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1 FIJ – FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGUÁ RIO DE JANEIRO PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU CURSO EM ALFABETIZAÇÃO DIFICULDADE NA APRENDIZAGEM JANE FIDELIS DE OLIVEIRA FONSECA UBERABA,MG 2008 2 Há um e somente um caminho em direção a Deus, igual para todos, ricos e pobres, altos e baixos, letrados e iletrados, orientais ou ocidentais, lapões do Norte ou bosquímanos do Sul Kirpal Singh ÍNDICE 3 JUSTIFICATIVA........................................................................................................................ 04 INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 09 CAPÍTULO I – DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM................................................... 12 CAPITULO II – DIFICULDADE TRANSITÓRIA EM UMA ÚNICA AREA.................... 3.1 Dificuldades de Aprendizagem: um desafio para o educador................................................. 21 33 CAPÍTULO III – DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM OU DE SENSIBILIDADE?... 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................... 36 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................... 42 JUSTIFICATIVA 4 Os Transtornos de Aprendizagem compreendem uma inabilidade específica, como leitura, escrita ou matemática, em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do esperado para o seu nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual. Dificuldade de aprendizagem é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de transtornos manifestados por dificuldades significativas na aquisição e uso da escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estes transtornos são intrínsecos ao indivíduo, supondo-se que são devido à disfunção do sistema nervoso central, e podem ocorrer ao longo do ciclo vital. Podem existir junto com as dificuldades de aprendizagem, problemas nas condutas de auto-regulação, percepção social e interação social, mas não constituem por si próprias, uma dificuldade de aprendizado. Ainda que as dificuldades de aprendizado possam ocorrer concomitantemente com outras condições incapacitantes como, por exemplo, transtornos emocionais graves ou com influências extrínsecas (tais como as diferenças culturais, instrução inapropriada ou insuficiente), não são o resultado dessas condições ou influências. Antes de enfocarmos a dificuldade, se faz necessário falar sobre o processo de aprendizagem. Como este processo acontece ? Quando e por que surgem as dificuldades? A que estão relacionadas? Enfim, sem conhecermos este processo, fica difícil detectarmos a dificuldade propriamente dita. De acordo com a Epistemologia Convergente, proposta por Jorge Visca, o ser humano aprende ininterruptamente do seu nascimento em diante. Visto que esta teoria fundamenta-se na assimilação recíproca das contribuições das escolas piagetianas, psicoanalíticas e da psicologia social, podemos dizer que a aprendizagem é uma variável dependente dos aspectos afetivos, cognitivos e sociais que acontecem simultaneamente em virtude de um processo de retroalimentação constante. Visca salienta a importância da protoaprendizagem (primeiro nível de aprendizagem) para o posterior desenvolvimento, uma vez que neste nível o aprendiz configura uma pré-condição para o nível seguinte. Este “nível de aprendizagem é construído em virtude da interação entre a organização biológica do bebê e a mãe ou quem cumpre este papel, vale dizer, o agente maternante” (Visca, 1999). Esta relação com o agente maternante é influenciada pelo meio, constituído pelo pai, irmãos, avós, como também pelas experiências vivenciais que o aprendiz contactua. Pode-se concluir que a protoaprendizagem se prolonga até aproximadamente 2 anos de idade, quando o aprendiz termina a 5 conduta puramente motriz e começa a função simbólica ou semiótica, caracterizada pela capacidade de representação de objetos e eventos. O segundo nível de aprendizagem por que passa o aprendiz é denominado deuteroaprendizagem, caracterizado pela interação e trocas de experiências alcançadas no nível da protoaprendizagem e o meio familiar. Inicia-se no momento em começa a função simbólica caracterizada pelas cinco condutas descritas por Piaget: imitação diferida, jogo simbólico, desenho, imagem mental e linguagem falada – até o momento que a criança começa a sofrer as influências da comunidade, quando estabelece um conceito de mundo. Este conceito de mundo será influenciado pelas relações com os irmãos, com os avós e com os objetos naturais e culturais. Neste nível muitas vezes o aprendiz inicia sua vida escolar com o ingresso na pré-escola. Nestas instituições as experiências por que passam continuam mantendo um caráter doméstico, propiciando um desenvolvimento harmônico e rico em experiências mediadoras, que estarão estimulando um amadurecimento tanto motor, quanto afetivo e cognitivo. Na pré-escola como o nome bem define, o aprendiz se encontra no meio do caminho entre a aprendizagem que se realiza na família e na escola primária. O terceiro nível de aprendizagem nomeado de aprendizagem assistemática é caracterizado pelas interações que o aprendiz alcançou na deuteroaprendizagem e a comunidade restrita a que está inserido. Os contatos que mantém com a comunidade que lhe propiciam uma aprendizagem a partir da experiência vivida neste meio, como por exemplo o contato com o significado da escrita e do dinheiro em ações como acompanhar os pais ao supermercado, panificadora, etc. Portanto, cabe a nós enquanto integrantes de uma comunidade restrita, estimular uma interiorização de modelos adequados e condizentes com nossa sociedade e realidade. Tais estímulos implicam em conhecimentos, atitudes e destreza diante das situações do dia a dia. A partir do conhecimento do processo de aquisição da aprendizagem, o especialista em psicopedagogia consegue detectar que situações podem estar influenciando negativamente este processo, ou que mecanismos o aprendiz está utilizando que podem estar dificultando sua aprendizagem. Quando recebemos a criança no consultório com uma dificuldade, é importante observamos e analisarmos o sistema familiar, escolar e social em que está inserida, além do seu próprio processo de aprendizagem, para podermos detectar o que pode estar obstaculizando esta aquisição. 6 A criança deve ser “olhada” como um todo, para podermos chegar nas “partes” e identificar as causas desta dificuldade. Uma dificuldade de aprendizagem não é vista como patogenia e sim como um obstáculo que pode estar dificultando este processo. Estes obstáculos são classificados por Jorge Visca como epistêmico, epistemofílico, epistemológico e funcional. O obstáculo epistêmico refere-se a estrutura cognitiva do aprendiz, que deriva do nível de operatividade da estrutura cognitiva alcançada, ou seja ninguém pode aprender além do que sua estrutura cognitiva permite. Também é utilizado para designar o vínculo afetivo que o aprendiz estabelece com os objetos e situações de aprendizagem. Um vínculo inadequado também possui a capacidade de impedir ou dificultar a aprendizagem. O obstáculo epistemológico está relacionado ao meio cultural em que o aprendiz está inserido. Quando uma criança de um meio cultural desfavorecido é inserida em outro com melhores condições, poderá apresentar o que denominamos de obstáculo epistemológico. Crianças que acompanham os pais em países diferentes do seu de origem, poderão demonstraruma dificuldade inicial de adaptação ao idioma e costumes, apresentando um obstáculo que Visca denomina de epistemológico. Outro obstáculo que poderá estar dificultando o processo de aprendizagem é o funcional, que corresponde às diferenças de funcionalidade da estrutura do pensamento, como as desigualdades entre os aspectos figurativos e operativos, as formas de oscilações deste pensamento, a impossibilidade de usar certas justificativas, enfim, de que maneira o pensamento do aprendiz acontece. Identificados os aspectos que poderão estar obstaculizando a aprendizagem, inicia-se o processo de modificação destes obstáculos, através da atuação do psicopedagogo. Atuação esta que se diferencia na valorização do que o aprendiz traz e faz em situações de jogos de regras, na manifestação espontânea do fazer lúdico e na pesquisa e conseqüente construção de situações relacionadas com a leitura de mundo deste aprendiz. Trabalhamos com o que aprendeu e com o que sabe, valorizando o papel de aprendiz, buscando proporcionar novas e enriquecedoras aprendizagens. Acreditamos em uma atuação que permita ao aprendiz perceber seu processo de aquisição da aprendizagem de forma significativa. Enfocamos as possibilidades de superação das dificuldades, 7 trabalhando na zona de desenvolvimento proximal do aprendiz, estimulando o avançar de sua potencialidade. A família e escola desempenham papéis fundamentais neste processo que deverá ser de parceria com o psicopedagogo. Contatos periódicos tanto com a família, como com a escola, possibilitam o repensar e redimensionar do trabalho psicopedagógico. A Psicopedagogia não veio para substituir nenhuma ciência, nem para instrumentalizar formações deficientes, veio sim, para instigar os profissionais a pesquisa de novas práxis para as dificuldades do aprendiz, da instituição e da sociedade em geral. Surgiu pela necessidade de profissionais das mais diversas áreas, que buscam respaldo teórico para intervir junto ao aprendiz ou instituição que apresenta dificuldade no processo de ensino aprendizagem. Esta busca nos levou a desenvolver uma formação que possibilite articular várias áreas de conhecimento, criando assim uma