau rendimento escolar, ou os problemas de aprendizagem. Sabemos que o conhecimento do sujeito é construído na interação com o seu meio, seja o familiar, o escolar ou mesmo o bairro, e, deste meio, depende para se desenvolver como pessoa. Entretanto, quando o meio é qualificado como inadequado para um desenvolvimento sadio, tanto físico quanto psicológico, o sujeito poderá encontrar obstáculos, mas poderão ser superados à medida que encontramos na família, na escola e no próprio sujeito uma porta, que nos permita entrar e (re)construir, junto a estes, uma nova aprendizagem. Cada um destes ambientes exerce uma gama de influência, que irá interferir no desenvolvimento global do sujeito, seja de forma positiva ou negativa. Entretanto, diante dos problemas de aprendizagem, é comum ocorrer uma isenção de culpa, apontando o outro como responsável pelo problema, ou apontando o sujeito como o único responsável por seu fracasso, rotulando-o (não presta atenção, é desatento, é inquieto etc.). Quando o fracasso escolar se revela, inúmeras hipóteses são formuladas, a fim de auxiliar o entendimento do problema, e diversas questões são levantadas. Os pais se perguntam quem seria responsável pelo deficit: se a criança, eles mesmos ou a escola. A escola também se questiona, porém com menos culpa, tentando encontrar uma causa, na maioria das vezes, externa ao âmbito escolar, que vai desde fatores orgânicos a problemas familiares. Observando o comportamento do sujeito, são levantadas suposições que se encaixam no perfil de distúrbios, como Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade, dislexia, autismo, dentre outros. Suspeitas como estas levam a escola a encaminhar a criança para psicólogos, psicopedagogos, neurologistas; ou, quando o quadro é de agressividade ou fobia, a família é chamada a falar sobre um suposto problema, que poderia estar ocorrendo no âmbito familiar, mas quase nunca na escola. Embora seja difícil falar separadamente do sujeito, da família e da escola, pois todos se fundem em uma relação triangular, tentaremos abordá- los em suas peculiaridades, focalizando as causas das dificuldades de aprendizagem próprias a cada uma destas instâncias. Antes disso, não podemos falar do sujeito sem traçar um perfil histórico de como este foi visto e tratado ao longo dos tempos por médicos, psicólogos e educadores. Faremos um resumo histórico, para situar o sujeito que apresenta dificuldades de aprendizagem, ontem e hoje. Desde o século XVIII, médicos, psiquiatras e filósofos do Iluminismo já se reuniam a fim de tentar compreender a origem dos problemas de aprendizagem, atribuindo-lhes uma visão organicista, ideia que permeou a prática psicopedagógica até pouco tempo atrás. (BOSSA, 2005, p. 9) A natureza humana era estudada pela Filosofia até a segunda metade do século XIX. Na Inglaterra, os seguidores de John Locke atribuíam a origem das ideias às sensa-ções originadas pela estimulação ambiental. Para os seguidores de Immanuel Kant, na Europa, as ideias de espaço e tempo, bem como os conceitos de quantidade, qualidade e relação se originavam na mente humana, e não poderiam ser decompostas em elementos mais simples. Estas concepções filosóficas se originavam a partir de trabalhos de René Descartes, tendo como pressuposto a tese de que o estudo científico do homem deveria restringir-se ao seu corpo físico, e o estudo da alma estaria destinado à Filosofia. (COLE apud VYGOTSKY, 2003, p. 2) Segundo Bossa (2000, p. 36), a partir do século XIX, surge a teoria Evolucionista de Charles Darwin, com a publicação do livro “A Origem das Espécies”, que coloca o homem dentro de um esquema de evolução biológica, unindo asciências naturais, humanas e sociais. De acordo com Cole (apud VYGOTSKY, 2003, p. 3), o livro de Darwin e mais dois livros intitulados Die Psychophysik, de Gustav Fechner, e Reflexos do Cérebro, escrito por um médico de Moscou chamado I. M. Sechenov, são vistos como constituintes do pensamento psicológico do final do século XIX, apesar de eles não serem considerados psicólogos nem por seus contemporâneos nem por eles mesmos. Porém, tais autores forneceram questões que despertaram uma ciência jovem, a Psicologia, para temas, tais como: Quais as relações entre o comportamento humano e animal, ou entre processos fisiológicos e psicológicos? O século XIX foi apontado por Janine Mery como aquele em que vários educadores se interessaram em compreender e atender portadores de deficiência mental, sensoriais e outros problemas que comprometiam a aprendizagem. Dentre estes educadores, encontramos Pestalozzi, Itard, Pereire e Seguin, todos eles pioneiros nos tratamentos dos problemas de aprendizagem, preocupando-se, entretanto, mais com a debilidade mental e as deficiências sensoriais do que com a desadaptação. (cf. BOSSA, 2000, p. 37) Nos fins do século XIX, o educador Seguin e o médico-psiquiátrico Esquirol formaram uma equipe médico-pedagógica, abrindo espaço para a neuropsiquiatria infantil, que passou a se ocupar dos problemas de aprendizagem. (Id. Ibid., p. 38) Psiquiatra italiana, Maria Montessori criou um método de aprendizagem, a princípio, para crianças com retardo mental e que, mais tarde, foi estendido para crianças ditas normais. O método, que ainda hoje é aplicado em escolas montessorianas, visa estimular os órgãos dos sentidos e, por isso, é classificado como sensorial, caracterizando-se em uma educação pelos sentidos e pelos movimentos. Esta estimulação é feita por meio da manipulação de objetos com diferentes tamanhos, formas, pesos, texturas, cores, cheiros, barulhos. É, basicamente, o concreto que prevalece nesta etapa, para que, por meio dela, a criança atinja o abstrato. Montessori via as crianças da escola tradicional como um conjunto de borboletas presas em seus lugares. Para ela, a escola deveria deixar as crianças livres, as quais poderiam estar sozinhas, espalhadas ou em grupo, com professores ajudando ou observando. O método influenciou as pré- escolas em geral e, até mesmo, aquelas que não são especificamente montessorianas passaram a utilizar estes materiais em sala de aula, como recursos do desenvolvimento cognitivo e motor. Scoz (2004, p. 19) explica que, durante muitos anos, o enfoque orgânico orientou médicos, educadores e terapeutas. Desde os séculos XVIII e XIX, estudos da Neurologia, Neurofisiologia e Neuropsiquiatria eram desenvolvidos em laboratórios anexos a hospícios, classificando os pacientes como anormais. Este conceito passou dos centros psiquiátricos para as escolas, e as crianças que não conseguiam aprender eram tidas como anormais, pois havia a concepção de que a causa do fracasso se devia a uma anormalidade orgânica. Os primeiros centros psicopedagógicos foram fundados na Europa, em 1946, por J. Boutonier e George Mauco, com direção médica e pedagógica. Estes Centros uniam conhecimentos da área de Psicologia, Psicanálise e Pedagogia, onde tentavam readaptar crianças com comportamentos socialmente inadequados na escola ou no lar, e atender crianças com dificuldades de aprendizagem, apesar de serem inteligentes. (MERY apud BOSSA, 2000, p. 39) Já nesta época, podemos observar a formação de equipes multidisciplinares por meio da união Psicologia – Psicanálise – Pedagogia, com o objetivo de conhecer a criança e o seu meio, na tentativa de compreender o caso para determinar uma ação reeducadora por meio de um plano de intervenção. Neste período, inicia-se um novo olhar sobre a criança com dificuldades de aprendizagem; e um plano de intervenção, antes focado apenas no orgânico, passa a ser ampliado, de onde o sujeito é observado em sua totalidade, mediante atividades espontâneas e do brincar. Percebemos, portanto, que, até a década de 70, os fatores orgânicos eram vistos como a principal causa dos problemas de aprendizagem, que, de acordo com Bossa (2000, p. 48), eram atribuídos a uma disfunção do sistema nervoso central, tendo como causa, pois, uma disfunção neurológica (não detectável) chamada de Disfunção Cerebral Mínima (DCM). A problemática do sistema de ensino não era vista como o fator primordial, para as causas destas dificuldades (assunto que trataremos no item “escola”). Tais dificuldades eram imediatamente atribuí-das ao próprio sujeito, sendo rotulado de portador de DCM, de dislexia ou de disritmia e encaminhados ao médico, prática ainda vista nos dias de hoje, como relata Bossa: Na prática do psicopedagogo, ainda hoje é comum receber no consultório crianças que já foram examinadas por um