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20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/14 TEORIA PSICOSSEXUAL DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL AULA 3 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/14 Profª Raquel Berg CONVERSA INICIAL Bem-vindos(as)! Na aula de hoje, falaremos sobre os textos “análise de uma fobia em um menino de cinco anos”, “Leonardo Da Vinci e uma lembrança de sua infância” e “Duas mentiras contadas por crianças”. O texto do Pequeno Hans tem sua importância no contexto da formação psicossexual infantil pelo fato de trazer de modo aprofundado a questão do Complexo de Édipo e do Complexo de Castração, associados à fobia que o menino desenvolve por cavalos. Já o texto sobre Leonardo da Vinci segue com os questionamentos de Freud a respeito da sexualidade infantil e do narcisismo. Para a prática, falaremos do desafio do desmame e do desfralde de meninos e meninas. TEMA 1 – ANÁLISE DE UM MENINO DE CINCO ANOS: DESCRIÇÃO O caso do Pequeno Hans (que Freud inicialmente chamou de Pequeno Herbert) foi baseado no relato do pai desse menino. Freud chegou a ver a criança somente uma vez, porém, o acompanhamento e as observações foram compartilhados pelo pai, que realizou toda a análise juntamente com Freud. A partir desse estudo, Freud concluiu que na observação das crianças somos capazes de identificar impulsos e desejos sexuais que depois aparecem na análise de adultos, especialmente de forma distorcida nos neuróticos. Para que o tratamento fosse possível, Freud havia dado um desafio aos pais, que era o de evitar a coerção na educação da criança, a menos que isso fosse inevitável. E, à medida que Hans cresceu, observou-se que o menino evoluiu de modo satisfatório e feliz. Embora a maior relevância desse estudo seja a análise da fobia, nesse primeiro tópico apresentaremos Hans e como ele se enquadra nas características comportamentais das crianças em geral, incluindo nas de hoje em dia. 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/14 Os relatos começaram quando a criança tinha três anos de idade. Nessa época, o menino já demonstrava um vivo interesse pelo seu “pipi”. Em um momento, ele perguntou à mãe se ela tinha um “pipi” e ela confirmou; depois, ele viu uma vaca sendo ordenhada e concluiu que ela tinha vários “pipis”. O menino também passou a querer se tocar frequentemente. Um dia, ao ver ele com esse comportamento, a mãe ameaçou cortar o pênis fora se ele continuasse a fazer aquilo. E, ao perguntar como ele depois poderia fazer xixi, ele respondeu que seria com o bumbum. Embora a resposta parecesse não ter culpa, esse foi o momento quando se iniciou o complexo de castração. Com três anos e meio, Hans foi passear no zoológico e viu um leão na jaula, e gritou que estava vendo o “pipi” do leão. Para Freud (1909), além dessa contestação mostrar que as crianças também observam os animais como provedores de informações que os adultos muitas vezes tentam omitir, também mostra a capacidade de pensamento abstrato e derivação de conhecimento (se eu tenho um pipi, aquilo que vejo em um leão também pode ser um pipi). Depois, ao ver uma locomotiva, perguntou-se onde estava o pipi dela, pois tinha a impressão de que ela estava fazendo xixi. Depois, concluiu que animais têm pipi, mas objetos não têm, fazendo então uma diferenciação entre objetos animados e inanimados. Com três anos e nove meses, Hans perguntou a seu pai se ele tinha pipi e o pai confirmou. Depois, ao observar a mãe sem roupa, Hans comentou que achava que ela teria um pipi como o de um cavalo, pois ela era maior que ele. Uma das experiências marcantes na vida de Hans foi o nascimento da irmã. Hans, em um primeiro momento, acreditava que a irmã seria trazida pela cegonha. Porém, depois de ver o médico na casa, além de recipientes com água e sangue, Hans começou a questionar da veracidade da história da cegonha. Depois, começou a sentir ciúmes da irmã, ciúmes esses demonstrados nos comentários sobre o fato do bebê não ter dentes, e começou a ter sonhos e fantasias de que duas amigas suas tinham se tornado suas filhas. Hans, desde pequeno, também tinha dificuldade de evacuação. Tomava remédios frequentemente e precisou ter a alimentação alterada, com poucos efeitos. Por isso, durante a análise clínica, Freud também identificou a relação de Hans com o “lumf” (nome dado ao cocô) e sua relação de prazer e nojo ao ver o próprio “lumf” ou o de outras pessoas, e como isso poderia ter relação com o nascimento de crianças, pois ambos poderiam sair do ânus (o que era sua conclusão lógica, já que a mãe não tinha “pipi”). 