nova área de atuação. A sincronicidade entre a teoria e a prática nos permite aprender como se aprende, interagindo com nossas próprias dificuldades de aprendizagem tentando entendê-las e transformá- las em crescimento profissional e pessoal. Nossa preocupação com o exercício da reflexão, com a opção em que fazer, porque fazer, como fazer, para que e em que condições fazer é que legitimizam nossa profissão. Existem fatores sociais que também são determinantes na manutenção dos problemas de aprendizagem, e entre eles o ambiente escolar e contexto familiar são os principais componentes desses fatores. Quanto ao ambiente escolar, é necessário verificar a motivação e a capacitação da equipe de educadores, a qualidade da relação professor-aluno-família, a proposta pedagógica, e o grau de exigência da escola, que, muitas vezes, está preocupada com a competitividade e põe de lado a criatividade de seus alunos. Em relação ao ambiente familiar, famílias com alto nível sociocultural podem negar a existência de dificuldades escolares da criança. Há também casos em que a família apresenta um nível de exigência muito alto, com a visão voltada para os resultados obtidos, podendo desenvolver na criança um grau de ansiedade que não permite um processo de aprendizagem adequado. A maioria das crianças necessita de intervenção psicopedagógica e/ou fonoaudiológica e continua participando das aulas convencionais oferecidas pela escola. Porém, existem casos em que o grau do transtorno exige que a criança passe por programas educativos individuais e intensivos. 8 Independentemente do caso, é importante que a criança continue a assistir e a participar das atividades escolares normais. Cabe ao profissional que acompanha a criança ou adolescente realizar contatos com a escola a fim de estabelecer uma maior qualidade do processo de aprendizagem, através da inter-relação dos aspectos exigidos pela escola e do que a criança é capaz de oferecer para suprir tais necessidades. Além de um melhor enquadramento da proposta educacional, outras variáveis que implicam nos Transtornos de Aprendizagem deverão passar por um processo terapêutico. Assim, é necessário que ao se fazer uma avaliação de um quadro de Transtorno de Aprendizagem, o profissional esteja atento para identificar se existem fatores psicológicos que contribuem para a manutenção do problema. Caso esta variável esteja presente, o psicólogo é o profissional indicado para tratar dos problemas emocionais vinculados ao tipo de Transtorno. INTRODUÇÃO Na velocidade dos meios de comunicação o que aprendemos pode se tornar obsoleto em segundos, você deve melhorar sempre, atualizar-se, capacitar-se e especializar-se. Há situações que se faz necessário a técnicas e formas de inovar aquilo que já trazemos na bagagem. 9 Por isso, devemos combinar estratégias para facilitar a obtenção e multiplicar o rendimento e a qualidade dos resultados, tanto que já fazemos isso em alguma medida. Numa perspectiva de senso comum, só alguns alunos têm dificuldades de aprendizagem. Para todos os outros, a grande maioria, tudo decorre normalmente, sem problemas nem sobressaltos. Esta forma de descrever as dificuldades de aprendizagem (pensar que “uns têm e outros não”) está, infelizmente, muito difundida na nossa sociedade. E nesta perspectiva, nenhum pai deseja saber que o filho está a passar por dificuldades ou precisa de ajuda. “Estará doente, atrasado, traumatizado? Por culpa de quem? E porquê o meu filho?” Sucedem-se os rótulos, as dúvidas, as ansiedades: “Será deficiente? O que fizemos de errado? O que vai acontecer?” São assim a maior parte dos processos de descoberta e pesquisa científica. São assim as verdadeiras aprendizagens, aquelas que ficam para a vida, que nos mudam como pessoas e nos fazem crescer. São aprendizagens que promovem o desenvolvimento intelectual, ético, emocional. E sobretudo nestas aprendizagens, a dificuldade é parte integrante do processo. Pode haver momentos de “insight” (descoberta por uma intuição súbita - “eureka!”). Mas mesmo isso, surge muitas vezes depois de muita reflexão, de muitas tentativas e erros. Compreender, e sobretudo compreender o que numa idéia é essencial (aquilo que permite usá-la e relacioná-la com outras idéias), pode ser causa de muitas dificuldades... porque há dificuldades que são a matéria prima da própria aprendizagem. As necessidades de aprendizagem de cada aluno variam em função das matérias, das disciplinas, das situações e emoções do momento. Por isso, a questão nunca deve ser colocada de uma forma demasiado simples e redutora. Numa perspectiva de senso comum, só alguns alunos têm dificuldades de aprendizagem. Para todos os outros, a grande maioria, tudo decorre normalmente, sem problemas nem sobressaltos. Esta forma de descrever as dificuldades de aprendizagem (pensar que “uns têm e outros não”) está, infelizmente, muito difundida na nossa sociedade. E nesta perspectiva, nenhum pai deseja saber que o filho está a passar por dificuldades ou precisa de ajuda. “Estará doente, atrasado, traumatizado? Por culpa de quem? E porquê o meu filho?” Sucedem-se os rótulos, as dúvidas, as ansiedades: “Será deficiente? O que fizemos de errado? O que vai acontecer?”Mas, até certo ponto, porque todos somos diferentes, todos temos necessidades educativas específica. http://www.lispsi.pt/Edu/atr.htm#alguns http://www.lispsi.pt/Edu/dez.htm http://www.lispsi.pt/Edu/dez.htm http://www.lispsi.pt/Edu/atr.htm#alguns http://www.lispsi.pt/Edu/dez.htm http://www.lispsi.pt/Edu/dez.htm 10 As necessidades de aprendizagem de cada aluno variam em função das matérias, das disciplinas, das situaçõese emoções do momento. Por isso, a questão nunca deve ser colocada de uma forma demasiado simples e redutora. Todos os alunos têm direito a um vasto conjunto de medidas pedagógicas e psicológicas que os ajudem a desenvolver a sua aprendizagem da melhor forma possível. Quando o aluno, os pais ou os professores estão insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem (com os resultados escolares, com a capacidade de utilização dos conhecimentos adquiridos, com o seu contributo para o projecto de vida do aluno) é preciso parar para pensar, observar e descrever objectivamente a situação. As dificuldades de aprendizagem podem surgir em qualquer situação, idade ou momento do seu percurso escolar. Aprender exige esforço, persistência, coloca sempre dificuldades. Algumas tarefas escolares são repetitivas, rotinas que requerem motivação e persistência. Outras surgem com um grau de dificuldade crescente, exigindo uma constante evolução do aluno. Perante um obstáculo, um erro ou um insucesso, os alunos reagem de diferentes modos: Alguns sentem maior empenho e insistem, por brio ou teimosia. Outros ficam aflitos, tendem a culpabilizar-se, sentem-se tristes, impotentes, e acabam por desistir. Alguns estão sempre a pedir ajuda, outros nem reparam que o problema existe. Algumas destas formas de reagir, aumentam a motivação e conduzem a um melhor desempenho. Outras, pelo contrário, são prejudiciais, geram apatia e diminuem a qualidade do desempenho. Se surgirem de uma forma persistente, estes “hábitos mentais” aumentam o risco de insucesso, depressão e ansiedade. Um “hábito mental” é uma tendência pessoal para pensar e reagir de uma determinada maneira. A forma como o aluno reage perante situações de dificuldade, pode determinar de forma significativa o seu nível de sucesso, de realização e desenvolvimento pessoal. O risco de dificuldades de aprendizagem é maior quando nos habituamos a sentir e a reagir de determinadas maneiras. Isto é, algumas atitudes e tendências pessoais são mais positivas e funcionais do que outras. Acreditar que aprender é fácil, esperar que seja, surprender-se quando surgem dificuldades, insucessos, problemas, isso sim pode ser uma enorme dificuldade. Pensar desta forma fomenta a auto-indulgência e a passsividade do aluno. Pode diminuir muito a sua probabilidade de sucesso, porque diminui a sua capacidade de reagir e de enfrentar os problemas. http://www.lispsi.pt/Edu/atr.htm#risco http://www.lispsi.pt/Edu/Bernard.htm http://www.lispsi.pt/Edu/atr.htm#resultado 11 Acreditar que os problemas são obstáculos inesperados, injustos e insuportáveis é irrealista e pouco funcional. Ao contrário, acreditar que as dificuldades fazem parte do processo, que são desafios ou mesmo oportunidades pode ter um efeito mobilizador e resultados mais positivos. Nenhum aluno está imune a dificuldades de aprendizagem. Mas quando elas surgem, a forma como o aluno reage é determinante. Uma atitude preventiva não pode eliminar todos os riscos, mas pode fortalecer os chamados fatores de proteção. Quando as dificuldades surgirem, os seus efeitos serão menos graves, menos persistentes, menos prejudiciais. Muitos alunos são capazes de resolver, de ultrapassar a maior parte das suas dificuldades. Outros podem aprender a fazê-lo: com a ajuda dos pais, dos professores. Ou com a ajuda especializada de um Psicólogo Educacional, através de programas de treino individual ou em grupo. Objetivo: desenvolver atitudes e tendências pessoais mais facilitadoras do sucesso, aprender hábitos e métodos de estudo mais eficazes. CAPITULO I – DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM http://www.lispsi.pt/Edu/atr.htm#desafio http://www.lispsi.pt/Edu/atr.htm#resultado 12 Num passado ainda próximo, nos casos detectados, geralmente a criança era encaminhada para classes ou escolas especiais que ofereciam um ensino diferenciado. Com isso, acabava por tornar-se estigmatizada e fazer parte de um segmento social marginalizado, onde as oportunidades de ampliação de suas potencialidades eram