médico, por indicação da escola ou mesmo por iniciativa da família, devido aos problemas que estão apresentando na escola. (2000, p. 50) Scoz (2004, p. 23), Johnson e Myklebust, ambos pesquisadores do “Institute for Language Disorders”, atribuíam à Disfunção Cerebral Mínima e aos distúrbios de aprendizagem (dislexias, afasias, disgrafias, discalculias) as causas do fracasso escolar. Estas ideias, originadas em consultórios particulares, chegaram às escolas, que passaram a atribuir, sem nenhum critério, diagnósticos de hiperatividade, dislexia, dentre outros, para justificar a causa de tais dificuldades. Estes alunos eram encaminhados a médicos, que confirmavam o diagnóstico, iniciando um tratamento medicamentoso. (Id. Ibid., p. 24) O diagnóstico de DCM foi mais aceito por pais e professores, pois dava a ideia de que o aluno não era o culpado por seu fracasso escolar, mas sim de uma disfunção que não dependia dele. Por outro lado, esses mesmos pais e professores se sentiram aliviados por não serem os causadores do fracasso escolar, já que a questão era neurológica. Até então, permanecia entre os psicopedagogos a concepção de que o fracasso escolar tinha como causa fatores orgânicos, atribuindo as dificuldades na escola às disfunções psiconeurológicas, mentais e/ou psicológicas. Foi na Argentina que se iniciou, efetivamente, a prática da Psicopedagogia qual a conhecemos hoje. Profissionais de outras áreas como a Filosofia, dentre eles, podemos citar Sara Paín, sentiram a necessidade de preencher um espaço que não poderia ser ocupado nem por pedagogos nem por psicólogos. Iniciaram um processo de reeducação, objetivando resolver o fracasso escolar e trabalhar memória, percepção, atenção, motricidade e pensamento. Este profissional deveria orientar o processo educativo nas suas mais diversas falhas, como métodos inadequados, evasão escolar e crise na escola. (cf. BOSSA, 2000, p. 40) A partir da década de 70, os psicopedagogos passam a buscar contribuições de outras áreas do conhecimento, dentre as quais a Psicologia, a Sociologia, a Linguística, a Antropologia e a Psicolinguística. Bossa (Id. Ibid., 41) lembra que, neste período, criou-se em Buenos Aires os Centros de Saúde Mental, onde equipes de psicopedagogos faziam diagnósticos e tratamentos. O que estes profissionais observaram é que, após um ano de tratamento, quando estes pacientes retornavam para controle, haviam resolvido seus problemas de aprendizagem; entretanto, estes problemas eram substituídos por distúrbios graves de personalidade, como fobias e traços psicóticos, ocorrendo um deslocamento do sintoma. Deu-se início a um trabalho de olhar e escutar clínicos da Psicanálise, a fim de resolver os problemas que originavam tais dificuldades. Não podemos falar em Psicopedagogia sem falar em Jorge Visca, criador da Epistemologia Convergente, uma conceitualização acerca da aprendizagem que, a partir de contribuições das escolas psicanalística (Freud), piagetiana (Jean Piaget) e da Psicologia social (Pichon Rivière), facilitou a compreensão dos aspectos afetivos, cognoscitivos e do meio, que podem interferir na aprendizagem. Para a Epistemologia Convergente um bom equilíbrio e desenvolvimentodas estruturas cognitiva, afetiva e social seriam ideais para que o processo de aprendizagem seguisse seu curso normal. Porém, verificamos que, se existem dificuldades de aprendizagem, elas estão ligadas, inevitavelmente, a algum problema nestas estruturas, que podem estar impedindo o bom desempenho da inteligência. De acordo com Jean Piaget, a inteligência não é inata, como acreditavam os inatistas-maturacionsitas. Para os seguidores desta corrente do pensamento educacional, a criança, desde o nascimento, já é dotada de forma de conhecimentos inatos e, à medida que ocorre a maturação orgânica, essas formas se manifestam, independentemente dos intercâmbios sociais e educativos (SEBER, 1995, p. 103). A hipótese desta corrente é que “o professor deve deixar a criança livre de qualquer direcionamento para que ela aprenda por si só”. (Id. Ibid., p. 42) Na concepção de Piaget, a criança encontra-se em um estado de adualismo, ou seja, indiscriminação em relação a si mesma e o mundo que a rodeia, a partir do qual vai construindo níveis sucessivos. Para o autor, a aprendizagem só é possível quando há assimilação ativa e é, por isso que se deve colocar toda ênfase na atividade da própria criança; do contrário, não há didá-tica ou pedagogia possível que transforme significativamente a criança. (Id. Ibid., p. 131) Segundo Visca, a inteligência vai se construindo a partir da interação entre o sujeito e as circunstâncias do meio social (1991, p. 47). Um dos fatores essenciais à construção do conhecimento é a vida em sociedade e, para aprender a pensar socialmente, são imprescindíveis a orientação do professor e o contato com outras crianças. A Escola de Genebra, liderada por Jean Piaget, dividiu os níveis de inteligência em quatro estádios principais, que serão explicados no capítulo seguinte. Para verificar em que estádio ou nível cognitivo o sujeito se encontra, são aplicadas, no diagnóstico psicopedagógico, as provas operatórias desenvolvidas pela Epistemologia Genética (Piaget), pois, segundo Visca, “... ninguém pode aprender acima do nível da estrutura cognitiva que possui”. (Id. Ibid., p. 52) Entretanto, não é apenas o bom desenvolvimento cognitivo que implica uma boa aprendizagem. Fatores de ordem afetiva e social também influem de forma positiva ou negativa nesta aprendizagem. Daí a Epistemologia Convergente ter integrado os aportes da Escola de Genebra com os aportes da Psicanalítica e da Psicologia Social. Os estudos da Psicanálise revelaram a existência de vínculos positivos e negativos do sujeito com o objeto de aprendizagem, que surgem em diferentes intensidades. Estes vínculos podem ser estudados com as perspectivas histórica e a-histórica. A primeira diz respeito aos contatos iniciais com a mãe e às situações posteriores ao longo da vida, cada qual incidindo sobre as aprendizagens anteriores, modificando-as positiva ou negativamente; a segunda refere-se às situações vividas pelo sujeito no momento presente. (Id. Ibid., p. 50) Há crianças que possuem o mesmo nível cognitivo, porém apresentam tematizações completamente distintas e, como bem lembra Jorge Visca, “cada contexto oferece diferentes crenças, conhecimentos, atitudes e habilidades”. Em relação ao social, Visca sustenta: É comum observar como sujeitos que têm alcançado um mesmo nível intelectual e fazem uso semelhante de sua afetividade, por pertencerem a diferentes culturas, meios sociais ou grupos familiares, apresentam tematizações significativamente distintas. Isto deriva simplesmente do fato de que cada contexto oferece diferentes crenças, conhecimentos, atitudes e habilidades. (Id. Ibid., p. 51) • Fatores orgânicos – saúde física deficiente, falta de integridade neurológica (sistema nervoso doentio), alimentação inadequada etc. • Fatores psicológicos – inibição, fantasia, ansiedade, angústia, inadequação à realidade, sentimento generalizado de rejeição etc. • Fatores ambientais – o tipo de educação familiar, o grau de estimulação que a criança recebeu desde os primeiros dias de vida, a influência dos meios de comunicação etc. Ainda segundo essas autoras, sintomas e comportamentos infantis se apresentam com tal intensidade, que fica difícil para um professor distinguir distúrbios de problemas de aprendizado. É uma tarefa complicada diferenciar os limites que os separam um do outro, cabendo ao professor apenas detectar as dificuldades que se apresentam em sala de aula e investigar as causas de forma ampla, incluindo aspectos orgânicos, neurológicos, psicológicos e possíveis problemas oriundos do meio em que vive. Agindo assim, o educador estaria facilitando o encaminhamento ao especialista mais adequado, que ajudará a criança, tratando seus problemas. Visca (1991, p. 52-54) nos fala sobre os obstáculos da aprendizagem, dividindo-os em três tipos: • Obstáculo epistêmico – ninguém pode aprender acima do nível da estrutura cognitiva que possui. Refere-se a uma estrutura cognitiva defasada em relação à idade cronológica. • Obstáculo epistemofílico – falta de amor pelo conhecimento. Adotam diferentes formas que podem ser agrupadas em três grandes categorias: a) medo à confusão (o sentimento consiste em um temor à insdiscriminação entre o sujeito e o objeto do conhecimento); b) medo ao ataque (o sentimento consiste em ser agredido pelo