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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
HENRIQUE CESAR MONTEIRO BARAHONA RAMOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os “Doutores da Lei”: Medicalização social e jurisdição civil 
(Brasil, Portugal - século XIX) 
 
 
 
 
 
 
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal 
Fluminense, como requisito parcial para a obtenção 
do título de Doutor em História. 
 
Orientadora: Professora Doutora Gizlene Neder 
 
 
 
 
 
 
 
 
Niterói, 2013 
 
 
 
ii 
 
FICHA CATALOGRÁFICA: 
 
 
 
 
 
Ramos, Henrique Cesar Monteiro Barahona Ramos, 1973- 
 Os “Doutores da Lei”: Medicalização social e jurisdição civil 
(Brasil, Portugal - século XIX)/ Henrique Cesar Monteiro Barahona 
Ramos. – Niterói, 2013. 
 x, 300 f. 
 Orientadora: Profª Drª Gizlene Neder. 
 Tese de Doutorado – Universidade Federal Fluminense, Instituto de 
Ciências Humanas e Filosofia. Linha de Pesquisa História 
Contemporânea I. Programa de Pós-Graduação em História. 
 1. História das ideias jurídicas. 2. Jurisdição. 3. Medicina Social. 4. 
Subjetividade. 5. Brasil e Portugal. 6. Universidade Federal 
Fluminense. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
iii 
 
BANCA EXAMINADORA: 
 
 
 
 
 
 
Gizlene Neder (Orientadora) 
 
 
 
Cláudia Henschel de Lima (UFF-Volta Redonda) 
 
 
 
Gisálio Cerqueira Filho (UFF) 
 
 
 
Adriana Campos (UFES) 
 
 
 
Keila Grinberg (UNIRIO) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
iv 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para Helena, que é “irmã” desta tese, 
Belle, sempre comigo, 
e os meus pais, sempre em mim. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
v 
 
AGRADECIMENTOS: 
 
 
 Ao longo dos anos de pesquisa eu pude sempre contar com o carinho, a compreensão e 
a ajuda de muitas pessoas que colaboraram decisivamente para que esta tese chegasse até 
aqui. Por isso eu me desvaneço em agradecimentos a Gizlene Neder, minha orientadora, uma 
parceira que sempre acreditou nas minhas inquietações intelectuais em torno do que seria um 
“iluminismo jurídico-civil luso-brasileiro”, na esteira da sua obra sobre o “iluminismo 
jurídico-penal luso-brasileiro”. O professor Gisálio Cerqueira Filho também foi fundamental 
neste percurso. O educador incansável me fez ver que “navegar é preciso”. A eles dois eu 
devo o privilégio de estarem ao meu lado pessoalmente quando da realização da pesquisa na 
pátria de Fernando Pessoa no ano de 2010. 
 Devo agradecer ainda todo o companheirismo e amizade dos meus colegas do 
Laboratório Cidade e Poder, tanto aqueles que por ele já passaram, como os que hoje estão 
presentes, e ainda os que atualmente se encontrem pesquisando no estrangeiro, todos eles 
representados nas pessoas de Ana Paula Barcelos, Jefferson de Almeida Pinto, Ricardo G. 
Borrmann, Marcelo Neder Cerqueira, Alexandre Miguel França e Flavia Beatriz Ferreira de 
Nazareth. E também às professoras Claudia Touris e Patricia Fogelman que, no âmbito da 
Red de Historia de Brasil y Portugal, da Faculdade de Filosofia y Letras da Universidade de 
Buenos Aires, me possibilitaram apresentar e desenvolver junto ao público acadêmico 
argentino diversos tópicos abordados neste trabalho. Muito obrigado também ao professor D. 
Mauro Fragoso O.S.B., que me permitiu cursar como ouvinte a disciplina de História da 
Igreja no curso de Pós-Graduação em História da Arte Sacra na Faculdade São Bento do Rio 
de Janeiro. 
 Agradeço aos colegas e professores da Pós-Graduação em História desta Universidade 
Federal Fluminense, em especial aos professores Carlos Gabriel Guimarães e Luiz Carlos 
Soares. Não posso esquecer também da professora Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, da 
Universidade de Lisboa, que esteve aqui de passagem como professora visitante em 2009, 
quando ministrou o curso “História Portuguesa: Cultura, Religião e Quotidiano (séculos XVI-
XVIII)”, prestando-me valoroso auxílio ao me fornecer elementos de pesquisa disponíveis 
naquele momento apenas em Portugal. Minha gratidão é extensiva ainda a todos 
colaboradores do Programa representados por Silvana, Inês, Devid, Roberto, Haydée e 
Anderson. 
vi 
 
 Estando certo de que a pesquisa não se confina aos anos do doutoramento, devo 
prestar minhas homenagens aos meus queridos professores outrora do Departamento de 
Psicologia Social desta Universidade Federal Fluminense: Cecília Maria Bouças Coimbra, 
Lilia Ferreira Lobo, Maria Lívia Nascimento e, muito especialmente, Luis Antônio dos Santos 
Baptista, meu mestre, meu amigo. Foi ele quem me ensinou que as “Cidades da Falta” 
possuem o que poderia se chamar regras ou leis da falta. Deles colhi os referenciais da 
psicologia social e da análise institucional que agora levo ousadamente para o estudo do 
direito. 
 Meus sinceros agradecimentos também ao professor Edison Alvisi Neves, Diretor da 
Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, em primeiro lugar, por ter sido um 
dos maiores incentivadores para que eu tentasse a aprovação no processo seletivo do 
Programa de Pós-Graduação em História, percorrendo o mesmo caminho que ele anos antes já 
havia trilhado. E, depois, já durante a Qualificação do Projeto de Doutorado, por ter feito 
considerações muito preciosas e pertinentes que muito contribuíram para o resultado final ora 
apresentado. 
 Não poderia deixar de mencionar ainda a cordialidade com que sempre tive atendidas 
as minhas solicitações nos arquivos e bibliotecas Portugal. Registro a atenção da Srª Ana 
Maria Leitão Bandeira, Técnica Superior do Arquivo da Universidade de Coimbra, do Sr. 
José Chitas, bibliotecário da Biblioteca Pública de Évora, da Srª Ana Sabido, da Área de 
Reproduções da Biblioteca Nacional de Portugal, e a deferência toda especial que me foi 
prestada pelo Sr. Duarte Nuno Catalão, da Biblioteca do Conselho Geral da Ordem dos 
Advogados, permitindo-me extraordinariamente a digitalização do material bibliográfico 
daquele acervo. 
 Finalmente, meus agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de 
Nível Superior (Capes) pelo financiamento desta pesquisa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
vii 
 
 
RESUMO: 
A presente tese visa à investigação de como a jurisdição civil brasileira refletiu o modelo de 
medicalização social no século XIX, como resultado da apropriação, pelo direito, da 
metodologia e dos conceitos da medicina social. Um indício dessa hipótese é a ressignificação 
da palavra “remédio” (“remedium juris”) para designar as ações ou os recursos judiciais, que 
até o século XVIII era um “meio” para se perseguir em juízo um direito violado, no caso das 
ações, ou a correção de um ato do juiz praticado no processo, no caso dos recursos. No 
entanto, ao longo do século XIX, o conceito de “remédio” sofreu o deslizamento semântico da 
medicina para o direito passando a significar, já no final do Oitocentos, um medicamento para 
a cura dos males das partes em juízo, ao mesmo tempo em que a jurisdição se constituiu, na 
generalidade dos casos, como uma terapêutica social nos moldes da medicina higienista. 
 
Palavras-chave: Direito Civil. Medicina Social. Jurisdição. Apropriação Cultural. 
 
ABSTRACT: 
 
The aim of this thesis is to investigate how the Brazilian Judicial Jurisdiction made use of the 
social medicalization model in the 19th century. The method used in the process was the 
appropriation, by due right, of the methodology and concepts of social medicine. One 
indication of this hypothesis is the redefinition of the word “remedy” (“remedium juris”) to 
designate actions or other judicial resources. Until de 18th century, the aforementioned actions 
and resources were a legal means to pursue a violated right in the case of the actions or the 
correction of a judge’s legal act in the case of the resources. Nevertheless, along the 19th 
century, the concept of remedyunderwent a semantic change from Medicine to Law. As a 
result thereof, the word remedy started to mean, toward the end of the 1800s, a substance to 
heal the illnesses of the judicial parties. At the same time, the jurisdiction became, as for 
general cases, a social therapy under the terms of the Hygienic Medicine. 
 
 
Key-words: Civil Law. Social Medicine. Justice. Cultural Appropriation. 
 
viii 
 
 
 
ABREVIATURAS: 
 
ARQUIVOS E BIBLIOTECAS: 
 
ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa/Portugal); 
AP – Arquivo Pessoal; 
AUC – Arquivo da Universidade de Coimbra (Coimbra/Portugal); 
BCGOAL – Biblioteca do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Lisboa 
(Lisboa/Portugal); 
BN – Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro/Brasil); 
BNP – Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa/Portugal); 
BPE – Biblioteca Pública de Évora (Évora/Portugal); 
RGLP – Real Gabinete de Leitura Português (Rio de Janeiro/Brasil). 
 
PERIÓDICOS JURÍDICOS: 
 
JTRIB – Jurisprudência dos Tribunaes. 
GJUR – Gazeta Jurídica. 
RFDSP – Revista da Faculdade de Direito de São Paulo. 
RIAB – Revista do Instituto dos Advogados Brazileiros. 
RJURID – Revista Jurídica. 
RJURIS – Revista de Jurisprudência. 
RMDPRC – Revista Mensal das Decizões Proferidas pela Relação da Corte 
ODIR – O Direito. 
 
PERIÓDICOS PORTUGUESES: 
 
DC – Diário das Cortes Geraes, Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza. 
GL – Gazeta de Lisboa. 
 