reduzidíssimas. Apenas com a chancela do médico, na maioria das vezes, a criança com dificuldade de aprendizagem passava a ser considerada, por muitas pessoas, como um ser incapaz de criar e produzir conhecimento. Mesmo hoje, não podemos ignorar que, diante de qualquer desvio do padrão de comportamento, principalmente na escola, a primeira hipótese de explicação ainda faz referência a um possível problema mental. Como sujeito dotado tão somente de cabeça, desprovido de corpo, emoção e sentimento, a criança distante dos padrões de competência foi, até há bem pouco tempo, vítima de um julgamento equivocado e parcial. Esse procedimento se modificou somente há poucas décadas, em decorrência, principalmente, dos avanços nas pesquisas neurológicas comprovando a plasticidade do cérebro que, mesmo lesado, tem condições de reconstituir-se e garantir seu funcionamento, bem como da Psicologia, em especial a Psicanálise, cuja contribuição está sendo significativa no sentido de colaborar para que a criança seja também considerada como dotada de sentimentos, que desde a vida intra-uterina influenciam o seu comportamento. A Pedagogia, igualmente, acabou por repensar a sua prática, investigando mais profundamente a relação ensino-aprendizagem. E todos esses profissionais, atuando integradamente, deram um impulso à questão. Há que se destacar que, com o surgimento e contribuições da Psicopedagogia, todos os conceitos envolvidos no aprender estão sendo reconsiderados. Por aprendizagem, por exemplo, estendeu-se o conceito para além do conhecimento formal, acadêmico. Qualquer sujeito, independente do seu comprometimento corporal, orgânico, cultural ou psicológico se relaciona e elabora aprendizagem, pois é um ser social, que estabelece relações vinculares durante toda a sua existência. A prática psicopedagógica mais moderna nos tem mostrado que, mesmo na “ignorância”, a criança assim persiste certamente por elaborar mecanismos inteligentes de defesa ou de manutenção de uma dinâmica grupal na qual se encontra inserida. 13 Nos dias de hoje, fica cada vez mais evidente que se faz necessário considerar o aspecto orgânico como importante na avaliação do problema de aprendizagem, no entanto é, também, indispensável que os aspectos cognitivos e afetivos sejam ponderados na elaboração do diagnóstico, como também no tratamento indicado. Além desses fatores, não se pode deixar de levar em conta os níveis econômicos e culturais em que o grupo familiar da criança se encontra, bem como o tipo de escola que freqüenta, uma vez que, se forem bem entendidas e encaminhadas as dificuldades de aprendizagem, as crianças/alunos podem ter assegurada uma relação mais harmônica, coerente e saudável com o conhecimento. Finalmente, é indispensável registrar que equipes multidisciplinares, compostas por médicos, pedagogos, psicopedagogos, psicólogos, professores e demais profissionais envolvidos, cada vez mais, se colocam a serviço dos casos de problemas de aprendizagem, colaborando para que as crianças encaminhadas possam desfrutar plenamente sua cidadania. A aprendizagem e a construção do conhecimento são processos naturais e espontâneos do ser humano que desde muito cedo aprende a mamar, falar, andar, pensar, garantindo assim, a sua sobrevivência. Com aproximadamente três anos, as crianças são capazes de construir as primeiras hipóteses e já começam a questionar sobre a existência. A aprendizagem escolar também é considerada um processo natural, que resulta de uma complexa atividade mental, na qual o pensamento, a percepção, as emoções, a memória, a motricidade e os conhecimentos prévios estão envolvidos e onde a criança deva sentir o prazer em aprender. O estudo do processo de aprendizagem humana e suas dificuldades são desenvolvidos pela Psicopedagogia, levando-se em consideração as realidadesinterna e externa, utilizando-se de vários campos do conhecimento, integrando-os e sintetizando-os. Procurando compreender de forma global e integrada os processos cognitivos, emocionais, orgânicos, familiares, sociais e pedagógicos que determinam à condição do sujeito e interferem no processo de aprendizagem, possibilitando situações que resgatem a aprendizagem em sua totalidade de maneira prazerosa. Segundo Maria Lúcia Weiss, “a aprendizagem normal dá-se de forma integrada no aluno (aprendente), no seu pensar, sentir, falar e agir. Quando começam a aparecer “dissociações de campo” e sabe-se que o sujeito não tem danos orgânicos, pode-se pensar que estão se instalando dificuldades na aprendizagem: algo vai mal no pensar, na sua expressão, no agir sobre o mundo”. 14 Atualmente, a política educacional prioriza a educação para todos e a inclusão de alunos que, há pouco tempo, eram excluídos do sistema escolar, por portarem deficiências físicas ou cognitivas; porém, um grande número de alunos (crianças e adolescentes), que ao longo do tempo apresentaram dificuldades de aprendizagem e que estavam fadados ao fracasso escolar pôde freqüentar as escolas e eram rotulados em geral, como alunos difíceis. Os alunos difíceis que apresentavam dificuldades de aprendizagem, mas que não tinha origens em quadros neurológicos, numa linguagem psicanalítica, não estruturam uma psicose ou neurose grave, que não podiam ser considerados portadores de deficiência mental, oscilavam na conduta e no humor e até dificuldades nos processos simbólicos, que dificultam a organização do pensamento, que consequentemente interferem na alfabetização e no aprendizado dos processos lógico-matemáticos, demonstram potencial cognitivo, podendo ser resgatados na sua aprendizagem. Raramente as dificuldades de aprendizagem têm origens apenas cognitivas. Atribuir ao próprio aluno o seu fracasso, considerando que haja algum comprometimento no seu desenvolvimento psicomotor, cognitivo, lingüístico ou emocional (conversa muito, é lento, não faz a lição de casa, não tem assimilação, entre outros.), desestruturação familiar, sem considerar, as condições de aprendizagem que a escola oferece a este aluno e os outros fatores intra-escolares que favorecem a não aprendizagem. As dificuldades de aprendizagem na escola, podem ser consideradas uma das causas que podem conduzir o aluno ao fracasso escolar. Não podemos desconsiderar que o fracasso do aluno também pode ser entendido como um fracasso da escola por não saber lidar com a diversidade dos seus alunos. É preciso que o professor atente para as diferentes formas de ensinar, pois, há muitas maneiras de aprender. O professor deve ter consciência da importância de criar vínculos com os seus alunos através das atividades cotidianas, construindo e reconstruindo sempre novos vínculos, mais fortes e positivos. O aluno, ao perceber que apresenta dificuldades em sua aprendizagem, muitas vezes começa a apresentar desinteresse, desatenção, irresponsabilidade, agressividade, etc. A dificuldade acarreta sofrimentos e nenhum aluno apresenta baixo rendimento por vontade própria. Durante muitos anos os alunos foram penalizados, responsabilizados pelo fracasso, sofriam punições e críticas, mas, com o avanço da ciência, hoje não podemos nos limitar a acreditar, que as dificuldades de aprendizagem, seja uma questão de vontade do aluno ou do professor, é uma questão muito mais complexa, onde vários fatores podem interferir na vida escolar, tais como os 15 problemas de relacionamento professor-aluno, as questões de metodologia de ensino e os conteúdos escolares. Se a dificuldade fosse apenas originada pelo aluno, por danos orgânicos ou somente da sua inteligência, para solucioná-lo não teríamos a necessidade de acionarmos a família, e se o problema estivesse apenas relacionado ao ambiente familiar, não haveria necessidade de recorremos ao aluno isoladamente. A relação professor/aluno torna o aluno capaz ou incapaz. Se o professor tratá-lo como incapaz, não será bem sucedido, não permitirá a sua aprendizagem e o seu desenvolvimento. Se o professor, mostrar-se despreparado para lidar com o problema apresentado, mais chances terá de transferir suas dificuldades para o aluno. Os primeiros ensinantes são os pais, com eles aprendem-se as primeiras interações e ao longo do desenvolvimento, aperfeiçoa. Estas relações, já estão constituídas na criança, ao chegar à escola, que influenciará consideravelmente no poder de produção deste sujeito. É preciso uma dinâmica familiar saudável, uma relação positiva de cooperação, de alegria e motivação. Torna-se necessário orientar aluno, família e professor, para que juntos, possam buscar orientações para lidar com alunos/filhos, que apresentam dificuldades e/ou que fogem ao padrão, buscando a intervenção de um profissional especializado. Dicas para os pais: Estabelecer uma relação de confiança e colaboração com a escola; Escute mais e fale menos; Informe aos professores sobre os progressos feitos em casa em áreas de interesse mútuo; Estabelecer horários para estudar e realizar as tarefas de casa; Sirva de exemplo, mostre seu interesse e entusiasmo pelos estudos; Desenvolver estratégias de modelação, por exemplo, existe um problema para ser solucionado, pense em voz alta; Aprenda com eles ao invés de só querer ensinar; Valorize sempre o que o seu filho faz, mesmo que não tenha feito o que você pediu; Disponibilizar materiais para auxiliar na aprendizagem; É preciso conversar, informar e discutir com o seu filho sobre quaisquer observações e comentários emitidos sobre ele. 16 Cada pessoa é uma. Uma vida é uma história de vida. É preciso saber o aluno que se tem, como ele aprende. Se ele construiu uma coisa, não pode-se destruí-la. O psicopedagogo ajuda a promover mudanças, intervindo diante das dificuldades que a escola nos coloca, trabalhando com