objeto); c) medo à perda (o sentimento consiste em perder o que já foi adquirido). Aparecem diante da nova aprendizagem. • Obstáculo funcional – conjunto de obstáculos que, em alguns momentos, correspondem a causas emocionais e, em outros, a causas estruturais. Tratam-se de dificuldade para antecipar, mesmo quando o nível intelectual geral seja ótimo; dificuldade para organização voluntária do movimento, ou para a discriminação visual, mesmo quando não há problemas na visão, por exemplo. Diante destes obstáculos, surgem os sintomas, causando as dificuldades de aprendizagem que tanto vemos acontecer nas escolas. É aí que reside a importância de um diagnóstico psicopedagógico, cuja intenção é descobrir a causa do seu aparecimento. Encontramos nos dicionários a palavra sintoma como sinônimo de indício. Refiro-me, portanto, a um indício de que algo não vai bem. A percepção de que há algo errado pode partir do próprio aluno, que já está se sentindo incomodado com as críticas dos colegas, dos professores, ou poderá partir de pessoas de sua convivência, como familiares. Para Bleger (1984, p. 144), “o sintoma é a conduta melhor que o organismo pode manifestar, para resolver da melhor forma possível as tensões que enfrenta nesse momento”. Visca nos diz que “o sintoma de aprendizagem é uma conduta desviada que se expressa somente quando o meio o exige” (1987, p. 53). Quando o meio pressiona, o sintoma pode manifestar-se por meio de notas baixas, de indisciplina ou agressividade com colegas, professores ou com a própria família. Este meio pode ser um ou vários conjugados: escolar (jardim, escola primária, escola secundária – comum, para adultos, intensivo – universidade etc.); lugar de produção (fábrica, escritório, comércio etc.); comunidade em que vive (cidade, povoado, bairro ou meio rural). (Id. Ibid., p. 52) Em uma visão piagetiana, o desenvolvimento cognitivo é um processo de construção que se dá na interação entre o organismo e o meio. Se este organismo sofrer algum tipo de problema desde o nascimento, o ritmo do processo de construção sofrerá alterações. (WEISS, 2003, p. 23) Costumo dizer que não adianta combater a febre, que é o sintoma, sem identificar e combater a infecção, a causadora do sintoma. É assim com o problema de aprendizagem escolar. É preciso identificar a causa, combatê-la e tratar o sintoma. (BOSSA, 2000, p. 11-12) Assim como a febre, este sintoma é um alerta para que alguma providência seja tomada. Ele, inevitavelmente, dará origem à queixa; diante disto, é necessário recorrer a algum profissional, para uma análise, um diagnóstico, a fim de descobrir o que não está indo bem. Este profissional poderá ser um psicólogo, um fonoaudiólogo ou um psicopedagogo, conformeorientação da escola, ou conveniência dos pais. Optando pela escolha do psicopedagogo, este, antes do atendimento ou tratamento, irá fazer um diagnóstico para confirmar se o sujeito precisará de acompanhamento psicopedagógico ou de outra intervenção profissional. O sujeito, no caso, é “toda a pessoa que apresenta dificuldades de aprendizagem: criança, adolescente ou adulto” (VISCA, 1987, p. 51), ou seja, está dirigida a toda pessoa que aprende, independentemente de sua idade, e não apenas para crianças. Weiss (2003, p. 23-24) cita os aspectos orgânicos, cognitivos, emocionais, sociais e pedagógicos como aqueles que ajudam a construir uma visão global do sujeito. Os aspectos orgânicos estariam ligados à construção biofisiológica do sujeito, cujas alterações sensoriais impedirão ou dificultarão o conhecimento. Problemas como afasias e disfasias poderão ou não causar problemas de leitura. Os aspectos cognoscitivos estariam relacionados ao desenvolvimento das estruturas que incluem também memória, atenção, antecipação etc. Os aspectos emocionais estariam vinculados ao desenvolvimento afetivo e a sua relação com a construção do conhecimento. Os aspectos sociais estariam ligados às perspectivas em que estão inseridas a família e a escola. E os aspectos pedagógicos seriam fatores que podem interferir na aprendizagem, como tipo de avaliação, metodologia de ensino, estrutura de turmas, organização geral etc. É sobre este último tema que abordaremos no capítulo a seguir. Refletindo sobre o comportamento de professores e alunos em sala de aula Os problemas de aprendizagem se manifestam de diferentes formas dentro da escola, e sintomas divergentes se apresentam para revelar que algo não vai bem. Cada criança é única na sua forma de ser, de aprender, bem como de não aprender. Perguntamo-nos, enquanto docentes, por que alguns conseguem aprender e outros não, se a forma de ensinar é a mesma. Entretanto, certamente, não são os mesmos os vínculos entre professor e todos os alunos, porque cada criança tem um temperamento, comportamento, família, culturas diferentes. Alunos que conversam muito, se desconcentram e não participam são chamados à atenção, que, quase sempre, são carregadas de broncas e ameaças, destruindo a autoestima da criança, e um vínculo que é fundamental para a aprendizagem. Mas não é somente o aluno que sai prejudicado nesta relação conturbada; o professor também apresenta sintomas que interferem no seu equilíbrio. De acordo com pesquisas do instituto Academia de Inteligência, no Brasil, 92% dos professores estão com três ou mais sintomas de estresse e 41% com dez ou mais. É um número altíssimo, indicando que quase a metade dos professores não deveria estar em sala de aula, mas internada em uma clínica antiestresse. (CURY, 2003, p. 62) O professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Eduardo Reis, que coordena uma pesquisa sobre a voz de profissionais de educação, em entrevista ao Jornal Folha Dirigida, afirma que, depois das doenças psíquicas, as doenças mais frequentes entre professores são: Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort) e, principalmente, a bursite causados por longos períodos em posições incômodas e pelo exercício de escrever no quadro; varizes, que atacam quando se fica muito tempo em pé ou sentado; infecção urinária, pois, geralmente, o professor fica muito tempo sem ir ao banheiro, para não deixar a turma. Refletir sobre sintomas apresentados pelo professor e pelo aluno é uma grande oportunidade para repensar a prática pedagógica. Situações de desgaste experimentadas pelo professor, chamando a atenção do aluno a todo o momento, podem evidenciar um conjunto de fatores inadequados, que poderão ser consequência de erros na prática pedagógica, tais como: má organização do espaço em sala de aula, má distribuição do tempo, para realização das atividades e das avaliações incoerentes. Não deixando de considerar, é claro, que muitas vezes, o estresse docente advém de longas jornadas de trabalho, desgaste com a coordenação e com os alunos, condições de trabalho inapropriadas (falta de material, utilização ainda do giz, agravando problemas na voz). Não é só o comportamento agitado da criança que influencia nesta escalada negativa. O aluno quieto, calado, pode estar entre aqueles que não aprendem bem. Por serem tímidos, quase nunca se manifestam, permanecendo com suas dúvidas acumuladas, tendo como consequência um baixo rendimento. Quando estes alunos são notados, geralmente por suas notas baixas, alguns chegam a serem encaminhados para um atendimento psicopedagógico clínico, e, no diagnóstico, o que a maioria apresenta é um outro comportamento: gostam de ler, interagem, participam, bem diferente da queixa apresentada, no entanto não rendem na escola. Em muitos casos, não há nada errado com seu cognitivo, mas sim com um sistema de ensino fechado. Observamos que, muitas vezes, a escola não abre espaço para estes alunos se manifestarem, e a timidez os impede de se posicionarem. Ao invés de serem estimulados, com recursos diversificados, a mostrarem o que fazem de melhor, são-lhes oferecidos o papel de coadjuvantes enquanto o papel principal fica para os alunos mais extrovertidos e desinibidos. Todos os alunos são capazes, é claro que de forma diferente, e um olhar diferenciado poderá descobrir o que cada um tem de especial, ajudando-os no desenvolvimento de novas competências. Fernández alega que “o não-aprendiz não requer tratamento psicopedagógico, na maioria dos casos. A intervenção do psicopedagogo dirigir-se-á fundamentalmente a sanear a instituição educativa (metodologiaideologia-linguagem-vínculo)”. (1991, p. 82) O sonho de consumo de vários professores, muitos deles despreparados ou cansados, seria ter em sua classe