 
 
ix 
 
INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: 
 
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. 
IAB – Instituto dos Advogados Brazileiros. 
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brazileiro. 
STF – Supremo Tribunal Federal. 
STJ – Superior Tribunal de Justiça. 
TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 
 
 
AÇÕES E RECURSOS JUDICIAIS: 
 
ADC – Ação direta de constitucionalidade. 
ADI – Ação direta de inconstitucionalidade. 
AgAR – Agravo regimental em ação rescisória. 
AP - Apelação 
AR – Ação rescisória. 
HC – “Habeas corpus”. 
REsp – Recurso especial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
x 
 
TABELA DE ANEXOS: 
 
ANEXO 1 – Folha de rosto do livro de CABRAL, António Vanguerve. Pratica judicial, 
muito util, e necessaria para os que principiam os oficios de julgar. 5 Tomos. Lisboa 
Occidental: Na Officina de Gabriel Soares, 1741. O Tomo III é datado de 1715. 
 
ANEXO 2 – Capa do livro SAN-JUAN, Onestado; BICALHO, Perácio de Araújo. Remédios 
Jurídicos. Usos e Aplicações. São Paulo: Iglu, 2000. 
 
ANEXO 3 – Folha de rosto do segundo volume do livro de SOUSA, Joaquim José Caetano 
Pereira e. Esboço de hum Diccionario Juridico, Theoretico, e Practico, Remissivo ás Leis 
Compiladas, e Extravagantes. Obra Posthuma. Tomo Segundo. Lisboa: Na Typographia 
Rollandiana, 1827. 
 
ANEXO 4 – Folha de Rosto do livro de SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras 
Linhas sobre o Processo Civil. Lisboa: Typographia Rollandiana, 1858. 
 
ANEXO 5 – Fotografia da imagem processional de Santa Margarida de Cortona, de tamanho 
natural, do Convento de São Francisco da Penitência de Salvador, Bahia, Brasil (Séc. XVIII). 
AP. 
 
ANEXO 6 – Prancha encartada no final do Tomo I do livro de ALMEIDA, Theodoro. 
Recreação Filosofica, ou Dialogo Sobre a Filosofia Natural, pata instrucção de pessoas 
curiosas, que não frequentárão as aulas. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 
MDCCLXXXVI. 
 
ANEXO 7 - Prancha encartada no final do Tomo V do livro de ALMEIDA, Theodoro. 
Recreação Filosofica, ou Dialogo Sobre a Filosofia Natural, pata instrucção de pessoas 
curiosas, que não frequentárão as aulas. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 
MDCCLXXXVI. 
 
ANEXO 8 – Fotografia do quadro de Santo Agostinho na Igreja de Santo Antão de Évora, 
Portugal. AP. 
xi 
 
 
ANEXO 9 – Folha de Rosto do livro da JUNTA DE PROVIDÊNCIA LITERÁRIA. Origem 
Infecta da Relaxação da Moral dos Denominados Jesuítas, Regia Officina Typografica: 
Lisboa, 1771. 
 
ANEXO 10 – Página inicial do manuscrito Doutrinas da Igreja Sacrilegamente Offendidas 
pelas Atrocidades da Moral Jesuítica, que foram expostas no Appendix do Compêndio 
Histórico. ANTT: PT/TT/MSLIV/2573. s/p. [Manuscrito]. 
 
ANEXO 11 – Página não numerada do mesmo Manuscrito do Anexo 10. 
 
ANEXO 12 – Folha de rosto do livro da JUNTA DE PROVIDÊNCIA LITERÁRIA. 
Doutrinas da Igreja Sacrilegamente Offendidas pelas Atrocidades da Moral Jesuítica, que 
foram expostas no Appendix do Compêndio Histórico. Regia Officina Typografica, 1772. 
 
ANEXO 13 – Carta do padre Antônio Pereira de Figueiredo para o frei Manuel do Cenáculo 
(BPE, COD CXI 2-11 N1 0001_3v). 
 
ANEXO 14 – Retrato do busto de Joaquim José Caetano Pereira e Sousa, gravado pelo artista 
italiano João Cardini em 1806 (http://www.csarmento.uminho.pt/ndat_262.asp?offset=360). 
 
ANEXO 15 – Carta de Curso de Joaquim José Caetano Pereira e Sousa entre os anos de 1772 
e 1774 (AUC - Processos de Carta de Curso, 1ª Série, CX 46, IV-2ªD-12-2-18_02v.). 
 
ANEXO 16 – Folha de rosto do livro de SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Écloga 
Pastoril de Filinto, Anarda, e Polidoro. Lisboa: Na Offic. Da Viúva de Ignacio Nogueira 
Xisto, MDCCLXXII. 
 
ANEXO 17 – Folha de rosto do livro de Primeiras Linhas sobre o Processo Criminal. 
Terceira Edição. Lisboa: Na Typografia Lacerdina, MDCCCVI. 
 
ANEXO 18 – Folha de rosto do livro de SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. A 
Experiencia da Amizade, Conto Moral de Marmontel: traduzido por J. J. C. P. e S.. Obra 
Posthuma. Lisboa: Na Typograf. De Antonio Rodrigues Galhardo, 1825. 
xii 
 
 
ANEXO 19 - Folha de rosto do livro de SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Aventuras 
de Telêmaco, traduzidas em verso portuguez. Lisboa: Na Offic. Patr. De Francisco Luiz 
Ameno, MDCCLXXXVIII. 
 
ANEXO 20 – Página inicial do manuscrito de SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. 
Ensaio sobre a teoria da practica do direito ou tratado do uso das acções no foro moderno e 
da ordem judiciaria. B.C.G.O.A.L.[S.l.:s.n., s.d.], [28], 120 folhas [manuscrito]. 
 
ANEXO 21 - Folha de rosto do livro de SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Noções 
sobre a Ortografia da Língua Portugueza. Lisboa: Na Typografia Lacerdina, 1807. 
 
ANEXO 22 – Petição de Joaquim José Caetano Pereira e Sousa como curador da 
administração da Casa do Visconde de Asseca, datada de 20 de Julho de 1814, cobrando 
ordenado vencido. 
 
ANEXO 23 – Requerimento de Certidão de Exame do 1º ano do curso jurídico da 
Universidade de Coimbra feito por José Homem Correa Telles Pacheco, datado de 1º de 
Outubro de 1796 (AUC-IV-2ªD-12-5-4_06). 
 
ANEXO 24 – Diploma de Bacharel na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra de 
José Homem Correa Telles (AUC-IV-2ªD-12-5-10). 
 
ANEXO 25 – Folha de rosto do livro FREITAS, Augusto Teixeira de. Primeiras Linhas sobre 
o Processo Civil: accommodadas ao fôro do Brazil. Rio de Janeiro: Typographia: 
Perseverança. 1879. 
 
ANEXO 26 - Folha de rosto do livro FRÊITAS SÊNIOR, Augusto Teixeira de. Vocabulario 
Juridico com Appendices. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1883. 
 
ANEXO 27 - Folha de rosto do livro FREITAS, Augusto Teixeira de. Doutrina das Acções 
accomodada ao fôro do Brazil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1880. 
 
xiii 
 
APRESENTAÇÃO 
 
 A presente tese visa fazer uma trajetória sobre a jurisdição civil no mundo luso-
brasileiro no longo século XIX, começando nas últimas décadas do século XVIII até o 
princípio do XX. Todos os dados coletados de documentos arquivísticos ou bibliográficos, 
primários ou não, inclusive aqueles anteriores aos marcos temporais mencionados, alguns 
deles escritos em português antigo, foram transcritos de maneira a facilitar a leitura do texto, 
mantidas as formas originais apenas quando a sua compreensão não ficou comprometida. 
Mesmo assim, em todos os casos, com vistas à permitir o acesso ao material por outros 
pesquisadores, a indicaçãoda fonte foi preservada tal como consta originalmente tanto nas 
notas de rodapé ao longo dos capítulos, quanto ao final, no lugar próprio. 
 Mantivemos ainda algumas frases em latim no corpo do texto, ou ainda na língua 
francesa em notas de rodapé, quando elas se revelaram importantes para o entendimento 
daquilo que pretendemos transmitir ao leitor. 
 Enfim, este trabalho almeja tão somente lançar sobre as fontes nele pesquisadas novas 
perspectivas sobre a história social das ideias jurídicas, num diálogo cada vez maior com 
outras disciplinas acadêmicas que lhe sejam fronteiriças. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
xiv 
 
SUMÁRIO 
Introdução ................................................................................................................................. 1 
 
Capítulo 1. “Curar” os súditos. ............................................................................................. 29 
1.1 A cultura jurídica e a cultura religiosa portuguesa. ........................................................ 30 
1.2. O rigorismo. ............................................................................................................... 53 
 
Capítulo 2. O rigorismo português.. ..................................................................................... 74 
2.1. O padre António Pereira de Figueiredo.. ....................................................................... 75 
2.2. O rigorismo nos Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772.. ........................... 83 
 
Capítulo 3. As “Primeiras Linhas sobre o Processo Civil”... ............................................ 108 
3.1 Joaquim José Caetano Pereira e Sousa.... ..................................................................... 109 
3.2. O bom mecenas.. ...................................................................................................... 122 
 3.1 Joaquim José Caetano Pereira e Sousa.... ............................................................. 138 
 
Capítulo 4. A institucionalização da moderna jurisdição em Portugal. .......................... 149 
4.1. Linhas do processo, linhas medicinais.. ....................................................................... 150 
4.2. As “Segundas Linhas” de Lobão.............................................................................. 173 
 4.3. José Homem Correa Telles.. ................................................................................ 181 
 
Capítulo 5. Ordem e “Processo” .......................................................................................... 193 
5.1. O processualismo civil no Brasil.. ............................................................................... 194 
5.2. As “Terceiras Linhas sobre o Processo Civil” ... ..................................................... 214 
 5.3. O eterno retorno do diferente... ............................................................................ 228 
 
Conclusão.. ............................................................................................................................ 239 
 
Fontes.. ................................................................................................................................... 248 
Referências.. .......................................................................................................................... 272 
Anexos.. .................................................................................................................................. 291 
 
 
 