os equilíbrios/desequilíbrios e resgatando o desejo de aprender. Durante muito tempo, a criança com dificuldades de aprendizagem, era encaminhada a um especialista para confirmar sua “normalidade”. Conforme fosse o resultado desse diagnóstico, a criança era encaminhada para classes ou escolas especiais que ofereciam um ensino diferenciado, contudo todo esse processo de deslocamento conseqüentemente também vinha de encontro com um processo de desmotivação por parte da criança, tendo em vista ser necessário um novo processo de adaptação a uma nova estrutura educacional, a novas relações humanas com os colegas, enfim, a todo um retrocesso do intuito de sanar a dificuldades apresentadas pelo aluno. Quando professores e educadores têm uma reflexão psicopedagógica é mais fácil analisar o porquê do seu aluno não aprender e quais os fatores que levam o aluno a ter dificuldades no processo de aprendizagem. Muitas das vezes os mesmos tendem a procurar um culpado para isso tudo, e o maior crucificado é o meio familiar em que o aluno vive por sua postura e comportamento. Sempre há uma desculpa dos fatores que levam o aluno a ter dificuldades. Preguiça, lentidão ou apenas falta de atenção ou de interesse são algumas delas, que muitas das vezes são usadas pelos educadores como forma de tirar de suas costas a responsabilidade, no entanto, essas desculpas tendem a contribuir para o agravamento dessas dificuldades, deixando o aluno cada vez mais desmotivado a apreender. Não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. (FREIRE, 1993). Essa necessidade da existência de quem ensina e de quem aprende é fator importantíssimo no processo educacional, pois é através dessa consciência que ambos, educador e aluno constroem vínculos indispensáveis para a aprendizagem. É inegável que o processo ensino-aprendizagem é um processo construídosociointeracionalmente, entre ensinante-aprendente-meio, a fim de que todos os componentes possam desfrutar do processo cognitivo, que é o processo de aprendizagem. A interação entre o mestre e o estudante é essencial para a aprendizagem, e o mestre consegue essa sintonia, levando em consideração o conhecimento das crianças, fruto de seu meio. (FREINET, 2002). 17 Muitos dos problemas enfrentados na escola, entre eles a indisciplina e a dislexia provêm de várias situações sócioafetivas não resolvidas no decorrer dos anos. É uma série de sentimentos que vivenciam no meio e que se refletem na aprendizagem, às vezes, positivamente e, às vezes, negativamente. A dificuldade de aprendizagem é um tema que deve ser estudado levando-se em conta todas as esferas em que o indivíduo participa (família, escola, sociedade, etc...) Sabe-se que nunca há uma causa única para o fracasso escolar e que também um aluno com dificuldade de aprendizagem não é um aluno que tem deficiência mental ou distúrbios relativos, na verdade, existem aspectos fundamentais que precisam ser trabalhados para obter-se um melhor rendimento em todos os níveis de aprendizagem e conhecimento. Quando falamos de aprendizagem e conhecimento não estamos nos referindo somente a conteúdos disciplinares, mas também a conhecimento e desenvolvimento vital que são tão importantes quanto. A aprendizagem está diretamente relacionada à conduta. É aprendendo que reformulamos nossa maneira de atuar no mundo e sobre ele. (SOARES, 2003). O educador enquanto mediador do processo ensino-aprendizagem, bem como protagonista na resolução e estudo das dificuldades de aprendizagem deve obter orientações específicas para que desenvolva um trabalho consciente e que promova o sucesso de todos os envolvidos no processo. Dizer que a escola não oferece condições satisfatórias para o desenvolvimento de um trabalho que atenda as necessidades e dificuldades de cada aluno é, com certeza, revelar-se acomodado, pois para que aconteça a superação das dificuldades no ensino é necessário um ingrediente especial que é a CONDIÇÃO HUMANA; sendo os subsídios materiais apenas recursos dispensáveis. A escola é sim um espaço privilegiado para o bom desenvolvimento da aprendizagem, pois através dela o aluno pode ter um convívio direto com novas perspectivas de conhecimentos e diferentes contatos com indivíduos ímpares. Quanto a nós, embora possamos considerar um conjunto de fatores, como o são a motivação e auto-estima do aluno e o envolvimento dos pais, entre outros, será a qualidade do ensino ministrado que fará a diferença. A paciência, o apoio e o encorajamento prestado pelo professor serão com certeza os impulsionadores do sucesso escolar do aluno, abrindo-lhe novas perspectivas para o futuro. (CORREIA, 2005) Vivemos num momento em que o acorde para as necessidades do aluno vem à tona. Surge no espaço pedagógico a reflexão de que a escola não pode ser apenas transmissora de conteúdos e 18 conhecimentos, muito mais que isso, a escola tem a tarefa primordial de “reconstruir” o papel e a figura do aluno, deixando o mesmo de ser apenas um receptor, proporcionando ao aluno que seja o criador e protagonista do seu conhecimento. Levar o aluno a pensar e buscar informações para o seu desenvolvimento educacional, cultural e pessoal é uma das tarefas primordiais e básicas da educação. Para isso se fazem necessárias medidas urgentes e precisas. As dificuldades de aprendizagem devem ser levadas em conta, não como fracassos, mas como desafios e serem enfrentados, e ao se trabalhar essas dificuldades, trabalha-se respectivamente a dificuldades existentes na vida, dando oportunidade ao aluno de ser independente e de reconstruir- se enquanto ser humano e indivíduo. Segundo Paulo Freire (2003), o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente “lido”, interpretado, “escrito” e “reescrito”. Essa leitura do espaço pedagógico pressupõe também uma releitura da questão das dificuldades de aprendizagem. Infelizmente, a aprendizagem, em algumas instituições continua seguindo o modelo tradicionalista, onde é imposta e não mediada, criando uma passividade entre aquele que sabe e impõe e aquele que obedece calado. É necessário levar em conta também os efeitos emocionais que essas dificuldades acarretam, se faz necessário para a criança um suporte humano e apoiador para que a mesma possa se libertar do que a faz ter dificuldade. É importantíssimo ressaltarmos toda contribuição da Psicopedagogia, promovendo uma análise mais aprofundada de tudo relativo à aprendizagem proporcionando uma reestruturação e reinterpretação do verdadeiro fator que leva às dificuldades de aprendizagem, reconhecendo-se que essas dificuldades fazem parte de um sistema bio-psico-social que envolve a criança, a família, a escola e o meio social em que vive. Como bem define o papel da Psicopedagogia e seus interesses, o Prof. João Beauclair (2004) diz que: enquanto área de conhecimento multidisciplinar interessa a Psicopedagogia compreender como ocorre os processos de aprendizagem e entender as possíveis dificuldades situadas neste movimento. É louvável dizer que só conseguiremos mediar as dificuldades de aprendizagem, quando lidarmos com nossos alunos de igual para igual; quando fizermos da aprendizagem um processo significativo, no qual o conhecimento a ser aprendido e apreendido faça algum sentido para o aluno não somente na sua existência educacional como também na sua vida cotidiana. 19 Enfim, não devemos tratar as Dificuldades de aprendizagem como se fossem problemas insolúveis, mas, antes disso, como desafios que fazem parte do próprio processo da Aprendizagem, a qual pode ser normal ou não-normal. Também parece ser consensual a necessidade imperiosa de se identificar e prevenir o mais precocemente possível as Dificuldades de aprendizagem, de preferência ainda na pré-escola. Aproximadamente 20% das crianças apresentam dificuldades na aprendizagem escolar. Inicialmente o médico tende a buscar a causa na criança, porém devemos lembrar de que muitos fatores interferem na aprendizagem. O professor e a escola, a família, a sociedade envolvem aspectos sócio-culturais importantes para o aprender de uma criança. Por exemplo, o método da escola pode dificultar a aprendizagem de uma criança com dificuldades na percepção visual quando se utiliza métodos visuais (ensino de frases e textos). Neste caso métodos auditivos são mais indicados. Assim, o professor deve ter a capacidade de identificar o melhor para a criança utilizando, se possível, variação metodológica dentro da sala de aula. O professor desempenha um papel importante na identificação da dificuldade. Aquela criança que não adquire conhecimento como os colegas deve ser identificada e acompanhada de perto. Após alguns meses de trabalho (3 - 6 meses) dentro da sala de aula sem um progresso na aprendizagem o aluno merece uma atenção especial e deverá ser encaminhado à orientação pedagógica da escola que já deve estar ciente do caso. São crianças muitas vezes consideradas como imaturas que não evoluíram satisfatoriamente. Cuidado! esta criança que não “clica” pode ter uma dificuldade mais importante que necessita de atendimento e avaliação especializada. Emília Ferreira relata em seu livro que até 15% das suas crianças não evoluem adequadamente nas fases de aprendizagem. Por exemplo, aos 6 anos iniciam o primeiro ano no pré- silábico ou silábico e chegam ao 2º semestre nesta mesma fase de desenvolvimento. Este grupo de crianças são de riscos para dificuldade ou das funções e deverão ser observadas. O diagnóstico da dificuldade pode ser muito precoce, a nível do maternal e jardim. O desenvolvimento da linguagem e do grafismo ajudam muito a professora identificar estes problemas. Por exemplo, uma criança de 5 anos que não apresenta capacidade para identificar