alunos que participassem ativamente, fizessem as tarefas com autonomia, ficassem atentos à aula, diminuindo assim o desgaste de ficar chamando-lhes a atenção, o que, em contrapartida, daria a entender que estão dando uma boa aula. Mas, quando isto não acontece, a quem culpam? Frequentemente, não a si mesmos. Esperar ter em sua classe alunos que se enquadram neste perfil “ideal” é iniciar um processo de exclusão daquelas crianças que têm dificuldades reais de aprendizagem. Muitas deixam de aprender porque não podem. Aprendem menos ainda quando não encontram na figura do professor um verdadeiro mediador. Tal reflexão se faz necessária sempre, embora haja professores que façam esta reflexão, sabem o que precisam mudar, mas não conseguem ou não podem. São professores que trabalham em dois ou três turnos e não dispõem de tempo para preparar uma boa aula, ganham pouco e não encontram estímulo para criar, ou trabalham em escolas sem estrutura e que não dão apoio pedagógico ao professor. Quem sofre com tudo isto é o aluno, que fica impossibilitado de assistir a uma boa aula, programada. Mesmo algumas escolas que possuem certa estrutura, como laboratórios, informática, aulas de música, teatro e artes, não trabalham com a interdisciplinaridade, para que o aluno possa desenvolver-se de forma global e ter uma ampla possibilidade de interação de conhecimentos. Sua aprendizagem, desta forma, fica comprometida e limitada, dependendo do esforço do próprio aluno, como sustenta Weiss: Professores em escolas desestruturadas, sem apoio material e pedagógico, desqualificados pela sociedade, pelas famílias, pelos alunos não podem ocupar bem o lugar de quem ensina tornando o conhecimento desejável pelo aluno. É preciso que o professor competente e valorizado encontre o prazer de ensinar para que possibilite o nascimento do prazer de aprender. A má qualidade do ensino provoca um desestímulo na busca do conhecimento. (2003, p. 18) Muitos professores do ensino fundamental, que ocupam este lugar de impotência, sendo em sua maioria de escola pública, manifestam o desejo de uma prática renovada, mas ainda acreditam na aprendizagem pela repetição, pela transmissão de informações técnicas e, consequentemente, creem no modelo tradicional.Talvez ainda não tenham estado em contato real com uma teoria construtivista, que os fizessem perceber o sujeito como construtor do seu próprio conhecimento, e não alguém à espera de informações prontas. Encontramos em sala de aula professores que acreditam estar trabalhando com o construtivismo; contudo, sua atuação está ligada a uma visão empirista-associacionista. Conforme Seber (1995, p. 27-28), nesta corrente de pensamento, o importante é que a criança possa reproduzir o que lhe foi transmitido, e, a cada resposta correta (na visão do adulto), vão sendo introduzidas novas informações, cujas respostas (das crianças) vão sendo substituídas por outras mais elaboradas. O papel da criança é de receptor e, na visão destes professores, é necessária a utilização de cartazes, recursos audiovisuais, materiais em grande quantidade e variedade, além de algumas técnicas como condicionamento e reforço, tendo como resultado a modelagem de um comportamento que se julga desejável. As informações são oferecidas de pouquinho em pouquinho, para que cada pouquinho possa ser treinado, como, por exemplo, o ensino (ou treino melhor dizendo) das cores, das formas geométricas, das expressões, como maior, menor, em cima, em baixo, médio etc. O condicionamento funciona, quando a criança, ao ouvir o “está certo”, procura repetir a mesma resposta em outra situação e, se ouvir o “está errado”, ela irá procurar não repetir. Para estes professores, o aluno deve ficar quieto, atento, em silêncio, e o professor deverá repetir quantas vezes forem necessárias. A consequência disto é a passividade intelectual e uma uniformidade conceptual, ou seja, a criança se torna passiva, não necessitando refletir sobre nada, porque o professor já fez isto por ela, e há uma padronização ou uniformidade de pensamento. Como todos acabam tendo uma única forma de pensamento, as reflexões em conjunto são reduzidas, o que acaba estimulando o individualismo. Para que a criança possa se desenvolver e aprender, ela precisa ter construído condições internas de raciocínio, a fim de que possa interpretar o conteúdo; do contrário, sem essas condições internas, ela irá apenas memorizar, esquecendo logo depois, fato este que presenciamos diariamente em muitas escolas. No empirismo-associacionismo, aprendizagem e desenvolvimento não se confundem, são processos distintos. Seber (Id. Ibid., p. 230) cita algumas atitudes pedagógicas que se fundamentam na hipótese de que o conhecimento parte de fora para dentro, e que continuam sendo empregadas em sala de aula: fornecimento de modelos a serem copiados; utilização de reforçamento, tanto no que se refere à confecção de cartazes como ao emprego de recompensas e punições; manutenção do que é transmitido, a fim de ampliar a possibilidade de “respostas instantâneas”. Os professores se baseiam em suas próprias opiniões particulares, como critério para a eleição do tema a ser discutido na pré-escola. As condições internas de raciocínio serão conquistadas à medida que as crianças possam ter oportunidade de agir sobre objetos, manipulá-los, deformá-los, dividi-los em partes, reunir as partes em um todo, deslocá-los. Diante disso, poderão perceber que os objetos possuem diferentes critérios, como formas, tamanhos e cores (crianças com defasagem cognitiva não conseguem perceber todos os critérios na prova dicotomia ou mudança de critério – provas operatórias de Piaget). Adquiridas estas condições, serão capazes de seriar, classificar, incluir etc. Como diz Piaget (apud SARAIVA, p. 70), não se pode aprender a nadar simplesmente olhando os banhistas, sentado comodamente no banco do cais. Por desconhecerem o modo de pensar da criança, já que não se dispõem a questioná-las, não se preocupam se o tema está vinculado a coisas que despertam sua curiosidade. Os temas, em geral, são escolhas baseadas na visão do adulto, não despertando o interesse da criança. São exemplos disso cartazes bem confeccionados, distribuídos nas paredes para serem vistos e revistos. Acreditam que a criança vai assimilando de pouquinho em pouquinho, o que é uma inverdade. Por outro lado, escolas que mandam a criança fazer cartazes em casa já deveriam saber que, na maioria das vezes, quem acaba produzindo estes cartazes são os pais ou os responsáveis, com uma coisinha ou outra dos filhos como recorte, colagem. Nada contra cartazes, mas, então, por que não confeccioná-los em sala de aula? Será porque acabaria atrasando outros conteúdos a serem dados? Será a quantidade de conteúdo mais importante do que a produção da criança e o seu raciocínio para executá-lo, ainda que demande um tempo maior? Os conteúdos escolares são necessários, mas para que possam promover a aprendizagem, o professor precisa saber distinguir por quais meios esse conteúdos são acessíveis às crianças. Tudo depende da etapa de desenvolvimento. Sem conhecer as características que definem tais etapas, tornase mais difícil ensinar a criança de modo que ela aprenda. (SEBER, 1995, p. 231) Importância do reconhecimento das etapas do desenvolvimento cognitivo em sala de aula De acordo com Piaget, as etapas do desenvolvimento cognitivo estão classificadas da seguinte forma: período sensório-motor (do nascimento até os 2 anos aproximadamente), período da inteligência simbólica ou pré- operatória (de 2 aos 7-8 anos), período da inteligência operatória concreta (de 7-8 a 11-12 anos), período da inteligência operatória formal (a partir de 12 anos, com equilíbrio entre 14-15 anos). (DOLLE, 2002, p. 104) Período sensório-motor: O período sensório-motor, que corresponde ao primeiro estádio do desenvolvimento lógico, vai desde o nascimento até o aparecimento da linguagem por volta dos 18 meses a 2 anos. É assim chamado porque existe uma coordenação sensório-motora da ação, com base na evolução da percepção e da motricidade. Conforme Goulart (2007, p. 31), até por volta dos oito meses, a criança apresenta o que Piaget chamou de adualismo inicial, sendo incapaz de se diferenciar do mundo. Não há consciência da diferenciação do eu e do outro. A afetividade está centrada no próprio corpo e na sua ação. A criança alterna momentos de tensão e relaxação em busca de momentos agradáveis e fugindo dos desagradáveis. Como explica Goulart (2007, p. 31), o período sensório-motor é subdividido em seis subestádios. 