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Desenvolvimento dos Clubes Associativos no Brasil

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Universidade Estácio de Sá 
 
 
 
 
 
Victor Querzé Farias 
 
 
 
 
 
Historia do desenvolvimento dos clubes associativos no Brasil a partir de 1900 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro /RJ 
03/2023 
O futebol é um dos esportes mais populares do mundo, sendo o mais praticado em 
território brasileiro. Em decorrência da profissionalização do esporte, o debate sobre 
o modo de gestão dos clubes se intensificou. Inicialmente, os clubes eram 
associações sem fins lucrativos, mas esse cenário mudou a partir dos anos 80. Os 
clubes-empresa começaram a se popularizar ao redor do mundo e começaram a 
figurar nos principais campeonatos. Por este motivo, os clubes brasileiros passaram 
a observar esta possibilidade a partir de investimentos de empresas de capital 
estrangeiro. Na atual conjuntura, os clubes-empresa no Brasil estão em pauta, com 
clubes associativos cogitando mudança de seus estatutos com o objetivo de se 
tornarem empresas. 
 
Na sociedade hodierna é incontroverso que o futebol representa, independentemente 
do nível de classe social, importante forma de entretenimento e expressivo traço 
sociocultural em nosso país, constituindo, em razão desse alcance, relevante 
atividade econômica – diga-se, ainda em pleno aperfeiçoamento. Após longo período 
de desenvolvimento embrionário em que se buscou, sobretudo, a estruturação de um 
modelo de gestão pautado em excelência, as atividades desempenhadas pelos clubes 
de futebol (até então, associações desportivas) vêm passando por um processo de 
profissionalização - seja em decorrência de planejamentos inovadores propostos 
pelos gestores executivos, seja pela necessidade de alcançar condições financeiras 
de sobrevivência. Com efeito, tem-se que tais associações desportivas se 
aproximaram, por força do cenário supracitado, do conceito de empresa. 
 