e desenharalguns símbolos como o círculo, quadrado ou triângulo, que não percebe cores básicas (branco e preto), que não interpreta histórias simples, deve ser vista como um quadro mais preocupante... São 20 aqueles casos que chegam no pré-primário sem prontidão para a 1ª série primária. Estas crianças devem ser avaliadas e muitas vezes há indicação de repetição do pré-primário. Uma outra situação é a criança que não consegue identificar e escrever letras, ou juntá-las em palavras ou frases. Esta criança, iniciando o primeiro ano do 1º grau, ao chegar no final do ano com esta dificuldade deverá ser avaliada cuidadosamente. Ela pode ter uma disfunção cerebral e muitas vezes necessita de atendimento. Os principais elementos para identificação destas dificuldades são os profissionais da escola (professora, orientadoras pedagógicas, etc...) que exercem o principal papel na formação da criança. Com a identificação de um mau rendimento escolar de uma criança, deveremos raciocinar em diferentes níveis de dificuldade: 21 CAPÍTULO II - DIFICULDADE TRANSITÓRIA EM UMA ÚNICA ÁREA É uma situação passageira, em um momento da vida da criança, por exemplo, a criança não consegue realizar uma divisão. Quando o professor detecta que um aluno não está conseguindo assimilar determinado conteúdo, é importante que desenvolva estratégias variadas, colocando o assunto de diferentes maneiras, até que seja possível a superação da dificuldade. O que fica para trás, torna-se cumulativo, transformando-se num obstáculo à aprendizagem posterior. O professor deve levar em conta que a aprendizagem só se dá ligada à parte afetiva da criança. Não se pode separar aprendizagem de afeto. É importante que o professor conheça cada um de seus alunos e esteja atento às dificuldades de cada um, para que essas não se transformem num problema. Para evitar surgimento de dificuldades, deve-se tomar muito cuidado em respeitar o nível cognitivo da criança. Estas, entre os 07 e 11 - 12 anos de idade está uma fase de intensa atividade intelectual, mas necessita para sua aprendizagem, ter sempre presente a situação concreta. Ela não consegue compreender assuntos abstratos. Isto significa que não se pode transmitir conteúdos à criança simplesmente. Ela precisa operar sobre eles. Conhecemos a realidade da criança que estuda para uma avaliação , até se sai bem, mas na semana seguinte nada mais sabe. Ora, isso é tempo perdido. É preferível trabalhar com menos conteúdo, mas permitir que a criança opere sobre ele, produzindo uma aprendizagem duradoura. A criança ainda não tem a mesma compreensão da linguagem que tem o adulto. Se os conteúdos lhe são passados verbalmente, sem a atividade anterior sobre eles, a criança se prende à linguagem, repete-a como um papagaio, mas não consegue compreender realmente do que se trata. Ela precisa primeiro compreender, depois transformar em palavras. Para isso é imprescindível que se adote uma metodologia de interação, tanto do professor com os alunos, com destes entre si, isto é, muita oportunidade de questionamento e trabalho em grupo. A repetição neste caso não é uma boa estratégia, por isso o professor deve usar de muita criatividade na abordagem de diferentes facetas de um mesmo ponto a ser estudado. Trabalha-se com essa dificuldade e ela obtém sucesso. Afeta transitoriamente uma certa área. DIFICULDADE GLOBAL (PROBLEMA) - é uma situação mais preocupante. Pode ser grave e envolve aspectos sociais, culturais e emocionais. Por exemplo: Escola : 22 • A criança é transferida de uma escola menos exigente para uma outra mais exigente.; A criança pode ter saído muito bem na primeira e apresentar uma defasagem global na segunda; Didática deficiente ou inadequada que não permite a criança constituir o seu conhecimento; • Falta de estimulação - (salário, formação insuficiente, falta de reciclagem). • Família desorganizada: excesso de atividades extra-escolares como bale, informática, esportes, excesso de televisão, vídeo game, ausências de rotinas de estudo; • Crianças muito dependentes ou com problemas emocionais (pais alcoólatras, exigentes) não conseguem apresentar assimilar os novos conteúdos. • Crianças que mudam de país e precisam se adaptar a outra língua e cultura; • Sócio econômico baixo = não há exigências da família, não existe perspectiva futura. Uso de medicamentos cujos efeitos colaterais interferem na aprendizagem. Medicações antieplépticas, anti-asmáticas, antialérgicas causam sonolência, irritabilidade ou hiperatividade, causando desatenção nas crianças. Drogas como a cocaína o álcool e a maconha também interferem na aprendizagem, principalmente nos adolescentes. Quando a situação já está instalada, toma-se um pouco mais difícil sua superação em sala de aula, mas não é impossível. Se a interferência for de origem emocional, como superproteção, conflitos familiares etc, deve-se fazer o possível para conseguir um auxílio profissional que possa desbloquear a área conflituosa, possibilitando a abertura para a aprendizagem. Havendo defasagem em relação aos conteúdos, por motivo de mudança, transferência ou uma didática anterior deficiente, necessário se faz, uma avaliação minuciosa para detectar em que se encontra a criança em relação aos conteúdos que deveria ter assimilado e que se crie um programa para reestruturar esse conhecimento, não do momento atual, mas do ponto em que iniciou a defasagem. A construção do conhecimento é semelhante a uma escada. A criança fica impossibilitada de pisar no décimo degrau, se estes não pisou nos anteriores. Suas pernas não alcançarão, a despeito de todos os esforços realizados. Portanto precisamos lhe fornecer ajuda, para que suba de degrau a degrau, até atingir o esperado. Tanto na dificuldade transitória como na global, não há nada de orgânico. A estrutura cognitiva está intacta, o nível intelectual é normal, mas, mesmo assim provoca insucessos. O 23 trabalho de orientação e atendimento desta dificuldade é muito gratificante com bons resultados na maioria das vezes. Devemos identificar estas crianças e orientá-las adequadamente. Atenção especial deve ser enfocada no Ciclo Básico, que é um método adequado para crianças normais, mas permite crianças com incapacidade para alfabetização (ou não alfabetizada) à 4ª série (a lei exige). IMATURIDADE FUNCIONAL - Há entretanto outros níveis de dificuldades que afetam a estrutura cerebral com potencial mais limitado de melhora após tratamento. A seguir descreveremos estas outras interferências na aprendizagem: • representa situações em que a criança apresenta um “atraso” na aprendizagem em um momento da sua vida. Por exemplo, aquela criança em que a alfabetização só ocorre aos 8 anos de idade. • . O papel da professora e/ou orientadora escolar é muito importante nestes casos. Deve-se dar um tempo para a criança para que ela não entre em ansiedade. Na imaturidade a criança adquire um ritmo normal ou quase normal de aprendizagem em alguns meses de trabalho. Repetimos, se passa um tempo, por exemplo a 6 meses, e a criança não evolui deve-se ficar atento para outro fator causal a desta dificuldade (disfunção ou causa emocional, etc...) DISFUNÇÃO CEREBRAL (OBSTÁCULO FUNCIONAL) - Nestes casos as crianças são inteligentes, socialmente são normais e apresentam informações verbais adequadas. Suas dificuldades ocorrem em áreas específicas, por exemplo, uma incapacidade de identificar as letras e conseqüentemente as palavras. Uma área do cérebro não funciona, adequadamente, neste caso aquela responsável pela percepção e análise visual. O restante do cérebro está intacto. Esta disfunção cerebral afeta áreas específicas relacionadas à linguagem, leitura, escrita, cálculo, motricidade, raciocínio, memória, atenção, etc... Em estudos anátomo-patológicosalguns autores encontraram micro lesões no córtex cerebral (lesões microscópicas como alterações dos neurônios, das sinapses, etc...) que não são vistas nos exames realizados como o RX de crânio, Tomografia e Ressonância Magnética. Essas crianças sofrem muito e, muitas vezes são confundidas como criança pouco inteligente, preguiçosa, desleixada, quando na verdade o seu impedimento não é a nível intelectual, mas de execução. As principais disfunções são: ocorrem nas seguintes áreas: Linguagem (disfasia): Disfasia - a criança pode ter dificuldade a nível de expressão (disfasia expressiva) ou 24 compreensão (disfasia compreensiva). Há disfunção do lobo frontal a primeira (área de broca) e do lobo temporal na segunda (área de Wernick). Clinicamente o comprometimento é importante: são crianças que não elaboram frases, expressam as partes finais das palavras (“eta” por borboleta, “aço” por palhaço) com 3 ou 4 anos de idade. O atendimento fonoaudiológico deve ser precoce, nesta idade ou até antes. O risco desta criança apresentar dislexia ou disortografia na idade escolar é muito grande. Deve-se considerar que as “disfasias” são quadros preocupantes e graves diferentes da “dislalia” ou “atraso simples da linguagem” em que ocorrem trocas simples e evoluem para melhora rapidamente com atendimento fonoaudiológico e que estão relacionados a maturidade menos e fatos ambientais. A disartria é caracterizada por voz arrastada, lenta. Está relacionada à lesão motora e não à área da linguagem leitura (dislexia). Dislexia - é uma dificuldade duradoura na aquisição da leitura. Para se constatar uma dislexia, é preciso descartar algumas outras situações que não devem ser confundidas: • a criança não deve ter bloqueios emocionais que a impeçam de aprender; • não deve ser nova demais para a alfabetização, isto é, exclui-se a imaturidade; • deve ter tido pelo menos dois anos de escolaridade, com uma didática adequada. Isto significa que apenas aos 8-9 anos podemos afirmar que a criança é dislexica. • O quadro de dislexia pode variar desde uma incapacidade quase total em aprender a ler, até uma leitura quase normal, mas silabada, sem automatização. Surge em 7 a 10% da população infantil, independente de classe socio-econômica, pois se exclui a didática deficiente. O quadro básico é de uma criança que apresenta dificuldade para identificação dos símbolos gráficos. O distúrbio se encontra a nível das funções de percepção, memória e análise visual. As área do cérebro responsável por estas funções se encontram a nível do lobo occipital e parietal, principalmente. A criança dislexica não deve ser alfabetizada pelo método global, uma vez que não consegue perceber o todo. Precisa de um trabalho fonético e repetitivo, pois terá muita dificuldade na fixação dos fonemas. Necessita de um plano de leitura que inicie por livros muito simples mas motivadores, aumentando gradativamente e só a medida que lhe for possível, a complexidade. Disgrafia - o termo disgrafia é a dificuldade (parcial), porém não na impossibilidade para a aprendizagem da escrita de uma língua. 