1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 Em 1715, o jurista português Antonio Vanguerve Cabral dizia que ministrar a justiça 
aos vassalos seria o principal ofício dos soberanos, de tal sorte que seriam os magistrados 
“partes do corpo dos mesmos reis” 1. Ele era o que se denominava um “praxista”, como eram 
conhecidos naquela temporalidade os juristas que escreviam sobre a “praxe”, isto é, a prática 
forense ou notarial2. Havia também os “casuístas”, assim chamados os autores que se 
dedicavam às “causas” submetidas às sentenças ou aos pareceres doutrinais, mas essa 
distinção entre “praxistas” e “casuístas” caiu em desuso ainda no século XIX3, fazendo com 
que estes últimos também fossem chamados de “praxistas” para designar, com este termo, de 
um modo geral, os jurisconsultos que se dedicavam à aplicação das leis aos casos que se 
controvertiam nos tribunais. Eles destrinchavam, no emaranhado de forais, ordenações, 
alvarás, decretos, estilos e costumes, a quem competia o julgamento desta ou daquela ação, 
qual a ação cabível segundo a origem do direito controvertido, o modo de proceder segundo a 
ordem dos atos processuais etc. Tudo para que, em nome do rei, a justiça fosse administrada. 
 No entanto, esta noção de administração da justiça para a solução dos conflitos feita 
em nome da soberania real mudou bastante até chegar ao atual modelo de jurisdição. A 
própria expressão “administração da justiça” foi pouco a pouco sendo deixada de lado e 
passou a ser substituída unicamente pela palavra “jurisdição”, na verdade uma ideia que, tal 
como a conhecemos mais ou menos hoje em dia, nasceria somente no século XVIII, quando 
Montesquieu denunciou que a liberdade política do cidadão apenas seria possível quando a 
solução dos litígios, quer dizer, quando o monopólio dos litígios entre os sujeitos trouxesse a 
necessidade de uma função diferenciada dos poderes executivo e o legislativo. Dali em diante, 
para Montesquieu, “a administração de uma justiça que não decide somente da vida e dos 
bens mas também da honra exige investigações cuidadosas” 4. 
 Esta exigência de investigações cada vez maiores e mais “cuidadosas”, entendendo-se 
estes “cuidados” pelas minúcias a que deveria descer a administração da justiça sobre o 
cotidiano dos cidadãos, relativo a tudo o que dissesse respeito à vida em sociedade, fez com 
que as regras atinentes aos processos judiciais se tecnificassem pouco a pouco, que houvesse 
 
1 CABRAL, Antonio Vanguerve. Pratica judicial muito útil, e necessária para os que principiam os officios de 
julgar, e advogar, e para todos os que solicitao causas nos Auditorios, de hum e outro foro. III parte. Lisboa, 
NA Officina de Jospeh Lopes Ferreira, Anno MDCCXV, p. 4. Vide Anexo 1. 
2 SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português: Fontes de Direito. 3ª edição, revista e 
actualizada. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, p. 363. 
3 ALMEIDA, Candido Mendes de. Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal Recopiladas 
por mandado D’El-Rey D. Philippe I. Decima-Quarta Edição. Rio de Janeiro: Typographia do Instituto 
Philomathico, 1879, pp. XLVII-LXII. 
4 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la. Do Espírito das Leis. Col. Os Pensadores. São 
Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 149. 
3 
 
uma crescente discursividade sobre elas em sua busca de máxima efetividade. Isto se refletiria 
não apenas do ponto de vista das regras procedimentais, mas, sobretudo, numa perspectiva 
mais generalizante, traduzindo esta eficácia como mecanismo de controle social através do 
uso das ações judiciais, enfim, através da jurisdição. E, assim, a percepção e a experiência da 
prática ou “praxe” judicial, como enunciava Vanguerve Cabral no início do Setecentos, seria 
inteiramente outra em pouco mais de um século, deixando a jurisdição de ter seu fundamento 
no corpo do rei, como no Antigo Regime, para ter na sociedade ou no “corpo social” a sua 
própria razão de ser, espelhando um modelo organicista oriundo das ciências naturais. Por 
isto, em 1814, outro “praxista” português, José Homem Correa Telles, diria ser impossível 
olvidar a importância do estudo das ações e de quantas “vantagens lhe resultam do estado 
social”5. 
 A “vantajosa” utilização das ações judiciais surgiuno século XIX como uma novidade 
em relação ao modelo anterior fundado no discurso da soberania. A inovação ficaria por conta 
da aproximação de um outro discurso, isto é, daquilo que Michel Foucault identificou como 
sendo o das disciplinas na nascente “sociedade de normalização” 6. E do mesmo modo como 
o homem moderno passaria paulatinamente a ter um “corpo” orgânico individualizado 
passível de normalização a oferecer como superfície ao poder, a “sociedade” também seria 
tomada como um organismo, como uma realidade manipulável, passível de direcionamento e 
controle, e que seria alvo da “biopolítica”. 
 Portanto, de um lado, havia o direito fundado na soberania. E, do outro, as disciplinas 
e a biopolítica, ambas nascidas das ciências naturais. São instâncias heterogêneas e 
irredutíveis em suas respectivas formações, mas que passariam pouco a pouco a se exercerem 
simultaneamente, de forma a ser o discurso do direito “invadido” pelo das disciplinas que, a 
rigor, não possuem um lugar definido, sendo, antes, uma forma de exercício do poder que 
possui uma origem diferente do direito. Mas o que se viu diante destas duas instâncias, como 
uma maneira de diminuir a distância entre elas, de minar as resistências e as 
incompatibilidades, foi num determinado momento a necessidade da presença de um discurso 
mediador entre elas: a medicina. Especialmente a medicina social ou higienista, como 
referencial científico para a “medicalização geral do comportamento”7, que tinha como alvo 
exatamente o comportamento desviante das “classes perigosas” para designar a todos esses 
que “haviam abertamente escolhido uma estratégia de sobrevivência que os colocava à 
 
5 TELLES, José Homem Correa. Doctrina das Acções. Lisboa: Na Impressão Regia, 1824, 2ª Edição, p. 1. 
6 FOUCAULT, Michel. Soberania e Disciplina. In Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal Ltda., 
1979, p. 190. 
7 Idem, p. 190. 
4 
 
margem da lei”8. Dentre estes “perigosos” não podemos nos esquecer também daqueles que 
se valiam das próprias forças na solução dos seus conflitos cotidianos, colocando-se, desta 
maneira, invariavelmente, acima da lei. Eram aqueles que resistiam e contrariavam a 
fabricação de uma supremacia da regra jurídica em relação às próprias individualidades. Não 
apenas as classes pobres, mas até mesmo aqueles que se utilizavam do duelo e de outras 
formas tradicionais militarizadas de solução de conflitos e que começavam a ser 
“normalizados” pela construção de uma autoridade racional e laica da lei. A desrazão e a 
incivilidade do uso das próprias forças não escolhiam classes sociais e, não raro, 
descambavam para o cometimento de crimes os mais diversos, dos mais simples, aos mais 
violentos. É o que dizia Frédéric Mourlon em meados do século XIX: “como não é possível 
fazer justiça a si mesmo, e por isso é impossível que a justiça possa ser precisamente 
praticada por aqueles que são juízes em causa própria, tivemos que criar uma autoridade 
superior, responsável por aplicar as disposições da lei” 9. 
 Partindo de tais considerações, e levando em conta que o discurso médico-social 
inaugurou uma nova feição de Estado na interface do discurso do direito e da soberania com o 
saber e as técnicas das ciências médicas, a hipótese deste trabalho é que a administração da 
justiça civil espelhou o modelo de medicalização social ao longo do século XIX, e que esta foi 
a condição de possibilidade da autonomização do direito de ação. Não por acaso as ações 
seriam resignificadas como um “remédio” jurídico, como um antídoto, um fármaco, uma 
droga, quando “médicos e homens de Estado reclamam” a um só tempo “um vocabulário às 
vezes semelhantes”10. Também deslocaremos o enfoque desta questão do discurso médico-
legal onde comumente ela é tratada, quer dizer, na medicina “do” direito, para uma medicina 
“no” direito, de modo a transformar esse mesmo direito numa espécie de “terapêutica” do 
corpo social. Por isso, apesar dos regimes de penalidade estarem abrangidos pela jurisdição 
genericamente considerada, tomaremos aqui outra direção, mas para nos determos, desta vez, 
à chamada administração da justiça civil, para utilizarmos uma expressão típica do século 
XIX11. 
 A Administração da justiça civil ou também “jurisdição civil” aqui será considerada, 
em primeiro lugar, redobrada sobre sua própria técnica, no atuar prático dos juízes ao 
 
8 CHALHOUB, Sidney. A Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das 
Letras, 1996, pp. 20-21. 
9 MOURLON, M. Frédéric. Répétitions Écrites sur le Code de Procédure Civile. 2ª Édition. Paris: Maresq, 
Libraire-Éditeur, 1863, p. 2. 
10 FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 41. 
11 Esta expressão é empregada na “Disposição Provisória Acerca da Administração da Justiça Civil” anexada ao 
Código de Processo Criminal de 1832. 
5 
 
efetuarem seus “exames clínicos”, como, por exemplo, o “exame” sobre as condições da ação, 
o “exame” dos pressupostos processuais, ou o “exame” dos requisitos de adminissibilidade 
recursal. A própria tecnologia judiciária, tomada como um conjunto de regras hierarquica e 
harmoniozamente organizado, é ao mesmo tempo o alvo e o reflexo do modo de ver das 
disciplinas. Numa palavra, um “corpo” de lei, uma construção “anatomo-clínica” que vai dar 
uma conformação ao mundo das relações entre os sujeitos. Em segundo lugar, de maneira 
mais ampla, a justiça “civil” é tomada em seu sentido quase perdido, como o “direito da 
cidade”, das sensibilidades urbanas, em suma, do cotidiano dos seus habitantes e seus mais 
comezinhos conflitos, suas mesquinharias, pelas quais o poder passará a se interessar cada vez 
mais. Este cotidiano de múltiplas vidas será cadaverizado pela anatomia judiciária, 
enrigecendo as relações “sociais” transformadas em relações “jurídicas”. E assim veremos 
como um “direito processual civil” se tornou possível, com a paulatina sistematização e a 
consequente decomposição científica entre jurisdição, ação, e processo. Por estarmos nos 
detendo exatamente num período de formação da moderna “processualística” civil, contendo 
a divisão entre jurisdição ação e processo, e de constituição da autonomização do direito de 
ação com relação ao direito material, na maioria das vezes mencionaremos cada um dos 
institutos jurídico-processuais ainda indistintamente, na forma como aparecem nas fontes 
historiográficas pesquisadas, o que pode causar alguma vertigem ao leitor acostumado com a 
atual linguagem “técnica”. Mas este é um efeito até certo ponto desejado daquilo que é 
problematizado neste trabalho, isto é, decorre simplesmente do fato de que o lugar ou a 
“natureza jurídica” atribuída nos manuais de processo civil a esses institutos do direito não 
têm nada de “natural”. 
 Um indício dessa hipótese de que a jurisdição civil brasileira refletiu o modelo de 
medicalização social no século XIX, é a ressignificação da palavra “remédio” (“remedium 
juris”) para designar as ações ou os recursos judiciais, que até o século XVIII era um “meio” 
para se perseguir em juízo um direito violado, no caso das ações, ou a correção de um ato do 
juiz praticado no processo, no caso dos recursos. No “Vocabularium Juris Utriusque”, de 
Felipe Vicat, editado na Itália em 1760, não encontramos nenhuma menção quanto ao 
moderno significado da palavra “remédio”, no sentido médico-clínico do vocábulo, tal como 
conhecemos nos dias de hoje. Na verdade, vemos ali que, em meados do século XVIII, a 
palavra “remedium” significava “pro quovis auxilio, faepe etiam pro medio jus suum 
conservandi, vel persequendi accipitur” 12, isto é, um “meio” (“pro médio”) de se conservar 
 