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/14 Aos quatro anos, começou a apresentar as relações de objeto: ao ver as filhas de um casal de amigos dos seus pais, as chamava de “minhas meninas”; ao encontrar seu primo, ficava abraçando-o e dizendo como gostava desse primo (numa demonstração de afeto homossexual); ao ver uma vizinha de sete anos no pátio, ficava admirando-a pela janela todos os dias. Durante uma viagem, quis dormir com uma das amigas. Quando lhe disseram que não podia, pediu para que ela dormisse com seus pais; e quando novamente disseram que não, ele decidiu que iria dormir com ela e com os pais dela, em uma demonstração que queria que ela fizesse parte da família, como “um adulto apaixonado” (Freud, 1909, p. 25), que ruborizava ao encontrar a amada. Para todos aqueles que já conviveram com uma criança em idade pré-escolar ou que está nos primeiros anos da escola, sabemos como é comum as crianças trazerem o relato de novas namoradas ou namorados, e como os pais se divertem ao verem a relação de amor que algumas vezes se estabelece entre essas crianças, com cartas apaixonadas, presentes e encontros familiares. Também não é incomum as crianças andarem de mãos dadas como os adultos fazem, e darem beijos e abraços de carinho, embora saibamos que uma disputa de brinquedos pode ser o suficiente para uma ruptura drástica da relação. Tanto nos meninos quanto nas meninas também é comum vermos o interesse pelos órgãos genitais, e como é desafiador nos consultórios quando as crianças decidem mostrar seus próprios genitais e ver os genitais das outras crianças, e isso é interpretado pelos pais como tentativa de abuso sexual ou algo do gênero, embora saibamos que nessa fase a criança não tem entendimento sobre o ato sexual em si, nem capacidade de efetuá-lo mesmo que queira. Além disso, é importante enfatizar que, nessa idade, as demonstrações de afeto também podem ocorrer entre meninos ou entre meninas, e essa demonstração de homossexualidade não representa qualquer demonstração de tendência futura da criança (assim como gostar de rosa ou de azul também não demonstra qualquer tendência de gênero), apenas mostra a disposição de todo ser humano para amar homens e mulheres sem distinção – fato esse que se confirma na vida adulta de todas as pessoas pela capacidade de ter amigos e amigas, e pelo fato de amarmos pais e familiares. A interpretação do comportamento sexual, até determinada idade, se dá muito mais por parte dos adultos, pois nas crianças não há uma compreensão de tudo o que implica as escolhas sexuais. TEMA 2 – O CASO CLÍNICO DO PEQUENO HANS Hans começou a desenvolver o temor de sair de casa, sendo que isso veio depois do nascimento de sua irmã. Ao ser questionado sobre o motivo de ter medo de sair, o menino explicou que, na 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/14 verdade, tinha medo de que um cavalo o mordesse. O pai acreditava que esse comportamento poderia ter se dado pelo excesso de amor da mãe pelo menino, ou por causa de sua excessiva preocupação com pênis, ou mesmo pela possibilidade de ter visto alguém nu na rua, um tipo de exibicionista. Segundo o pai, tudo começara quando Hans acorda chorando porque tinha tido um pesadelo, sonhara que a mãe tinha ido embora e elenão a teria mais para acariciá-lo (ou seja, um sonho de ansiedade). Depois, durante um passeio com a babá, começou a chorar e disse que queria voltar para casa para ver a mamãe. Quando sua mãe o levou para passear, o menino começou a chorar e disse que tinha medo de que um cavalo o mordesse. À noite, colocou a mão no pipi e a mãe o advertiu, mas ele o fez mesmo assim e depois se desculpou. Esse é o início da fobia. Quando o médico da família examinou o menino, concluiu que a ansiedade se devia apenas à masturbação. No entanto, a extração de prazer pela masturbação (seja no adulto ou na criança) não pode ser tirada como a causa em si de uma neurose, seja ela qual for. Freud (1909) combinou com o pai que ele diria ao menino, usando o método da sugestão, que deveria esquecer os medos, que sua mãe voltaria a levá-lo para a cama e que os seres femininos não tinham “pipi”. Hans aceitou