25 Assim, de acordo com a divisão tradicional, a disgrafia se subdivide em: a) disgrafia específica ou propriamente dita e disgrafia motora . Na primeira delas não se estabelece uma relação entre o sistema simbólico e as grafias que representam os sons, as palavras e as frases. A isto denomina-se simplesmente disgrafia. A segunda ocorre quando a motricidade está particularmente em jogo, mas o sistema simbólico não. A isto denomina-se discaligrafia, entendendo-a não somente como o resultado de uma alteração motora, mas também de fatores emocionais (restrição do eu, etc.), o que altera a forma da letra. Os indicadores que se consideram para a disgrafia recebem os mesmos nomes que os indicadores de dislexia , apenas observa-se que na primeira estes ocorrem na escrita (inversão, substituição, translação, omissão, agregado, etc.) e, na segunda, na leitura . INDICADORES DE DISGRAFIA EXEMPLOS Inversão de letras ne x en; areonautas x aeronautas Inversão de sílabas penvasa x pensava Inversão de números 89 x 98; 123 x 213 Substituição de letras gogar x jogar; irnão x irmão Substituição de sílabas ponta x pomba Substituição de palavras Substituição de números menino x ninho; lindo x grande 3225 x 325 • Casos especiais de agregado: Por reiteração: quando se agrega uma mesma letra, sílaba, palavra ou número (passassada por passada). Omissão de Letras tabém x também Omissão de sílabas prinpal x principal Omissão de palavras por não voltar... x por favor, não voltar Omissão de números 32 x 302 Dissociação de palavras ci ne x cine Contaminação de letras fortese x fortes Contaminação de sílabas sedeitou x se deitou 26 Contaminação de palavras haviaúma x havia uma Ignorância de uma grafia (dificuldade para evocar e representar uma grafia) resíduo agráfico num sintoma disgráfico O termo disgrafia motora (discaligrafia) consiste na dificuldade de escrever em forma legível. Os indicadores mais comuns da discaligrafia são: • micrografia; • macrografia; • ambas combinadas; • distorções ou deformações; • dificuldades nos enlaces; • traçados reforçados, filiformes, tremidos; inclinação inadequada; • aglomerações, etc. A criança consegue falar e ler e as dificuldades ocorrem na execução de padrões motores para escrever letras, números ou palavras. Pode ocorrer defeito motor ou apenas a nível de integração (neste caso a criança vê a figura mas não sabe fazer os movimentos para escrever as letras). Geralmente estas crianças são hipotônicas, desequilibradas, disárticas (fala lenta). Os graus de comportamento são variáveis. Os casos em que ocorre um distúrbio importante da integração visuo espacial e motricidade representam disfunção a nível do lobo parietal e frontal. Quando há dificuldade apenas na produção de uma letra proporcional e legível a disfunção ocorre predominantemente no lobo frontal ou no cerebelo. Alguns autores chamam este último quadro de discaligrafia ou disgrafia motora. Esta situação não é um desleixo ocasional, e sim uma deficiência constante. Não se obtém uma produção mais adequada repreendendo-se a criança. Deve-se comparar sua própria obra, para obter um parâmetro de sua melhor produção. Este deve ser objetivo a ser alcançado e não a perfeição, que para esse aluno é inatingível. O professor deve trabalhar a conscientização do aluno para sua melhor performance e reforçá-lo positivamente sempre que a alcance. 27 Disortografia - Muitas vezes acompanha a Dislexia, mas pode também vir sem ela. É a impossibilidade de visualizar a forma correta da escrita das palavras. A criança escreve seguindo os sons da fala e sua escrita por vezes torna-se incompreensível. Não adianta trabalhar por repetição, isto é, mesmo que escreva a palavra vinte vezes, continuará escrevendo-a erroneamente. É preciso trabalhar de outras formas, usando a lógica quando isso é possível, a conscientização da audição em outros casos, como por exemplo: em “s”e “ss”, “i” e “u” etc. A disortografia pode ser observada na realização do ditado onde se apresentam trocas relacionadas à percepção auditiva. Por exemplo: F por V (faca/vaca), a disfunção ocorre a nível do lobo temporal. Na escrita espontânea (por redação, interpretação de textos lidos ou ouvidos) há também envolvimento das áreas visuais (lobo parietal e occipital). Discalculia - É a incapacidade de compreender o mecanismo do cálculo e a solução dos problemas. É um quadro bem mais raro e quase só acontece acompanhado de síndromes. O que ocorre com maior freqüência é uma estruturação inadequada do raciocínio matemático, em função de uma didática inadequada e excesso de conteúdos. A criança de primeira série não temcondições de operar sem o concreto e precisa estruturar demoradamente a construção do número e o raciocínio de situações problema. Se isto não lhe é permitido e lhe são exigidos logo números grandes e situações problema abstratas, ela não é capaz de compreensão e usa a estratégia da mecanização, que lhe impede a aprendizagem verdadeira. A disfunção ocorre a nível de lobos parietais e occipitais. Déficit de Atenção (com ou sem hiperatividade) - É um quadro em que os impulsos a nível cerebral se dão numa velocidade muito acima do normal. As conseqüências podem ser diversas, como falta de atenção, impulsividade e agressividade e, também, criança portadora desse quadro tende a ser desorganizada, desleixada, desastrada. Com isso recebe repreensões freqüentes, que prejudicam sua auto-imagem. É necessário tentar inverter esse círculo vicioso, reforçando a criança em pequenas atitudes positivas, para que perceba que é capaz de coisas boas e volte a acreditar em si, melhorando sua produção. O déficit de atenção pode estar associado ou não à Hiperatividade. Ocorre predominantemente em meninos com início antes dos 7 anos. Muitas vezes há história de movimentos acentuados da criança intra útero, distúrbios do sono no primeiro ano e excesso de movimentos aos 3-4 anos de idade. Na pré-escola e início do 1º ano há dificuldade de atenção para os conteúdos ensinados. Não param na carteira, perdem a atenção frente a qualquer estímulo externo, são impulsivos, perdem o material, não se organizam nas tarefas, etc... Estas dificuldades 28 devem ocorrer na escola, no lar, no clube ou em qualquer outro ambiente... A intensidade é variável (leve, moderada, intensa, sendo indicado tratamento nos casos mais preocupantes. A criança pode apresentar dificuldade na aprendizagem escolar (algumas vezes associadas a outras disfunções) ou distúrbio de conduta. Este quadro neurológico está relacionado às disfunções neuro-químicas (neurotransmissores) que ocorrem principalmente à nível da Substância Reticular (no tronco cerebral) e gânglios da base. Assim, até 60% dos casos podem-se beneficiar com medicamentos estimulantes (metilfenidato) ou anti-depressivos. O tratamento medicamentoso deve ser acompanhado de mudanças de conduta da família, escola e de outros familiares ou pessoas do ambiente da criança. Apoio psicopedagógico e outras terapias (Psicoterapia, Fonoaudiologia) devem ser indicadas quando necessárias. Não devemos considerar toda criança Hiperativa como de causa neurológica. No diagnóstico diferencial devemos considerar: 1) crianças normais “super ativas”, inteligentes sem dificuldade de aprendizagem e que exigem uma atenção especial da escola e da família. O professor, a mãe ou irmãos devem aprender a lidar com estas crianças, dando atividades extras durante a atividade escolar ou familiar. 2) Psicoses da Infância - crianças com pensamento desestruturado. 3) Síndrome de Gilles de La Tourette - Hiperatividade associada a tiques motores ou orais. 4) Crianças com deficiência visual ou auditiva, ou disfunção cerebral (dislexia, disortografia, discalculia). São crianças que não entendem o conteúdo escolar e se manifestam com Hiperatividade. 