1 – Exercício reflexo – corresponde aos reflexos próprios do primeiro mês de vida. A atividade é puramente reflexa e restringe-se às coordenações sensoriais e motoras. São reflexos como os de sucção, de preensão (palmar), de Babinsky e de nutrição. 2 – Reações circulares primárias – são reações equivalentes aos primeiros hábitos da criança, que aparecem entre um e quatro meses. Quando a criança emite um comportamento, ela tende a repeti-lo posteriormente. Já existe uma intencionalidade, mas não se pode afirmar que já se trata de um ato inteligente porque não se percebe uma finalidade previamente procurada. Quando a criança agita a mão, ela passa a repetir este gesto várias vezes. 3 – Coordenação de visão e preensão e começo das reações circulares secundárias – inicia-se por volta dos quatro meses e vai até os oito meses. Inicia-se a coordenação entre a visão e a preensão, agarrando e pegando tudo que está próximo. As reações circulares dizem respeito aos comportamentos repetitivos. Percebe-se que, realizando um determinado ato, produzse um efeito, e a tendência será repeti-lo. Já existe aí uma antecipação embora limitada. 4 – Coordenação dos esquemas secundários, com utilização, em certos casos, de meios conhecidos com vista à obtenção de um objetivo novo – neste subestádio, que se inicia por volta dos oito meses e vai até os 11 meses, já se observa atos mais complexos de inteligência prática. Quando a criança tem sucesso na realização de um ato, tenta repeti-lo em outra situação, utilizando o esquema de assimilação. 5 – Diferenciação dos esquemas de ação por rea-ção circular terciária (variação das condições de exploração e tateamento dirigido) e descoberta de meios novos – vai dos11 meses até os 18 meses. Ao perceber que o esquema de seu repertório não funcionou, recorre-se a novos esquemas para alcançar suas metas. 6 – Início da interiorização dos esquemas e solu-ção de alguns problemas após interrupção da ação e ocorrência de compreensão súbita – inicia-se por volta dos 18 meses e vai até aproximadamente os dois anos. Diante de um problema, a criança não usa mais tateios, mas já para, observa, pensa e, em seguida, apresenta uma resposta para atingir seu objetivo. Período pré-operatório: Visca (1991, p. 48) explica que, no nível da inteligência pré-operatória, já existe uma representação ou simbolização. A mera ação motriz própria da etapa anterior interioriza-se e se transforma em pensamento. Há neste estágio uma distinção entre significante (imitação, desenho, imagem mental, jogo, palavra) e significado (situação evocada, objeto representado). Este pensamento ainda carece da organização dos objetos em categorias lógicas gerais. Por exemplo: o termo flor representa o elemento da classe que é familiar à criança (flor do jardim da escola), e não a classe a que pertence a flor; não há reversibilidade. Até os dois anos, o desenvolvimento é centrado na própria criança, mas, a partir dos dois anos, a criança se volta para a realidade exterior, tentando descobri-la e, por isso, é chamado de estádio objetivo. É também chamado de período simbólico, pois instala-se a representação mental, conforme afirma Goulart (2007, p. 54). Esta representação mental, a partir dos 18 meses, permite à criança reconstituir ações passadas por meio de narrativas, de representar cenas assistidas por meio do jogo simbólico ou mímica. Neste período, a criança ainda não se coloca segundo o ponto de vista do outro, existindo o egocentrismo infantil. Para a criança, só existe seu ponto de vista, não considerando que outras pessoas também possuem seus próprios pontos de vista. Neste período, o pensamento egocêntrico da criança é caracterizado pelo animismo (quando a criança atribui vida (animal) a todos os seres, inclusive os inanimados – por exemplo: bater a cabeça na parede, a parede é má), artificialismo (quando atribui uma origem artesanal humana a todas as coisas – por exemplo: pensar que uma montanha foi feita por um homem que juntou um monte de terra) e o finalismo (a criança pensa que todos os seres e os objetos têm a finalidade de servi-la – por exemplo: quando perguntamos para que serve o bolo, ela responde: É para “mim” comer, e para que serve a cadeira, ela diz: É para “mim” sentar). A criança pré-operatória é incapaz de descentrar o pensamento, ou seja, centra a atenção em apenas um traço. Não é capaz de acompanhar as transformações, sendo seu pensamento dito estático. Na prova operatória de conservação de matéria, quando inicialmente a criança faz duas bolas e verifica que possui a mesma quantidade de massa e, quando uma delas é transformada em salsicha, ela não é capaz de responder que a salsicha tem a mesma quantidade que a outra bola porque não percebe que apenas mudou a forma (argumento de compensação) ou que não tirou nem colocou nada (argumento de identidade) ou que tem a mesma quantidade porque antes era bola (argumento de reversibilidade), ou seja, a criança fixa no produto final (forma da salsicha) como se não tivesse acompanhado o processo de transformação. Em seu pensamento, não existe ainda a reversibilidade, não consegue ainda entender como esta salsicha poderá ser transformada novamente em bola e não existe a conservação, não entende que independentemente da forma a quantidade não se altera. Entre cinco anos e meio e sete anos, a criança já começa a dar respostas intermediárias, algumas conservativas outras não. Se tudo correr bem, aos sete anos, ela já estará no período operatório concreto. Se a criança possui uma defasagem cognitiva encontrando-se neste período quando já deveria estar em uma etapa posterior, será difícil resolver problemas matemáticos, interpretação de texto, entender o conteúdo próprio da idade. Período operatório concreto: No terceiro nível, da inteligência operatória concreta, o pensamento se torna reversível e conservador. A criança é capaz de realizar a reversibilidade de pensamento diante da transformação do objeto de um formato a outro, concluindo que não houve modificação em relação à quantidade, apenas no formato. Quando aplicamos a prova de conservação de líquido, por exemplo, a criança é capaz de afirmar que, independentemente do formato do copo, a quantidade de líquido continua a mesma, não se altera. Esta criança terá, portanto, conservado a quantidade de líquido. Uma criança que ainda não está neste estádio, mas, em um anterior, o pré-operatório, poderá dizer que, no copo comprido e fino, tem mais quantidade que o copo experimental porque é mais alto. Conforme Goulart, neste período, o egocentrismo regride, e as ações são interiorizadas. Período operatório formal/abstrato ou hipotético dedutivo No último e quarto estádio, o da inteligência hipotético-dedutiva ou formal, o pensamento se torna independente do concreto, partindo de premissas cuja verdade é admitida a título hipotético, podendo operar de acordo com uma lógica que implica todas as combina-ções possíveis. Conforme Dolle (1987, p. 168), enquanto o pensamento concreto permanece preso ao real, o pensamento formal, ao contrário, é hipotético- dedutivo, isto é, ele opera uma inversão entre o real e o possível, onde o real chega a se subordinar ao possível. A dedução lógica, agora, não se efetua mais sobre o real percebido, mas sobre hipóteses. Desde o início, ele efetua a síntese entre o possível e o necessário. Existe uma ordem de sucessão nestes estádios, ou seja, uma característica não aparecerá antes de outra em um conjunto de sujeitos e depois em outro conjunto. Os referidos estádios possuem, também, caráter integrativo, o que quer dizer que as estruturas construídas em um estádio são integradas nas estruturas no estádio seguinte, vale dizer que as estruturas sensório-motoras são parte integrante das estruturas operatórias concretas e estas das formais. (DOLLE, 1987, p. 52) Devemos ressaltar que é imprescindível o conhecimento das etapas de desenvolvimento da criança pelo professor. Se a criança ainda não estiver com uma estrutura cognitiva condizente com o que está sendo ensinado, e este fato não for observado pelo professor, poderão acarretar desestímulo, falta de interesse e rejeição por parte do aluno. Algumas crianças chegam com a queixa de deficit de atenção e, quando aplicamos as provas operatórias, observamos defasagem cognitiva, mas não observamos o deficit de atenção como transtorno. Isto significa que, se o conteúdo estiver acima da sua idade cognitiva, a criança