as informações, teve um breve período de calma e logo voltou a ter sua fobia. Depois de um tempo, Hans deixa de acreditar que todos os cavalos poderiam morder, mas apenas os brancos. Depois, perceberam que isso se relacionava com um dia no qual ele tentou colocar a mão na boca de um cavalo branco e o pai de sua amiga disse que se colocasse a mão na boca do cavalo, o cavalo morderia. Na mesma época, o pai esclareceu que não podia pôr a mão na boca do cavalo, assim como não poderia colocar a mão no “pipi”, criando a associação entre as proibições. Hans concordou com o pai que o seu medo se devia provavelmente ao hábito da masturbação, mas a fobia não desaparece com isso, pois a causa estava ligada à fantasia de castração, ou seja, o temor de perder os dedos estaria associada ao medo de perder o pênis. O cavalo aqui comparece como animal totêmico. Quando Hans conhece Freud, o médico pede que o menino desenhe um cavalo. Ao desenhar, o menino desenha um grande facho na boca desse cavalo, que Freud associa na hora ao fato de o pai do menino ter um bigode, e lhe pergunta se o menino tinha medo de seu pai ou achava que ele não gostava dele por também amar sua mãe. Hans confirma, e aqui se apresenta uma ambivalência, no sentido de que o menino gostava de seu pai, mas tinha medo de que ele pudesse ir embora por causa do desejo de querer ficar sozinho com a mãe. O pai surge como um obstáculo na relação com a mãe, que levou ao desenvolvimento de uma fobia, associada ao sentimento ambíguo de amor e medo desse pai. Freud também associa o medo 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/14 fóbico à visão do sangue que saíra da mãe no nascimento da irmã, além de suas hipóteses sobre o coito (que ele traz no sonho da girafa grande e da girafa amarrotada que ele precisava tirar do local e se sentar em cima, fazendo referência ao ato sexual dos pais e à necessidade de tirar a girafa amarrotada – a mãe – debaixo da girafa grande e se sentar em cima como uma demonstração de posse). Hans depois passa a ter medo de cavalos que puxavam carroças, e dizia que tinha medo de que a carroça fosse se desvincular do cavalo e quebrar. Essa associação era feita a uma área de depósito na qual passavam cavalos com carroças e eles tinham que fazer um contorno para passar pelos portões e sair. Aqui, Freud (1909) entende que a fobia evolui, como se ele entendesse que a mãe estava se desvinculando dele e se aproximando do pai. Depois, Hans estabelece uma conexão entre um encanador e a banheira da irmã, e com isso Freud conclui que a fobia estava se resolvendo, pois Hans estava encontrando um lugar para si e compreendendo o contexto no qual se dava as relações sexuais. TEMA 3 – LEONARDO DA VINCI Freud se detém no estudo da vida de Leonardo da Vinci para trabalhar o conceito das fantasias, trazendo também um consistente estudo que depois daria as bases para a psicanálise da arte. Leonardo da Vinci é uma figura única para a história. Viveu no século XV, foi cientista, inventor, anatomista, pintor, dentre tantos outros. Segundo Freud (1910, p. 73): “Leonardo da Vinci (1452 – 1519) foi admirado, até mesmo pelos seus contemporâneos, como um dos maiores homens da renascença italiana [...] Era um gênio universal, ‘cujos traços se podia apenas esboçar, mas nunca definir’)”. Seus trabalhos mais conhecidos foram as pinturas de Monalisa e A última ceia, seu estudo anatômico O homem vitruviano, além dos protótipos de helicóptero, tanque de guerra e da calculadora. Sua vida afetiva era tratada com muita discrição, e nunca se soube ao certo se ele era heterossexual, homossexual ou simplesmente desinteressado nas questões sexuais de modo geral, o que acabou por criar especulações em diversos estudiosos como o próprio Freud. Leonardo da Vinci teve uma vida desafiadora. Apreciava as coisas boas da vida, era um homem eloquente e agradável, de belas feições e que sabia aproveitar a vida, segundo relato de historiadores. No entanto, pouco compreendido por seus contemporâneos, que acreditavam que ele desperdiçava o tempo criando projetos impossíveis de serem executados, sendo que ele poderia 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/14 dedicar melhor o tempo para a arte e para fazer fortuna com o talento que possuía para a pintura. Depois que precisou sair da Itália e fugir para a França, seu talento foi diminuindo à medida que vivenciava