5) Crianças medicadas com antiepilépticas, antiasmáticos ou outros medicamentos que causam agitação psicomotora. LESÃO CEREBRAL - Afeta a criança como um todo. Pode ser sensorial, isto é, auditivo ou visual, mental, quer dizer, rebaixamento, da capacidade intelectual ou ainda emocional grave, como Autismo ou Psicose. No obstáculo sensorial a criança freqüentemente pode ser trabalhada em classe regular, mas o professor precisa receber orientação regular de como atuar. Sendo deficiência mental leve, também poderá ser trabalhada em sala de aula regular, mas necessitará de um 29 acompanhamento paralelo. Se for uma deficiência mental moderada, ou um problema emocional sério, a criança deverá ser encaminhada a uma classe especial ou, se necessário, a uma escola especial. O obstáculo global é diferente do funcional, no sentido de que afeta a criança como um todo e principalmente no caso da deficiência mental, a criança apresentará dificuldade em todas as áreas. Os professores não devem se colocar a serviço da seleção social, isto é, voltarem-se apenas aos que aprendem fácil e têm bom ritmo, isto é a parte mais fácil de ensinar. As crianças que dependem deles e cujo futuro se construirá fundamentalmente através da dedicação e competência do professor, são essas, que apresentam alguma interferência na aprendizagem. E na interação com essas crianças que o professor vai corresponder ao ideal do mestre, enfrentará dificuldades e a cada sucesso alcançado, saberá que valeu a pena ter vivido. Esquadrinhar os fatores que suscitam impedimentos ou erigem dificuldades para a implementação de uma prática avaliativa, que se configure em uma perspectiva diagnóstico- formativa, somente foi possível porque os professores, que se disponibilizaram a participar do estudo, abriram seus corações e revelaram seus pensamentos, suas angústias, suas certezas e incertezas – mesmo quando na contramão dos princípios teóricos amplamente difundidos no contexto escolar. As verdades exteriorizadas foram essenciais para o mapeamento das dificuldades que, na ótica dos sujeitos de pesquisa, fazem que permaneça, no interior da escola, uma perspectiva de avaliação ainda excludente e classificatória. Entretanto, compreender os pensamentos explicitados pelos professores participantes do estudo demandou o retomar do referencial teórico pertinente à temática, em profundidade. Apenas pelo confrontar do explicitado pelos sujeitos e o consignado no suporte teórico tornou possível compreender melhor a realidade a ser superada, e principiar o delineamento das formas para fazê-lo. A investigação também permitiu constatar que a avaliação se constitui num reflexo dos processos históricos vivenciados pelo homem. Quando compreendemos que a sociedade foi se organizando pelo estabelecimento de classes e pela instituição de hierarquias, torna-se mais fácil compreender – mas não aceitar – as características classificatórias e excludentes que foram impregnando os processos avaliativos. A avaliação da aprendizagem, no contexto escolar, vem deixando de cumprir seu propósito mais interessante: promover o homem a novos patamares de conhecimento e desenvolvimento, o que exige pensar e praticar a diferenciação do ensino, que nada mais é que “organizar as interações e as atividades, de modo que cada aluno seja confrontado, 30 constantemente, ou ao menos com bastante freqüência, com as situações didáticas mais fecundas para ele” (Perrenoud, 2001, p. 27). Romper com essa perspectiva reprodutivista de concepções, de práticas e de estruturas exige que os professores compreendam o que de fato pode ser a avaliação, quando os propósitos que a direcionam deixam de ter por objetivo, meramente, separar o joio do trigo. Portanto, é fundamental aprofundar a discussão em torno da concepção de avaliação e das finalidades de sua consecução, principalmente em face da alegação, por parte dos professores, de que o avanço nas formas de organizar o ensino não tem tido correspondência nas práticas avaliativas, ocorrendo, portanto, uma discrepância entre as ações educativas inovadoras e as formas avaliativas vigentes. Entretanto, se mudar a escola é transformar as práticas avaliativas, a transformação das práticas avaliativas pode transfigurar a escola. Conferir à avaliação da aprendizagem sua função diagnóstico formativa é, forçosamente, introduzir uma nova feição e um novo caráter ao trabalho pedagógico. O compromisso com o fazer aprender promove uma nova postura docente, porque suscita uma nova perspectiva sobre as responsabilidades e atribuições inerentes ao trabalho do professor, principalmente no concernente às formas de planejar a proposição de novosconhecimentos e o retomar de saberes já examinados. Entretanto, aprender é uma atividade complexa que envolve aspectos objetivos e subjetivos e que abarca “[...] a imagem de si mesmo, o fantasma, a confiança, a criatividade, o gosto pelo risco e pela exploração, a angústia, o desejo, a identidade, aspectos fundamentais no âmbito pessoal e cultural” (Perrenoud, 2001, p. 24). Conseqüentemente, os problemas e as dificuldades de aprendizagem não se manifestam apenas na dimensão cognitiva, assim como os problemas e dificuldades de ensino não decorrem somente do domínio de saberes e da habilidade em exercitar diferentes fazeres, mas “[...] de todo tipo de atitudes, de maneira de ser no mundo [...], pois pessoas têm valores, hábitos e até mesmo manias, gostos e desgostos, desejos, medos, fragilidades e obsessões, egoísmos e entusiasmos” (Perrenoud, 2001, p. 25), que lhe são próprios e as tornam únicas. Também não se pode esquecer que qualquer mudança no processo avaliativo não foge de um debate sobre as condições da formação inicial e continuada do docente. Esse pressuposto visa a desmistificar uma perspectiva ingênua de que é apenas mudando a avaliação em si mesma que os problemas educacionais estarão resolvidos. Diante desse quadro, justifica-se a necessidade de uma maior reflexão em torno da prática educativa (Zabala, 1998), que envolve a relação pedagógica entre o planejamento do trabalho docente e a sua efetivação por meio do ensino e da aprendizagem. Buscar compreender a coerência didático-pedagógica entre os elementos da prática educativa e sua interdependência com a especificidade sócio educacional do contexto da escola, poderá favorecer a 31 reflexão do professor sobre sua ação para reelaborar sua postura pedagógica como um todo e, em especial, a avaliativa – ciente dos limites e possibilidades dessa reflexão, afinal, o desenvolvimento das capacidades de refletir na ação e sobre a ação constituem elementos fundamentais na formação do professor e na promoção das bases necessária ao seu desenvolvimento – permanente e progressivo – sem as limitações impostas pelo medo de trilhar terrenos inexplorados, realizando experiências e detendo-se para pensar acerca de seus resultados, sem as restrições decorrentes do medo de errar, mesmo porque o compromisso maior é sempre com o tentar de novo de outra maneira. (Souza, apud Alvarenga, 2002, p. 37) Os professores apresentam diferentes concepções a respeito de avaliação, entretanto prevalece, entre eles, uma compreensão de avaliação mais centrada nos resultados e nas constatações do que nos processos de aprendizagem e na análise dos percursos, vivenciados pelos atores que compartilham do espaço da sala de aula. Assim, antes de impor novas práticas, faz-se necessário promover espaços e tempos que possibilitem a formação de uma concepção mais harmônica entre os professores de maneira que torne possível a concretização do disposto na legislação, bem como no projeto pedagógico da instituição. Cursos e oficinas podem constituir o lócus ideal para a construção de novos saberes e para compartilhar conhecimentos e experiências relacionados à avaliação da aprendizagem. O diagnóstico é inútil se não der lugar a uma ação apropriada. A verdadeira avaliação é, necessariamente, acompanhada de uma intervenção diferenciada. Conseqüentemente, desmistificar e re-significar os processos avaliativos demanda a organização de espaços coletivos em que atividades variadas e diversificadas possibilitem aos professores apropriarem-se de uma nova compreensão do que seja avaliar e de uma nova percepção das finalidades da avaliação. A superação da perspectiva de que provas e notas constituem o cerne do processo avaliativo somente ocorrerá quando os professores forem capazes de utilizar, em uma nova perspectiva e com uma nova roupagem, os dados decorrentes das práticas avaliativas implementadas. Todo e qualquer instrumento de avaliação serve apenas como agente para a coleta de informações necessárias à compreensão dos meandros pelos quais evolui a aprendizagem dos alunos. Compreensão que deve resultar em re-organização do trabalho docente para uma intervenção efetiva que assegure que todos aprendam o máximo possível e que todos evoluam e alcancem patamares superiores de aprendizagem e desenvolvimento. 32 CAPÍTULO III DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM OU DE SENSIBILIDADE? O que na realidade acontece na maior parte das nossas escolas é um procedimento mais ou menos análogo, ao se rotular crianças com dificuldade de aprendizagem. Se não existe o sorteio aleatório, existe a vontade de se considerar limitados os que apresentam alguma dificuldade na habilidade, que a escola ou a cultura vigente considera válida. Uma criança, ou mesmo um adulto, com imensa inabilidade para desenvolver relacionamentos interpessoais não é rotulada como tendo dificuldade de aprendizagem, mas se apresenta dificuldade na leitura, o rótulo já lhe cai bem. Mas, convenhamos! O que é mais importante na vida? Aprender a ler ou fazer amigos? Saber matemática ou ser capaz de sobreviver à violência das grandes cidades? Apresentar facilidade para compor ou desenhar ou possuir notável capacidade de memorização para hierarquias dinásticas impostas pela História? De maneira geral, todos os seres humanos apresentam limitações nesta ou naquela habilidade e praticamente ninguém é proficiente em absolutamente tudo, mas dependendo da cultura em que se nasce e da escola que se freqüenta, as nossas inabilidades são consideradas irrelevantes e, assim, somos rotulados como “normais”, enquanto que outros, por falta de sorte, ainda que extremamente habilidosos nesta ou naquela ação, recebem o rótulo de “anormais” porque não desenvolvem plenamente do domínio da leitura, da