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www.professores.uff.br/seleneherculano 
 
Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas 
ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 6, abril de 2013 
 
 
 
Resenha de livro 
Refeições rápidas, concentração de poder e degradação 
socioambiental: resenha do livro “Fast Food Nation”, de Eric 
Schlosser. 
 Selene Herculano 
selene@vm.uff.br 
 
Fast Food Nation (a nação da refeição rápida, em tradução livre) é um livro 
escrito pelo jornalista investigativo Eric Schlosser, publicado em 2001 pela 
Penguin Books; premiado, teve sucessivas reedições. Está disponível no Kindle 
Books desde 2011, edição usada para esta resenha. O livro inspirou o filme 
homônimo, dirigido por Richard Linklater em 20061. 
Como o autor enfatiza, não se trata de um livro para fazer o consumidor se 
preocupar com sua dieta individual saudável e de exortá-lo a não comer frituras 
etc.. O que interessa aqui e faz sua resenha pertinente em uma revista sobre 
ambiente e sociedade são as evidências que Schlosser nos traz sobre como as 
redes tentaculares de franquias de comida instantânea se ligam com a lógica da 
concentração de terras e de empresas (esbarrando algumas vezes nas leis 
antitrustes); com a lógica do subemprego de imigrantes super-explorados; com 
a degradação ambiental. A lanchonete FF (fast food) é o estágio final de um 
sistema altamente complexo de produção e que hoje assume uma feição de 
inevitabilidade, de um aspecto cultural tido como desejável e prazeroso na vida 
moderna. 
Schlosser conta como a rede de fast food começou e sua relação com a política 
federal estadunidense de construção de autoestradas nos anos 50 (Interstate 
Highway Act). Naquela época a indústria automotiva provocava o desmanche 
das ferrovias e pressionava por rodovias, sob a argumentação de que um carro 
custava menos do que o trem (uma ilusão, uma vez que o preço dos carros não 
incluía o custo das novas estradas, custo que foi assumido pelo governo 
 
1 Quem quiser saber mais, busque o filme Food, Inc – Alimentos S.A. (2008), comentado em 
http://moviesense.wordpress.com/2009/12/02/food-inc/. E ainda “Super Size Me” (2004) 
documentário de Morgan Spurlock. 
 
http://moviesense.wordpress.com/2009/12/02/food-inc/
www.professores.uff.br/seleneherculano 
 
Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas 
ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 6, abril de 2013 
 
 
 
federal). Jesse Kirby é citado como o primeiro a construir um drive-in de beira 
da estrada e a inaugurar uma arquitetura específica para torná-lo facilmente 
identificável à distância pelos motoristas. Várias redes de lanchonetes surgiram 
nessas margens: Burger King, Taco Bell, Domino’s, Biff-Burger, Wendy’s, Jack-
in-the-Box, Kentucky Fried Chicken, etc. 
A indústria de fast food também coincidiu com o início da era da glorificação da 
química, da reverência pela automação e pela tecnologia em geral. A indústria 
de fragrâncias – International Flavors and Fragrances – IFF – que floresceu a 
partir de Dayton, New Jersey, produzindo odores e sabores sintéticos para a 
cosmética mundial, foi contratada pelo sistema FF para dar sabores às batatas e 
hambúrgueres. 
Segundo nosso autor, foi a empresa McDonald que teve a idéia de tornar o FF 
urbano, instalando-se dentro da cidade: o McDonald surgiu em San Bernardino, 
localidade ao sul da California, com os irmãos MacDonald, criadores do 
Speedee Service System e do self-service, um sistema rápido de cozinha 
comercial para atender trabalhadores e suas famílias. San Bernardino foi 
também à época o berço da gangue Hell’s Angels e assim, lembra Schlosser, 
forneceu à cultura dos EUA os seus dois ícones opostos: conformidade e 
rebelião. 
A California crescia e ali o governo já gastara 20 bilhões de dólares com 
investimentos em fábricas de aviões, bases militares, instalações portuárias e 
toda a economia complexa da defesa. Além do complexo industrial-militar, a 
California também passou a sediar nos anos 70 as indústrias de softwares, de 
telecomunicações e também grupos evangélicos expressivos. Contudo, sublinha 
Schlosser, o maior empregador californiano é a indústria de alimentação, que a 
partir dos governos de Nixon e de Reagan se beneficiou de políticas de 
decréscimo salarial e de diminuição da segurança no trabalho: o salário passara 
de US$1,60/hora nos anos 60 para US$ 1,28 em 2001; nenhum dos então 15 mil 
empregados do McDonald nos EUA – sazonais, adolescentes, imigrantes, 
idosos e deficientes físicos - era sindicalizado na época da pesquisa; a OSHA, 
organismo responsável pela fiscalização da segurança e saúde ocupacionais, 
perdera funcionários e recursos. 
www.professores.uff.br/seleneherculano 
 
Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas 
ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 6, abril de 2013 
 
 
 
Ao descrever o cenário das indústrias californianas Schlosser nos conta como 
essas indústrias californianas – computação, satélites, informática, indústria 
bélica e aeroespacial e por tabela a alimentícia – dependeram da atuação e 
investimentos do governo federal, fatos que desautorizariam, segundo ele, o 
argumento liberal louvador da livre empresa e do Estado mínimo. 
Esse sistema FF de alimentação massiva e instantânea provocou mudanças no 
cultivo e processamento de gêneros de seus fornecedores: as batatas congeladas 
de Idaho, a industrialização massiva de carnes; o fim dos ranchos de gado em 
Colorado Springs, onde fazendeiros e rancheiros perderam sua independência, 
comunidades rurais se estratificaram, divididas entre uma pequena elite rica e 
uma ampla leva de trabalhadores pobres. 
Schlosser chama nossa atenção para as mudanças na indústria de carnes: 
cidades como Chicago, Omaha, Kansas eram centros urbanos de abate e 
empregavam uma mão de obra qualificada e sindicalizada, até que dois 
executivos saídos da Swift resolveram montar seu próprio negócio – a IBP -, 
instalando-se no meio rural – Dakota, Iowa, Texas - com um sistema de 
produção que eliminava a necessidade de qualificação e que ficou conhecido 
como “A revolução IBP”. Lançaram a carne vendida em caixas, seladas a vácuo, 
o que facilitava o transporte para os centros consumidores e ficaram conhecidos 
como “meatpackers”. Sangue e ossos sobrantes – que até então ficavam com os 
açougueiros – passaram a ser matéria prima de ração para cachorros e até para 
a alimentação do próprio gado. Mexicanos, refugiados da Bósnia e do Laos, 
homeless da California eram a mão de obra do sistema meatpacker, com baixos 
salários, sem proteção da OSHA e com grande ocorrência de acidentes 
(lacerações, tendinites etc.). Em sua pesquisa de campo nosso autor mostrou 
que o pessoal da limpeza noturna era terceirizado: manejando grandes 
mangueiras de pressão e cloro, sufocavam e escorregavam, mas seus casos de 
acidentes eram subregistrados. O ritmo de produção se intensificou: em High 
Plains passou do abate de 175 bois/hora para 400 bois/hora. Schlosser visitou 
um desses locais de produção pelo sistema meatpackers em Greeley, Colorado e 
descreve a mudança de uma comunidade de pequenos fazendeiros, então 
produtora de feijão e beterraba e que se tornou uma “company town”, 
dominada pelos abatedouros onde currais de milhares de bois se amontoavam, 
www.professores.uff.br/seleneherculano 
 
Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas 
ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 6, abril de 2013 
 
 
 