12 VICAT, Philip. Vocabularium Juris Utriusque Ex variis ante editis, praefertium exAlexand. Scoti, Jo. Khal., 
Barn. Brissonii et Jo. Gottl. Heiceccii. Vol. 4, Neapoli. Untibus Joannis Gravier, 1760. p. 162. 
6 
 
ou perseguir um direito qualquer em juízo. Podemos observar, então, que até o século XVIII 
os chamados “remédios jurídicos” eram nada mais nada menos do que as ações que serviam 
como “meio” para alguém obter em juízo o que lhe pertence. Era como se o direito já 
nascesse com a ação ou o “meio” capaz de impor a sua observância caso fosse violado, e por 
isso não havia ainda um direito autônomo das ações em separado do direito material. 
 No entanto, já no século XIX o sentido e o uso da ação muda completamente e passa a 
significar um medicamento para a obtenção de uma cura, tal como nos chegou até hoje. Se 
formos à jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça, encontraremos julgados nos 
quais a palavra remédio é empregada, como, por exemplo, naquele que diz que “a violação da 
lei que autoriza o remédio extremo da rescisória é aquela que consubstancia desprezo pelo 
sistema de normas no julgado rescindendo” 13. Note-se que o “remédio” ali invocado denota 
claramente a ideia de uma droga, de um medicamento “extremo” a ser ministrado no doente, 
ainda mais se considerarmos o universo semântico das ciências médicas utilizado. Outro 
exemplo disso nos dá o mesmo tribunal, desta vez envolvendo a insolvabilidade de uma 
empresa e a necessidade de se atingir os bens dos sócios para a quitação da dívida da pessoa 
jurídica, no qual ficou decidido que “A desconsideração da personalidade jurídica é artifício 
destinado à profilaxia e terapêutica da fraude à lei”14, deixando claro o campo enunciativo, 
próprio da medicina, no qual a palavra “remédio” se encontra inserida. É o que se vê também 
noutros julgados daquela corte, todos a indicar a mudança do espaço de dizibilidade do direito 
processual marcado pela medicina, quer dizer, pela veridicidade que a medicina confere ao 
discurso jurídico, aludindo à ideia de um auxílio ou socorro às partes que batem às portas do 
Poder Judiciário, como a referência ao “remédio escolhido para a proteção” 15 das pessoas em 
litígio, onde encontramos até mesmo o jogo de palavras entre o remédio e seu contrário, como 
no caso do indeferimento de uma reclamação formulada pela parte contra uma decisão já 
transitada em julgado, “evitando-se que um remédio salutar para o ordenamento jurídico 
transforme-se em nefasto veneno contra o Estado Democrático de Direito” 16. Sem falar na já 
bastante conhecida designação dos remédios jurídicos quando referidos às ações estabelecidas 
 
13 BRASIL. STJ. AR 1291/SP, 1ª Seção, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23/4/2008, publicado no Diário de 
Justiça em 02/6/2008. 
14 Idem, REsp 401081/TO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, julgado em 6/4/2006, publicado no 
Diário de Justiça da União em 15/5/2006, p. 200. 
15 Idem, REsp 940314/RS, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, julgado em 23/3/2009 e publicado no Diário de Justiça 
em 27/4/2009. 
16 Idem, AgRg na Rcl 4616, rel. Min. Castro Meira, 1ª Seção, julgado em 10/11/2010, publicado no Diário de 
Justiça em 22/11/2010. 
7 
 
constitucionalmente, os chamados “remédios constitucionais”17, nos quais os requerentes são 
chamados sugestivamente pelo nome de “pacientes”18, numa inequívoca alusão atual à relação 
médico-clínica: “Para se concluir que os pacientes não se dedicavam à atividades ilícitas 
seria necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório (...), o que é incabível 
na via estreita do remédio constitucional” 19. Também em textos doutrinários de direito 
processual encontramos no mesmo plano enunciativo da moderna processualística a 
“enfermidade”, o “tratamento” e o “remédio jurídico”: “se o escopo do remédio jurídico é 
atacar determinada enfermidade, não é ele adequado para atacar outras, cujo tratamento 
cabe às instâncias inferiores e que se supõe por ela terem sido tratadas”20. 
 Não apenas as ações, mas também os recursos judiciais são usualmente designados no 
foro como “remédios jurídicos”, sendo este o título de um livro razoavelmente recente21, cuja 
capa traz desenhado um frasco de comprimidos onde o epíteto aparece como se estivesse 
impressa em seu rótulo22. E a caracterização dos recursos como se fossem remédios para a 
cura de uma doença não para por aí: no subtítulo da referida obra há a inscrição “usos e 
aplicações”, formando um paralelismo com alguns caracteres presentes numa bula de 
remédio23, uma ideia presente em maior ou menor consciência em qualquer manual de 
processo civil. Os tais “usos e aplicações” nada mais são, numa bula, do que as “indicações” e 
a “posologia” ali prescritas, trazendo também algumas advertências visando a eliminação de 
alguns possíveis riscos e evitar “reações adversas” que venham a obstruir os “resultados de 
eficácia”, daí as suas “contraindicações”, “precauções e advertências” etc.. E na medida em 
que o autor desce às minúcias de cada um dos “remédios jurídicos” aos quais se dedica, 
identificamos o que nas bulas equivaleriam às “características farmacológicas” de cada um 
deles. 
 
17 BRASIL. STJ. AgRg no REsp 776972/SP, rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 5/11/2009, 
publicado no Diário de Justiça em 17/11/2009. 
18 Esta designação dos impetrantes do “habeas corpus” como “pacientes” passa a ser usual no século XIX 
(RMDPRC, Vol. 1, 1876, p. 7); e pode ser encontrada mesmo noutros casos, como no do art. 73 do Código de 
Processo Criminal de 1832, em que haja ofensa de pessoa miserável, “... o paciente individual da injúria...” 
(AZEVEDO, Manoel Mendes da Cunha e. Observações sobre Varios Artigos do Codigo de Processo Criminal, 
e outros da Lei de 3 de Dezembro de 1841. Pernambuco: Typographia da Viuva Roma, 1852). 
19 BRASIL. STJ. HC 127837/RJ, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 27/04/2010, publicado no Diário 
de Justiça em 28/06/2010. 
20 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Distinção entre Questão de Fato e de Direito: Reexame e 
Valoração da Prova no Recurso Especial. In: Revista Dialética de Direito Processual. Nº 43. Out./2006, p. 43. 
21 SAN-JUAN, Onestaldo. Remédios jurídicos: usos e aplicações: legislação, doutrina, anotações, modelos de 
recursos no processo civil, súmulas do STJ e do STF e ampla jurisprudência. São Paulo: Iglu Editora, 2000. 
22 Vide Anexo 2. 
23 Os caracteres de bulas de remédio aqui referidos, transcritos por nós entre aspas, são aqueles obrigatoriamente 
estabelecidos pela Portaria número 110 de 1997, da ANVISA. 
8 
 
 Mesmo em se tratando dos chamados “remédios” jurídicos constitucionais, oriundos 
do direito anglo-saxão que foram importados pelo constitucionalismo brasileiro no início do 
século XIX, algumas observações devem ser feitas no que estamos a nos referir. Tomemos o 
“habeas corpus” como um exemplo típico de “remédio” jurídico constitucional, e que foi 
largamente utilizado depois da edição do Código de Processo Criminal de 1832. Antes desta 
data se obtinha resultado semelhante mediante o uso do “interdictum de liberis exhibindis” do 
antigo direito romano. Ele visava restituir ao homem livre a faculdade de “ir e vir”, de acordo 
com um fragmento de Ulpiano no Digesto segundo o qual: “Hoc interdictum omnibus 
competit: nemo enim prohibendus est libertati favere”. Logo, em primeiro lugar, a ideia do 
“habeas corpus” está indissociavelmente ligada aos interditos do direito justinianeu. 
 Pontes de Miranda, vulgarizando este termo no século XX, anotava que Manuel 
Almeida e Sousa de Lobão, ainda em 1829, se referia a este interdito “como remédio 
recuperatório da liberdade física” 24. E se compulsarmos diretamente a referida obra de 
Lobão, intitulada “Tractado encyclopedico, compendiario, pratico, systematico dos 
interdictos, e remédios possessórios geraes, e especiaes, conforme o Direito Romano, Patrio e 
uso das Nações”, queapesar de ter sido publicada em 1829 é, na verdade, uma obra póstuma, 
veremos que este, por sua vez, tem como fonte um jurista florentino do século XVI, Iacobi 
Menochio, de quem toma emprestado todo o vocabulário sobre os tais interditos. Falaremos 
de Lobão mais adiante. No entanto, vale anotar aqui rapidamente que, ao se apoiar em 
“Menochio; o Tractadista Menochio”25 para escrever sobre os interditos e “remédios 
jurídicos” do antigo direito romano e seu uso moderno, ele reteve do jurista italiano o que este 
escreveu sobre os interditos possessórios e os “recuperandae possessionis remedii”, 
denotando claramente que tais “remedii” nada mais eram do que os “meios” disponíveis para 
se recuperar a posse. Assim, ao retomar um vocabulário tipicamente do Seiscentos, Lobão 
também lançou mão da noção de “remédio” como “meio” para se alcançar um fim: 
“Interdictum ergo, unde ui, potissumum suit a Praetore inventum ut remedium, quo deiecto 
esset consultum, ut sine cunctatione pristinae restitueretur possessione, alia post modum sunt 
superaudita remedia recuperandae possessionis...”26. Podemos perceber o sentido geral da 
frase na qual o interdito era considerado um “meio” rápido encontrado pelo pretor para se 
 