O futebol é o esporte mais popular no Brasil, ocupando grande parte das grades de 
televisão aberta, sempre atraindo grande audiência nos jogos e sendo o esporte mais 
praticado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE (2015), 
15,3 milhões de pessoas praticaram futebol como principal modalidade esportiva, e 
este número representou 39,3% dos 38,8 milhões de praticantes de algum esporte no 
país. Atualmente, há quatro divisões de futebol nacional regulamentadas pela 
Confederação Brasileira de Futebol (CBF), onde as três primeiras divisões possuem 
20 clubes e a quarta divisão possui 68 clubes. O modelo de 20 clubes foi adotado a 
partir do ano de 2006, seguindo a tendência dos principais campeonatos de futebol 
do mundo. É observado que, atualmente, na primeira divisão do campeonato 
brasileiro, Série A, há somente um clube gerido no modelo de gestão clube-empresa 
(RB Bragantino), sendo os outros dezenove clubes geridos pela maneira associativa. 
A situação financeira desses clubes da primeira divisão preocupa e, segundo pesquisa 
realizada pela maior instituição financeira do Brasil, “as dívidas bancárias são 
aceitáveis para alguns clubes da primeira divisão, mas elevadas para a maioria deles” 
(ITAUBBA, 2018, p. 41). Evidenciando isso, muitos clubes considerados grandes no 
Brasil atrasam salários de seus funcionários mensalmente e possuem sérias 
dificuldades de quitar esses vencimentos, dependendo exclusivamente de resultados 
de campo. Ao se observar o mundo exterior, pode-se perceber uma crescente nos 
clubeempresa, tendo como principais exemplos o City Football Group e os times da 
marca de energéticos austríaca, Red Bull. “O objetivo da multinacional Austríaca de 
bebidas, tem como interesse repetir com o Bragantino, o grande sucesso que já 
conquistou em outros clubes de outros países” (SOUZA, 2019, p. 34). Essas 
empresas entendem o esporte não somente pelo seu resultado de campo, mas 
também pelo ponto de vista financeiro, visando o lucro, assim como a maioria das 
empresas. 
Desprende-se do artigo 44 do Código Civil5 que são pessoas jurídicas de direito 
privado previstas em nosso ordenamento: (i) as associações; (ii) as sociedades; (iii) 
as fundações; (iv) as organizações religiosas; (v) os partidos políticos; e (vi) as 
empresas individuais de responsabilidade limitada. Ao adentrar especificamente nas 
questões pertinentes às associações - objeto do presente estudo -, as quais são 
regidas especificamente pelos artigos 53 e seguintes do Código Civil, tem-se em um 
primeiro momento, consoante o disposto no artigo 53 do referido diploma legal, o 
seguinte conceito: “as associações são formadas por uma união de pessoas, 
organizadas, para fins não econômicos” (grifo nosso). Tal conceito merece ser 
destrinchado, conforme passa a se expor. A priori, destaca-se a ausência de finalidade 
lucrativa das associações, o que permite concluir que não há divisão do excedente 
econômico entre os seus associados, razão pela qual a aplicação do referido 
excedente se dá na própria associação, com o fim de fomentar suas atividades. Em 
segundo lugar, merece destaque o fato da expressão “econômico” não ser a mais 
adequada para as associações, ao passo que remete, em caráter abrangente, 
finalidade voltada à geração de resultados econômicos. Ora, não há vedação às 
associações em relação a exercer ou participar de atividades econômicas, posto que 
toda e qualquer associação pode exercer ou participar de atividades econômicas. O 
que deve ser vedado, a esse respeito, é que essas atividades tenham finalidade 
lucrativa. Com efeito, tem-se que a associação busca defender os interesses dos seus 
associados, leia-se, aqueles admitidos com base nos aspectos previamente descritos 
em seu respectivo estatuto social. 
In casu, vê-se como objetivo recíproco, qual seja, a união de pessoas objetivando a 
formação dos times de futebol aptos a participarem de competições. Noutro giro, cabe 
ressaltar que, muito embora as associações realizem, em um segundo plano, 
atividades com viés social, não há, nos termos da lei, finalidade social atribuída ao 
referido modelo - característica esta atribuída às fundações -, uma vez que possui 
como objetivo atender o interesse dos seus próprios associados, fomentando a 
“atividade fim” desempenhada. Com efeito, ao analisarmos tal atributo, verifica-se 
evidente aspecto relacionado à essência dos clubes de futebol no Brasil: o seu 
surgimento ocorreu em decorrência da união de determinadas pessoas, motivadas 
pelo mesmo fim, com características e interesses em comum – reitera-se, 
desvinculados da busca pelo lucro. Nessa esteira, pode-se afirmar que a 
supervalorização feita por parte de determinados associados quanto à sua 
remuneração e nomeação ao conselho vitalício, bem como a superestima de outros 
interesses meramente individuais se impõem em inquestionável conflito com o 
sobredito interesse em comum, revelando, inclusive, o rompimento com valores que 
deram origem à associação. Conclui-se, portanto, que o modelo associativo não pode 
ser interpretado sob a luz dos interesses individuais de seus associados, mas deve 
ser avaliado com o fim de proporcionar o desenvolvimento de uma atividade ou 
promover a defesa de um interesse que represente a causa comum de um grupo de 
pessoas. Assim, não há finalidade lucrativa, mas apenas cultural, beneficente, 
altruísta, religiosa, esportiva ou moral, como ensina Washington de Barros Monteiro 
ao distinguir sociedade civil de associação, dizendo que “nas primeiras [sociedades 
civis], há o fito de lucro, enquanto, nas segundas [associações], inexiste finalidade 
lucrativa. O objetivo das associações é puramente cultural, beneficente, altruísta, 
religioso, esportivo ou moral” 
Conforme disposto no parágrafo único do artigo 53 do Código Civil: “não há, entre os 
associados, direitos e obrigações recíprocas”. Por essa leitura, afirma-se, desde já, 
que não há direitos e obrigações recíprocas em se tratando dos associados. Ocorre 
que, paralelamente, não há de se confundir tal afirmação coma inexistência de direitos 
e deveres aos associados, que notadamente existem e estão dispostos no 
ordenamento jurídico, como se verá. 20 De início, conforme constante no artigo 54, 
inciso III do Código Civil6 , tem-se regida a obrigatoriedade de previsão dos direitos e 
deveres dos associados no estatuto das associações, sendo este a fonte primária de 
seus direitos, ou seja, já no próprio estatuto, cuja alteração compete à Assembleia 
Geral (artigo 59, inciso II do Código Civil7 ), deve conter tal previsão. Cumpre explicitar 
sobre o tema que, nos termos do artigo 55 do sobredito diploma legal8 , há a 
possibilidade de o estatuto prever categorias específicas com vantagens especiais, 
em que pese o fato dos associados terem iguais direitos 
 