poderá desviar seu olhar para outros interesses que não os da sala de aula. Por isso é importante que a queixa de falta de atenção esteja presente em todas as situações da vida da criança e não apenas em relação aos estudos. Outro fator que poderá ocasionar rupturas no processo de desenvolvimento é não respeitar as etapas de desenvolvimento, antecipando conteúdos que ainda não são próprios da idade cognitiva. Greig afirma: Uma experiência interessante nos é proporcionada pelos professores que solicitam cedo demais uma representação que ultrapassa a maturidade das crianças: a incitação muito precoce à representação de um boneco com cabeça e corpo pode levar justamente à ruptura dessa representação (2004, p. 61). Araújo (2003) adverte: Identificar estes períodos é de grande relevância para o trabalho pedagógico, pois é baseado neles que o professor saberá quais atividades mais adequadas para cada idade. É este um dos grandes problemas enfrentados pelos alunos e que aparentemente ainda não foram solucionados. Professores aplicam problemas matemáticos correspondentes ao nível de inteligência operatória formal (a partir dos 12 anos) para que estas crianças, que ainda atuam no operatório concreto, tentem solucionar. Levantar hipóteses, fazer suposições ainda não correspondem a esta faixaetária, isto só irá acontecer mais tarde. As hipóteses da criança serão formuladas e reformuladas à medida que possam atuar concretamente sobre diferentes objetos. Observando estas ações é que o professor irá estimular a curiosidade, por meio de questionamentos desafiadores que agucem seu raciocínio. Deverá também, em alguns momentos, devolver seus questionamentos de forma que induza a criança a pensar sobre suas próprias ideias. Fernandez aduz que, “se a criança não realiza ações com os objetos, se não tem possibilidade de ver, tocar, mover-se, provar seu domínio sobre as coisas, vai encontrar sérias dificuldades no processo de organização de sua inteligência” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 72). A autora ainda argumenta: O alcance de uma etapa superior na organização inteligente, não se consegue senão com um progressivo intercâmbio do sujeito com o meio onde ele vai provando suas possibilidades de domínio, em um jogo permanente de ações. Intercâmbio que, inicialmente, dá-se através de ações materiais que vão progressivamente sendo interiorizadas e transformadas em operações. (Id. Ibid., p. 73) Seber (p. 195, 1995) cita os manuais que são utilizados por alguns professores na pré-escola, que têm como objetivo trabalhar a noção espacial da criança, como fazer cruz embaixo do objeto que é alto ou baixo, gordo ou magro, leve ou pesado. Mas a criança pré-escolar ainda não raciocina relativamente, pensando que um objeto é, ao mesmo tempo, alto e baixo em relação a outro objeto, que um animal é, ao mesmo tempo, gordo e magro em relação a outro. “Por desconhecerem essa etapa do raciocínio infantil, as atividades sugeridas em vários manuais pré-escolares são orientadas no sentido de treino de noções que expressam relatividade”. Os conceitos são ensinados de forma absoluta: ou algo é grande, ou pequeno; ou maior ou menor, e a criança não é estimulada a pensar concretamente, para atingir a relatividade. Para que a criança entenda esta relatividade, ela precisa agir sobre os objetos e se colocar em relação ao outro. Quando colocamos uma criança entre duas outras, ela pode perceber que é mais alta que fulana e mais baixa que beltrana, e que, portanto, pode ser ao mesmo tempo alta e baixa. Algumas crianças ainda não conseguem entender que são filhos, irmãos, netos e primos ao mesmo tempo. A criança irá alcançar a relatividade gradativamente, ordenando objetos, como barras de madeira, recortes coloridos etc. Atividades como estas possibilitarão o sucesso da seriação. Enganar a quem? Uma estudante de Pedagogia, que fazia estágio em uma escola pública, verificou que a didática e os recursos utilizados pela professora eram ainda bastante tradicionais. A escola já se dizia construtivista, mas a professora não seguia as orientações por ainda acreditar na aprendizagem pela repetição. Deste fato, nem a coordenação da escola nem a direção tinham conhecimento. E assim, os alunos continuam reproduzindo informações, decoradas, “que não se constituem em uma produção do saber, em uma construção real do conhecimento como diz Piaget, de uma atividade que deveria despender do sujeito para organizar seu cognitivo”. (FERNÁNDEZ, 1991) Posso pensar que uns 50% das consultas podem ser atribuídas a uma causa que não é sintomática de uma família e de um sujeito, mas de uma instituição socioeducativa, que expulsa o aprendente e promove o repetente em suas vertentes (exitoso e fracassante). Há um repetente exitoso (que não se preocupa nem se chamam de repetente): é o que se acomoda ao sistema, imita, não repete o ano, mas repete textos de outros, repete consignas, submete-se, não pensa, mas triunfa porque repete o que os outros querem. A este repetente ninguém encaminha à Psicopedagogia, ainda que devesse estar em nossos principais objetivos de trabalho preventivo. Há outro, a que se chama repetente por repetir de ano. O fracasso na escolarização da maioria deles é um problema reativo a um sistema que não os aceitam, que não reconhece seu saber e os obriga a acumular conhecimentos. (Id. Ibid, p. 88) Carraher relata um diálogo entre duas professoras em que uma delas diz: “Eu ensinei frações hoje. Os alunos não entenderam. É pena. Eu dei uma aula muito boa”. E compara com um diálogo entre dois vendedores, no qual um deles diz: “Eu vendi alguns carros hoje, mas não compraram nenhum”. (2002, p. 16) Estranho isto, não é mesmo? Como pode um vendedor vender carros sem ninguém ter comprado? Da mesma forma, como pode alguém ter ensinado alguma coisa sem ninguém ter aprendido? A professora não ensinou, apenas falou sobre o assunto. Acha que sua obrigação é passar a informação, cabendo aos alunos desenvolver uma maneira espetacular de aprendizagem. De nada adianta a professora criticar ou punir a criança, se esta não usa a linguagem como função reguladora da ação (assunto que abordaremos adiante). Elaborar as atividades com o sujeito, planejar com os alunos, sondar o que já sabem para auxiliar o que virão a conhecer são ações que ajudarão as crianças com dificuldades de aprendizagem. É difícil ver o que acontece entre quatro paredes, principalmente se o professor tem o hábito de dar aula com a porta fechada. Por isso, é importante que a Direção da escola crie grupos de estudos entre professores, coordenadores e orientadores, propondo seminários a serem apresentados pelos próprios professores. Esta é uma forma da escola saber como os professores pensam, de que forma procuram se atualizar e o quanto se dedicam à prática pedagógica. Estimulando o raciocínio Crianças gostam de pensar e, quando lhes são fornecidos meios para estimular seu raciocínio, surgem oportunidades para desenvolver seu potencial. Quando o professor traz os termos acadêmicos já prontos, sem antes estimular seu raciocínio, está interferindo em uma elaboração do pensamento da criança. Se, ao contrário, o professor inicia sua aula com um diálogo, sondando o que sabem sobre determinado assunto, sobre o que tal coisa quer dizer, ou sobre como algo funciona, o professor terá a oportunidade de saber o que os alunos conhecem e, depois da aula, verificar o que aprenderam e, se não aprenderam, poder identificar o modelo de aprendizagem do aluno, bem como onde está a falha, se em sua metodologia ou na forma da criança aprender. O erro é uma preciosidade que nenhum professor deve desperdiçar, visto que, por meio dele, temos a oportunidade de observar como a criança está raciocinando e como constrói seu pensamento. Seria cruel demais simplesmente apontar o erro, sendo mais justo repensá-lo junto à criança para que ela possa fazer as correlações necessárias e descobrir o que deverá ser modificado. A contra-argumentação (devolver a pergunta ao aluno, em algumas situações, perguntando o que ele pensa sobre o assunto e ajudando-o no seu pensamento) é uma ferramenta imprescindível, que deveria ser sempre utilizada em sala de aula. Desta forma, poderemos desenvolver sujeitos pensantes e curiosos, ao invés de sujeitos passivos. Quantas vezes o aluno erra na sua resposta sem que a professora note que ele estava de fato pensando, muitas vezes, até pensando bem. Não devemos supor que a resposta errada indica que a criança não estava