24 MIRANDA, Pontes de. História e Pratica do Habeas-Corpus. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos – 
Editor, 1916, p. 107. 
25 LOBÃO, Manuel Almeida e Sousa de. Tractado encyclopedico, compendiario, pratico, systematico dos 
interdictos, e remédios possessórios geraes, e especiaes, conforme o Direito Romano, Patrio e uso das Nações. 
Lisboa: Na Impressão Régia, 1829, p. 40. 
26 MENOCHIO, Iacobi. In omnes praecipuas Recuperandae Possessionis Constitutiones Commentaria. Venetiis: 
Apud Iacobum Leuncinum, 1572, fl. 4vº. 
9 
 
restituir a posse ao seu estado anterior, a exemplo de outros “meios” possíveis existentes no 
direito. Deste modo, o aportuguesamento da palavra latina “remedium” para “remédio” feito 
por Lobão, designando com isso um “meio” para se obter um benefício qualquer, já há muito 
existia entre nós no foro quando se popularizou na formação intelectual brasileira a doutrina 
inglesa e norte-americana do “habeas corpus” na segunda metade do século XIX. E, mesmo 
neste caso, Pontes de Miranda nos dá vários exemplos de que mesmo em língua inglesa o 
sentido era o mesmo, quer dizer, também significava um “meio”. Aliás, Pontes de Miranda 
escrevia textualmente que entre os ingleses no século XIII, quando foi escrito em latim o texto 
da Magna Carta por João Sem Terra, que deu origem ao “habeas corpus”, terminavam-se as 
injúrias “por meio de” quatro mandados, e os enumera: “writ of mainprize”, “writ de odio et 
atia”, “writ de homine replegiando” e o “writ of habeas-corpus” 27. Isto para, logo em 
seguida, dizer que “a esses remédios legais, nem sempre eficazes, preferiram-se as ordens de 
habeas corpus”. Ora, a remissão direta da expressão “por meio de” à palavra “remédio” não 
deixa margem para dúvida sobre o seu sentido de outrora. 
Noutro instante, tecendo Pontes de Miranda comentários sobre a ausência de “recurso” 
por parte de um súdito eventualmente preso injustamente pelo rei como suspeito de traição ou 
felonia, ele transcreve uma frase escrita pelo jurista inglês Henri Hallam em 1823, com o 
seguinte teor: “the party has no remedy against the King”28. E aqui vemos mais uma vez 
como a palavra “remedy” está relacionada ao “recurso”, ao justo “meio” de direito para se 
livrar o cidadão da prisão ilegal. É curioso notar ainda a referência a uma palavra que poderia 
talvez denotar o seu sentido mais moderno, embora adjetivado, como um “remediador” ou um 
“curador”. Neste caso, porém, não se usa a palavra substantiva “remedy”, mas sim, 
“remedial”, designando com isso aquilo que fornece a cura: “Remedial mandatory writ”. Mas 
esta designação, retirada de William Craies, professor de direito do Kings College, é bem 
mais recente, de 1910. 
Um segundo autor que geralmente norteia os estudos históricos brasileiros sobre o 
“habeas corpus” é Rui Barbosa. Quando o “Águia de Haia” ditou suas linhas durante o 
período do Estado de Sítio em 1892, visando à libertação de deputados e senadores presos 
antes e durante o regime de exceção, utilizou a palavra “remédio” para designar o “habeas 
corpus” já com um sentido completamente diferente daquele transcrito por Lobão no início do 
mesmo século. Quando ele sustentava na tribuna e nos jornais que o “habeas-corpus já era 
 
27 MIRANDA, Pontes de. Historia e pratica do Habeas-corpus. Op. Cit, p. 33. 
28 Idem, p. 41. 
10 
 
remédio usual no antigo regime” 29, já estava implícita no vocábulo em questão a moderna 
significação de um medicamento a ser ministrado contra uma doença, uma espécie de 
terapêutica clínica visando à cura de uma patologia. Os autores por ele compulsados, como 
era o caso de Blackstone, Kent ou Story, já pertenciam a uma modernidade marcada pelo 
paradigma das ciências naturais. No entanto, Ruy Barbosa ia mais além. As palavras do juiz 
John Marshall proferidas na sentença do célebre caso norte-americano “Marbury vs. 
Madison”, de 1803, eram as seguintes: “The Government of United States has been 
enphatically termed a government of laws and not of men; it will certainly cease to desserve 
the appellation if the laws furnish no remedy for theviolation of a vested legal right”. A 
tradução desta frase feita por Ruy Barbosa foi: “...esse governo cessaria de merecer tal 
designação, se as leis não ministrassem remédio contra toda violação de um direito legal 
reconhecido”30. Atenção para a forma como a palavra “remédio”, empregada por Marshall em 
1803, é invocada por Ruy Barbosa sofrendo ainda mais claramente um deslizamento 
semântico. O universo lexical do final do século XIX seria outro, pertencente ao campo da 
medicina, o que é evidenciado pela intromissão na tradução do jurista brasileiro da palavra 
“ministrado” que não figurava originalmente no texto. E diga-se que ele chegou a ficar 
conhecido pelas interpolações nos textos jurídicos que traduzia, sendo sistematicamente 
denunciado naquela ocasião por Felisbello Freire através da imprensa31. Ao invés de “fornecer 
um meio” (“furnish no remedy”), no campo enunciativo de Ruy, já completamente moldado 
pela subjetividade burguesa moderna, isso queria dizer que “ministrassem um remédio”, 
denotando da mesma forma como na clínica um medicamento é “ministrado” pelo médico ao 
seu paciente. O mesmo Ruy Barbosa a quem coube fazer as homenagens ao médico higienista 
Oswaldo Cruz, no dia 28 de maio de 1917, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, por 
ocasião da morte daquele que chamava de “nosso grande hygienista”32. Neste discurso, Ruy 
Barbosa desejava “estabelecer a hygiene moral da república”33 em todos os ramos da 
administração governamental. 
Mas este percurso não é simples nem linear assim. A palavra “remédio”, como 
dissemos, designava um meio para uma cura, como um viático, um instrumento, mas, 
também, noutras vezes, aquilo mesmo que através do remédio ao final se busca. É que a arte 
 
29 BARBOSA, Ruy. O Estado de Sítio – sua natureza, seus efeitos, seus limites. Capital Federal: Companhia 
Impressora, 1892, p. 17. 
30 Idem, p. 26. 
31 ODIR, Vol. LIX, 1892, pp. 5-31. 
32 BARBOSA, Ruy. Oswaldo Cruz. A obra scientifica do glorioso creador da medicina experimental no Brasil, 
apreciada pelo Conselheiro Ruy Barbosa, na sessão cívica de 28 de Maio de 1917, no Theatro Municipal. Rio 
de Janeiro: Manguinhos, 1917, p. 27. 
33 Idem, p. 42. 
11 
 
de curar em latim significava “arte medendi” 34, de forma que as palavras dela derivadas, 
como “medicar”, “mediar” e “remediar” possuem evidentemente um sentido bastante 
próximo. E ao dar origem à forma verbal “remediar”, muitas vezes não significava tão 
somente dar-se um “meio” de pôrfim ao mal, mas a própria garantia da cura do mal, de 
qualquer mal. Não necessariamente uma cura de um mal enquanto uma enfermidade do corpo, 
em seu sentido médico-clínico, como o temos hoje em dia, até mesmo porque a medicina se 
constituiu como o saber sobre a cura apenas modernamente. Muitas vezes ela quer significar o 
próprio fim almejado. E isto torna o trabalho do historiador de separar um e outro caso muito 
difícil. 
Um exemplo disto no campo do direito reside na própria tradição do direito romano, 
especificamente nas Instituições de Gaio (Inst. III, 88), onde são apontadas as duas causas das 
obrigações como sendo ou o contrato ou o delito (“omnis enim obligatio vel ex contractu 
nascitur, vel ex delicto”). Acontece que nas Instituições de Justiniano no lugar da palavra 
“delicto” é utilizada a palavra “maleficio” (Inst. III, 13, § 2.), sendo desta vez apresentadas 
não apenas duas, mas quatro as formas pelas quais nascem as obrigações (“Omnium autem 
obligationum... Sequens divisio in quatuor species deducitur: au, enim ex contractu sunt, aut 
quase ex contractu, aut ex maleficio, aut quase ex maleficio”). A mesma palavra “maleficio” 
aparece ainda no Digesto, num fragmento de Gaio (Dig., XLIV, 7, 1), sendo esclarecido, em 
seguida, que o “maleficio” poderia decorrer “ex furto, ex damno, ex rapina, ex injuria” (Dig., 
XLIV, 7, 4), ou seja, num sentido amplo, ela abarcava todo e qualquer tipo de “mal” a ensejar 
um “remédio”. Esta mesma palavra “maleficio” adquiriu uma inscrição moral toda própria na 
cristandade, encontrando na Idade Média um forte registro no “Malleus Maleficarum”, escrito 
em 1484 por dois inquisidores dominicanos alemães, Heinrich Kramer e James Sprenger. 
Neste livro, segundo eles, “Maleficium, significa exatamente praticar o mal e blasfemar 
contra a fé verdadeira (Maleficae dictae a Maleficiendo, seu a male de fide sentiendo)” 35. No 
entanto, o que podemos perceber é que a duplicidade de sentido da palavra “remédio” parece 
sofrer uma transformação no final do século XIX e início do XX, exatamente quando este 
vocábulo passa a significar de uma maneira hegemônica um fármaco, um medicamento, um 
antídoto. Para o direito, de um modo geral, seja no foro comum, seja nos estreitos meandros 
do direito constitucional, podemos perceber que também o conceito de “remédio jurídico” 
deixa paulatinamente de designar um meio (“pro medium”), para significar um medicamento 
 