com esteróide anabolizante implantados nas orelhas; 2/3 dos trabalhadores 
eram imigrantes que não falavam inglês e a sua rotatividade era de 80%/ano. 
Lexington, em Nebraska, é mencionada pelas taxas altas de crime depois que a 
IBP lá se instalou em 1990 e os odores predominantes do ar local passaram a ser 
de sangue ede ovos podres. Schlosser citou estudo da USDA de 1976 que 
comprovou a presença de salmonela, E.coli, estafilococus e outro patogênicos 
em amostras de carne analisadas e também se referiu ao costume de doação da 
indústria de carne às campanhas republicanas: a segunda autoridade da 
agricultura no governo Reagan era, segundo ele, também presidente da 
American Meat Association. A indústria alimentícia se concentrou: uma única 
empresa tornou-se a maior do mundo em carne empacotada, batatas fritas, 
químicos agrícolas, moagem de trigo, congelados, comercializados sob 
diferentes marcas: Hunts, Armour,Healthy Choice etc. 
Nas lanchonetes e restaurantes FF houve internamente uma mudança de 
grande significado, pois suas cozinhas foram eliminadas. Foi a introdução do 
sistema “K minus” (k de kitchen, cozinha), iniciado pela Taco Bell. Os 
restaurantes FF passaram a esquentar o que vinha empacotado de cozinhas 
industriais centralizadas, transportado por aviões. 
As redes FF se disseminaram pelo sistema de franquia, que se tornou um novo 
credo: o franqueador expande a companhia sem aumentar seus custos e o 
franqueado cria e expande seu negócio sem o risco de testar novas ideias. É um 
sistema centralizado e tido até como de quase servidão: os franqueados só 
podem comprar de fornecedores aprovados pela empresa franqueadora e 
precisam de sua aprovação caso queiram vender seu local. Segundo Schlosser, a 
empresa McDonald era também a proprietária de imóveis usados por 40% de 
seus franqueados, a tal ponto que um de seus executivos declarou que na 
verdade o negócio da empresa era imobiliário (we are actually in real-estate 
business). Os empresários do setor usam outros slogans curiosos: “one taste 
worldwide” (o mesmo sabor pelo mundo todo) e “nossos concorrentes são 
nossos amigos, nossos consumidores nossos inimigos”. 
O sistema FF se disseminou também através de publicidade voltada ao público 
infantil de 3 a 9 anos, com menções a “happy meals”, uso de brinquedos e com 
presença em lanches escolares. Patriotismo, defesa nacional e até saúde foram 
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Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas 
ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 6, abril de 2013 
 
 
 
valores usados para atrair seus pais. A queda do muro de Berlim e a 
contratação como garoto-propaganda de Gorbachev, ex-presidente da extinta 
URSS, solidificaram tais valores: em 1989, logo após a queda do muro de 
Berlim, a empresa Mc Donald abriu seu restaurante em Plauen, berço do 
ativismo contra o jugo do partido comunista da Alemanha oriental; em 01 de 
março de 1999, no Hotel Mirage, em Las Vegas, Gorbachev foi o palestrante 
pago na convenção dos empresários do setor alimentício estadunidense e em 
1997 havia protagonizado um comercial do Pizza Hut. 
Os arcos de McDonald, segundo Schlosser, suplantaram a garrafa de Coca-cola 
como ícone e seriam até mais conhecidos que a cruz. Por isso seus arcos 
dourados são alvo preferido de manifestações e ativismo nacional, como na 
França, por simbolizar tudo que atinge o âmago das culturas locais: sua comida, 
o quê, onde e como comer. 
 Criticar o sistema FF já rendeu processos judiciais. O autor historia que na 
Inglaterra a empresa McDonald processou cerca de 50 organizações nos anos 
80, entre elas o Canal 4, o Sunday Times, o Guardian, sociedades vegetarianas. 
Dois ativistas - Helen Stell e Dave Morris - foram réus em um longo processo de 
40 mil páginas e uma sentença de 800, que os condenou a pagar 40 mil libras 
(relatado em livro de John Vidal intitulado “The McLibel Trial”). Até Oprah 
Winfrey teria sido processada por referir-se às “Frankenfoods”. 
O sistema FF incorporou algumas críticas: procurou diminuir frituras, adotar 
embalagens ecológicas, fazer campanhas de cunho humanitário. As lanchonetes 
concorrentes, como a InandOut Burger, divulgam que nelas tudo é tão fresco e 
local que nem usam freezers nem fornos de micro-ondas. 
Certa vez o grande ator Marcelo Maistroiani foi protagonizar filmes em 
Hollywood e desistiu, diante dos sanduíches engolidos em meio ao trabalho. 
Voltou para a sua Itália, argumentando que não poderia viver sem almoços 
lentos, saboreados à mesa com roda de amigos.

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