compreensão de mensagens, da capacidade de cálculo ou do raciocínio matemático ou ainda a audição, a fala ou a expressão escrita. Não pretendemos com o exposto, afirmar que não existem dificuldades especificas e que estas não mereçam ser trabalhadas. Seria tolice e ato desumano defender essa tese e negar essa ajuda, quando possível. O que se pretende afirmar é que a rotulação inconseqüente é quase uma rotina e o elenco de habilidades importantes para viver são literalmente negligenciados pela educação convencional. Muitas vezes, uma criança apresenta dificuldades de leitura e compreensão de um texto, pelo infortúnio de apresentar disfunções somente notadas no ambiente cultural em que nasceu. A estrutura fonética da língua portuguesa, por exemplo, é essencialmente diferente da estrutura da língua inglesa e esta, por sua vez, apresenta insondáveis abismos em uma comparação com o árabe ou o chinês e, dessa forma, se a criança possui sérias deficiências na compreensão de sistemas de escritas logográficas, como a chinesa, mas nasceu no Brasil, será para sempre “normal”, como seria “normal” uma criança que com essas dificuldades nascesse na China, mas tivesse que viver apenas aprendendo e falando português. Isto posto, ficam as questões que esta crônica pretende sugerir: primeiro, o corpo docente de uma escola após cuidadosa reflexão e plenamente sintonizada com o destino que deseja a seus alunos deve destacar quais habilidades importa desenvolver e, desta forma, ampliar o leque das que 33 apresentam alguma dificuldade de aprendizagem; segundo, identificar crianças com essas efetivas dificuldades e buscar meios, instrumentos, recursos e pessoas, para que seja prestada efetiva ajuda, não esquecendo jamais que benefício algum se mostra eficiente se antes de perceber sua ação carimbamos ou rotulamos os alunos. Do exposto sobra uma singela conclusão. Nada é mais fácil na atividade docente que rotular este ou aquele aluno, nada esconde mais depressa nossa efetiva incompetência que achar que a dificuldade de uma criança não se deve a qualidade de nosso trabalho e portanto namaior parte das vezes quando rotulamos uma pessoa como portadora de dificuldade de aprendizagem, estamos evidenciando nossa óbvia dificuldade de sensibilidade. 3.1 Dificuldades de Aprendizagem: um desafio para o educador Indagar, questionar, problematizar… São palavras sempre presentes na vida do educador. Estamos sempre indagando e questionando sobre as coisas que acontecem no cotidiano escolar. E, na Escola Pública, muitas dessas indagações parecem que ficam no ar: Por que o aluno não aprende apesar de todo esforço do professor? Como explicar o fracasso escolar? Como ajudar aquele aluno que já repetiu a 1ª série várias vezes e ainda não aprendeu a ler? Se por um lado temos alunos e suas possíveis dificuldades, por outro temos um contexto escolar que precisa ser alterado, ou seja, a escola precisa oferecer uma proposta mais estimulante para que a aprendizagem aconteça, favorecendo o avanço desses alunos. Mas, como transformar esses alunos ditos fracassados em alunos motivados, ativos, produtivos, com um bom rendimento escolar? É um desafio para a escola e de modo especial para os educadores. O aluno precisa ver sentido no que aprende na escola. Os conteúdos devem fazer parte da sua vivência, do seu cotidiano, da sua realidade. Deve haver uma ligação entre o que a escola “dita” e a realidade do aluno, caso contrário não terá significado algum. Segundo Paulo Freire (1990, p.8) “aprender a ler e escrever é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade. Como uma criança pode ser alfabetizada num contexto escolar que exclui a realidade que ela vive? Da mesma forma: como aprender a matemática da escola sem que ela seja contextualizada, de modo que faça sentido para o aluno ou que ele entenda que é a mesma matemática que ele usa no seu cotidiano? http://www.orecado.org/?p=97 34 Terezinha Carraher, no seu livro “Na vida dez, na escola zero”(2001), destaca que, muitas vezes, os alunos não aprendem matemática na escola mas usam a matemática no seu dia-a-dia com sucesso. O livro analisa situações em que feirantes, cambistas, mestres-de-obras, entre outros, que pouco ou nunca freqüentaram a escola, conseguem desenvolver estratégias que os ajudem a resolver problemas matemáticos. Daí vem a conclusão de que existe um contraste entre a matemática de rua e a da escola, cabendo ao professor aproximar as duas, ou seja, sistematizar seus conteúdos de forma que o aluno compreenda, que ele perceba que a matemática não é um “bicho de sete cabeças”, mas faz parte do seu cotidiano, deixando de ser memorização de coisas sem sentido. Não só na matemática mas em todas as outras disciplinas, o professor deve está preocupado em oferecer condições para que o aluno possa fazer um paralelo entre o que está aprendendo e a sua realidade e tal qual Rubem Alves(1981, p.89), desejar “criar condições para que cada indivíduo atualize todas as suas potencialidades”. E nosso aluno da Escola Pública tem um potencial muito grande. O que está faltando é que o educador acredite nas possibilidades de avanço desse aluno, estimulando, desenvolvendo o espírito de persistência, os sentimentos de confiança e auto-estima, respeitando as diferenças individuais de cada aluno, oferecendo ferramentas para que o aluno possa ampliar sua visão do mundo e, conseqüentemente, possa participar da vida social e da construção de uma realidade que garanta uma melhoria de vida. Que desafio! E que responsabilidade a de fazer diferença na história de vida dos alunos. Segundo Cláudia Davis(1991), no ambiente escolar a criança sofre uma transformação radical em sua forma de pensar. Antes de chegar à escola, os conhecimentos são assimilados de modo espontâneo, a partir da experiência direta da criança. Quando ela chega à escola, existe uma intenção prévia de organizar situações que propiciem o aprimoramento dos processos de pensamento e da própria capacidade de aprender. O papel do educador nesse processo é fundamental. Por isso é importante que ele conheça as teorias de aprendizagem e tenha uma posição clara e definida sobre sua prática pedagógica. No dia-a-dia de sala de aula ele planeja, direciona e avalia a sua ação. Comete alguns erros, reflete sobre eles e enfrenta a possibilidade de corrigi-los. E ao longo desse processo não só o aluno aprende e avança mas o próprio professor tem a oportunidade de melhorar sua prática pedagógica. Não existem fórmulas prontas para vencermos as dificuldades de aprendizagem dos nossos alunos. Até porque essas dificuldades muitas vezes são um sintoma de que algo não vai bem e é tarefa do educador identificar o que não vai bem e ajudar o aluno a superar o problema. Mas, quando o educador pára no tempo, não se prepara, não busca uma melhor formação, quando ano após ano usa o mesmo planejamento para todas as suas turmas, não se envolve com o aluno e só se preocupa em “jogar” os conteúdos da sua disciplina, ele está empurrando seus alunos para o 35 fracasso escolar. Mesmo o educador mais experiente precisa planejar e avaliar constantemente o seu trabalho, mas acima de tudo, ele deve ter consciência do seu papel, da sua importância como formador de opiniões e que seu trabalho não é somente um “ganha pão”, mas é uma verdadeira vocação. E ele estará no caminho para descobrir suas próprias estratégias para vencer as dificuldades de aprendizagem de seus alunos. Mas quando todas as estratégias falham, ele pode contar com o apoio do psicopedagogo que vai investigar as causas dessas dificuldades e trabalhar com o aluno com o objetivo de vencê-las. 36 CONSIDERAÇÕES FINAIS Indagar, questionar, problematizar… São palavras sempre presentes na vida do educador. Estamos sempre indagando e questionando sobre as coisas que acontecem no cotidiano escolar. E, na Escola Pública, muitas dessas indagações parecem que ficam no ar: Por que o aluno não aprende apesar de todo esforço do professor? Como explicar o fracasso escolar? Como ajudar aquele aluno que já repetiu a 1ª série várias vezes e ainda não aprendeu a ler? Se por um lado temos alunos e suas possíveis dificuldades, por outro temos um contexto escolar que precisa ser alterado, ou seja, a escola precisa oferecer uma proposta mais estimulante para que a aprendizagem aconteça, favorecendo o avanço desses alunos. Mas, como transformar esses alunos ditos fracassados em alunos motivados, ativos, produtivos, com um bom rendimento escolar? É um desafio para a escola e de modo especial para os educadores. O aluno precisa ver sentido no que aprende na escola. Os conteúdos devem fazer parte da sua vivência, do seu cotidiano, da sua realidade. Deve haver uma ligação entre o que a escola “dita” e a realidade do aluno, caso contrário não terá significado algum. Segundo Paulo Freire (1990, p.8) “aprender a ler e escrever é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade. Como uma criança pode ser alfabetizada num contexto escolar que exclui a realidade que ela vive? Da mesma forma: como aprender a matemática da escola sem que ela seja contextualizada, de modo que faça sentido para o aluno ou que ele entenda que é a mesma matemática que ele usa no seu cotidiano? Terezinha Carraher, no seu livro “Na vida dez, na escola zero”(2001), destaca que, muitas vezes, os alunos não aprendem matemática na escola mas usam a matemática no seu dia-a-dia com sucesso. O livro analisa situações em que feirantes, cambistas, mestres-de-obras, entre outros, que pouco ou nunca freqüentaram a escola, conseguem desenvolver estratégias que os ajudem a resolver problemas matemáticos. Daí vem a conclusão
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