decepções. Segundo Freud (1910), quando estudamos personagens como Leonardo da Vinci, nos perguntamos como a questão da sexualidade se encaixa em sua vida, já que ela se apresenta de maneira muito peculiar em comparação com as outras pessoas. Ao estudar os neuróticos, o autor supõe que seu instinto de saber já tinha uma força excessiva e supremacia tal, desde a primeira infância, que foi capaz de substituir uma grande parcela de sua vida sexual. Assim, “uma pessoa desse tipo poderia, por exemplo, dedicar-se à pesquisa com o mesmo ardor com que uma outra se dedicaria ao seu amor, e seria capaz de investigar em vez de amar” (Freud, 1910, p. 86). Ou seja, a intensificação do desejo de saber substituiria de modo intenso o próprio desejo sexual e poderia, desde a infância, substituir por completo os impulsos sexuais tão comuns, e essa atrofia se completaria na vida adulta pelo impulso dominante do conhecimento e da arte. Para aqueles que já tiveram um contato com pessoas excessivamente inteligentes e sagazes, a percepção sobre a eventual falta de interesse delas nas questões sexuais, ou a presença de um interesse temporário, muitas vezes gera dúvida sobre sua sexualidade devido a essa falta de interesse no sexual, que fica canalizada quase que na totalidade na investigação e na necessidade de saber. Assim, ao analisarmos essas crianças superinteligentes, Freud diz que a curiosidade infantil é guiada pelo instinto supremo de investigar, seja referente às questões sexuais, seja referente a qualquer outra questão que ela vivencie em seu cotidiano. Assim, a criança tem prazer em fazer perguntas, e ela as faz de maneira repetitiva e para diferentes pessoas apenas para se certificar de que as respostas são condizentes entre si e a ajudam a esclarecer o funcionamento do mundo. É difícil e desafiador respondermos a todas as perguntas, e hoje inclusive nos deparamos com uma quantidade infinita de desenhos infantis e programas dedicados a responder a cada uma dessas perguntas, o que poderia esclarecer em partes a ligação quase que imediata que as crianças fazem com a internet e com os programas infantis que podem ser assistidos na televisão. A maioria das crianças, segundo Freud (1910), ou ao menos as crianças com intelecto dentro ou acima da normalidade, passa pela fase das pesquisas sexuais infantis. Em geral, a curiosidade surge por alguma experiência externa que ameaça seus interesses egoístas, como o nascimento de um irmão ou irmã. Quando as crianças recebem respostas e não se satisfazem, passam elas mesmas a investigar e ligar os fatos, criando assim suas hipóteses. Nessa fase, criam hipóteses inclusive sobreo 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/14 ato sexual, como algo violento e hostil. Quando a criança se sente fracassada em suas hipóteses, ela abandona essa primeira tentativa de independência intelectual e desenvolve um caráter posterior mais depressivo com relação à sua própria capacidade de inteligência, conectado à repressão sobre poder falar desse tema. Quando então termina esse período de repressão, o impulso de pesquisa pode ter três diferentes destinos: no primeiro, a pesquisa e o desejo de saber passa a participar do destino da sexualidade, e pode ser recalcada pela influência religiosa na inibição do sexo (criando os primórdios da neurose); no segundo, o desenvolvimento intelectual é forte o suficiente para resistir ao recalque primário, prevenindo a própria repressão sexual, e retorna mais tarde sob o formato de um desejo compulsivo de estudar e pesquisar, que pode inclusive substituir o ato sexual em si e erotizar o próprio pensamento. O terceiro, mais raro, escapa tanto à inibição do pensamento quanto à compulsão de saber, e ainda que o sexo esteja inibido, a libido não é recalcada, simplesmente sublima desde suas origens para a curiosidade, e se fortalece com a maturidade. E esse terceiro é o modelo que Freud acredita estar mais em sintonia com Leonardo. Nesse sentido, responderia um pouco porque temos a impressão de que as crianças nos dias de hoje parecem ser mais inteligentes que as crianças de gerações anteriores – ou seja, possivelmente as primeiras hipóteses sexuais não foram frustradas, mas respondidas adequadamente, e essa tentativa de independência intelectual passou a representar não uma frustração, mas um primeiro sucesso e conexão de prazer com o aprendizado. TEMA 4 – UMA