34 PINHO, Sebastião Tavares de. Humanismo em Portugal. 2 vols. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 
2006, p. 275. 
35 KRAMER, Heinrich e SPRENGER, James. Malleus Maleficarum – O Martelo das Bruxas. Rio de Janeiro: 
Editora Rosa dos Tempos S.A., 1991, p. 77. 
12 
 
a ser sempre ministrado num caso de uma “patologia social” qualquer, como um comprimido 
a ser ingerido toda vez que o equilíbrio, a normalidade, ou a ordem, são ameaçados ou 
violados. Domenget, no século XIX, ao comentar as instituições de Gaio, já traduzia a palavra 
“maleficio” por “delito” 36, na tentativa de retirar o aspecto moral dos institutos do direito e 
dar a eles uma roupagem mais técnica, mais científica. No caso da palavra “remédio” ligada 
às ações judiciais a diferença é semântica e também política, passando a realizar na 
modernidade o ideal hegeliano de que, em primeiro lugar, “o processo, que começara por ser 
um meio, passa a distinguir-se da sua finalidade como algo de extrínseco”37 e que, como 
consequência, “pelo exercício da justiça, o dano contra a propriedade e contra a 
personalidade é anulado38”, quer dizer, ocorre a supressão de todo e qualquer dano ao regime 
de patrimonialidade através do exercício da jurisdição, permitindo a homeostase do 
organismo social, tão cara ao desenvolvimento do capitalismo. Esclarecemos, contudo, que ao 
falarmos do deslizamento de conceitos entre campos epistemológicos, avançamos em direção 
daquilo que Deleuze e Guattari chamaram de “tipo rizoma” na análise dos fenômenos 
linguísticos, que se utilizado na historiografia, sobretudo na história dos conceitos, na análise 
da sua polifonia, nos permite fazer um descentramento da medicina ou de qualquer outro 
campo do saber como único detentor perpétuo destes ou daqueles significantes, considerando 
que estes sempre se comunicaram com outras dimensões e outros registros linguísticos39. A 
luta pelo monopólio do sentido é histórico, senão a nossa própria história. 
 Desta maneira, tentaremos explicar como, no mundo luso-brasileiro, onde até a 
primeira metade do século XVIII, a preocupação dos praxistas eram as controvérsias 
cotidianas debatidas no foro (“quò magis inter forenses quotidianas cõtroversias autes 
personat”), como encontramos num texto jurídico português de 174440, seria feita uma 
inversão na qual é o próprio cotidiano que passaria a ser inteiramente controvertido nos 
tribunais, normalizado também através da jurisdição, ou melhor, pelo uso diário das ações 
cíveis, o instrumento da jurisdição civil que teria a medicina social como modelo. Apesar de 
tradicionalmente no Brasil chamarmos tanto o médico quanto o advogado pelo título de 
“doutor”, em decorrência da sanção, pela Regência Trina, da Resolução da Assembleia Geral 
 
36 DOMENGET, M. L. Institutes de Gaïus, traduites et annotees, avec le texte em regard. Deuxième Édition. 
Paris: Librairie des Jurisprudence de Cotillon, 1847, p. 375, § 75. 
37 HEGEL, G. W. F. Princípios da Filosofia do Direito. Lisboa: Guimarães Editores Lda, 1990, p. 206. 
38 HEGEL, G. W. F. A Sociedade Civil Burguesa. Lisboa: Editorial Estampa, p. 51. 
39 DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995, 
Vol. 1, p. 16. 
40 BRITO, Didaco a. Commentaria copiosíssima, judicibus, advocatis, theologis, in Scholisque versantibus 
maximè utilia, ac necessária, ad Rubricam, Titulumque omnem de Locato & Conducto. In Civitate Virginis: 
Apud Emmanuelem Pedroso Coimbra, Anno Domini MDCCXLIV, fol. 1. 
13 
 
Legislativa de 16 de Setembro de 1834, autorizando as Escolas de Medicina e os Cursos 
Jurídicos de Olinda e São Paulo a conferirem o grau de doutor a todos os seus egressos, para 
efeito desta tese, a alcunha de “doutor” que aparece no título designa o agir do jurista 
encarnado de médico ao enunciar a “norma”, isto é, ao dizer o que vem a ser o normal através 
do direito – o “doutor (médico) da lei” –, passando a manipular, desde o final do século 
XVIII, cada vez mais conceitos próprios do campo de estudo das ciências médicas. Ele se 
apresenta como o “medicum”, o que medica, o que cura, aquele que trata de uma patologia 
social qualquer através do uso de uma tecnologia de poder cada vez mais neutra, indolor e 
generalizante: o processo. O direito processual civil surge a partir dessa nova perspectiva, de 
uma outra maneira de conceber o uso da instituição judiciária como instrumento de 
intervenção na sociedade, aparecendo pela primeira vez como cadeira independente do direito 
civil na Universidade de Coimbra, pelo alvará de 16 de janeiro 1805, sob a denominação 
“Forma Judicial”. Mas a ação ainda não seria um direito autônomo, o que deveria aguardar até 
a década de 1860. A jurisdição teria a medicalização como modelo de controle social, 
acompanhando os seus progressos, suas investidas, sua expansão nas mínimas atividades 
cotidianas do homem, no mesmo passo em que o mesmo cotidiano é cada vez mais 
contratualizado. A saída em determinado momento foi “normalizar” pela contratualização 
todas as relações sociais em sua crescente complexidade, seja no momento em que começam, 
se desenvolvem e terminam, como expressão do binômio “contratar” e “distratar”. Como 
consequência, o uso das ações judiciais teria lugar cada vez que o ameaçador “arbítrio” 
teimasse em se fazer presente, colocando a lógica contratualista em perigo, servindo para o 
reequilíbrio destasrelações agora consideradas como “jurídicas”. Era o que sentia o jurista 
português Manuel Borges Carneiro nas Cortes em 1822: “A jurisprudência sempre foi e há-de 
ser uma ciência, vasta, difícil e complicada porque o são os negócios da vida civil” 41. Desta 
maneira, “jurisdicizar” e “judicializar” as relações humanas serão na modernidade duas faces 
de um mesmo fenômeno. Numa palavra, era preciso intervir nos conflitos cotidianos 
“processualmente”42. Foi adotando um modelo medicalizante de tais relações que o direito 
poderia estender seus tentáculos para todos os lados, acima e abaixo, se imiscuindo em todas 
as frestas, removendo as eventuais barreiras que porventura pudessem obstar as trocas numa 
 
41 Apud CASTRO, Zilia Osorio de. Cultura e Política: Manuel Borges Carneiro e o Vintismo. Lisboa: Instituto 
Nacional de Investigação Científica/ Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1990, 
Tomo I, p. 292. 
42 MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1958, Vol. I, p. 
259. 
14 
 
sociedade de direitos, e que ao final será por ele sempre clinicamente reequilibrado, repondo 
em circulação o capital onde ele é golpeado. 
 Apesar de o pensamento de Michel Foucault ter alcançado grande repercussão entre os 
juristas com o livro “Vigiar e Punir”, o que pretendemos aqui é trazer para o campo jurídico 
algumas reflexões delineadas por este autor noutras obras como “As Palavras e as Coisas”, a 
“História da Loucura”, “A Vontade de Saber” e “O Nascimento da Clínica”, para pensarmos 
como o próprio tribunal da lei, a prática judiciária do discurso da soberania, atuou também 
numa espécie de “cura” de uma “patologia social” 43. Em vista disso, acreditamos que a 
“jurisprudência”, agora já não mais tomada somente como simples repositório de decisões 
judiciais, mas sim, de saberes, discursos, técnicas e procedimentos que instrumentalizam a 
moderna jurisdição, visou atuar “clinicamente” na sociedade a partir do século XIX. Nas 
palavras de Roberto Machado, a medicina social forneceria ao poder de Estado o apoio 
científico indispensável na modernidade44, numa relação que não é de justaposição ou de 
apropriação, mas de imanência, na medida em que o próprio Estado seria completamente 
outro, isto é, “a medicina social, com seu novo tipo de racionalidade, é parte integrante de 
um novo tipo de Estado. Novos termos, novo tipo de relação” 45. 
De um modo geral, Georg Rusche e Otto Kirchheimer foram quem pela primeira vez, 
em 1939, mencionaram a figura do juiz como sendo uma espécie de “médico social” 46. 
Entretanto, foi Georges Canguilhem quem demonstrou mais detalhadamente, em sua tese de 
doutoramento publicada em 1943 sob o título “O Normal e o Patológico”, a possibilidade da 
apropriação de conceitos específicos do campo da medicina pelas ciências sociais e jurídicas. 
A partir do comentário do livro “De l’irritation et de la folie”, de Broussais, feito por Auguste 
Comte em 1828, Canguilhem pôde perceber então na França o deslizamento de “um princípio 
 