pensando. Precisamos conhecer como a criança estava pensando. O que a leva a chegar a conclusões diferentes das nossas? Como ela está representando as ideias na cabeça dela? (CARRAHER, 2002, p. 18) Em uma determinada sessão, eu e T. (10 anos) jogávamos pega-varetas. No final, contamos os pontos, e a minha pontuação foi 215 e a dela 190. Então, perguntei: Quantos palitos eu tenho “a mais” que você? Ela efetuou uma adição, porque entendia que este “a mais” era para somar. Pude, com essa brincadeira, perceber que ela ainda não entende que o conceito “a mais” propõe a diferença entre dois objetos e que, portanto, deve-se efetuar uma subtração. Uma professora em sala de aula poderá não perceber que a dificuldade dela está em entender este “a mais”, e que, por isso, errou o problema. Um olhar mais atencioso sobre estas questões ajudará o professor a identificarrapidamente o equívoco da criança e a minimizar suas dificuldades. Um professor disposto a contribuir com este raciocínio da criança insiste que ela fale abertamente sobre o seu pensar, proporcionando um diálogo, por meio do qual a criança possa fazer uso de argumentações, permitindo-se arriscar, errar, construir, (re)construir, desequilibrar-se e equilibrar-se, pois como afirma Dolle, “não há equilíbrio sem desequilíbrio” (2002, p. 22). Para Piaget, é por meio dos constantes desequilíbrios e equilíbrios que ocorre o desenvolvimento cognitivo. O desequilíbrio é a maior fonte de motivação no processo de desenvolvimento intelectual. Modalidades de aprendizagem do sujeito O sujeito está em constante interação com o meio e, diante disso, acontecem constantes desequilíbrios e equilíbrios, o que contribui para a adaptação do sujeito a este meio. Portanto, não é o meio que produz ou molda o sujeito, mas o sujeito que se constrói, adaptando-se ao meio. Para haver este equilíbrio (que está sempre acontecendo), é necessário ocorrer duas invariantes funcionais que Piaget denomina de assimilação e acomodação. A assimilação acontece em qualquer nível de desenvolvimento e consiste na integração de um dado novo a um esquema já existente. Esta interação possibilita o indivíduo adaptar-se ao meio, organizar-se e ampliar seus esquemas. Na acomodação, ocorre a modificação e a transformação desses esquemas para que seja possível adaptar-se ao meio. Quando há um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, dizemos que houve uma adaptação. (DOLLE, 1987, p. 50) A assimilação e a acomodação acontecem em todo sujeito, entretanto naqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem, ocorre a predominância de um sobre o outro. De acordo com Paín (1992, p. 47), os problemas de aprendizagem estão muito ligados a perturbações precoces que determinaram a inibição de processos, ou o predomínio de um dos momentos sobre o outro, impedindo a integração que possibilita a aprendizagem. Um exemplo desta inibição precoce de atividades assimilativo-acomodativas é o controle precoce dos esfíncteres. Abaixo citaremos alguns exemplos de modalidades de aprendizagem, que surgem quando ocorre o predomínio de um processo sobre o outro em decorrência da inibição precoce de atividades assimilativo-acomodativas: • hipoassimilativo – de acordo com Paín, acontece quando os esquemas de objetos permanecem empobrecidos, resultando em um deficit lúdico e criativo. Andrade (1998, p. 93) nos diz que este sujeito tem tanto medo de errar quanto de acertar, porque o erro mostra o quanto é incapaz e o acerto o coloca em lugar de evidência e destaque, o que leva o sujeito a uma situação conflituosa e pouco confortável; • hiperassimilação – ocorre uma internalização prematura dos esquemas com um predomínio lúdico que o impede de permitir a antecipação de transformações possíveis, o que acaba por desrealizar o pensamento da criança (PAÍN, 1992, 47). Conforme Andrade (1998, p. 93), este sujeito é até elogiado por sua atitude questionadora, investigativa e que se prende aos mínimos detalhes; entretanto, nem sempre presta atenção à resposta que lhe dão, porque já está formulando outra pergunta. Como se prende aos detalhes, possui dificuldade em selecionar, classificar e ordenar os fatos mais importantes. A aprendizagem se torna difícil, porque não consegue selecionar o que lhe seria útil, apropriando-se do conhecimento e modificando seus esquemas. Estes sujeitos possuem dificuldades em lidar com limites, em lidar com regras e estabelecer vínculos; • hipoacomodação – aparece quando o ritmo da criança não foi respeitado, nem sua necessidade de repetir a mesma experiência muitas vezes (PAÍN, 1992, p. 47). Para Andrade (1998, p. 93), este sujeito tem dificuldade de estabelecer vínculos tanto em nível emocional quanto em nível cognitivo. Muitas vezes, é taxado de preguiçoso, e o aprender/conhecer representa perigo. Diante do novo, assusta-se – como se fosse machucá-lo. A pobreza de contato com a realidade, que pode estar ligada a situações familiares do início da sua vida, ou a conflitos atuais, impede-o de realizar uma aprendizagem saudável; • hiperacomodação – surge quando houve superestimulação da imitação (PAÍN, p. 47). A criança, neste caso, não teve oportunidade de tomar decisões, de trabalhar sua autonomia, tornando-se um sujeito sem iniciativa, pouco criativo, muito obediente às normas, submisso. Conforme Fernandez (1991, p. 110), muitos “bons-alunos” encontramse nesta posição. Identificar a modalidade de aprendizagem do sujeito é importante, para que o professor possa rever sua metodologia, tentando adequá-la às dificuldades do aluno, com o propósito de (re)significar sua aprendizagem. Noção de tarefa Para entender a resistência de alguns alunos à realização de determinadas atividades, falaremos da no-ção de tarefa, abordada por Pichon-Rivière (2000, p. 31), que consiste em três momentos: a pré-tarefa, a tarefa e o projeto, que se apresentam em uma sucessão evolutiva e podem aparecer diante de cada situação que envolva modificação no sujeito. Abordaremos estas noções, a seguir, e como o professor poderá observá-las em sala de aula. Na pré-tarefa, o sujeito apresenta as técnicas defensivas, que estruturam a resistência a mudanças, mobilizadas pelo incremento das ansiedades de perda e ataque. De acordo com Pichon (Ibid., p. 32), o sujeito os utiliza com a finalidade de postergar a elaboração dos medos básicos, que, ao se intensificarem, operam como obstáculo epistemológico na leitura da realidade. Observa-se aqui um jogo de dissociações do pensar, atuar e sentir. O sujeito, portanto, entrega-se a uma série de tarefas que o permitem “passar o tempo” (mecanismos de postergação, no qual o sujeito não consegue suportar a frustração de início e término de tarefa). Observam-se, então, maneiras de não entrar na tarefa, já que o medo à frustração prevalece de forma constante. M. é uma jovem de 14 anos, cursando o 1º ano, que chega ao consultório, por intermédio da mãe, com a queixa de falta de concentração e mau rendimento escolar. Seu nível cognitivo está compatível com sua idade cronológica, conforme resultado das provas operatórias de Piaget. Ao observar seu caderno escolar, encontramos um exagero de enfeites com coraçõezinhos, contornos com canetas de glitter coloridas, adesivos autocolantes. Os pais também relatam que, quando está estudando em casa, ela levanta, várias vezes, com a desculpa de beber água, ir ao banheiro, comer. Estas são maneiras que M. encontra de não entrar na tarefa, ou seja, utiliza-se destes mecanismos de postergação, como denomina Pichon (Ibid. p. 32), para fugir do conteúdo escolar e não enfrentar seus medos, neste caso, o medo de errar e ser criticada. Observamos no consultório, no início do tratamento, algumas crianças com rejeição a determinados jogos, como o de damas. Este é o momento da pré-tarefa, no qual o sujeito reluta em jogar, pois existe o medo da perda, não suportando a frustração. Podemos observar situação parecida em sala de aula, quando a professora dá um assunto e a criança fica dispersa, não se concentra, pois não quer entrar na tarefa. Tem medo de não conseguir, medo de errar, medo da crítica dos colegas, embora, muitas vezes, não tenha consciência deste medo. O professor, entendendo este medo, poderá ter uma postura de compreensão, paciência, respeito à sua dificuldade e incentivo, para superação dos medos. Já a tarefa é o momento da abordagem e da elaboração da ansiedade e da posição depressiva, “que vinha funcionando como fator de estancamento da aprendizagem da realidade e de deterioração