REFLEXÃO SOBRE AS MEMÓRIAS DE LEONARDO Segundo Strachey (1910), uma parte importante desse estudo foi a lembrança [ou fantasia] de Leonardo de ter sido visitado por uma ave de rapina enquanto era um bebê, possivelmente um abutre, que pousou no seu berço e colocou a cauda em sua boca. Freud associa, em um jogo de palavras, o abutre com a mãe, e discute a figura materna com as mães-deusas andrógenas no Egito antigo. Descreve Freud (1910, p. 90): Parece que já era meu destino preocupar-me tão profundamente com abutres; pois guardo como uma das minhas primeiras recordações que, estando em meu berço, um abutre desceu sobre mim, abriu-me a boca com sua cauda e com ela fustigou-me repetidas vezes os lábios. Essa foi uma recordação estranha de Leonardo da Vinci sobre sua infância. Do ponto de vista da psicanálise, poderíamos inicialmente sugerir que essa cauda representa um pênis que foi introduzido 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/14 na boca do bebê, como uma fantasia homossexual passiva. No entanto, considerando que essa recordação se origina de um período muito precoce, parece ser mais plausível acreditar que essa recordação se assemelha à lembrança da experiência com o seio materno, com o ato de sugar. Considerando que ambas as hipóteses estão interligadas, esclareceria que talvez a homossexualidade não se trate do ato sexual em si, mas da atitude emocional envolvida. Freud (1910) também associa a figura do abutre à figura da mãe, tal como os antigos egípcios associam a figura materna aos abutres. Embora tenhamos em nossa sociedade uma associação negativa com a figura do abutre, como um animal de rapina que simplesmente come animais mortos, para muitas culturas ele tem um significado diferente. Para os egípcios, o abutre simboliza a mãe; em muitas culturas, ele simboliza a conexão entre a vida e a morte, o renascimento e a paciência diante de eventos desagradáveis da vida. Assim, ao rever a figura do abutre, Freud (1910) também interpreta como a figura da mãe verdadeira de Leonardo que, sozinha e com poucos recursos, teve que cuidar dessa criança e alimentá-lo. Inclusive, em alguns símbolos egípcios, é possível encontrar personagens femininos com um pênis, como é o caso de Ísis e Hanthor (Freud, 1910). Não seria estranho supor que, mais tarde, o interesse de Leonardo por pássaros tinha relação com seus próprios interesses sexuais. Aqui, Freud também traz a questão da homossexualidade de Leonardo no sentido de um pai fraco e uma mãe forte que amava seu filho, provocando um retorno ao autoerotismo; com isso, os rapazes que Leonardo escolhia mais tarde eram, na verdade, substitutos dele mesmo durante a infância, “meninos que ele ama da maneira que sua mãe o amava quando ele era uma criança (Freud, 1910, p. 106), fazendo referência ao narcisismo e à figura de Narciso, o qual, segundo a lenda grega, preferia sua imagem à de qualquer outra. No entanto, na história há apenas indícios de uma sexualidade não transformada de Leonardo, de uma predisposição homossexual. Leonardo apenas escolhia como discípulos homens belos, mesmo que não tivessem nenhum talento, e cuidava deles como uma mãe cuidava de seus filhos. Nenhum deles chegou a seguir os passos do mestre depois de sua morte, e nenhuma evidência foi encontrada de que Leonardo tivesse qualquer relação sexual com algum deles. Outra interpretação de Freud a esse trecho do abutre poderia ser pela possibilidade de sua mãe biológica ter-lhe beijado na boca – associando com o trecho “e fustigou muitas vezes sua cauda contra meus lábios” (Freud, 1910, p. 113). A relação sexual com essa mãe pode ser interpretada com a 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/14 obra Monalisa, no qual seu sorriso provoca efeitos fortes e controversos, pois ao mesmo tempo que o sorriso de Monalisa parece terno e sedutor, também parece frio e opressivo, como se representasse o contraste da vida erótica feminina, entre a reserva e a sedução, como uma sereia, que encanta e destrói os homens que se apaixonam por ela. Assim, a Monalisa poderia ser interpretada como a mulher ideal, concretizada e possuída por Leonardo, que em alguma instância poderia ter sido a réplica de um sorriso que vira em sua mãe. A questão da homossexualidade não esclarecida de Leonardo vinha com a mesma intensidade com a questão de sua posição a respeito da religião. Embora Leonardo da Vinci