43 O uso acadêmico nas Humanidades da expressão “patologia social” foi cunhado por Robert King Merton para 
designar a mudança de eixo de uma patologia do indivíduo para uma patologia do social, aquilo que Gilberto 
Velho problematizou como sendo “uma sociedade ‘doente’, ‘instável’ e ‘mal-integrada’, em situação de anomie. 
Representaria um desvio ‘extremo e hipotético’ de um ritmo e funcionamento ‘normais’. É óbvia a analogia 
organicista.”. In VELHO, Gilberto (Org.) Desvio e Divergência: Uma Crítica da Patologia Social. Rio de 
Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 14. 
44 MACHADO, Roberto et alii. Danação da norma: a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. 
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978, p. 155. 
45 Idem, p. 157. Mais adiante: “Não pode haver dicotomia entre medicina e Estado; a ação de uma não começa 
aonde a do outro acaba. Não há justaposição. Como também não se trata de apropriação. Não é o instrumento 
científico e neutro da medicina que, oferecendo-se a uma ação governamental, seria utilizado segundo uma 
percpectiva ideológica deformadora de seu núcleo de racionalidade”. (Idem, p. 234). 
46 RUSCHE, Geoeg e KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura Social. Rio de Janeiro: Freitas Bastos/Revan, 
1999, p. 189. Mas não se detiveram especificamente na apropriação dos conceitos das ciências biológicas pelas 
ciências humanas tal como feito pelos outros autores aqui mencionados. Cf. NEDER, Gizlene. Iluminismo 
Jurídico-Penal Luso-Brasileiro: Obediência e Submissão. Rio de Janeiro: Freitas Bastos/Revan, 2007, pp. 169-
173. 
15 
 
de nosologia investido de uma autoridade universal, inclusive no campo da política” 47. Neste 
livro, o criador do positivismo entusiasmava-se com as perspectivas abertas pela patologia 
clínica própria das ciências biológicas e o seu deslizamento para os estudos morais, sociais e 
políticos, cujos desvios deveriam ser entendidos dali em diante como as “enfermidades” do 
“organismo coletivo”48. Esta ideia inicial de Canguilhem acabou por influenciar toda uma 
geração, “ou quase” 49, como diria mais tarde Gilles Deleuze, incluindo-se dentre os seus 
seguidores. Outro discípulo direto de Canguilhem foi Michel Foucault. E talvez nenhum outro 
pensador antes dele tenha levado tão longe e tão a fundo a principal teoria do seu mestre, 
podendo ser nitidamente identificada ao longo de toda a obra foucaultiana. 
Em “O Nascimento da Clínica”, por exemplo, é abordada a transposição semântica de 
conteúdos de um campo do saber para outro, exatamente no momento em que se constituíam 
os seus domínios, ao problematizar o surgimento da medicina científica e das tecnologias que 
cercaram o “corpo da doença”. De outro bordo, não se pode compreender as considerações 
sobre o “biopoder” estampadas no livro “Vigiar e Punir”, de 1975, contendo ainda as técnicas 
do exame, do inquérito e da internação, sem a imbricação entre as práticas médicas e políticas 
em sentido amplo, embora estivesse investigando a relação entre a loucura e o crime. Ao dizer 
das operações “que integram diretamente no processo de formação da sentença”, que “a 
sentença que condena ou absolve não é simplesmente um julgamento de culpa”, ou que “o 
juiz não julga sozinho” 50, ele estava pensando unicamente no processo penal subsidiado pelo 
saber médico. Principalmente por ser o processo penal aquele no qual a sentença desemboca 
numa pena, interessando-lhe, especialmente, a pena de prisão. O próprio subtítulo do livro 
“Vigiar e Punir” é o “nascimento da prisão”, um pequeno detalhe, mas que diz muito. 
Todavia, aqui nesta tese estamos focados no modelo moderno de jurisdição unicamente civil, 
ou preponderantemente civil, nas relações privadas entre os sujeitos, em suas 
patrimonialidades, suas trivialidades, seu cotidiano, e nisto nos afastamos tematicamente das 
concepções foucaultianas geralmente levadas para o terreno da criminologia. Mesmo na 
elaboração do conceito de “exame” e de como ele é absorvido pelos procedimentos 
inquisitoriais policiais e judiciais, o que não deixa de ter relação com o que sugerimos nesta 
tese, ainda assim é do regime de penalidade que se trata. 
 
47 CANGUILHEM, Georges. O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 28. 
48 Idem, p. 29. 
49 PELBART, Peter Pál, ROLNIK Suely (Orgs.) Cadernos de Subjetividade. Núcleo de Estudos e Pesquisas da 
Subjetividade do Programa de Estudos Pós-Graduandos em Psicologia Clínica da PUC-SP. V. 1, n. 1 (1993) – 
São Paulo, 1993, p. 27. 
50 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 24. 
16 
 
 Entretanto, acreditamos que o deslizamento das práticas e dos conceitos da medicina 
para o âmbito jurídico não ficou restrito aos regimes de penalidade,noutras palavras, pode 
não ter ficado adstrita à legislação criminal, as regras do processo penal, a medicina-legal, a 
psiquiatria e a psicologia forenses, todas elas como espectros da “política criminal” fundada 
como tecnologia moderna de poder que tinha como objeto a salvaguarda ou “defesa social” do 
nascente mundo burguês. Toda esta tecnologia criminológica tinha como alvo os indivíduos e 
coletividades considerados “anormais”, aqueles sujeitos “desviantes” que do ponto de vista 
médico traziam consigo uma “patologia social” qualquer a revelar o perigo social que ele 
representaria, assim como, em contrapartida, justificar a sua exclusão do convívio social. 
Entrariam nesta categoria os loucos, os criminosos, os vadios, as prostitutas, os sodomitas e 
outros tantos “infames” a serem entregues às “instituições da violência”, como nomeou 
Franco Basaglia àquelas instituições que ocultam e disfarçam a violência da exclusão51, como 
o manicômio, a prisão, o asilo, o hospital, a fábrica etc., todas elas aos cuidados dos seus 
respectivos especialistas e suas técnicas disciplinares52. Esta “violência” que é um pressuposto 
da jurisdição, do “dizer o direito”, assim como qualquer outro ato de fala é em si mesmo um 
ato de poder: “não é calando fisicamente que a ação do juiz se revela melhor, mas apagando 
pela palavra argumentos ou partes inteiras de um discurso que não deve ser considerado” 53, 
como assevera J. A. Guilhon Albuquerque, para concluir, logo em seguida, numa perspectiva 
que antecipa a relação de poder para o terreno da linguagem, que “Essa censura é, portanto, 
um efeito de palavra, como é efeito de palavra o discurso que anula e reproduz a palavra 
viva das partes” 54. É este viés que nos permite ver como o discurso técnico-judiciário toma 
inevitavelmente o cotidiano como sendo o seu domínio privilegiado, na mediação das trocas 
simbólicas que permeiam toda uma subjetividade, fazendo com que escondidamene “a 
repressão entre nos hábitos” 55. 
 Foi em “O Nascimento da Clínica”, no entanto, que Foucault chegaria mais perto do 
que estamos a chamar a atenção ao afirmar textualmente que “a primeira tarefa do médico é 
política” 56. O que sugerimos aqui é uma inversão desta frase para vermos como, na 
 
51 BASAGLIA, Franco (Org.). A instituição negada: Relato de um hospital psiquiátrico. Rio de Janeiro: Edições 
Graal, 1985, p. 101. 
52 Por caminhos outros que não estão diretamente ligados aos limites e objetivos propostos nesta tese, Giorgio 
Agamben fala também numa “violência mítico-jurídica” a ser desmascarada (AGAMBEN, Giorgio. Estado de 
exceção. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 97). 
53 ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Instituição e Poder: a análise concreta das relações de poder nas 
instituições. Op. Cit., p. 73. 
54 Idem. 
55 Idem, p. 70. 
56 FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica. Op. Cit., p. 37. 
17 
 
modernidade, a jurisdição se distanciou do modelo anterior calcado essencialmente na 
repressão, no suplício e no espetáculo, para investir cada vez mais em estratégias 
“medicalizantes”, visando à “cura” dos males do “corpo” social. Dito de outra maneira, 
queremos ver como a tarefa do juiz passa a ser “médica”, no sentido de uma determinada 
“clínica” da sociedade através do uso das ações judiciais que no dia-a-dia incorporaram o 
papel de “remédios” jurídicos, com suas formas e procedimentos nosológicos. Neste 
momento a jurisdição cumpriria uma nova função inspirada nos postulados e procedimentos 
da medicina social e sua política higiênica, visando menos à veiculação de uma “saúde” 
abstratamente considerada, do que o reequilíbrio das relações jurídicas entre os sujeitos 
quando ameaçadas ou rompidas, “algo como uma homeostase” 57. As chamadas “práticas 
médicas” que segundo Luis Antônio Baptista58 cuidarão da cidade e entrarão nos espaços 
como os hospitais, cemitérios, escolas, fábricas e famílias, também reivindicarão o seu 
ingresso na máquina judiciária, agora reprogramada para o fim de cuidar de cada recôndito 
impenetrável da cidade, homogeneizando os comportamentos através do gerenciamento dos 
conflitos. É uma máquina que monopoliza os litígios, racionalizando as “crises” patrimoniais 
incidentes sobre a vida, a honra, o corpo, a fortuna, a família, o comércio e tudo o mais a que 
nos remete o dia-a-dia da vida moderna. 
 Noutro momento Foucault lançou, numa pequena frase, um pensamento, uma ideia 
que, muito embora já estivesse latente em suas obras, surge como um arremate das suas 
teorizações dizendo, sobre as disciplinas, que “a sua jurisprudência será a de um saber 
clínico” 59. O emprego dessa palavra “jurisprudência” está relacionado às disciplinas das 
ciências naturais que não formam propriamente um conjunto de julgados que em direito, isto 
é, que no discurso da soberania, se denomina “jurisprudência”. Discurso da soberania que é 
genealogicamente o da lei e da justiça, não o das disciplinas. É que essa palavra 
“jurisprudência” possui para nós atualmente uma significação toda própria, adstrita aos casos 
julgados nos tribunais. Porém, Foucault já havia mostrado que Mathieu Géraud, no início da 
Revolução Francesa, apresentou um projeto para a criação de um “Tribunal de Salubridade”, 
no qual o acusador poderia denunciar “todo particular que, sem ter feito prova de 
capacitação, interferisse em outro homem, ou em animal que não lhe pertence, no que diz 
respeito à aplicação direta ou indireta da arte salubre” 60. Sobre este projeto, o comentário 
 