Noutro giro, nos termos do artigo 58 do Código Civil, ressalta-se que há a seguinte 
garantia conferida ao associado, in verbis: “não ser impedido de exercer direito ou 
função que lhe tenha sido legitimamente conferida, a não ser nos casos e pela forma 
prevista na lei ou no estatuto”. Portanto, resta demonstrado que os direitos dos 
associados, bem como eventuais atribuições excepcionais, vinculam-se de modo 
estrito ao previsto no estatuto da associação, sem prejuízo da observância das 
garantias supracitadas, previstas no Código Civil. 
Em se tratando aos aspectos que merecem destaque no que se refere à administração 
das associações, compete também ao estatuto da associação estabelecer a forma de 
sua gestão (art. 54, inciso VII do Código Civil) 10 . No ponto, incorporando tais 
conceitos no cenário dos clubes de futebol brasileiros, pode-se inferir que, em regra, 
sua forma administrativa se assimila ao quanto aplicado nas sociedades limitadas e 
nas sociedades por ações, conforme detalhado a seguir. Quanto à estruturação de 
sua gestão administrativa, os clubes de futebol brasileiros possuem uma diretoria e 
um conselho fiscal, bem como o exercício dos Conselhos deliberativo, de orientação 
e diretor – ressalta-se que, não necessariamente tais conselhos desempenhem 
funções propriamente administrativas. Portanto, considerando que o presente estudo 
se volta justamente à discussão relativa à possível transição do modelo associativo 
para o modelo empresarial nos clubes de futebol no Brasil, destaca-se, nesse ponto, 
que o simples fato de as associações instituírem órgãos de administração já sugere 
uma proposta de aproximação ao quanto desempenhado pelas sociedades 
empresárias, haja vista a tentativa de estabelecimento de uma governança, dentre 
outros aspectos. Portanto, pode-se concluir o presente tópico justamente registrando 
uma das limitações que se faz presente no modelo associativo, uma vez que, muito 
embora haja o envolvimento dos referidos clubes em transações milionárias com 
jogadores, instituições financeiras e demais componentes, a condução de tal 
procedimento ocorre, ainda que de modo aparente, como mera tentativa de 
estruturação profissional - característica intrínseca ao modelo empresarial. 
Tendo em vista o tratamento específico sobre o tema, cumpre elucidar que no Código 
Civil se verifica determinada omissão no que tange a responsabilização dos 
administradores de uma associação. Corroborando o exposto, o sobredito diploma 
legal somente prevê que competirá ao estatuto – portanto, à Assembleia Geral – 
prever tal responsabilidade, haja vista que, conforme mencionado, o estatuto definirá 
a forma de gestão (artigo 54, inciso VII do Código Civil). 
Não obstante, tem-se que é de competência da Assembleia Geral destituir os 
administradores, desde que tal assembleia seja convocada especialmente para esse 
fim, observado o quórum estabelecido no estatuto. Diante disso, nota-se que o Código 
Civil claramente confere à Assembleia Geral a liberdade de atribuição de 
competências, sendo observada a conveniência específica de cada associação. 
Merece destaque, portanto, o fato de que tal liberdade se revela uma vantagem para 
as associações quando comparada às sociedades, posto que este aspecto possui 
caráter rígido na sociedade limitada e, especialmente, nas sociedades anônimas, 
conforme será exposto adiante em capítulos específicos. 
 
 
Referencias bibliográficas: 
1 Confederação Brasileira de Futebol. Impacto do Futebol Brasileiro. 2018. 
Disponível 
em:https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201912/20191213172843_346.pdf. Acesso 
em: 6 Mai. 2020. 
2 Confederação Brasileira de eSports. O que são eSports. Disponível 
em:http://cbesports.com.br/esports/esports-o-que-sao/#o-que-e-esports. 
Acesso em:12 Mai. 2020. 
3 Deloitte. Footbal Money League. Disponível 
em:https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/br/Documents/consumerbu
siness/Deloitte-football-money-league-2020.pdf. Acesso em: 17 Mai. 2020. 
4 São Paulo Futebol Clube. Estatuto e Regimento. Disponível 
em:http://www.saopaulofc.net/o-clube/estatuto-e-regimento. Acesso em: 18 Mai. 
2020. 
5 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União.Brasília. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. 
Acesso em: 17 Mai. 2020. 
6 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União.Brasília. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. 
Acesso em: 17 Mai. 2020. 
7 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União.Brasília. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. 
Acesso em: 19 Mai. 2020. 
8 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União.Brasília. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. 
Acesso em: 19 Mai. 2020. 
9 VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 20. ed. São Paulo: Atlas, 
2020.

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