tivesse sido denunciado mais de uma vez por heresia, não deixava claro em nenhum momento qual era sua real opinião sobre o Cristianismo. Alguns de seus trabalhos nos fazem concluir que ele talvez fosse contrário ao beatismo e à santificação, pois em todos os seus quadros ele representa os apóstolos, Jesus e Deus como figuras humanas, que tinham carne e osso e desprovidas de uma divindade intrínseca. Em seus estudos sobre geologia, Leonardo pôs em dúvida a existência do dilúvio, e durante sua vida sempre explicitou os erros contidos no relato da Criação. Isso, sem dúvida, o afastou das questões religiosas, assim como já tinha se afastado das questões sexuais. TEMA 5 – DUAS MENTIRAS CONTADAS POR CRIANÇAS Freud (1913) traz nesse texto o relato de duas mentiras e como elas foram responsáveis pelo desenvolvimento posterior de neurose. O autor comenta, aqui, que em geral as mentiras contadas por crianças são apenas reproduções do comportamento de mentir por parte dos adultos, e por isso devemos ter muita cautela quando tomamos a decisão de mentir – “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço” talvez reproduza aqui a inconsistência que leva às crianças à angústia. Na primeira história, a paciente conta que quando tinha sete anos pediu ao pai dinheiro para comprar tinta para suas pinturas. O pai negou o pedido. Depois, a menina pediu dinheiro como contribuição para a compra de uma coroa para um funeral, o pai lhe deu o dinheiro. Ela extraiu uma parte do valor, fez a doação e depois comprou as tintas. No fim do dia, durante o jantar, seu pai lhe perguntou o que havia feito com uma parte do dinheiro, ela fingiu não entender a pergunta, porém seu irmão a delatou e contou ao pai que ela havia comprado as tintas. O pai a censurou e, depois doocorrido, ela deixou de ser uma criança feliz e brincalhona e passou a ser acanhada e tímida. Quando adulta, ela noivou e, quando sua mãe decidiu comprar o enxoval, a moça sentiu raiva, e explicou esse 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/14 sentimento como se o dinheiro fosse dela e ninguém mais tivesse o direito de gastá-lo com qualquer coisa. Depois, durante o casamento, a moça tinha dificuldade de pedir dinheiro ao marido, insistia que precisava de uma separação entre o dinheiro dela e o dinheiro dele, e quando ele eventualmente deixava de lhe dar algo, ela ficava sem nada e não tinha coragem de cobrar os valores. Freud (1913) chegou a se oferecer para lhe dar dinheiro quando faltasse, mas ela não conseguiu pedir a ele, pois não se sentia no direito de fazer essa espécie de pedido a um outro, fosse ele quem fosse. A moça trouxe depois mais dois exemplos de experiências que teve quando criança e como se sentira na relação com o dinheiro, mostrando a Freud uma dificuldade de lidar com o controle, e esse erotismo anal mal resolvido representava sua dificuldade em lidar com a questão financeira, com o gastar e o reter. A segunda história conta sobre uma moça que se apresentava enferma, mas que tinha sido outrora alguém saudável e feliz. Quando criança, conta que um dia um colega lhe disse que tiveram gelo ao jantar, e ela replicou que eles tinham gelo todos os dias, pois não havia entendido o que o colega queria dizer e interpretou o comentário como uma competição sobre o que cada um poderia ter a seu dispor durante as refeições. Depois, recebeu o desafio de fazer um círculo perfeito, e em segredo usou um compasso para fazer o círculo. Ao se gabar para um vizinho de seu círculo, a professora a chamou e pediu que confessasse a mentira, mas a menina não o fez. Depois, a professora conversou com o pai da menina e eles concluíram que ela apenas deveria ser acompanhada para que não mentisse novamente. Nesse caso, assim como no anterior, a menina amava o pai e queria vangloriá-lo, e o comportamento de exibição de poder e a mentira refletiam esse amor que não poderia sofrer qualquer abalo. Com isso, Freud conclui que as histórias das crianças não podem, em um primeiro momento, ser interpretadas como reflexo do caráter das crianças, mas antes como a expressão de seus anseios e que podem, caso sejam tratadas de forma inadequada, se tornar sintomas neuróticos. NA PRÁTICA A primeira proposta aqui é referente ao estudo do Pequeno Hans. No exemplo, trazemos aqui a experiência com o desfralde das crianças. Alguns dos desafios que os pais recorrentemente enfrentam com