57 FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). Op. Cit, p. 297. 
58 BAPTISTA, Luis Antonio. A Cidade dos Sábios: Reflexões sobre a dinâmica social nas grandes cidades. São 
Paulo: Summus, 1999, p. 25. 
59 FOUCAULT, Michel. Soberania e Disciplina. Op. Cit., p. 189. 
60 Apud FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica. Op. Cit., p. 33. 
18 
 
de Foucault foi que “Os julgamentos deste Tribunal no que concerne aos abusos, às 
incapacidades, às faltas profissionais deverão constituir jurisprudência no estado médico” 61. 
Obviamente que se a proposição feita durante a Revolução de 1789 referia-se unicamente à 
“arte salubre”, isto é, ao controle do exercício da medicina e não ao direito, somos levados a 
concluir que esta “jurisprudência do estado médico” a qual ele fazia menção não era 
exatamente a “jurisprudência” que se diz em direito62. 
 Também é preciso perceber, no que tange a essa chamada “jurisprudência clínica” ou 
“médica”, que na França diversos manuais e tratados de medicina legal foram escritos no 
século XIX sobre “Médecine Légale et le Jurisprudence médicale”, como as obras de Eusèbe 
de Salles, A. Lutaud, L. Guerrier, Henri Bergeron. Nas palavras de Eusèbe de Salles, por 
exemplo, a expressão “jurisprudence médicale” significava a “coleção de leis, regulamentos, 
decisões das autoridades em relação ao ensino e à prática da medicina, cirurgia e farmácia” 
63. Outra expressão tipicamente francesa do Oitocentos para designar este campo específico da 
medicina legal era a “Médicine Judiciaire”, na síntese de Lacassagne, em 1886, “a arte de 
emprestar o conhecimento médico ao serviço da administração da justiça” 64, o mesmo que 
dez anos antes escrevera o seu “Précis d’hygiène privée et sociale”, o que já é revelador das 
preocupações médico-higienistas do autor e seus possíveis desdobramentos na administração 
da justiça criminal. É nesta particularidade histórica da literatura médico-legal francesa que 
temos que situar o emprego da palavra “jurisprudência”, no sentido de uma jurisprudência de 
um saber clínico, tal como realizado por Foucault65. A rigor, ele não poderia estar falando do 
lugar da lei e do direito, porque estava interessado justamente em esboçar uma teoria do poder 
que não fosse essa da soberania, mas sim, a do “biopoder”. Não estava ele, portanto, a se 
referir ao quese denominava na França “jurisprudence des arrests”, esta sim, própria dos 
tribunais judiciais e mais facilmente reconhecível pela nossa tradição luso-brasileira. E é 
justamente a esta jurisprudência a que nos referimos ao pensa-la como uma forma de “clínica” 
da sociedade através de seus “remédios jurídicos”. 
 
61 FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica. Op. Cit., p. 33. 
62 Em sala de aula Foucault já havia enfatizado que estava falando de uma “jurisprudência” das disciplinas, ao 
dizer que “sua jurisprudência, para essas disciplinas, será a de um saber clínico” (FOUCAULT, Michel. Em 
Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 45). 
63 No original: “... le recueil des lois, ordonnances, décisions de l'autorité relativement à l'enseignement et à 
l'exercice de la mèdicine, de la chirurgie et de la pharmacie” (SALLES, Eusèbe de. Traité de Médecine Legale 
et Jurisprudence Médicale. Paris: Adolphe Delahys, Libraire, 1855, p. VI). 
64 No original: “l'art de mettre les connaissances médicales au service de l'administration de la justice” 
(LACASSAGNE, A. Précis de Médicine Judiciaire. Paris: G. Masson, 1886, p. 28). 
65 Também em sala de aula Foucault enfatizava que estava falando metaforicamente de uma “jurisprudência” das 
disciplinas, ao dizer que “sua jurisprudência, para essas disciplinas, será a de um saber clínico” (FOUCAULT, 
Michel. Em Defesa da Sociedade (...). Op. Cit., p. 45). 
19 
 
 Tenhamos em mente ainda, a este propósito, que quando Foucault formulou a teoria 
do biopoder, coube a Jeremy Bentham um destacado protagonismo por ter expressado o 
panoptismo das sociedades disciplinares, demonstrando arquiteturalmente a mudança do eixo 
do poder do corpo do rei para o corpo social: “O Panóptico de Bentham é a figura 
arquitetural dessa composição” 66. Ora, mas talvez um indício de que as disciplinas passaram 
também a sustentar o direito processual civil está no próprio Bentham. Não é fora de 
propósito que o autor do “panopticon” tenha se interessado amiúde pelas regras jurídico-
processuais, pela prática do foro, enfim, pelo processo civil, tendo escrito várias obras 
dedicadas a este tema. Em primeiro lugar, foi escrevendo sobre a organização judicial que 
Bentham formulou a hipótese de que a justiça não seria mais exercida em nome do rei, como 
parte do “corpo” do rei, mas em nome da sociedade67. Em segundo lugar, foi ele também que 
cunhou para as regras processuais a denominação de “leis adjetivas”, em oposição às regras 
de direito material e que seriam as “leis substantivas”, no que encontrou inúmeros seguidores 
por toda parte. Por fim, também não se deve ao acaso a circunstância de ter sido Bentham 
pródigo em relacionar a jurisdição com a medicina. Pois uma das maiores descobertas do 
utilitarismo foi, inicialmente, as técnicas de individuação e documentação dos casos forenses 
imprescindíveis para a efetivação dos direitos materiais individualmente considerados, 
chegando a um maior número de indivíduos possível pela ambivalente visibilidade (no 
processo) e invisibilidade (social) de um juiz “a quem pertence, como médico do corpo 
político, descobrir a natureza da enfermidade e prescrever a cura” 68. E, como consequência, 
a utilidade social do uso das ações judiciais, onde a almejada maximização dos direitos há de 
ser compreendida num contexto de majoração produtiva, naquilo que favorecesse ou que 
fosse “útil” ao acúmulo de capital. O “cidadão” moderno é, por definição, um sujeito de 
direitos atribuídos pela lei, e quanto mais ele é detentor de direitos, monta-se em torno dele 
uma rede de proteção destes direitos quando são porventura violados. É daí que surge a 
importância “medicinal” das ações e o correlativo benefício social que elas proporcionam. 
 Foi inclusive ao se debruçar sobre a organização judiciária, sobre o aparato judiciário, 
que Bentham formulou a expressão que é a síntese do utilitarismo: “a maior quantidade de 
bem-estar para o maior número de pessoas” 69. Estas mesmas pessoas, por esta razão, seriam 
 
66 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Op. Cit., p. 177. 
67 BENTHAM, Jeremias. Tratados sobre la Organizacion Judicial y la Codification. Tomo. I. In Colecion de 
Obras del Celebre Jurisconsulto Ingles Jeremias Bentham, Tomo IX. Madrid, 1843, pp. 21-25. 
68 BENTHAM, Jeremias. Tratados sobre la Organizacion Judicial y la Codification. Tomo. II. In Colecion de 
Obras del Celebre Jurisconsulto Ingles Jeremias Bentham. Op. Cit., Tomo X, p. 156. 
69 BENTHAM, Jeremy. De L’Organisation Judiciaire, et de la Codification. In Oeuvres Completes de J. 
Bentham. T. 3º. Bruxellas: Louis Hauman et Compagne, 1830, p. 1. 
20 
 
consideradas, segundo ele, “justiciables”, quer dizer, numa tradução livre para o português, 
pessoas “justiciáveis”. Esta palavra é atualmente traduzida por “litigantes”, embora o léxico 
francês nos traga melhor a ideia do que hoje se tem por “jurisdicionados”, uma espécie de 
“clientela” da jurisdição. Mas até o século XVIII esta palavra “justiciables” 70 estava restrita 
àqueles sujeitos à jurisdição ordinária, isto é, àqueles sujeitos às jurisdições onde se resolvia 
os diferendos com base no direito comum71, em oposição às leis especiais e principalmente ao 
direito eclesiástico. Mas logo se vê que ela passou a ter o seu emprego ampliado por Bentham 
e, depois dele, por outros juristas ao longo do Oitocentos, como na “Répétitions Écrites sur 
L’Organization Judiciaire, La Compétence et La Procédure em Matière Civile et 
Commerciale”, de M. Frédéric Mourlon, em 1885, para abarcar a totalidade das pessoas 
“tuteláveis” jurisdicionalmente72. Não nos esqueçamos de que em direito a noção de tutela é 
ligada da infantilização (“infans”), de quem não é capaz de gerir a si mesmo e por isso não 
tem voz, ou seja, que não pode falar por si. A utopia iluminista kantiana, numa definição já 
consagrada na filosofia, nos dá exatamente esta ideia da saída do homem do “estado de 
menoridade”. Pois bem, a noção de certa forma ingênua de uma “tutela jurisdicional” traz 
consigo esta ideia de que as pessoas são tuteláveis, ou seja, de que se pode e deve geri-las, o 
que numa perspectiva mais ampla, implica numa sociedade inteira, como um “corpus”, que 
deve ser controlado. E se voltarmos à frase de Bentham, veremos que o seu utilitarismo cuida 
de devolver o “bem estar” das pessoas, sendo impossível não nos remetermos neste lugar para 
o “mal-estar” causado pela violação de direitos, como sendo o “estatuto do sujeito no mundo 
moderno” 73, para talvez pensarmos o papel que a jurisdição pode ter numa “cura” do que se 
considera ser atualmente a própria “condição humana”. 
 Nesta linha de raciocínio, essas pessoas, quando se tornam “justiciáveis” e passam a 
ser mediadas pelo direito, guiadas pela técnica de um especialista no manejo das ações 
 
70 No texto original em inglês Bentham escreveu a palavra “justiciables” entre aspas, denotando ser em francês 
(BENTHAM, Jeremy. Justice and Codification Petitions. London: Printed by C. and W. Reynell, Broad Street, 
1829, p. 15). 
71 FERRIERE, MM. Claude-Joseph. Dictionnaire de Droit et de Pratique, Contenant L’explication des Termes 
de Droit, d’Ordennances, de Coutumes & de Pratique. Tome Second. A Paris: Chez Brunet, MDCCLV, pp. 110 
e 148. 
72 No original em francês: “La même raison qui explique la permanence, à savoir la nécessité de ne pas laisser 
chômer la justice, a conduit à décidèr que les tribunaux seraient sédentaires. L'accès de la justice serrait, en 
effet, et par la force des choses, fermé aux justiciables, à de certains moments, si les juges se déplaçaient pour 
aller tenir des assises dans les diverses localités de leur circonscription; aussi, doivent-ils juger ai chef-lieu de 
leur circonscription et dans le local qui leur a été

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