da rede de comunicação” (PICHON, 2000, p. 33). O processo de elaboração permitirá ao sujeito tornar consciente o inconsciente. Na clínica, a tarefa é o momento em que o psicopedagogo, por meio das intervenções, possibilita ao sujeito a tomada de consciência, cujo resultado é a mudança na sua estrutura cognitiva e até mesmo no seu emocional, desenvolvendo autoconfiança, autoestima, autonomia e independência.Desta forma, o sujeito passa a sentir-se mais confiante e capaz de arriscar-se, sem o medo de errar ou de perder. Em sala de aula, após a compreensão, paciência e ajuda do professor, o sujeito poderá sentir-se, também, confiante e capaz de executar a tarefa, sabendo que pode errar e acertar e que estes erros possibilitam sua aprendizagem. Seria esquemático resumir, sob a noção de tarefa, tudo o que implica modificação em dupla direção (a partir do sujeito e para o sujeito), envolvendo assim a constituição de um vínculo. (Id. Ibid, 2000, p. 34) O tornar consciente o inconsciente possibilita o sujeito elaborar estratégias e táticas, para que possa intervir nas situações, provocando transformações. Conforme Pichon, estas transformações modificarão a situação, que se tornará nova para o sujeito, e assim o processo é novamente iniciado (modelo de espiral). Tornase, então, possível a elaboração da tarefa, culminando na realização do projeto, o que suscitará a aprendizagem. Repensando a metodologia em sala de aula Além da compreensão, do respeito ao ritmo da criança e da paciência, a metodologia aplicada em sala de aula deve ser criativa, porque crianças com problemas em casa são realmente propensas a se desconcentrarem mais, bem como crianças com deficit de atenção; porém, uma aula dinâmica já é um grande passo para conseguir segurar a atenção destas crianças. Alguns professores costumam atribuir problemas de aprendizagem a conflitos familiares, quando o aluno possui uma mãe alcoólatra ou depressiva, ou pai agressivo, por exemplo. São problemas que, de fato, contribuem muito para desencadear a dispersão, a falta de concentração, a baixa autoestima e o desinteresse pela aprendizagem; mas o fato é que, quando isto ocorre, tal situação é vista como o único motivo do fracasso escolar, e aí fica mais fácil para a escola, que se isenta de qualquer responsabilidade. Pais e mães são chamados, orientados, mas nada se modifica. O que sobra então? Encaminhar para um psicólogo ou psicopedagogo. E o que estes professores estão fazendo para ajudar estas crianças? Acaso modificaram sua forma de ensino, para que elas consigam prestar mais atenção à aula do que aos problemas enfrentados em casa? Nestes casos, a escola deve ter uma postura ainda mais acolhedora, para que a criança comece a se sentir segura, amparada, olhada. Quando surgem as dificuldades de aprendizagem, raramente, em um primeiro momento, a escola assume algum tipo de responsabilidade. Em geral, não considera a possibilidade de uma inadequação no currículo, no sistema de avaliação, na metodologia, falha no vínculo entre professor e aluno, ou uma falha na comunicação entre os membros da escola. É imprescindível que o educador seja alguém capaz de não apenas transmitir conhecimento mas também de construir com a criança este conhecimento, transmitindo valores e emoções, para que a criança não permaneça enrijecida com os sentimentos provocados pelas dificuldades por que passa e seja capaz de descobrir que existem outras formas de lidar com seus sentimentos, seja por meio da música, do contar e ouvir estórias, do teatro ou das artes plásticas. O caminho se faz ao caminhar. Desse modo, cabe ao educador facilitar situações para uma aprendizagem autodirigida, com ênfase na criatividade, em lugar da padronização, da planificação e dos currículos rígidos presentes na educação tradicional. Mais do que programas que visam a resultados precisos imediatos, é preciso contar com princípios metodológicos que favoreçam o relacionamento entre o conhecimento (em suas diversas áreas), a sociedade, o indivíduo, estimulando, e não tolhendo o ser criativo que habita em cada um de nós. (BRITO, 2001, p. 31) Transmitir informação por meio das artes desperta no aluno outras vias de conhecimento, que, neste momento, não está sendo possível chegar apenas pela audição, que se encontra bloqueada e saturada por críticas. Outros sentidos devem ser desenvolvidos, para que a criança perceba o mundo de todas as maneiras possíveis e descubra outras formas de aprendizagem. As aulas de artes deveriam ser levadas mais a sério pelas escolas, não apenas como mais uma disciplina obrigatória no currículo, mas transformando-se em uma espécie de Arteterapia, onde as crianças possam ter a oportunidade de (re)significar o seu emocional. É o professor-mediador que dará as coordenadas para que esta descoberta aconteça. Está em suas mãos a maneira como orientar os alunos, de modo que possam fazer deste conhecimento algo prazeroso e significativo para suas vidas. Para que a construção do conhecimento aconteça no sujeito aprendiz, é necessário que quem ensina tenha formado com ele um vínculo positivo e vice-versa. Assim, o aluno pode transformar este conhecimento, mas isto só irá acontecer se houver confiança nesta relação de ensino e aprendizagem, pois, para aprender, é necessário que o sujeito se autorize a aprender; do contrário, poderá existir um bloqueio de qualquer ordem, funcionando como uma sombra negativa sobre o sujeito, e a aprendizagem ficará impossibilitada. Uma palavra, uma frase ou mesmo um gesto de crítica negativos diante de alguma produção do sujeito bastará para que este inicie um processo de introversão e medo de errar, de se mostrar, de ser alvo, de ser ridicularizado. Às vezes, o professor não compreende que, embora a produção do sujeito não tenha saído como ele queria, foi o que o sujeito pôde dar neste momento, não mais que isto, e a crítica em nada ajudará. Se o professor atuar na sua zona de desenvolvimento proximal (falaremos deste assunto mais adiante), mediando e orientando, o sujeito que ontem não conseguia sozinho, e hoje consegue com ajuda, amanhã conseguirá sem nenhuma intervenção. Mas, insisto, para que isto ocorra, é preciso dedicação, paciência e um olhar atencioso do mediador. Comunicação em sala de aula Para Pichon Rivière (2000), o mecanismo fundamental em todo grupo é a interação que se dá por meio de diferentes vias de comunicação. Fazendo uma analogia de suas palavras com a relação de comunicação entre professor e aluno, podemos afirmar que este canal de comunicação deve existir em todo grupo, inclusive no grupo escolar, onde encontramos o receptor e o emissor. Tradicionalmente teríamos o professor como emissor e o aluno como receptor, mas este conceito não cabe mais, já que o professor poderá ser o emissor (quando passa seu conhecimento) e receptor (quando ouve as experiências dos alunos, o que sabem, o que conhecem) e o aluno também poderá ser emissor em alguns momentos e receptor em outros, existindo uma troca mútua de informação e conhecimento. Esta comunicação, em geral, encontra-se problematizada, e os sujeitos envolvidos parecem falar línguas diferentes, dificultando o entendimento. O problema está justamente quando o professor quer ser apenas o emissor e deixar o papel de receptor apenas para o aluno, não havendo troca de informações. O aluno, desta forma, não se sente valorizado como sujeito aprendente e, também, possuidor de experiências que poderão ser compartilhadas em sala de aula em cima do conteúdo visto. De acordo com Pichon (2000), para o emissor emitir uma mensagem, ele tem de codificá-la. A mensagem circula por um canal de comunicação, chegando até o receptor, que irá decodificá-la e emitirá, posteriormente, uma resposta, demonstrando uma compreensão positiva da mensagem. Porém, necessariamente, deverá existir um código comum, do contrário, não haverá entendimento. Na comunicação, não devemos levar em conta somente o conteúdo da mensagem mas também como e quem passou a mensagem. Quando ambos os elementos entram em contradição, configura-se um mal-entendido dentro do grupo, surgindo as perturbações na comunicação. Muitas crianças adquirem conhecimentos desarticulados nas escolas, ou seja, informações decoradas, sem conexão com sua vida, difundidas por professores que não fazem uma ponte do assunto com o cotidiano dos alunos para que possam fazer uma associação. Nas escolas públicas, isto é ainda mais grave, onde crianças
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