seus filhos são o desmame e o desfralde. No processo de amamentação, embora os profissionais orientem que o seio seja oferecido somente enquanto a criança tem fome, é comum as 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 12/14 mães deixarem a criança permanecer um pouco mais como uma forma de reforçar o vínculo. Porém, uma vez que a criança percebe o prazer do chuchar para além do processo de alimentação, a criança anseia por ficar cada vez mais tempo nesse seio, em uma conexão escravizadora com a mãe. Algumas mães, por dificuldade em cortar esse vínculo, acabam depositando a responsabilidade no outro para interromper esse ciclo (no médico, no pai ou em algum problema externo), ou simplesmente buscam argumentos científicos pouco embasados para justificar sua permissão em deixar a criança continuar seu seio para além da nutrição. Inclusive, não é incomum que o abandono do seio acabe se dando pela própria criança, quando se vê constrangida socialmente por manter o comportamento de vínculo inadequado com a mãe. Já o desfralde representa outro grande desafio na vida de pais e filhos. Pois a criança, para aprender a ficar sem a fralda, precisa ser acompanhada de perto por seus pais até que seja capaz de controlar seus esfíncteres por si mesma. Nas escolas com poucos recursos, é comum encontrarmos crianças que ficam assadas porque não conseguiram tirar as fraldas, e seus professores não lhe ajudam a trocar para ficarem limpas. Ocorre também que, porque a criança passou por uma experiência desagradável de desfralde, ela precise segurar ao máximo a defecação, podendo até ficar doente pela dificuldade de evacuar. Outra coisa que observamos com frequência são as crianças que, durante o desfralde, descobrem que suas mães estão grávidas de novo. Quando têm essa descoberta, boa parte regride e o desafio de desfralde precisa ser postergado até que a criança se sinta confiante de novo para tentar tirar as fraldas. O controle do xixi é adquirido mais rápido que o controle do cocô, talvez porque a criança urine mais vezes, talvez porque o aprendizado da urina é acompanhado pela experiência de prazer e, uma vez que a criança dessa idade também começa a se masturbar e se interessar pelos órgãos genitais, o controle sobre esses órgãos também seja uma preocupação mais imediata que o controle anal. Os meninos também costumam apresentar mais dificuldade em controlar as fezes que as meninas, em partes talvez porque o ânus também represente um tabu na masculinidade, algo da ordem do feminino que o menino também precisa lidar, diferentemente da menina. Também ocorre de crianças desmamarem e desfraldarem sem qualquer dificuldade ou esforço dos pais, mas embora muitos aleguem que tenham essa experiência com os filhos, o fato é que poucos realmente experimentam dessa sorte. 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/14 FINALIZANDO Na aula de hoje, apresentamos dois casos que foram precursores dos estudos sobre o narcisismo, o complexo de Édipo e o complexo de castração, que foram o Pequeno Hans e o estudo sobre Leonardo da Vinci. Embora os estudos sobre Leonardo sejam escassos, a ausência do desejo pelo sexo representa um mistério e um tabu, explicado por Freud pela via da sublimação pelo intelecto, e o narcisismo enquanto escolha de figuras (no caso, os pupilos de Leonardo) que apenas refletissem a imagem de si mesmo e a figura da mãe esclarecem, em partes, como se dá a escolha objetal quando não é feita apenas pelo genital complementar. Esperamos que tenham aproveitado as discussões apresentadas aqui para conhecer um pouco mais das origens da psicanálise, e convidamos a todos a continuar acompanhando as aulas para saber mais sobre esse campo do saber tão envolvente como é a psicanálise. REFERÊNCIAS FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (1886-1899) – livro X, XI e XII. Rio de Janeiro: Imago, 1977. GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. v. 1, v. 2 e v. 3. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 552 p. ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 874 p. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR BIRMAN, J. Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1991. MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1980. 350 p. 20/05/2023, 18:26 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/14
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